Amélia Vieira Artes, Letras e Ideias hExpulsão [dropcap]- N[/dropcap]ós – somos nós! – Trazemos essa força que isola intriga e está a mais. Ou nós, os que o são, enlouquecem os que estão? Seja como for, nada é mais intrigante e único que um ostracizado: incómodo, sem uma adjetivação que seja passível de adaptar-se-lhe, que num país de banidos, de génios, e extremados exemplos morais, cada ser reserve para si a sua caricatura para a representar na farsa colectiva. Outrora o papel de vítima seria mais um distintivo sacrificial, quase um emblema de regeneração, e as vítimas, não raro, eram de tal ordem maníacas que se autoflagelavam, exercendo sevícias para espantar a malignidade sabe-se lá de quê, mas funcionava nelas tal noção, que em casos assim mais vale recorrer ao masoquismo duro e simples por parte de um terceiro que munido de antipatia representativa chicoteie até ao êxtase, que para aquele que gosta de sofrer (ou deseja, curiosidade mórbida) qualquer grau de intensidade parece sempre aquém do desejado, tanto, que o carrasco lhes faz a vontade e por vezes até os mata. Assassino! – exclamam as gentes – pode não ser exactamente assim: pode ser apenas um ser usado para uma perfídia, a qual, também dali, não saiu sem prazer, sem um reviralho de apoteose final, pois assim como um ser se educa por várias e vitoriosas tentativas da vontade, outros há que se diluem na busca por formas escatológicas de prazer. Geralmente estes atormentados da escarninha vida lusa são um amontoado de gentes febris e repulsivas, um enfileirado demencial, escarro, sangue e fezes que ardilosamente incita ao vómito e ao recriar de outras intoleráveis manifestações. O estrebuchar do verme vai-lhes à goela como o oral sexo do juiz face a lamurientos interrogatórios de petizes, e, quer a arruaça ainda venha longe já há uma enorme ejaculação verbal com sinais vermelhos para identificar o grau de viscosidade de alguma eventual patranha. Não será uma pura análise o que aqui se trata, pois que para analisar este grau de coisas será necessário uma boa dose de “trampa” misturada à literacia e à iliteracia, ovacionada nas carrancas que todos ousam destapar por aí, será mais, como dizer… um apanhado do célebre «Escárnio» que «Maldizer» é coisa de fêmea e de fêmeos (os fêmeos poetisos ). Este calcanhar é tanto de Aquiles como de Jacob: ambos ficaram coxos pois que é uma parte da ligação que compromete o equilíbrio do corpo – população de coxos – que anda de pé. Sim! E sem a tão popular dor de costas não repararíamos nos atrasados graus de evolução… ainda lhes custa andar de pé, e o melhor, sempre, é que este vasto rebanho se sinta desconfortável e ameaçado frente ao bípede, que nos seus cóccix , consegue o erecto ainda ver vestígios de uma antiga cauda. Nada tem a ver com posições ideológicos que há muito foi perdendo dimensão, estamos numa outra margem onde se dá uma súmula de ataques infecciosos. Não teremos certamente razões para grandes delírios circunstanciais depois que a pandemia chegou, mas a ovação dada a uns e a outros tem afectado os mais incrédulos que bizarramente parecem também vítimas de incapacidade crónica. O vaivém de dissabores aliado a uma hipnótica apologia de regime não traduz a inquietação de uma atmosfera bisonha onde todos com mais ou menos talento tentam blindar alguém, desclassificá-lo, numa orfandade argumentativa que só a jactância lhes admite. Há um policiamento cromático neste estranho reino que se polícia a propósito de tudo e de nada, e um cansaço demagógico que raia a demência pública. Melhores dias virão, ou a expulsão?(…) Haja o que houver temos de não sentir o que estes esboroares da razão nos impõem com supremacia estroina adiantada pela incorreção e por solilóquios que sempre nos parecem de extremo mau gosto. Mas o gosto de gostar não será retirado jamais àqueles que gostando, muito mais que desgostando, se vão desta cada vez mais bizarra situação se libertando. Esperemos que não se autoexcluam, estes viveiros de gentes bizarras, da sua própria e ténue condição humana que é dada por elementos ainda mais frouxos que as suas próprias pretensões. ….e Deus expulsou-o do jardim do Éden………… depois, colocou a oriente querubins com espadas flamejantes, guardando assim a árvore da vida Génesis 3-23.
António Cabrita Diários de Próspero h | Artes, Letras e IdeiasTempos de carne e de pedra 10/04/20 [dropcap]A[/dropcap] vida? O melhor desempate que conheço. Mesmo em confinamento, transborda e excita as rotinas do sonâmbulo. Recebi as provas do meu livro de poesia Tristia, o livro em que mais se reflecte a minha vida em Moçambique e que terá 350 páginas. Este livro levantará celeumas, mais um daqueles sobre quem, no território onde foi escrito, se levantará as dúvidas do costume quanto à questão da pertença. O livro de um branco, português, em Maputo? Rejeite-se. Confesso-me absolutamente nas tintas. É um livro “entre”, absolutamente pós-colonial, que pertencerá a quem o quiser e, fora ideologias e patriotismos, ame a poesia. O resto, é-me indiferente. Até por raramente ter, como me acontece com este livro de amor que é simultaneamente uma ulcerada panorâmica da diáspora, a percepção de que será absolutamente marcante na minha trajectória. Com Tristia traça-se um antes e um depois, ao ponto de achar que depois deste livro, acabado em 2018, tenho insistido em escrever poesia por vício e tagarelice, ao modo de uma engasgada musiqueta, que demora a silenciar-se. Ademais, este é o meu livro menos formalista, cheio de ossos e carne, muito sangue e algum pus. Ainda me espanta a sua espessura, no tanto que tem para dizer, ao mesmo tempo que não prescinde do fingimento poético. Depois dele – a que levei mais de dez anos a chegar – e da sua diferença o mais sensato será dedicar-me ao bandolim ou à roleta (no xadrez adormeço ao décimo quinto lance) ou quando muito investir mais no romance. No género poético, até acho mais vital traduzir alguns grandes livros do que bordar no refugo. E como me encontro toujours en retard, palpita-me que o melhor que escreverei será póstumo e terá de ser lido nos meus ossos em carbono catorze. Nada disto tem importância, ou só a tem para mim, até ao dia… pois, de póstumo só recordo a primeira filhós que comi aos cinco anos, dado que como outras a minha vida será sem fantasma. 11/04/20 Volto aos livros póstumos do Bolãno – um craque – e encontro esta passagem: «(…) li que Nadeshda Jakovlevna Jhazina, leitora excepcional, autora de dois livros de memórias, um deles chamado Contra toda a Esperança, e mulher do poeta assassinado Osip Mandelstam, participou, segundo a sua mais recente biografia, em relaciones triangulares em companhia do seu marido e que a notícia havia causado estupor e decepção nas filas dos seus admiradores, que a tinham por uma santa. A mim, pelo contrário, fez-me feliz sabê-lo. Percebi que em pleno inverno Nadeshda e Osip não se congelaram e isso confirmou-me que ao menos intentaram ler todos os livros.» Também eu acho espantoso e provoca-me felicidade sabê-los tão heterodoxos – nenhum tipo de repressão nos agarra quando a nossa liberdade é interior. Entretanto, se quiser ler o excepcional Contra Toda a Esperança, encontra-o aqui: https://ebiblioteca.org/ 12/04/20 Leio duas coisas que me atordoam: o governo moçambicano recuou na decisão de decretar que os transportes públicos moçambicanos só se movimentem com um terço da lotação. Eu, que mandei a minha empregada para casa para ela não andar de chapa, irei amargar do meu remédio mais três ou quatro meses, pois vai ser uma orgia para o querido corona. Bom, o Estado não tem nem meios para indemnizar as transportadoras pelo prejuízo que tal arrecadaria, nem terá outro modo de acautelar o descontentamento popular devido ao estorvo que tal medida aos seus modos de subsistência, estando a maioria da população condenada à precaridade do negócio informal, à vidinha dia a dia. Depois dos focos de guerra que se intensificam, ao centro e ao norte, o governo não quer pagar o preço político que tal medida implicaria. A breve prazo, o prejuízo e o caos serão muito maiores; o governo apenas adiou dois males, agravando-os a jusante. O outro texto que li e me surpreendeu é meu. Só hoje me dei conta, ouvindo-o lido pelo José Anjos, na rádio, da amplitude do significado destes versos – falo dos que agora sublinho: «(…) É esse o mar que me fascina, mais/ do que o que se estampa/ no magnético, oleoso e galopante/ vir e retrair-se das ondas: // o mar que é o peito de um deus/ que procura fora de si o pulsar / do seu coração. Como aliás se intui/ nas paisagens marítimas de William Turner.» É este o tipo de Deus que precisaríamos, cabe nele a minha compreensão do que seja a compaixão: só um Deus não ensimesmado, que localiza fora de si, em nós, no mundo, o seu pulsar cardíaco, se empenharia em salvar-nos. Um Deus a milhas da omnipotência católica, mas também incapaz de exigir-nos a inexorável obediência do deus do Islão, pois afinal é no exterior a si que está o seu âmago. Creio que mais uma vez estamos sozinhos, ou entregues à ciência, sempre em atraso na vida, aliás como nós. 13/04/20 Um poema do americano Kenneth Rexroth que eu traduzi, No ar quente de Abril: «Nus no ar quente de Abril,/ estendidos sob os pinheiros/ na ensolarada reentrância de uma falésia./ Tu ajoelhas-te sobre mim e noto/ pequenas incisões vermelhas nas tuas espáduas,/ como mordeduras, no sítio/ onde as pinhas calcavam a carne.// Encontramos as mesmas marcas,/ turvando as linhas dos estratos, na falésia, /por cima das nossas cabeças. Sequoia/ Langdorfii antes do período glacial,/ e sempervirens nos nossos dias; entre elas a diferença é mínima/ comparada com o desfilar dos anos.// Aqui, no doce e moribundo odor/ das flores primaveris, rejeitados,/ dois destroços em comunhão -/ os nossos corpos frescos e nus/ que a sombra desta árvore uniu./ Pelo espaço de um instante,/ escapámos à rudeza do amor,/ do amor perdido, do amor/ traído. E o que poderia ter sido/ e o que era, afeiçoaram as suas linhas/ àquilo que é – para unicamente/ deixar estes ideogramas/ impressos sobre os imortais/ hidrocarbonatos de carne e de pedra.”
Amélia Vieira h | Artes, Letras e IdeiasIlusão [dropcap]M[/dropcap]aya é como as fundas Primaveras que nos agarra aos sentidos que reféns querem toda a manifestação das fomes trazidas, não por acaso Maio se nos dá em festa e das Maias são feitas as belas grinaldas das flores da Estação. Trazemos sentidos para as cores, imagens, cheiros e miragens, e nelas firmamos verdades que nos parecem eternas, como o germinar e o florir antes que se esgote o tempo de tão fecundo estar. Há quem se entranhe no mundo e mais não veja que o ciclo das coisas que o anima, são por si só os grandes animados, os soberbos animistas, as forças elementares em círculo nas fontes do desejo e na miragem da necessidade perpétua. Mas valerá ressalvar os diálogos perdidos que o prólogo de «Eclesiastes» 1, capítulo 2, traz a esta janela: “ilusão das ilusões: tudo é ilusão” que em latim é conhecida por :” vanitas, vanitatum et omnia vanitas”: mudada para vaidade, mas sinónima. Todo o capítulo nos fala então do espectro ilusório e, se a abordagem não é simples devido ao carácter compósito da obra, ela abre o princípio da interrogação que torna um texto litúrgico muito rico e até diferente daquilo que estamos habituados, as reflexões mantém-se no trilho de uma autoanálise que se aproxima do ciclo poético da intervenção, em algumas passagens vamos encontrar a Roda como ciclo do eterno retorno, noutras, a dúvida acerca das realizações humanas e tudo o que isso significa, até essa natureza criada da imagem que em nós projecta a miragem das coisas e do mundo. Fala-nos ainda do tempo das coisas sem nenhum juízo de valor incluído, e em toda essa maravilha vemos que uma vida que se quer conseguida terá necessariamente de as abranger, é um mantra ritual do conhecimento humano talhado apenas para ser. – Alude ao que ilude a resposta vã – nós que somos iludidos sempre que nos queremos mais velozes nem por isso estamos preparados para acarretar a desmesura dos erros nem conseguimos tirar as ideias feitas dos grandes observadores que somos que dizem coisas sem reconhecer quem as faz, ou quem as disse, ou porque foram ditas, e assim, na rigidez mental de uma forma de agir construímos imagens, conceitos e ideias que só a quimera mais terrível sabe fabricar. Dessas assombrações fazemos realidades, verdades, construímos conceitos, forjamos a moral, mas, o ser de que se fala, a coisa falada é até que aflore a bocas assim um completo desconhecido, somos vítimas da linguagem como submissos imprudentes, e dela não merecemos mais que a crítica constante e muitas vezes pertinaz. Se de ilusão o nosso tecido mental é feito, ela protege-nos todavia de realidades terríveis e assombrosos vislumbres de impossíveis. Morreríamos de dor ao não conseguir recorrer a uma galopante abstracção que nos desviasse das fronteiras cerradas da condição, mas não será bom derrubar as formas graves que subjazem a toda ela, não para a negar, mas para nos fazer mais conscientes da felicidade breve e do bem que é sentirmos que a conquistamos: como o livro dos amantes que diz que o ser amado primeiro se possuí e só depois se conquista. O erro de percepção é lúdico para com os nossos sentidos, a Nuvem por Juno é isso mesmo e, no entanto, cognitivamente, estamos talhados para o ilusório que fabrica assim todo o espaço do pensamento, e houve alguém que pensando, era aí que existia. O mundo tangível não dá nada aos que criam – recriando – mas as coisas criadas outros as completarão, e quem faz, quem dita e redita nele tudo quanto nele é capaz? Aqui, ficamos estoicos, mas isso abranda o uso costumeiro da análise e a ilusão é posta a irromper noutras vertentes. « Põe então tua mão sobre o meu cabelo, tudo é ilusão, sonhar é sabê-lo». A ideia de Deus surge no livro como um ente desconhecido, infalível, e que premeditou a causa de toda a dúvida, será sempre mencionado como a força que nos impele a descobrir, não dita, é ditado, e essa natureza cria então um campo imenso de dura solidão na medida em que se ela nos faltar nem a nossa sombra existe no meio do invólucro que somos. Mais que ilusória se torna por isso a sua ausência em nós. Para caminhos diferentes a mesma finitude, a mesma conclusão: quem distingue o que está certo neste mundo? E se a ilusão está presa aos sentidos, sem eles, que outra ilusão nos colheria? Os poetas respondem bem ao improvável, talvez na sombra de outras naturezas e assombrados de lucidez, se mantenham estáticos nalgum lugar que esqueceram os seres: “….nada em mim é risonho, quero-te para sonho, não para te amar. Os meus desejos são cansaços nem quero ter nos braços meu sonho do teu ser.” Aquilo que é já existiu, e também o que há-de ser já antes foi. Deus só vai à procura daquilo que não se encontrou.
José Simões Morais h | Artes, Letras e IdeiasTraduzir Deus para chinês [dropcap]O[/dropcap]s jesuítas chegaram à China durante a Dinastia Ming e se o padre Francisco Xavier morreu à espera de aí conseguir entrar, ainda Macau não existia como povoação portuguesa, já Matteo Ricci trinta anos depois, pela diplomacia dos relógios e da nova ciência, abria as portas do Celeste Império ao catolicismo. Matteo Ricci nascera em 1552, ano da morte de Francisco Xavier, chegando em 1583 a Macau, na altura a fazer-se cidade e no ano seguinte instalou-se em Zhaoqing, local onde vivia o Vice-rei de Guangdong-Guangxi. O Governador Chen Wenfeng autorizou-o a construir uma igreja e residência junto da torre de Chongning, a Leste de Zhaoqing, primeira igreja de estilo europeu tendo o perfeito Wan Pan oferecido uma tábua horizontal com a inscrição ‘Templo das Flores Santas’, segundo refere Huang Qichen, que acrescenta, nessa missão de Siu-Heng, estabelecida pelos padres Matteo Ricci e Miguel Ruggieri, “em 21 de Novembro de 1584 foi efectuado o primeiro baptismo solene de dois conversos chineses”, e cinco anos mais tarde, em 1589, “décimo sétimo ano do reinado de Wanli, o Governador Li Jiwen quis ficar com a residência de Ricci e este pediu em troca licença para construir nova residência e assim conseguiu um terreno em Shaozhou (Shaoguan) junto ao Rio Beijing” onde em 1590 ergueu igreja e residência. Sob a jurisdição do bispo de Macau, a missão da China foi fundada pelo jesuíta Matteo Ricci ao pregar a fé em muitas províncias. Numa superficial primeira abordagem aos ritos chineses convenceu-se serem supersticiosas as cerimónias confucianas. Daí o estudo para a interpretação das palavras Deus e Céu e tradução pelos conceitos filosóficos e teológicos no idioma chinês a fim de expressarem o conceito católico. Segundo Benjamim Videira Pires, Ricci “escolheu para o vocábulo as expressões Seong-tai (上帝, Governador no Alto) e T’ien-chü (天主, Senhor do Céu); para T’ien-san (天神, Espírito do Céu) e para Leng-wan (灵魂, Espírito que vivifica ou dá vida). Estes termos estavam aprovados desde 1600 pelo Visitador Valignano após uma consulta dos jesuítas em Macau. Longobardo, na China desde 1597, opusera-se a estes vocábulos, levantando dúvidas. Seria o Seong-tai dos chineses um Deus pessoal, uma simples força, ou um antepassado antropomorfizado? Era T’ien o firmamento material ou Deus, Senhor do Céu e da Terra?” Ideia de Céu Segundo Benjamim Videira Pires, “T’IEN (天) designa, antes de mais nada, o céu ou firmamento material” e “originariamente a pintura estilizada ou jeroglífica da (大因) do firmamento, tendo o semicírculo sido encurtado com o tempo e reduzido a uma linha recta horizontal, sobreposta ao carácter 大, grande, dando 天” – Tian em mandarim. Carácter chinês explicado por E. T. C. Werner, no livro China of the Chinese. “No próprio carácter ou ideograma, que no-lo representa em chinês, está incluída a ideia escalonada duma Super-grandeza que domina o homem (人大天), mas com a qual ele está em ligação”, segundo Videira Pires, que segue, “T’IEN (天) representa uma ”, Puros Três do “ ou do .” “Durante as festividades do Ano Novo Chinês e num dia de bodas, o Céu e a Terra são adorados. O nono dia da primeira lua (no calendário chinês) é o nascimento do Céu e o décimo dia o nascimento da Terra. (…) Reservava-se, todavia, ao Imperador, intitulado , a adoração oficial do Céu feita no …” “As duas ideias mais altas, gravadas no espírito dos chineses, soa a deveres de honrar pai e mãe e de adorar o Céu e a Terra, os grandes Pai e Mãe do Universo”, assim escreveu o jesuíta Benjamim Videira Pires. Matteo Ricci gastou anos em permanente estudo sobre os costumes, a língua, o sistema confucionista, até conseguir permissão para ir a Beijing. Aí, em 1598 na Cidade Imperial cativou os sábios e o Imperador Wanli (1573-1620) com as novas teorias da Renascença, sobretudo na área das Matemáticas e Astronomia. Em 1601 voltou à capital onde se estabeleceu e ficou até à morte, a 11 de Maio de 1610. O Imperador deu a concessão do Templo da Bondade aos padres da Missão portuguesa de Beijing e concedeu o Cemitério de Chala para a sepultura de Ricci e para os padres da corte, na altura jesuítas que traduziam para chinês o sistema do calendário gregoriano usado no Ocidente e iniciavam a revisão do calendário então em vigor na China. Fonetizar o vocábulo Deus Para suceder a Matteo Ricci como Superior da Missão da China chegou a Beijing em 1611 o Padre Longobardo, que tinha discordado do vocábulo DEUS encontrado por Ricci como termo adequado em chinês. Quando Longobardo tomou o cargo, requereu ao Visitador Francisco Pasio para reexaminar a questão, mas os intelectuais católicos chineses declararam-se a favor de Ricci e o Visitador Pasio deixou o assunto em aberto. “Assim passou a haver duas facções dentro dos jesuítas que durante anos foram expondo os seus argumentos em prolongadas reuniões de muitas horas e dias com acaloradas discussões.” Por fim decidiram: 1.º que se devia estar pelo costume do mesmo Padre Ricci acerca da doutrina dos letrados da China. 2.º que os Chineses antigamente conheceram a Deos vivo, e verdadeiro, e o significaram pelas vozes Tien e Xonti. 3.º que o mesmo Deos se chamava vulgarmente Tienchú, que quer dizer Senhor do Ceo, e desde então até agora por este nome é conhecido, e chamado comummente na China o Deos dos Christãos. 4.º que a veneração e o culto que os chineses costumam dar a Confúcio, seu grande Mestre, significado pela voz, e letra Ci não era supersticioso, mas só político, e se podia permitir aos chineses cristãos. 5.º que da mesma sorte se permitisse o culto, que os chineses costumam dar aos seus progenitores defuntos. 6.º que se lhes permitisse também suas tabelas ou tabicas, em que costumam escrever os nomes dos seus progenitores defuntos, para sua memória, e veneração política». (Memoria)”, Joaquim Calado Crespo em Cousas da China. Em 1621, nessa consulta em Macau, a maioria dos missionários inclinou-se para a escolha de Ricci, mas Longobardo não se conformou e passados dois anos escreveu um tratado a defender o seu ponto de vista e em 1624 fez uma análise crítica de T’ien-chü. Rejeitava os termos T’ien-chü e Seong-tai, advogando a fonetização do vocábulo latino Deus. Joaquim Calado Crespo refere, “A dificuldade principal versava sobre a palavra Tien, que uns tomavam por «céu material», e outros por «senhor do céu», equivalente a Tienchu; e sobre a palavra Ci, que uns tinham por verdadeiro sacrifício oferecido a Confúcio e aos progenitores, e outros por mera comemoração honrosa.” Os Ritos que Confúcio transmitiu à sociedade chinesa com base nos princípios da Ordem e Harmonia foram estudados e discutidos pelos jesuítas, que após 50 anos na China estavam em desacordo quanto à terminologia do nome de Deus, mas todos de acordo, incluindo Longobardo, quanto à Questão dos Ritos.
Luís Carmelo h | Artes, Letras e IdeiasTerá deus os carimbos em dia? [dropcap]N[/dropcap]a escola primária aprendi a escrever a palavra “História” com maiúscula. Era uma questão de respeito, creio eu. A letra levada até quase ao tecto da página dava a sensação de tocar no céu. E sentia-se um calafrio, por vezes até um pouco de bafo divino que logo iluminava todo o tampo da carteira. Nesse tempo, os sopros do presente ainda não se sobrepunham ao peso da longa cadeia de heróis que eu decorava com a devida altivez, a par dos caminhos de ferro de Angola. Nem seria preciso recorrer à farda impoluta e bem vincada de Mouzinho de Albuquerque, bastava abrir cartapácios um pouco mais antigos para o entender. Repare-se como um texto com quase três mil anos soa praticamente do mesmo modo que um outro – por baixo – apenas com cerca de quatro séculos: “Tal como quando aos marinheiros aparece a chama/ do fogo ardente, que arde no alto de uma montanha/ num ermo redil, mas as rajadas à sua revelia os levam/ sobre o mar piscoso para longe dos que lhes são queridos – assim do escudo de Aquiles a chama chegou ao céu, escudo belo…” (Ilíada, canto XIX/ vs. 375-380*). Vejamos agora este passo de um texto profético de autor anónimo, escrito na região de Aragão na segunda metade do século XVI (e encontrado, no séc. XIX, dentro da parede de um ‘pueblo’): “Na Bretanha, fazer-se-á ouvir um novo David por argúcia do Encoberto (Encubi(y)erto) (investido) com alto e cristianíssimo poder*, para que todos os agarenhos saiam de Espanha, limpos (linpi(y)ados) com os hebreus, e lagostas, e lobos roubadores esfomeados e gatos religiosos; todos padecerão (junto) com os agarenhos e virá o encoberto com os da linhagem de Etor e limpará as tumbas (ku(w)evas) e a cidade de Hércules e dar-se-á (volverse á) grande guerra entre os lobos e os raposos com os gatos religiosos que são os conversos, e (ke) será tão grande e tanto o sangue que se derramará até próximo da fonte do ferro, e (ke) chegará à cintura dos cavalos, e (ke) será grande dor de (lo) o ver” (Ms.774 B.N.Paris- Fol 299v-300v*). Em ambos os textos temos heróis a construir a sina da humanidade, seja Aquiles no primeiro caso, seja David e o Encoberto (é um outro, não é o do Bandarra, não) no segundo caso. Nos dois textos, é ainda patente uma ideia de salvação ou de completude que remete para transcendências, aliás diversas. Este mundo de ‘ligações perigosas’, em que a legitimidade andava de mãos dadas com a expiração desastrada dos deuses e dos seus simpáticos silabários, ainda foi o mundo que eu respirei em criança, imagine-se. Vem este rememorar duma suave tarde de Junho a propósito do romance ‘Às Cegas’* de Claudio Magris que acabei de ler na passada semana. Ao longo do enredo (que mistura períodos diferentes da “História” com um relato biográfico situado numa experiência limite), deparei-me com diversas asserções sobre essa barra pesada que fazia do tempo uma espécie de guilhotina amestrada. Deixo quatro exemplos curiosos que falam por si: “A História é uma câmara de reanimação e é fácil errar nas doses e mandar desta para melhor os pacientes que se queria salvar” (p.24). “A História é um telescópio encostado ao olho vendado” (p.76). “A História é uma mesa operatória para cirurgiões de pulso firme” (p.151). “A História é como a mesa de jogo, primeiro ganha-se depois perde-se, alguém faz uma aposta em Austerlitz a dobrar, mas na vez seguinte calha Waterloo” (pp.177/8). Sinal dos tempos: a “História” com maiúscula surge no livro de Magris parodiada, enquanto “câmara de reanimação” que soterra e faz desaparecer, deixando à mostra apenas o que interessa a quem a confecciona (os tais “cirurgiões de pulso firme”) e, por isso, terá sempre cavalgado de olhos vendados, transformando-se numa lotaria prestes a ser ‘bem’ orientada. Impelida por dogmas e pela gesta dos territórios, a “História” quase se esvaiu, de um momento para o outro, enquanto mochila obrigatória. Isso aconteceu no momento em que as sociedades massificadas pelos media e pela rede nos condenaram àquela aparente leveza de ‘self-service’ que só tem razão de ser no coração (instantâneo) do presente. E lá se foi o “H” grande da minha escola primária em menos de três décadas. Com um grelo se colhem com um grelo se esmoem, diz (ou devia dizer) o povo. Conviria então perguntar: O que existirá hoje em vez da ‘História com letra grande’ que desapareceu literalmente do mapa? E o que existirá hoje em vez da salvação que também se esvaiu do horizonte em três tempos? Talvez não tenha sido a “História” que acabou, foi antes o auscultá-la com réguas e tabuadas cheias de medidas e guinadas precisas que se finou. E talvez não tenha sido a salvação que se esvaiu de vez, mas antes as bizarras criações que imaginámos, durante séculos e séculos, a ritualizá-la e a realizá-la. O que não quer dizer que tenhamos atingido já o ponto-ómega. Bem pelo contrário. O que se atingiu no nosso tempo foi apenas um ‘pasodoble’ de irrequieta descrença. Ficámos sozinhos no palco, de um momento para o outro, a gritar que ‘aquilo’ afinal já não era teatro. Terá toda a razão Claudio Magris, quando escreve na derradeira página do romance: “O cibernauta naufragou, acabou na boca dos peixes, mastigado, digerido, evacuado, cessou de existir.” (…) “Deus está em toda a parte, em lugar nenhum, o certificado de suposto óbito tem os carimbos em dia e fará vacilar todos os que desejam ansiosamente tomá-lo como válido” (p. 300). *Homero, ‘Ilíada’ (Tradução: Frederico Lourenço) Cotovia, Lisboa, 2007, p. 396. *Sánchez Alvarez, Mercedes, ‘El Manuscrito misceláneo 774 de la Biblioteca Nacional de París’, Gredos, Madrid, 1982. Tradução Portuguesa: Carmelo, L. ‘La Représentation du Réel dans des Textes Prophétiques’, Universidade de Utreque, Utreque, 1995. *Magris, C.. ‘Às Cegas’, Quetzal, Lisboa, (2005) 2012, pp. 24, 76,151, 177/8 e 300.
Hoje Macau China / ÁsiaPopulação forçada a trocar imagens de Cristo por retratos de Xi Jinping [dropcap style≠‘circle’]A[/dropcap]s autoridades da comarca no sul da China, Yugan, estão a obrigar os cristãos locais a substituir os retratos de Jesus Cristo, cruzes e outros símbolos religiosos que têm em casa por imagens do Presidente chinês, Xi Jinping. Segundo o jornal de Hong Kong South China Morning Post (SCMP), milhares de cristãos de Yugan, na província de Jiangsi, sudeste do país, cederam à pressão das autoridades, alguns sob ameaças de deixar de receber subsídios de combate à pobreza. O SCMP estima que 10% da população em Yugan vive abaixo do nível da pobreza (menos de um dólar por dia), uma percentagem que coincide com a do número de cristãos na região. As autoridades locais lançaram uma campanha que visa “transformar os crentes na religião em crentes no Partido [Comunista]” e que inclui a entrega de centenas de retratos do Presidente Xi e visitas dos líderes locais a comunidades cristãs para convencê-las a substituir as imagens religiosas, escreve o jornal. “Muitos camponeses são ignorantes, crêem que Deus é o seu salvador, mas depois do trabalho dos líderes perceberão os seus erros e verão que já não se devem apoiar em Jesus, mas sim no Partido Comunista”, destacou um dos líderes locais citado pelo SCMP. O bom caminho Xi Jinping é o mais forte líder chinês das últimas décadas, um estatuto consagrado durante o XIX Congresso do Partido Comunista Chinês, realizado no mês passado. Na China, as manifestações católicas são apenas permitidas no âmbito da Associação Patriótica Chinesa, a igreja católica aprovada pelo Estado e independente do Vaticano. Oficialmente, o número de cristãos na China continental rondará os 24 milhões, a maioria dos quais protestantes, o que não chega a dois por cento da população chinesa – 1.375 milhões de habitantes. O Governo chinês apela às igrejas católicas do país para aderirem ao “socialismo com características chinesas” e adoptarem “à direcção correta de desenvolvimento”.
Valério Romão h | Artes, Letras e IdeiasUma história de outro mundo [dropcap style≠‘circle’]E[/dropcap]ra um pequeno planeta muito semelhante ao nosso, no qual hominídeos em tudo semelhantes a nós tinham chegado ao topo da cadeia evolucionária e alimentar. Tinham aprendido muito cedo a dominar a natureza; faziam chover onde era necessário chuva, o sol acontecia onde era necessário o sol acontecer e debelavam tempestades e terramotos com comandos vocais que accionavam complexas contra-medidas. Tecnologicamente, eram muito mais avançados do que somos hoje. Como tinham inventado o teletransporte, não havia acidentes de trânsito ou engarrafamentos. Mas, como contrapartida, não havia ninguém na rua ou nas praias, ou junto dos lagos e das montanhas. As pessoas eram transportadas de uma casa para outra casa, consoantes as suas necessidades. O trabalho tornara-se obsoleto. O complexo industrial de produção de tudo quanto podia ser produzido entrara em autogestão. Não havia guerras, não havia doenças, não havia poluição. Quando as pessoas morriam, eram desintegradas e convertidas numa sopa de partículas que reencontrava o seu lugar no universo. Existia um Deus, embora fundamentalmente não interventivo, ao contrário do nosso. E esse Deus estava tão velhinho que a sua omnipotência já não era o que a omnipotência deve ser. Já não conseguia, por exemplo, ver dentro de espaços cujo revestimento fosse sólido. Esta aberração óptica – comum a muitas divindades de provecta idade – aliada à tendência de recolhimento que progressivamente se instaurara naqueles hominídeos, faziam com que este Deus desfrutasse cada vez menos da sua condição divina. Era como ter um formigueiro de estimação num terrário, em casa, no qual as formigas evitassem teimosamente fazer túneis junto dos vidros. Tremelico – tanto quanto uma alma pode tremer – e míope, Deus contentou-se durante alguns milénios em olhar para aquele mundo tão organizado e funcional como uma criança olha para as luzes de Natal. À medida que o planeta rodopiava sobre si próprio na órbita de um sistema binário de duas estrelas anãs brancas, as cidades que deixavam de receber luz solar acendiam as múltiplas luzes pelas quais pintalgavam a superfície do planeta imersa na escuridão. Mas um dia, Deus desconfiou. E quando um Deus desconfia, a desconfiança tem um tamanho e alcance incomensuráveis. E se as criaturas dele tivessem perecido de uma qualquer doença arqueológica incapaz de ser debelada mesmo com recurso às tecnologias de que dispunha esta civilização? E se tivessem sido involuntariamente envenenados? E se tivessem pura e simplesmente renunciado àquela vida completa e perfeita em todos os sentidos menos no da imortalidade (o único atributo que Deus optara sempre por guardar exclusivamente para si próprio)? A dúvida e a desconfiança entranharam-se como uma nódoa, e Deus não mais conseguiu ter sossego. Incapaz de perceber, pelo estado muito condicionado da sua audição e da sua visão, a verdadeira condição daqueles a quem chamava seus, o divino entregou-se a um desespero lento como quem se entrega à bebida. Deixou de ter vontade de ser, o que, para Deus, implica conseguir, de facto, não ir sendo, e, como uma estrela que parece infinita e intemporal até perecer, por vezes numa explosão frouxa e morna, Deus deixou-se ir até se anular. Passados apenas alguns dias, as pessoas começaram a sair das suas casas.
Rui Flores VozesA tentação de ser Deus [dropcap style≠’circle’]C[/dropcap]om o bombardeamento da base aérea de Shayrat na Síria justificado por terem sido mortas crianças vítimas de um alegado ataque químico – aparentemente a substância utilizada teria sido o gás sarin –, Donald Trump cedeu à tentação de se fazer passar por Deus. O Deus justiceiro, omnipresente, que pune quando alguém não segue os mandamentos sagrados. A ideia de que Bashar Al-Assad passou uma linha inaceitável, uma linha de não retorno, seria a razão de ser da retaliação dos Estados Unidos da América. A retaliação estaria pois fundamentada. Na narrativa que acompanhou o ataque, repetida quer por Trump quer pela diplomacia norte-americana, estava aberta a porta para um envolvimento mais empenhado de Washington no afastamento de Assad do poder. Seria essa uma espécie de condição sine qua non para a paz. Cedeu à tentação, mas rapidamente lhe passou. A banalização dos eventos e uma certa incapacidade de reagir complica particularmente a actividade de quem pretende executar a justiça, seja ela divina ou dos homens. Responder de uma forma justa a todas as situações injustas é um problema muito complexo a quem se atribui a si próprio as funções de Deus. Mas o problema de Deus Trump (ou de qualquer outro empenhado em vingar o Direito Natural é um problema de coerência. E de consciência, bem entendido. O Deus Trump (ou outro qualquer) não pode deixar de actuar em situações parecidas. Mas, pouco mais de uma semana depois do alegado ataque com gás sarin em Khan Sheikhoun, em território controlado por rebeldes, terão morrido nos arredores de Aleppo, também na Síria, mais outras 126 pessoas, entre as quais estariam pelo menos 68 crianças. Segundo o relato da imprensa internacional, não terá sido utilizado nenhum componente químico contra a população civil. O atentado que levou Donald Trump a intervir terá provocado a morte a 89 pessoas, entre as quais 33 crianças. Num conflito em que as Nações Unidas deixaram de contar o número das vítimas mortais quando terá chegado às 400 mil pessoas – noutro exemplo claro de que a banalização dos acontecimentos leva à saturação de quem tem a obrigação de agir. No entanto, a descrição deste novo atentado, nos arredores de Aleppo, a 15 de Abril, como que passou ao lado da grande imprensa. A narração do que se passou está em sítios como o da BBC, mas não obteve a visibilidade de outros eventos do conflito sírio. Num momento em que se estava a proceder à retirada de pessoas de bairros cercados por rebeldes, um outro autocarro, carregado de explosivos, avançou contra o comboio de deslocados. O facto de que esta facilitação da passagem de habitantes de diferentes bairros ter sido acordada directamente entre o governo e os rebeldes também não merece muitas linhas na imprensa internacional. O ataque não foi reclamado por nenhum dos vários grupos do complexo conflito sírio. E levou a que a evacuação destes bairros fosse interrompida por quase uma semana. O verdadeiro problema destes filhos de um Deus nenhum em que se transformaram os sírios, abandonados à sorte de estarem vivos, é que já ninguém liga. Nem mesmo a chamada imprensa internacional, outra entidade que procura ser imparcial, justa e honesta. Isso é cada vez mais evidente. A imprensa internacional tem dedicado grande atenção aos primeiros 100 dias de Donald Trump na Casa Branca, como que tentando caracterizar o que se pode esperar dos outros três anos e nove meses da sua presidência. Destes três meses iniciais e depois de um ataque massivo a uma base aérea na Síria, que, segundo a narrativa norte-americana, terá destruído 20 por cento da capacidade da força aérea de Assad, e do uso da mãe de todas as bombas no Afeganistão, o que se pode concluir é que Trump não parece ter a vontade de desempenhar o papel de Deus. O discurso, a certeza, é que ele quer um papel cada vez menor para os Estados Unidos no mundo. Isto foi apenas uma distracção. A certeza de que Trump se enganou quando quis representar o papel de Deus veio pelo próprio Presidente norte-americano. O primeiro-ministro italiano foi a Washington sugerir um envolvimento maior dos Estados Unidos na Síria, para contribuir para o fim do conflito, e a resposta que levou foi um rotundo não, alegando que os EUA já desempenham demasiados papéis no mundo. O que estes primeiros meses demonstram é que a imprevisibilidade, a incerteza, a errância vão ser a marca de Donald Trump. Um Presidente mais preocupado em aparecer no prime time do que em definir políticas ou princípios que honrará nas relações internacionais.