Turistas de Hong Kong descobrem cozinha portuguesa à boleia de falso prato nacional

Reportagem de Catarina Domingues, da agência Lusa

O levantamento das restrições anti-pandémicas trouxe a Macau um recorde de turistas de Hong Kong, muitos dos quais descobrem a gastronomia portuguesa através de um prato falsamente atribuído a Portugal.

O pedido mais frequente que os turistas de Hong Kong fazem ao chegar ao In Portuguese Food é ‘pou gwok gai’, que em cantonês quer dizer galinha portuguesa. José Alves, proprietário do restaurante, não se cansa de explicar: “Galinha de caril não é um prato português e eu não vou copiar o que os outros têm”.

A designação e o bom nome deste prato macaense têm levado muitos turistas a procurar no território a cozinha portuguesa. “Perguntam se tenho comida genuína portuguesa, eu respondo que sim, e depois dizem: Então quero ‘pou gwok gai'”, conta à Lusa José Alves, explicando que o prato foi “criado em Moçambique pelos indianos”.

Por volta das oito da noite de quinta-feira, os clientes que se encontram no In Portuguese Food são de Hong Kong e do interior da China. Logo à entrada, onde Alves janta sozinho, ouve-se música portuguesa. Turistas vão parando lá fora, detêm-se à frente do menu, elaborado em chinês, português e inglês.

Cerca de 25% dos clientes que visitaram o espaço durante o ano novo lunar (21-27 de janeiro) são da região vizinha, estima o responsável. “Desde que abriram as fronteiras, noto que há mais turistas de Hong Kong a comer nos restaurantes, principalmente nos portugueses”, acrescenta José Alves, que admite ter “grandes expetativas” em relação a este grupo de visitantes com “maior poder de compra”.

Os números oficiais sustentam isso mesmo: das 451 mil pessoas que passaram por Macau na primeira semana da festividade, 165 mil vieram da ex-colónia britânica, ou seja, 36,6%.

Denny Lui, natural de Hong Kong, passou pelo 86 da rua Correia da Silva por um acaso. À mesa, encontra-se para já um prato de ameijoas e outro de arroz de marisco, mas Lui e as três pessoas que o acompanham encomendaram ainda uma dose de leitão e outra de sardinhas.

“Natural e simples”. É assim que Lui define a gastronomia portuguesa, outro acaso nesta passagem por Macau. “Vim para jogar”, afirma. À mesa, todos se riem. O homem prossegue: “Passei metade do dia no casino”. Ganhou? “Não o suficiente para pagar este jantar”.

Do In Portuguese Food até ao Santos, outro restaurante português na vila da Taipa, são poucos minutos a pé. Uma instalação com luzes néon, junto à rua do Cunha, ilumina quem por aqui passa à noite. Turistas atravessam com urgência o largo. Sentados entre a multidão, grupos de jovens olham o telemóvel, duas mulheres picam tripas de vaca, negócio que faz fila ali perto.

Jeff e Jack, também de Hong Kong, mandaram vir no Santos ‘pou gwok gai’. “[A comida] tem um sabor semelhante à de Hong Kong”, realça Jeff. “Existem paladares especiais e diferentes”, contrapõe Jack.

“Os turistas de Hong Kong e do interior da China pedem muito ‘pou gwok gai’ e eu digo que só tenho galinha com molho fricassé, que é parecida e que é o que eu sirvo”, conta à Lusa Santos Pinto, explicando que a popular galinha portuguesa, “que não é um prato português”, é confeccionada com coco.

Também nesta casa benfiquista, com as paredes revestidas com cachecóis do clube de futebol português, os turistas de Hong Kong têm chegado em peso durante o Festival da Primavera, na sequência do levantamento da restritiva política ‘zero covid’, em vigor nos últimos três anos. “São cerca de 30%”, calcula Santos Pinto.

“Eles entram aqui e dizem ‘long time no see you’, porque já eram meus clientes. Muitos amigos de Hong Kong não vinham há muito, algumas crianças cresceram, eu tirava fotos com elas e agora aparecem mais velhas. Tem sido uma alegria muito grande receber estas pessoas todas, só não tenho mãos a medir”, diz o alentejano de Montemor-o-Novo.

Antes da pandemia, também Andrew Lawrence, empresário sul-africano a trabalhar em Hong Kong há mais de duas décadas, tinha por hábito vir ao território todas as semanas. Regressou na quinta-feira pela primeira vez desde a mudança da estratégia de Macau para a pandemia. À mesa, sabores que faziam falta: amêijoas à Bulhão Pato, entrecosto grelhado, uma garrafa da Quinta do Crasto – “o vinho português é ótimo e de preço acessível, não é?” “Agora que estive em Portugal, aprecio mais e percebo melhor a origem da comida”, diz.

A longa ligação de Lawrence a Macau e à comunidade portuguesa levou o sul-africano a aprender a língua e a investir numa casa em Lisboa, através do programa dos vistos ‘gold’. “E ainda a apoiar o Sporting”, completa.

5 Fev 2023

Guia Michelin quer “colocar Portugal no mapa da culinária mundial”

A gastronomia portuguesa está a evoluir rapidamente e o Guia Michelin quer colocar Portugal no mapa da culinária mundial, disse o director internacional da publicação, justificando a decisão de passar a apresentar a selecção de restaurantes de forma independente.

“Os nossos inspetores têm vindo a acompanhar a evolução da paisagem culinária, há anos. A decisão que partilhámos de publicar uma selecção dedicada é porque não só acreditamos no potencial da actual cena culinária portuguesa, mas também porque estamos ansiosos e acreditamos definitivamente que mais irá acontecer”, afirmou, em entrevista à Lusa, o director internacional do Guia Michelin, Gwendal Poullennec.

O responsável anunciou na semana passada, na gala de apresentação da edição de 2023 do Guia Michelin Espanha e Portugal, que decorreu na cidade espanhola de Toledo, que as cerimónias de apresentação das selecções de restaurantes dos dois países passarão a ser realizadas de forma separada, algo inédito em mais de uma década.

Portugal, disse, “é um lugar cada vez mais atraente para jantar fora e o cliente será ainda mais exigente e isso contribuirá para elevar a fasquia”. “Para nós, o futuro da cozinha portuguesa parece muito brilhante, com um ritmo de desenvolvimento realmente forte”, sustentou Poullennec.

“Queremos colocar Portugal no mapa da culinária mundial, com um espaço de tempo e um evento dedicados para colocar o centro das atenções na identidade culinária portuguesa”, comentou o director internacional.

O facto de Portugal passar a ter uma selecção autónoma e um evento próprio para o anúncio não é sinónimo de que os restaurantes nacionais venham a conquistar mais distinções ou mesmo a classificação máxima de três estrelas (‘cozinha excepcional, merece uma viagem’) – algo que nunca aconteceu até agora.

“Aplicamos a mesma metodologia em todo o mundo, não temos números predefinidos, nem comprometemos os nossos valores ou a nossa abordagem”, salientou.

Boas notas

Na edição do próximo ano do guia ibérico, Portugal conquistou cinco distinções de uma estrela (‘cozinha de grande nível, compensa parar’), totalizando 31 restaurantes com esta classificação e sete com duas estrelas (‘cozinha excelente, vale a pena o desvio’).

Instado a comentar o que falta aos restaurantes portugueses para alcançarem a distinção máxima, Gwendal Poullenec respondeu: “Talvez aconteça e esperemos que aconteça um dia”. “Há muitos países no mundo sem restaurantes a nível de três estrelas. A Tailândia, por exemplo, que é uma potência culinária, não tem restaurantes com três estrelas”, comentou.

O guia de 2023 reúne um total de 1.401 restaurantes em Espanha, Portugal e Andorra, incluindo 13 com três estrelas, 41 com duas estrelas e 235 com uma estrela, além de 831 recomendados pela sua qualidade (135 novos, 15 em Portugal).

Os inspectores do Guia Michelin, que trabalham de forma anónima, valorizam a qualidade dos produtos, o domínio dos pontos de cozinha e das texturas, o equilíbrio e harmonia dos sabores, a personalidade da cozinha e a regularidade.

29 Nov 2022

Gastronomia | Livro com receitas da diáspora chega em Outubro

Tiago Martins, franco-português, lança em Outubro o livro “L’Histoire du Portugal dans mon assiette” que inclui mais de 60 receitas portuguesas e factos histórico-culturais sobre o país. A cultura e a história de Macau estão presentes na conta de Instagram de Tiago Martins

 

O livro “L’histoire du Portugal dans mon assiette” chega em Outubro às livrarias em França, com mais de 60 receitas e factos históricos sobre a gastronomia portuguesa compilados por Tiago Martins, um franco-português que faz sensação nas redes sociais.

“Já no Instagram eu falava de gastronomia e de história de Portugal. Com a pandemia e a popularidade crescente da minha conta, conheci pessoas, conheci a editora Cadamoste e começaram a surgir algumas ideias, resolvemos então escrever este livro há dois anos. Houve muita pesquisa, fui muito a Portugal, do Norte ao Sul, fui a restaurantes, mas o mais difícil foi coordenar os mais de 60 ‘chefs’ que estão no livro”, disse Tiago Martins em declarações à Lusa.

Na conta “Portuguese Facts”, na rede social Instagram, Macau surge explicado num vídeo de um minuto que destaca as especificidades culturais do território, como é o caso da presença da toponímia em português, das Ruínas de São Paulo ou da Calçada Portuguesa. Destaque ainda para uma publicação onde Tiago Martins fala de alguns dos mais importantes monumentos do território, como é o caso da Fortaleza do Monte ou a zona do Leal Senado, entre outros. De frisar ainda, uma outra publicação sobre o bairro português de Malaca, na Malásia.

Tiago Martins nasceu em França, mas os pais são da aldeia da Barrenta, perto de Leiria, tendo tido sempre um interesse pela história e geografia de Portugal. A conta de Instagram foi crescendo, tendo agora mais de 14 mil seguidores. Sem formação em cozinha, este franco-português recorreu então a ‘chefs’ em Portugal e fora do país para reunir cerca de 60 receitas de pratos tradicionais portugueses.

“Eu sei cozinhar, mas eu não tenho legitimidade para escrever uma receita. O que eu queria era um livro colaborativo, gosto muito dessa ideia por sermos uma diáspora solidária. Assim, cada receita tem um chefe diferente porque cada um tem uma ideia diferente da cozinha portuguesa”, explicou.

Pratos globais

Assim, no livro “L’histoire du Portugal dans mon assiette”, ou “a História de Portugal no meu prato”, pode-se encontrar a receita de orelha de porco com ovos ou polvo à lagareiro acompanhado por húmus, pratos tradicionais, muitas vezes reinventados por ‘chefs’ com origens portugueses em França, Suíça, Alemanha, Angola, Macau, Áustria, Canadá, Estados Unidos da América, entre outros.

Mas Tiago Martins lembra que este é mais do que um livro de receitas portuguesas em francês. “O livro não tem só receitas. Tem também anedotas históricas e curiosidades, alguns pratos mais estranhos. Mas falo também dos produtos portugueses, da fruta portuguesa, como o ananás dos Açores, e também dos vinhos espirituosos”, explicou.

Assim, todos os pratos são acompanhados de factos históricos e das suas origens como a sopa do vidreiro, da Marinha Grande, ou a chanfana. Tiago Martins também incluiu episódios das suas viagens sempre que se deparou com lendas que dão vida a estes pratos típicos.

O jovem franco-português não gosta só de escrever sobre a gastronomia, gosta também de a provar e tem os seus pratos preferidos. “É um prato preferido de muita gente, mas adoro bacalhau à Brás. Adoro quando os ovos não estão muito cozidos. Mas também adoro o bacalhau à Gomes de Sá, mas esse não me atrevo a cozinhar porque o da minha mãe é muito bom. No livro, temos uma receita do bacalhau à Gomes de Sá de um ‘chef’ alemão, que é muito diferente, mas a essência está lá”, indicou.

O livro estará nas livrarias francesas a partir de 13 de Outubro, com uma tiragem de 4.000 exemplares, e Tiago Martins tem já pedidos de outros pontos do mundo, como Estados Unidos, para uma tradução em inglês, pensando também na possibilidade de traduzir o livro para português.

26 Set 2022

Festival da Lusofonia | Chefe Kátia Barbosa em Macau para mostrar o bolinho de feijoada

[dropcap]A[/dropcap] Semana Cultural da China e dos Países de Língua Portuguesa trouxe a Macau a conceituada chef brasileira Kátia Barbosa, famosa em todo o mundo por ter criado o bolinho de feijoada. A iguaria pode ser provada no restaurante Rio Grill, na Doca dos Pescadores, durante esta semana.

Ao HM, Kátia Barbosa recordou o processo de descoberta de uma receita que já a levou a países como Portugal, Dinamarca e França. “Essa receita, na verdade, partiu de uma memória afectiva. Lá no Brasil, sobretudo no nordeste, temos o hábito de fazer um bolinho apertado com a mão, de arroz, feijão e farinha, que chamamos de capitão. A minha mãe me dava a comer isso quando era pequena.”

Depois de ter passado por um festival de botequins em Minas Gerais e ter provado um pastel de feijão que não era aquele que imaginava, Kátia Barbosa decidiu pôr mãos à obra.

“Comecei a testar o bolinho e só me senti bem em mostrar o bolinho às pessoas meses depois, foi um processo longo, de muito trabalho, pesquisa, de tentar. Quando dei para um amigo meu provar, ele disse ‘nossa, isso tem gosto de feijoada’. E eu disse que ele tinha acabado de me dar uma ideia louca. Decidi colocar couve, torresmo, as carnes e a farinha, que já estavam na massa. E cheguei a esse bolinho de feijoada.”

Kátia Barbosa trouxe também o caldo de mandioca, mas quem passar esta semana na Doca dos Pescadores pode também experimentar o típico churrasco brasileiro, como disse Lúcio Leal, chefe residente do Rio Grill, natural de Porto Alegre.

“A nossa maior assinatura é o churrasco brasileiro, a feijoada e o buffet de saladas. Acho que são as estrelas do momento neste restaurante e damos ênfase à feijoada brasileira, porque o churrasco toma conta do espaço e acaba fazendo com que o Brasil seja só churrasco, e nós não somos só churrasco. Somos Kátia Barbosa, temos a culinária feita no tasco e no botequim.”

Para Lúcio, “é muito importante” poder participar nesta semana cultural, além de ser importante contar com a presença de Kátia Barbosa. “Ela é mundialmente conhecida pela criação do bolinho de feijoada. Ela fez um caldo de mandioca, uma receita caseira da mãe dela. Se eu pudesse definir Kátia Barbosa, diria simplicidade”, rematou.

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17 Out 2018

Le César, Taipa Velha | Os pratos estão lançados

Beber um café pela manhã ou tomar o pequeno-almoço no Le César, na Taipa, passou a ser um hábito de muitos que cá vivem. Diogo Geraldes abriu agora um segundo espaço na zona da Taipa Velha, mais virado para a restauração. Lá podem encontrar-se pratos portugueses que ainda ninguém provou cá

[dropcap style≠’circle’]H[/dropcap]á 13 anos que o Le César funciona junto ao Parque Central da Taipa e foi um dos poucos espaços que disponibilizou o típico café português, quando beber café estava longe de ser um hábito comum em Macau.

O negócio cresceu e, recentemente, Diogo Geraldes, proprietário, decidiu abrir um restaurante com o mesmo nome na zona da Taipa Velha. Lá poderão provar-se as iguarias do costume, como é o caso da francesinha, mas há também novidades, como o arroz de robalo com amêijoas.

“Temos a cozinha genuína portuguesa, temos alguns pratos que a maior parte dos restaurantes portugueses já tem. Temos alguns pratos novos. Que eu saiba, ainda não estão a ser feitos em Macau”, contou o responsável ao HM.

O novo restaurante é “amplo”, com capacidade para 60 pessoas. Habituado a servir sobretudo locais, Diogo Geraldes vira-se agora para um tipo de clientela diferente: os turistas que todos os dias passeiam num dos lugares mais populares do território.

“É um novo desafio, também em termos de visibilidade. São públicos-alvo diferentes. No café a nossa clientela é 99 por cento de residentes de Macau, enquanto neste novo espaço, devido à sua localização, vamos com certeza, e já estamos a receber, bastantes turistas de todas as nacionalidades.”

Ainda assim, a curiosidade leva a que muitos dos habituais frequentadores do Le César acabem por almoçar ou jantar no novo espaço.

“Um espaço de referência”

Diogo Geraldes recorda o início de um negócio que já fez história e que faz parte do dia-a-dia de quem cá vive. “O Le César já tem bastantes anos e é um espaço de referência, sem dúvida”, considerou.

“Temos grupos de portugueses e até chineses que só vão lá para comer a francesinha. Temos um grupo de clientes portugueses que, de há uns anos para cá, almoçam lá só por causa das francesinhas. É um espaço de referência não só para quem vive na Taipa, mas para toda a comunidade portuguesa e até de estrangeiros, incluindo chineses”, acrescentou o proprietário.

Quanto ao projecto original, ou seja, o café que abriu portas em 2004, mantém-se igual, apesar das obras realizadas há alguns meses. “A filosofia e o projecto continuam os mesmos”, defendeu Diogo Geraldes.

Há espaço para todos

Com a abertura de mais um restaurante com comida portuguesa, o responsável considera que o conceito está longe de se esgotar no mercado da restauração.

“A maior parte dos restaurantes portugueses em Macau são de sucesso e têm clientelas boas, e isso mostra que o conceito está longe de estar saturado. Há uns meses vi um estudo de uma revista que mostrava que os turistas têm bastante motivação para experimentar a gastronomia local. Os chineses não vêm a Macau para comer comida chinesa. Desde que os projectos sejam de qualidade e tenham mérito, há ainda espaço para alguma restauração portuguesa”, frisou.

Além de servirem os pratos mais típicos, os restaurantes portugueses que abriram portas no território souberam inovar na oferta ao cliente, defendeu.

“É difícil fazermos uma gastronomia tal e qual se faz em Portugal, porque em Macau não há muitos produtos. Tem havido alguma inovação, no princípio tínhamos o conceito das sardinhas e frango assado, mas hoje já temos restaurantes a fazer coisas completamente diferentes”, rematou Diogo Geraldes.

5 Jul 2017

Food Truck, espaço de pronto-a-comer | “Quis ir buscar receitas antigas”

Pedro Esteves orgulha-se de ter aberto a primeira roulotte de Macau que vende a típica bifana portuguesa. É certo que o veículo foi instalado dentro de uma loja comum, mas o engenho não roubou o lado tradicional dos petiscos portugueses

[dropcap style≠’circle’]C[/dropcap]omer uma bifana ou um cachorro quente enquanto se bebe uma cerveja é comum em Portugal, sobretudo em feiras, festivais ou concertos. Em Macau, não há roulottes, nem a legislação permite a existência desse tipo de negócios nas ruas. Ainda assim, Pedro Esteves, há muito ligado ao sector da restauração, não desistiu da ideia. Assim que encontrou uma loja para arrendar, descobriu-a na Rua dos Ervanários, soube que tinha o local certo para fundar a Food Truck Company.

“Há muito tempo que queria ter uma roulotte na rua, mas isso não existe aqui. Então tive a oportunidade de abrir essa roulotte dentro de uma loja, tive de arrendar a loja para poder desenvolver o conceito. Temos bifanas, couratos, entremeadas, só produtos portugueses. Gostava que a lei mudasse e que fossem permitidos vendedores ambulantes, para podermos fazer isto na rua”, contou ao HM.

Com a casa aberta apenas há algumas semanas, Pedro Esteves já nota o sucesso da sua ideia. “O negócio está a correr bem, tanto em termos de locais, como de turistas.” Apesar disso, muitos estranham que a Food Truck Company seja algo totalmente diferente de um café ou restaurante.

“As pessoas de Hong Kong conhecem, mas as pessoas de Macau não percebem bem o que é isto, se é uma carrinha a sério. É verdadeira, mas não tem motor. Esta é a primeira roulotte em Macau, está é dentro de uma loja.”

Os petiscos são muitos e variados. “Não há cá a nossa bifana, e a minha bifana é a mais parecida possível à bifana portuguesa. Uma simples costeleta de porco como as que fazem aqui não tem nada que ver. Vou fazer também hambúrgueres vegetarianos”, conta Pedro Esteves que, para já, é o único a gerir o negócio, a atender clientes e a trabalhar atrás do balcão.

“Estou com problemas de mão-de-obra e quero ter locais. Não tenho mais ninguém para me ajudar e não é fácil fazer tudo. Tenho de tratar das compras, confecção da comida, atendimento ao público. É por isso que estou a fazer uma pré-abertura”, disse.

Mas nem só de comida se faz este espaço. Isto porque o local onde funciona a Food Truck Company tem ainda expostos trabalhos do fotógrafo António Mil-Homens.

Os petiscos de sempre

Na carrinha improvisada há petiscos para todos os gostos, sem esquecer as cervejas, o café português e o chá chinês. “Quem entra aqui é como se estivesse a entrar dentro da cozinha”, assume Pedro Esteves.

“A nossa gastronomia tem muita coisa por explorar. Nunca vi ninguém a fazer couratos em Macau. Quis ir buscar receitas antigas. Queria fazer uma casa de petiscos também, e aí ia buscar petiscos como morcela com ananás, peixinhos da horta, coisas que temos na nossa gastronomia que não existem em Macau. Porque pratos como arroz de pato ou amêijoas toda a gente tem”, defende.

Esta não é a primeira vez que Pedro Esteves se aventura no mundo dos tachos e panelas. Há vários anos em Macau, o português já foi gerente de um restaurante português e chegou mesmo a viver na China, em Cantão.

“No ano passado tive um projecto em São Lázaro, para fazer uma espécie de Bairro Alto, queria fazer um festival de caracóis também, mas a ideia acabou por não ir para a frente. Acabei por abrir apenas um supermercado, mas em São Lázaro, na altura, as coisas ainda estavam mortas e decidi fechar, pois iria perder dinheiro. Fiquei desempregado quase um ano e encontrei este negócio. Estou a começar do zero”, diz.

Na Food Truck não há mesas nem cadeiras, os clientes encostam-se ao balcão enquanto o cozinheiro pega na frigideira e prepara os petiscos que se comem à mão, com a ajuda do guardanapo. Em Macau ainda restam alguns vendilhões de comida, mas as regras mandam que, quem compra, pegue no ta-pao e vá conversar para outras paragens. Na Food Truck, tal como mandam os costumes portugueses, fica-se à conversa entre uma ou outra cerveja.

> Food Truck Company, Rua dos Ervanários,  N.º31 (ou Rua Nossa Senhora do Amparo, N.º 26)
22 Mar 2017

Ricardo Alves, Chef de cozinha: “Sinto-me bem aqui”

[dropcap type=”circle”]S[/dropcap]e lhe falarmos sobre os bifes tão famosos da cervejaria mais conhecida de Macau, a Portugália saberá identificar qual é a cara por trás do sabor? O HM esclarece. Chama-se Ricardo Alves e é o chef que guarda o segredo do molho que conquista apreciadores gastronómicos há 85 anos.

Engane-se quem acredita que para a cozinha só é bom quem nasceu com o gosto. Ricardo Alves é exemplo disso. Formado em Engenharia Mecânica, o engenheiro trocou os fios por panelas, abandonou a produção de máquina para se dedicar por inteiro à produção gastronómica. “Cheguei a um ponto enquanto estava a tirar o curso de Engenharia que me sentia completamente desiludido com a área, percebi que não era de todo aquilo que queria fazer”, começa por contar Ricardo Alves.

A cozinha não era uma paixão “mas tornou-se depois”. O que aconteceu é que o jovem chef abraçou uma “oportunidade que surgiu” na área da cozinha e, como é curioso, foi experimentando. “Gostei muito e já lá vão 15 anos de cozinha”, relembra.

Já fez um ano que o chef chegou ao território e não se arrepende nada do ‘sim’ que disse quando recebeu o convite para embarcar nesta aventura. Antes de chegar a Macau, Ricardo Alves já fazia parte da equipa da cervejaria há mais de cinco anos. “Trabalhava na Portugália no departamento de inovação e desenvolvimento, como cozinheiro criativo. Depois disso passei para a chefia da cervejaria da Almirante Reis [Lisboa] e foi aí que me foi apresentado o convite da empresa para vir para [Macau]”, conta o chef ao HM.

Degrau a degrau

Separar a figura de Ricardo Alves à cervejaria não faria sentido. Envoltos sobre o azulejo português que serviu como mote de decoração para o restaurante, acolhido numa das ruas mais típicas da Taipa, Ricardo Alves explica ao HM as dificuldades que sentiu com o projecto.

“O primeiro impacto foi o estranhar tudo, adaptar-me a um cenário completamente diferente, tanto profissional como pessoalmente. Foi preciso conhecer o mercado, que é muito diferente”, relembra Ricardo Alves.

Quando chegou, o chef pensou que seria mais fácil e rápido abrir a cervejaria. “Houve todo o tipo de imprevistos que podiam existir, desde burocráticos a técnicos de obra, tudo o que tinha que correr mal, correu”, recorda, sorrindo agora, enquanto relembra o verdadeiro desafio que foi.

Por todos esses obstáculos no caminho, a inauguração do espaço sofreu um atraso de seis meses, mas o dia e a casa cheia compensaram tudo. “O momento mais glorioso que tive desde que aqui estou, foi, obviamente, a abertura da Portugália”, conta com o sentimento de dever cumprido.

Mercado de duas faces

Completamente absorvido pelo trabalho, Ricardo Alves, aproveita o muito escasso tempo livre que tem para se passear por Macau. Não há um sítio preferido, até porque tudo se torna bom quando o tempo para aproveitar é pouco.

Mesmo com pequenas arestas a limar no que diz respeito às questões logísticas que um restaurante implica, Ricardo Alves não esconde a excelente oportunidade que Macau proporciona principalmente nesta área”, em que a oferta é tão vasta.

“A grande diferença aqui, neste lado do mundo, é como as coisas funcionam. A interligação com o fornecedor, os clientes… Mas o trabalho de chef é exactamente o mesmo”, explica Ricardo, destacando o contacto com os clientes que tem sido muito gratificante.

Aqui estamos bem

Deste chef, que se mostra adepto de qualquer gastronomia, pode esperar-se muito, principalmente criatividade. De espírito curioso, Ricardo Alves não esconde as surpresas que gosta de implementar nos seus menus e isso mesmo vai acontecer no restaurante onde trabalha.

“Apesar de estar preso a um conceito neste momento, gosto muito de experimentar coisas novas. Especialmente no início da carreira tentei experimentar gastronomia diferente, desde coreana, vietnamita, francesa, italiana… tentei beber de todas as fontes. Experimentar, conhecer outros trabalhos e tentar adaptar tudo”, enumera, admitindo que não há um tipo de prato que prefira fazer, mas a cozinha tradicional portuguesa é uma das suas escolhas. “O que eu gosto é de mostrar os vários pratos, das várias gastronomias”, brinca.

Por norma, Ricardo Alves é o tipo de pessoa que deixa a vida acontecer, sem excessivas preocupações, ciente que tudo pode mudar. Por isso, à pergunta sobre o futuro, o chef sorri e diz: neste momento é estabilizar este restaurante e depois logo se vê.

“Não sou pessoa de fazer planos a longo prazo e de ter uma meta traçada, estou tranquilo aqui”, afirma, rematando a conversa com um “estou bem neste lado do mundo. Sinto-me bem aqui”.

22 Jun 2015