Jorge Rodrigues Simão Perspectivas VozesO infundado apocalipse climático “What’s really behind the rise of apocalyptic environmentalism? There are powerful financial interests. There are desires for status and power. But most of all there is a desire among supposedly secular people for transcendence. This spiritual impulse can be natural and healthy. But in preaching fear without love, and guilt without redemption, the new religion is failing to satisfy our deepest psychological and existential needs.” Michael Shellenberger Apocalypse Never: Why Environmental Alarmism Hurts Us All Estamos a viver uma era de preocupação, especialmente um medo das alterações climáticas. Uma imagem resume esta época que é de uma rapariga com um letreiro a dizer que “Morrerás de velhice ou de alterações climáticas”. Esta é a mensagem que os meios de comunicação estão a perfurar as nossas cabeças, pois as alterações climáticas estão a destruir o nosso planeta e ameaçam matar-nos a todos. A linguagem é de apocalipse. Os noticiários referem-se à “incineração iminente do planeta” e os analistas sugerem que o aquecimento global pode fazer com que a humanidade se extinga em poucas décadas. Recentemente, fomos informados que a humanidade tem apenas uma década para salvar o planeta, fazendo de 2030 o prazo limite para salvar a civilização. E, portanto, temos de transformar radicalmente todas as grandes economias para acabar com a utilização de combustíveis fósseis, reduzir as emissões de carbono a zero, e estabelecer uma base totalmente renovável para toda a actividade económica. As crianças vivem no medo e alinham as ruas em protesto. Os activistas estão a isolar as cidades e os aeroportos para aumentar a consciência de que toda a população do planeta está a enfrentar “hecatombe, morte e fome”. Em 2017, o jornalista americano David Wallace-Wells escreveu uma longa e aterradora descrição do impacto do aquecimento global para a revista New York. Embora o artigo fosse geralmente considerado pelos cientistas como exagerado e enganador, o mesmo argumento foi publicado em forma de livro, em 17 de Março de 2020, com o título “The Uninhabitable Earth: Life After Warming”, que se tornou um bestseller. O livro revela um alarmismo sem falhas: “É pior, muito pior, do que se pensa”. Da mesma forma, no seu livro de 2019, “Falter: Has the Human Game Begun to Play Itself Out?”, o naturalista americano Bill McKibben, líder da organização ambientalista 350.org, advertiu que o aquecimento global é a maior ameaça à civilização humana, pior até do que a guerra nuclear. Pode acabar com a humanidade não com uma explosão, mas “com o rebentar de um oceano em ascensão”. Uma prateleira gemeria sob o peso de livros recentes com títulos e mensagens deliberadamente aterradoras. É assim que o mundo acaba com secas e ondas de calor e os furacões que estão a convergir na América. Os meios de comunicação social reforçam a linguagem extrema, dando amplo espaço aos activistas ambientais, e envolvendo-se no seu próprio activismo. O New York Times adverte que “em todo o mundo as alterações climáticas estão a acontecer mais rapidamente do que os cientistas previam”. A capa da revista Time diz-nos: “Fiquem preocupados. Estejam muito impressionados”. O jornal britânico The Guardian foi mais longe, actualizando as suas directrizes de estilo, pelo que os repórteres devem usar os termos “emergência climática”, “crise climática”, ou “ruptura climática”. O editor do jornal acredita que “alterações climáticas” não é suficientemente assustadora, argumentando que “soa bastante passivo e suave quando aquilo de que os cientistas estão a falar é uma catástrofe para a humanidade”. Sem surpresas, o resultado é que a maioria de nós está muito preocupada. Uma sondagem de 2016 revelou que em países tão diversos como os Emiratos Árabes Unidos e a Dinamarca, a maioria das pessoas acredita que o mundo está a piorar, e não a melhorar. No Reino Unido e nos Estados Unidos, dois dos países mais prósperos do planeta, um espantoso 65 por cento das pessoas são pessimistas quanto ao futuro. Uma sondagem de 2019, revelou que quase metade da população mundial acredita que as alterações climáticas irão provavelmente acabar com a raça humana. Nos Estados Unidos, quatro em cada dez pessoas acreditam que o aquecimento global levará à extinção da humanidade. Há consequências reais para este medo. As pessoas estão a decidir, por exemplo, não trazer crianças ao mundo. Uma mulher disse a uma jornalista: “Eu sei que os humanos são difíceis de procriar, mas o meu instinto agora é proteger os meus filhos dos horrores do futuro, não os trazendo ao mundo”. Os meios de comunicação social reforçam esta escolha; os países querem saber “como se decide ter uma criança quando as alterações climáticas estão a intensificar. Se os adultos estão preocupados de forma disparatada, as crianças estão aterrorizadas. Um inquérito do Washington Post de 2019 mostrou que das crianças americanas entre os treze e os dezassete anos de idade, 57 por cento sentem medo das alterações climáticas, 52 por cento sentem raiva, e 42 por cento sentem-se culpadas. Um estudo académico de 2012 com crianças com idades compreendidas entre os dez e os doze anos, de três escolas de Denver, revelou que 82 por cento expressaram medo, tristeza e raiva ao discutir os seus sentimentos sobre o ambiente, e que a maioria das crianças partilhava opiniões apocalípticas sobre o futuro do planeta. É revelador que para 70 por cento das crianças, a televisão, os noticiários e os filmes foram fundamentais para formar os seus pontos de vista aterrorizantes. Uma criança de dez anos, diz sobre o futuro que já não haverá tantos países por causa do aquecimento global, porque ouve falar no Discovery Channel e canais científicos como se em três anos o mundo pudesse inundar-se com o calor e ficar demasiado quente. Estas descobertas, se válidas em todo o país, sugerem que mais de dez milhões de crianças americanas estão aterrorizadas com as alterações climáticas. Como resultado deste medo, em todo o mundo as crianças estão a faltar às aulas para protestar contra o aquecimento global. Porquê assistir às aulas quando o mundo vai acabar em breve? Recentemente, uma aluna dinamarquesa da primeira classe perguntou seriamente à sua professora: “O que vamos fazer quando o mundo acabar? Para onde iremos? Para os telhados?” Os pais podem encontrar uma montanha de instruções e guias online com títulos bastante sugestivos. E assim, representando o verdadeiro terror da sua geração, uma jovem segura um sinal que diz “Vou morrer de alterações climáticas”. As alterações climáticas são um problema real. Ao contrário do que ouvimos, os resultados climáticos básicos têm-se mantido notavelmente consistentes ao longo dos últimos vinte anos. Os cientistas concordam que o aquecimento global é principalmente causado pelo homem, e que tem havido poucas mudanças nos impactos que projectam para a subida da temperatura e do nível do mar. A reacção política à realidade das alterações climáticas sempre foi deficiente, o que também se tem vindo a apontar há décadas. Existem formas mais inteligentes para enfrentar o aquecimento global. Mas a conversa mudou drasticamente nos últimos anos. A retórica sobre as alterações climáticas tornou-se cada vez mais extrema e menos ancorada à ciência actual. Ao longo dos últimos vinte anos, os cientistas climáticos aumentaram cuidadosamente o conhecimento sobre as alterações climáticas, e nós temos mais fiáveis dados do que nunca. Mas, ao mesmo tempo, a oratória que vem dos comentadores e dos meios de comunicação tornou-se cada vez mais irracional. A ciência mostra-nos que os receios de um apocalipse climático são infundados. O aquecimento global é real, mas não é o fim do mundo. É um problema controlável. No entanto, vivemos agora num mundo onde quase metade da população acredita que as alterações climáticas irão extinguir a humanidade, tendo alterado profundamente a realidade política. Faz-nos duplicar em políticas climáticas pobres. Faz-nos ignorar cada vez mais todos os outros desafios, desde as pandemias e a escassez de alimentos até aos conflitos e disputas políticas, ou subsumi-los sob o signo das alterações climáticas. Esta singular obsessão com as alterações climáticas significa que estamos agora a passar de desperdiçar milhares de milhões de dólares em políticas ineficazes para desperdiçar triliões de dólares. Ao mesmo tempo, estamos a ignorar cada vez mais os desafios mais urgentes e muito mais fáceis do mundo. E estamos a assustar crianças e adultos sem sentido, o que não é apenas factualmente errado mas moralmente repreensível. Se não dissermos para parar, o actual falso alarme climático, apesar das suas boas intenções, é provável que deixe o mundo muito pior do que poderia estar. Precisamos de deixar o pânico, olhar para a ciência, enfrentar a economia, e abordar a questão racionalmente. Como é que reparamos as alterações climáticas, e como é que a priorizamos no meio dos muitos outros problemas que afligem o mundo no topo da qual está a Covid-19 que não é fruto das alterações climáticas? As alterações climáticas são autênticas, e causadas predominantemente pelas emissões de carbono dos seres humanos que queimam combustíveis fósseis, e devemos combatê-las de forma inteligente. Mas para o fazer, temos de parar de exagerar e de argumentar que é agora ou nunca, e parar de pensar que o clima é a única coisa que importa. Muitos defensores do clima vão mais longe do que o apoio da ciência. Sugerem implicitamente ou mesmo explicitamente que o exagero é aceitável, porque a causa é tão importante. Depois de um relatório da ONU sobre o clima de 2019 ter conduzido a reivindicações exageradas por activistas, um dos autores científicos advertiu contra o exagero. Escreveu que arriscaríamos a afastar o público com conversas extremistas que não são cuidadosamente apoiadas pela ciência. Apesar de tudo está certo. Mas o impacto de reivindicações climáticas exageradas vai muito mais fundo. Dizem-nos que temos de fazer tudo de imediato. A sabedoria convencional, repetida ad nauseam nos meios de comunicação, é que só temos até 2030 para resolver o problema das alterações climáticas. Isto é o que a ciência nos diz? Não é! É o que nos diz a política. Este prazo veio de políticos que fizeram uma pergunta muito específica e hipotética aos cientistas e que basicamente consiste no que será necessário para manter as alterações climáticas abaixo de um objectivo quase impossível? Não surpreendentemente, os cientistas responderam que fazê-lo seria quase impossível, e chegar perto de qualquer meta exigiria enormes mudanças para todos os sectores da sociedade até 2030.Imagine uma discussão semelhante sobre mortes no trânsito. Nos Estados Unidos, quarenta mil pessoas morrem todos os anos em acidentes de viação. Se os políticos perguntassem aos cientistas como limitar o número de mortes a uma meta quase impossível de zero, uma boa resposta seria fixar o limite de velocidade ao equivalente a três quilómetros por hora. Ninguém morreria. Mas a ciência não nos diz que devemos ter um limite de velocidade de três quilómetros por hora, apenas nos informa que se queremos zero mortos, uma forma simples de o conseguir é através de um limite de velocidade de três quilómetros por hora fortemente imposto. No entanto, é uma decisão política para todos fazerem as contrapartidas entre limites de velocidade baixos e uma sociedade conectada. Actualmente e com exclusão da Covid-19 e todas as suas possíveis estirpes a nossa atenção única apesar dos muitos desafios globais, regionais e mesmo pessoais são quase inteiramente subsumidos pelas alterações climáticas. A sua casa está em risco de inundações por causa das alterações climáticas! A vossa comunidade está em risco de ser devastada por um ciclone devido às alterações climáticas! As pessoas estão a morrer à fome no mundo em desenvolvimento por causa das alterações climáticas! Com quase todos os problemas identificados como causados pelo clima, a solução aparente é reduzir drasticamente as emissões de dióxido de carbono a fim de melhorar as alterações climáticas. Mas será esta realmente a melhor maneira de ajudar? Se quiser ajudar as pessoas nas planícies aluviais do Mississippi, do Nilo ou outro qualquer grande rio a reduzir o risco de inundações, existem outras políticas que ajudarão mais rapidamente, de forma barata e eficazmente do que a redução das emissões de dióxido de carbono. Estas poderiam incluir uma melhor gestão da água, a construção de diques mais altos, e regulamentos mais eficazes que permitam a algumas planícies aluviais inundar de modo a evitar ou aliviar inundações noutros locais. Se quiser ajudar as pessoas no mundo em desenvolvimento a reduzir a fome, é quase tragicómico concentrar-se na redução do dióxido de carbono, quando o acesso a melhores variedades de culturas, mais fertilizantes, acesso ao mercado e oportunidades gerais para sair da pobreza os ajudaria muito mais rapidamente e a um custo menor. Se insistirmos em invocar o clima a cada curva, acabaremos muitas vezes por ajudar o mundo de uma das formas menos eficazes possíveis. Não estamos à beira da iminente extinção. Na realidade, muito pelo contrário. A retórica da desgraça iminente desmente um ponto essencial, pois em quase todas as formas que podemos medir, a vida na Terra é melhor agora do que era em qualquer outra altura da história. Desde 1900, temos mais do que duplicado a nossa esperança de vida. Em 1900, a esperança média de vida era de apenas trinta e três anos; hoje é de mais de setenta e um. O aumento tem tido o impacto mais dramático no pior momento do mundo. Entre 1990 e 2015, a percentagem do mundo que praticava a defecação aberta caiu de 30 para 15 por cento. A desigualdade na saúde diminuiu significativamente. O mundo é mais literato, o trabalho infantil tem vindo a diminuir, estamos a viver num dos tempos mais pacíficos da história. O planeta também está a ficar mais saudável. No último meio século fizemos reduções substanciais na poluição do ar interior, anteriormente o maior assassino ambiental. Em 1990, causou mais de 8 por cento das mortes; isto reduziu quase metade para 4,7 por cento, o que significa que 1,2 milhões de pessoas sobrevivem todos os anos e que teriam morrido. O aumento do rendimento agrícola e a mudança de atitudes em relação ao ambiente significaram que os países ricos estão cada vez mais a preservar as florestas e a reflorestar. E desde 1990, mais 2,6 mil milhões de pessoas tiveram acesso a fontes de água melhoradas, elevando o total global para 91 por cento. Muitas destas melhorias surgiram porque ficámos mais ricos, quer como indivíduos quer como países. Durante os últimos trinta anos, o rendimento médio global por pessoa quase duplicou. Isto conduziu a diminuições maciças na pobreza. Em 1990, quase quatro em cada dez pessoas no planeta eram pobres. Hoje é menos de uma em cada dez. Quando somos mais ricos, vivemos melhor e vidas mais longas. Vivemos com menos poluição do ar interior. Os governos providenciam mais cuidados de saúde, proporcionam melhores redes de segurança e aprovam leis e regulamentos ambientais e de poluições mais fortes. É importante notar que o progresso não terminou. O mundo foi radicalmente transformado para melhor no século passado, e continuará a melhorar neste século. A análise dos peritos mostra que é provável que nos tornemos muito melhores no futuro. Os investigadores que trabalham para a ONU sugerem que até 2100 os rendimentos médios aumentarão talvez para quatrocentos e cinquenta por cento dos rendimentos actuais. A esperança de vida continuará a aumentar, para oitenta e dois anos ou possivelmente para além de cem anos. À medida que os países e os indivíduos enriquecem, a poluição atmosférica irá reduzir ainda mais. As alterações climáticas terão um impacto global negativo no mundo, mas diminuirão em comparação com todos os ganhos positivos que temos visto até agora, e continuarão a ver-se no presente século. A melhor investigação actual mostra que o custo das alterações climáticas, se nada fizermos, será de cerca de 3,6 por cento do PIB global. Isto inclui todos os impactos negativos; não só o aumento dos custos das tempestades mais fortes, mas também os custos do aumento das mortes por vagas de calor e das zonas húmidas perdidas devido à subida do nível do mar. Significa também, que em vez de verem os rendimentos aumentar para 450 por cento até 2100, poderão aumentar “apenas” para 434 por cento, o que é claramente um problema. Mas também não é uma catástrofe. Como o próprio painel climático da ONU o afirmou que para a maioria dos sectores económicos, o impacto das alterações climáticas será pequeno em relação aos impactos de outros factores [tais como] alterações na população, idade, rendimento, tecnologia, preços relativos, estilo de vida, regulação, governação, e muitos outros aspectos do desenvolvimento socioeconómico.
Olavo Rasquinho VozesO acordo de Paris na era pós-Trump Passados cinco anos após a entrada em vigor do Acordo de Paris, o presidente Donald Trump deu instruções para que os EUA se retirassem, o que veio a concretizar-se em 4 de novembro de 2020, data em que formalmente se deu a quebra do compromisso. Recorde-se que o Acordo de Paris é um tratado internacional no âmbito das atividades da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre as Alterações Climáticas (United Nations Framework Convention on Climate Change-UNFCCC), que tem como objetivo a tomada de medidas, pelos Estados aderentes, no sentido de que o aumento da temperatura média do ar seja inferior a 2 graus centígrados no final do século XXI e, tanto quanto possível, inferior a 1,5 graus, tendo como referência os níveis pré-industriais. Este tratado internacional foi aprovado por 195 países em 12 de dezembro de 2015 e entrou oficialmente em vigor em 4 de novembro de 2016, altura em que 55 países que produzem 55% das emissões globais dos gases de efeito de estufa (GEE) o ratificaram. De acordo com projeções do Painel Intergovernamental sobre as Alterações Climáticas (Intergovernmental Panel on Climate Change – IPCC), estima-se que, se a temperatura média do ar aumentar 2 ou mais graus celsius até ao fim do século, dar-se-á a fusão de grande parte do gelo da Gronelândia, Antártida, Oceano Ártico, assim como dos glaciares que ainda persistem, nomeadamente nos Alpes, Himalaias, Andes e Islândia. Este degelo implicaria um fluxo de água líquida que provocaria a subida do nível médio do mar de forma significativa, o que faria com que vastas zonas litorais do nosso planeta se tornassem inabitáveis, não só devido às marés astronómicas mais pronunciadas, mas também às marés de tempestade frequentemente associadas a depressões muito cavadas, como por exemplo os ciclones tropicais (tufões e furacões). O degelo no Oceano Ártico não contribuiria diretamente para a subida do nível médio do mar, na medida em que a água líquida proveniente da fusão do gelo, menos denso, iria ocupar o mesmo espaço do gelo submerso. No entanto, sendo o poder refletor do gelo muito maior do que o da superfície líquida, o degelo de vasta áreas implicaria menor reflexão da radiação solar e uma maior absorção pela superfície líquida do mar e, consequentemente, um aumento da sua temperatura. O ar, em contacto com o mar, também teria tendência para aumentar a sua temperatura, potenciando o aquecimento global. Os modelos de previsão do clima entram em consideração com esta realidade, além de outros parâmetros (nebulosidade, fluxo energético associado a correntes marítimas, etc.), de maneira que os resultados que nos dão são uma aproximação do que poderá ser a realidade futura. Numa das suas primeiras declarações, Joe Biden realçou a intenção de regressar ao Acordo de Paris, o que não implica a sua ratificação automática, na medida em que esta depende do senado. Este órgão tem constituído frequentemente uma barreira às intenções dos Presidentes dos EUA. Por exemplo, durante a administração de Bill Clinton, o senado impediu a ratificação do Protocolo de Quioto, com a argumentação de que seria potencialmente prejudicial para a economia americana, apesar de ter sido assinado pelos EUA em novembro de 1998. Isto apesar de o Vice-Presidente Al Gore ter sido um dos principais paladinos da importância desse Protocolo. Os EUA também não têm sido um bom exemplo de cooperação internacional noutras áreas. Foi o que aconteceu com o Tribunal Penal Internacional, com sede em Haia, que entrou em vigor a 1 de julho de 2002, após a ratificação do Tratado que lhe deu origem, por 76 países, entre os quais a Rússia e 19 membros da NATO. Os EUA, que sempre tiveram uma atitude ambígua em relação a este tribunal, acabaram por assinar o Tratado em 31 de dezembro de 2000, no final do mandato da administração Clinton. Acontece, porém, que a Administração Bush, que lhe sucedeu, anulou a adesão em maio de 2002, alguns meses antes do Tratado ter entrado em vigor. A saída de Trump da presidência dos Estados Unidos da América constitui uma esperança para os que acreditam que o Acordo de Paris possa vir a ser bem-sucedido. Isto não só por os EUA serem a segunda maior potência responsável pela emissão de GEE a nível global, mas também pelo facto de os seguidores de Trump se sentirem desmoralizados pela sua derrota eleitoral. Talvez seja o caso do seu duplo sul-americano, Bolsonaro, que provavelmente se sentirá agora mais isolado após a queda do seu ídolo. Curiosamente, ambas as personalidades, Trump e Bolsonaro, têm sido apoiadas por equipas constituídas por negacionistas das alterações climáticas, por vezes com aspetos que, se não fossem trágicos, seriam anedóticos. Steve Bannon, o antigo conselheiro e diretor da campanha eleitoral de 2016, de Trump, teve recentemente um comportamento de tal forma abjeto, que algumas redes sociais removeram o vídeo de sua autoria onde sugeria a decapitação de Anthony Fauci, diretor do Instituto Nacional de Alergias e Doenças Infecciosas dos EUA, e de Christopher Wray, diretor do FBI, e a exibição das suas cabeças à entrada da Casa Branca, como “um aviso a burocratas federais”. Essa figura sinistra, Steve Bannon, esteve também em contacto, em 2018, com Eduardo Bolsonaro, filho do então candidato Jair Bolsonaro, tendo-se prontificado para prestar consultoria informal na área da análise de dados na Internet, o que terá ajudado a manipular a opinião pública através notícias falsas nas redes sociais. Também movimentos europeus de extrema-direita têm vindo a usufruir do apoio de Steve Bannon. Coerentemente com as suas ideias negacionistas, o então candidato a presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, manifestou durante a sua campanha eleitoral a intenção de o Brasil se retirar do Acordo de Paris, apesar de o Congresso o ter ratificado em agosto de 2016. No entanto, mediante pressão política, acabou por desistir da ideia. Durante a vigência da administração Trump, os EUA tomaram outras atitudes inamistosas para com a comunidade internacional. Assim, além da saída do Acordo de Paris, também se retiraram de outros pactos e fóruns multilaterais, nomeadamente da UNESCO e do acordo nuclear com o Irão. A decisão de retirada da UNESCO, que está em sintonia com a aversão de Trump ao multilateralismo, tomada em outubro de 2017, foi justificada pela necessidade de a organização necessitar de uma reforma profunda e de deixar de manifestar preconceitos anti-israelitas. A administração Trump iniciou também o processo de saída da Organização Mundial da Saúde (World Health Organization – WHO), da qual os EUA são membro desde 1948, ano da entrada em vigor da sua constituição. Acontece, no entanto, que a retirada não se poderá concretizar antes de julho de 2021, altura em que a administração Biden já contará com meio ano de exercício. Se a nova administração conseguir impor a sua vontade, a intenção de Trump será frustrada. Tenhamos esperança que a nova administração dos EUA consiga impor a vontade de regressar ao Acordo de Paris e que a COP26, a realizar em Glasgow em novembro de 2021, venha a constituir um marco histórico na concretização dos esforços da comunidade científica, no sentido de que se caminhe para um futuro mais promissor no que se refere à sustentabilidade do nosso planeta. *Meteorologista
Olavo Rasquinho VozesAs atividades antropogénicas e o decréscimo da biodiversidade [dropcap]A[/dropcap]o longo dos cerca de 4,5 mil milhões de anos de existência do planeta Terra, as várias espécies animais e vegetais sofreram cinco grandes extinções em massa. As modificações que o clima tem vindo a sofrer ao longo do tempo desempenharam um papel importante em quase todas essas extinções. A grande exceção talvez tenha sido a última, que ocorreu há cerca de 66 milhões de anos, e foi atribuída ao choque de um asteróide com o nosso planeta. A maioria destas cinco extinções em massa ocorreram ao longo de milhares de anos, sem qualquer envolvimento da espécie humana, pela simples razão de que ainda não existia. A grande influência do Homem sobre a natureza começou no início do Holocénico (época geológica que está a decorrer), há cerca de 12 mil anos, quando foram dados os primeiros passos na agricultura, estimando-se que a população humana nessa altura não excedia cinco milhões. Antes de se dedicarem a esta atividade, os nossos ancestrais limitavam-se a ser caçadores-recoletores, ou seja, viviam da caça e da recolha do que a natureza lhes disponibilizava espontaneamente, na forma de sementes, frutos e plantas silvestres. Acontece, porém, que a espécie humana tem vindo a aumentar, por vezes exponencialmente, e, como resultado disso, a natureza não se consegue recompor da degradação que desde então tem vindo a ser alvo. Muitas espécies de animais e plantas têm vindo a desaparecer, e já se fala na sexta extinção em massa, atribuída a causas antropogénicas. Trata-se de um assunto controverso, mas a realidade é que o desaparecimento de muitas espécies tem ocorrido principalmente devido à caça e pesca exaustivas, destruição de habitats por fogos florestais e desflorestação acelerada para exploração pecuária e agrícola. A maioria das cinco grandes extinções ocorreu durante milhares de anos, enquanto que a que presumivelmente está a ocorrer se verifica apenas desde a Revolução Industrial, o que, em tempo geológico, não é mais do que a duração de um piscar de olhos. Desde então deu-se início a uma injeção anual de milhões de toneladas de gases de efeito de estufa na fina camada gasosa em que vivemos, a atmosfera, e de efluentes que são sistematicamente despejados nos rios, mares e oceanos, o que, certamente, tem contribuído para extinção de espécies a um ritmo cada vez mais acentuado. O relatório Living Planet Report 2020, da World Wide Fund for Nature (WWF) é bem claro sobre a influência humana na biodiversidade. Esta organização recorre ao Índice Planeta Vivo (Living Planet Index – LPI) para contabilizar a perda da biodiversidade a nível global. Este índice dá-nos a medida do estado da diversidade biológica a nível global e é baseado nas tendências populacionais de espécies de vertebrados terrestres, de água doce e marinhos. Foi adotado pela Convenção da Diversidade Biológica (Convention of Biological Diversity – CBD) como um indicador do progresso de medidas eficazes e urgentes para deter a perda de biodiversidade. A evolução deste índice reflete o ritmo alarmante da perda da diversidade da vida na Terra, o que se traduz no declínio médio, entre 1970 e 2016, de 68% das populações de mamíferos, aves, peixes, répteis e anfíbios. Esta é a grande preocupação dos que pensam, não no futuro imediato, mas no que será o nosso planeta, onde, a pouco e pouco, numerosas espécies da fauna e flora selvagens se vão extinguindo, havendo o risco de, num futuro não muito longínquo, restarem apenas escassos exemplares em reservas, parques e jardins zoológicos. A ocorrência, ou não, da sexta extinção em massa é ainda um assunto controverso, mas não há dúvida que o desaparecimento de espécies está a ocorrer a um ritmo muito mais acelerado do que em qualquer outra altura desde a extinção dos dinossauros e de outra megafauna, há cerca de 66 milhões de anos. São cada vez mais frequentes os incêndios florestais não só na Amazónia, Pantanal (Brasil), Indonésia, Oeste Americano, Europa Meridional e Austrália, mas também em regiões onde não seriam previsíveis esses acontecimentos com tanta frequência e intensidade, como recentemente na Sibéria, Alasca e Região Ártica. A extinção de espécies, causada pelo homem, é uma realidade que não podemos ignorar. As redes sociais e os meios de comunicação difundem com grande frequência imagens lancinantes de florestas e de cadáveres de animais calcinados, ou animais em agonia devido aos fogos florestais. As imagens obtidas pelo fotógrafo brasileiro Ueslei Marcelino são exemplos de testemunhos desta realidade, que alertam os mais distraídos para os dramas causados pelos incêndios. Uma delas, a de um pequeno macaco agarrando a mãe agonizante, faz lembrar a célebre escultura Pietá, de Miguel Ângelo. Segundo veterinários da cidade Porto Velho, capital do Estado brasileiro de Rondónia, esses pequenos animais foram atropelados ao fugirem de um incêndio na Amazónia. O mais grave é que há governantes de grandes potências que contribuem para acelerar o desaparecimento irreversível de numerosas espécies. Apesar da grande resistência da maioria da comunidade científica, esses governantes têm vindo a demitir cientistas de postos importantes por estes discordarem das suas políticas. É o caso, por exemplo, do presidente do Brasil, que demitiu Ricardo Galvão, Diretor do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) entre 2016 e 2019, pelo simples facto de ter divulgado dados sobre a desflorestação da Amazónia. Em contrapartida, a prestigiada revista científica britânica Nature apresentou-o como o primeiro de uma lista das dez personalidades mais relevantes para a ciência em 2019. Ricardo Galvão, diretor do INPE (2016-2019) Também o cientista Carlos Nobre, investigador do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo, em declarações à BBC News Brasil, desmentiu o que o presidente do Brasil afirmou no discurso de abertura da Assembleia Geral da ONU, em 22 de setembro de 2020. Segundo Bolsonaro, a maioria dos incêndios na Amazónia são provocados por caboclos e índios, o que foi contrariado por Carlos Nobre, que afirmou serem os grandes agricultores os verdadeiros autores desses incêndios. Segundo este cientista, a floresta amazónica está prestes a atingir o ponto de não retorno, a partir do qual aquele ecossistema perderia a capacidade de se regenerar. A estação quente e seca 2019/2020, na Austrália, foi caracterizada por fogos florestais que causaram dezenas de vítimas humanas e destruíram milhões de animais, alguns dos quais correm o risco de extinção, como os coalas, no leste do país. Há mesmo quem preconize, no meio científico, que já estamos em plena época geológica do Antropocénico, termo de origem grega com o sentido de “época de dominação da espécie humana”. Pelo menos esta é a opinião de alguns cientistas (nomeadamente Eugene F. Stoermer, limnologista estado-unidense, e Paul Crutzen, holandês, um dos laureados com o Prémio Nobel da Química de 1995), que argumentam com o facto do impacto ambiental da sociedade humana ser de tal modo intenso que podemos ter entrado numa nova era geológica. Decorrem ainda discussões sobre este assunto, tendo sido mesmo criado um grupo de trabalho (Anthropocene Working Group), no âmbito das atividades da União Internacional das Ciências Geológicas (International Union of Geological Sciences – IUGS). De acordo com recomendações da maioria dos elementos deste grupo de trabalho, o Antropocénico é estratigraficamente real, pelo que se deve proceder à sua classificação como época geológica com início em meados do século XX. Em plena época do hipotético Antropocénico, será que ainda estamos a tempo de travar a progressiva destruição da biodiversidade? A resposta não é fácil, mas talvez ajudasse deixar de se dar tanta importância ao Produto Interno Bruto (PIB), e passar a recorrer, para avaliar o progresso dos países, a outros indicadores, como o Índice de Desenvolvimento Humano (Human Developmet Index – HDI) ou o Índice Planeta Vivo.
Jorge Rodrigues Simão Perspectivas VozesO Antropeceno e a globalização “Thus, unless human energy supplies rapidly become decarbonized, there will over the coming decades and centuries be rises of global temperature and then sea level that will take the Earth system out of Quaternary interglacial norms and into conditions more resembling the pre-Quaternary Cenozoic. The temperature changes in themselves will lead to many extinctions as species are forced out of their habitable ranges. Hence, as regards the global climate and (especially) sea level signal, of the Anthropocene currently remains weak, but will likely increase considerably over future decades and centuries.” The Anthropocene Jan Zalasiewicz and Colin Water [dropcap]A[/dropcap] política das alterações climáticas não está funcionar apesar de dezenas de países terem assinado o “Acordo de Paris” há cinco anos para limitar o aquecimento a 2 graus Celsius até ao final do século. Até o momento, os países não conseguiram implementar políticas que se aproximem da consecução desse objectivo. O fracasso em 2020 levará a decisões solidárias abaixo do ideal, interrupções operacionais dos negócios e instabilidade política. O mundo está actualmente no ritmo de um aquecimento de 3,5 graus Célsius. Os maiores emissores do mundo, a China e os Estados Unidos, estão a caminho de um valor superior a 3 graus Célsius e não querem comprometer as ambições do seu crescimento económico à escala necessária. Os Estados Unidos nessa caminhada perto dos 4 graus Célsius encontram dificuldades de reversão, independentemente de quem vencer a eleição presidencial em Novembro de 2020. Tal deixa a Índia como o único país entre os três principais poluidores com um plano nacional consistente de 2 graus Célsius, ainda que o país esteja a postergar os seus objectivos. Mesmo países cujos líderes políticos têm planos climáticos ambiciosos não têm a vida facilitada e alguns enfrentarão uma reacção anti-elite às acções climáticas, como se vê na França e outros esforçar-se-ão para cumprir as metas já existentes, como a Alemanha. Nos Estados Unidos, qualquer democrata que esteja a concorrer à presidência será um ambientalista “verde-escuro” que procura mudanças ambiciosas, mas se um democrata derrotar Trump na eleição presidencial, a acção climática progressiva defrontará altos obstáculos legais, regulatórios e políticos em 2021 e posteriormente. Tal coloca a política em rota de colisão com uma percentagem crescente de investidores, empresas e sociedade em geral, que apresentarão custos mais elevados em 2020. A tomada de decisões corporativas enfrentará uma compressão, pois mais de um terço do capital global possui algum tipo de mandato de “Governança Ambiental, Social e Corporativa (ESG, na sigla inglesa)”, e triliões de dólares em investimentos excluem empresas e países que não atinjam o limite de 2 graus Célsius. Defronte do activismo dos accionistas e da pressão dos seus trabalhadores, e procurando aproveitar as oportunidades de negócios que surgem ao se tornarem mais sustentáveis, mais de seiscentas empresas globais comprometeram-se a reduzir as suas emissões de forma consistente em 2 graus Célsius. Os gestores ao nível executivo de uma empresa sentirão que precisam de escolher entre mandatos ESG agressivos e os seus resultados. A pressão social criará interrupções operacionais e no fluxo de investimento serão mais caras. A sociedade civil pressionará os investidores e as empresas que acreditam estarem a mover-se muito devagar, particularmente as empresas de petróleo e gás, companhias aéreas, fabricantes e produtores de carne, em uma tendência liderada por crescentes movimentos populares como a “Rebelião da Extinção” que é um movimento ambiental global com o objectivo declarado de usar a desobediência civil não-violência para obrigar as acções do governo a evitar pontos de inflexão no sistema climático, perda de biodiversidade e risco de colapso social e ecológico. A interrupção da cadeia de fornecimentos tornar-se-á um risco significativo. Os investidores, por sua vez, reduzirão as exposições a indústrias intensivas em carbono, incluindo sectores críticos como o aço e cimento, impactando os preços dos activos. A política está em rota de colisão com os investidores e a sociedade em geral. Há também um risco crescente de inquietação pública sobre o clima, com acções cada vez mais perigosas a serem tomadas pelos manifestantes. A oposição a cortes nos subsídios aos combustíveis/preços mais altos terá um impacto directo na política climática e também desencadeará respostas pesadas dos governos que poderiam empurrar os protestos para fora de controlo. Tudo o que está a acontecer com um planeta em aquecimento torna os desastres naturais mais frequentes e mais graves. Pela primeira vez na história, o “Antropeceno” está a criar restrições económicas à globalização. A política dos Estados Unidos para os principais países xiitas no Médio Oriente está a falhar, criando riscos significativos para a estabilidade regional, incluindo um conflito letal com o Irão; pressão ascendente nos preços do petróleo depois de um declínio em conformidade com a evolução do Covid-19; um estado iraquiano que está na órbita do Irão; e uma Síria desonesta, combinada com a Rússia e o Irão. O assassinato do chefe da força Qods, Qassem Suleimani, em 2 de Janeiro de 2020, ordenado pelo presidente Trump, aumentou as tensões significativas entre Estados Unidos e o Irão, tornando-se um crescente risco, por causa das fortes pressões estruturais que poderiam dar origem a uma grande guerra. O Irão é um adversário comprometido dos Estados Unidos, mas também tem um entendimento claro do poder militar dos americanos, bem como um melhor senso das linhas vermelhas e da capacidade de dissuasão do presidente Trump. O Irão ainda tem o hábito histórico de recuar diante de uma ameaça militar esmagadora e o presidente Trump ainda procura evitar conflitos militares em larga escala sob o seu comando, especialmente à medida que a campanha eleitoral avança. A relação entre os Estados Unidos e o Irão será mortal e geopoliticamente desestabilizadora. É provável que haja conflitos letais no Iraque entre forças americanas e iranianas. O Irão continuará a atrapalhar o tráfego de navios-tanque no Golfo. O Irão também tem uma propensão para atingir adversários de forma imprevisível e assimétrica, inclusive por meio das suas robustas capacidades cibernéticas ofensivas e rede de servidores em toda a região, com a habilidade de atingir os cidadãos e activos dos Estados Unidos e dos seus aliados. A possibilidade de um conflito regional entre os Estados Unidos e o Irão mais perigoso e mesmo limitado é menos provável, mas possível. As tensões no Irão e a pandemia do Covid-19 colocarão os preços do petróleo no seu mínimo histórico e aumentarão a volatilidade. A política dos Estados Unidos em relação aos principais países xiitas do Médio Oriente está a falhar. Os Estados Unidos no Iraque estão a caminho do estatuto de “persona non grata”, o que deixará mais espaço para um influente Irão. Os bombardeamentos dos Estados Unidos e o assassinato de Suleimani alienaram grande parte da classe política xiita do Iraque. Está a aumentar a oportunidade do governo expulsar as tropas americanas este ano. Enquanto os Estados Unidos estão a perder muito, o Irão é apenas um vencedor relativo, uma vez que os protestos por maus serviços sociais e corrupção também se concentraram na interferência iraniana. O descontentamento popular tem uma importância muito grande para a região, pois sobrecarregará as forças do estado iraquiano, o segundo maior produtor de petróleo da OPEP. Os Estados Unidos ainda são importantes se mantiverem tropas no leste do país rico em energia (embora uma retirada das forças americanas do Iraque minaria as cadeias de fornecimentos, inteligência e apoio operacional da América), mas jogaram uma cartada má, pois quer o ex-presidente Obama, quer o presidente Trump tiveram uma política incoerente na Síria. O presidente Putin venceu a guerra com a ajuda do Irão. O resultado levou a um maior prestígio e influência da Rússia, especialmente no Médio Oriente. A influência significativa de um país com um historial pobre de direitos humanos e uma tradição de invadir os negócios de outros países não se está a estabilizar. O interesse do Irão na Síria é acerca de uma ponte terrestre para o Hezbollah, não para melhorar a vida da população. A política imprudente dos Estados Unidos no Irão, Iraque e Síria gerará riscos regionais em 2020, em detrimento da ordem política e económica regional. A raiva pública manterá o risco de instabilidade política em toda a região da América Latina. As queixas dos eleitores incluem o lento crescimento, corrupção e serviços públicos de baixa qualidade e pior ainda para os governos, as classes médias novas e vulneráveis querem mais gastos em serviços sociais, e as sociedades latino-americanas estão profundamente polarizadas. Tal descontentamento reduz a capacidade dos governos de tomar as medidas de austeridade necessárias. O FMI e os investidores pressionarão por prudência fiscal, mas os governos de toda a região responderão sem entusiasmo. As pressões gerarão riscos na América Latina pois protestos ocorrerão, os saldos fiscais deteriorar-se-ão, os resultados das eleições serão menos previsíveis, os políticos populistas e anti ordem ideológica, económica e política ficarão mais fortes e o sentimento piorará. A eleição de presidentes de direita na Argentina (2015), Brasil (2018), Colômbia (2018), Chile (2017) e Equador (2017) provou ser uma reacção contra operadores históricos e instituições políticas em vez de ser um apoio a reformas no mercado, abundando exemplos de descontentamento popular que levam a mudanças políticas negativas no mercado. Na Argentina, o presidente Alberto Fernandez foi eleito pelos eleitores irritados e feridos que fará aumentar a intervenção do Estado e tentará impulsionar o crescimento abandonando a prudência fiscal e monetária. As negociações com credores privados e o FMI serão controversas. O presidente Fernandez tentará minimizar o pagamento da dívida durante o seu mandato, e recusar-se-á a implementar reformas da previdência e laborais. O eleitorado enfurecido no Equador, forçou o presidente Moreno a recuar devido ao aumento dos preços dos combustíveis que negociou com o FMI, deixando-o gravemente enfraquecido e irá lutar para cortar gastos ou aumentar receitas adicionais, pressionando o saldo fiscal e o programa do FMI. Esses desenvolvimentos aumentam a probabilidade de um candidato populista surgir antes das eleições de 2021. O descontentamento reduz a capacidade dos governos de tomar as medidas de austeridade necessárias. O presidente da Colômbia, Ivan Duque, lutará para manter a estabilidade fiscal. O seu índice de popularidade é de apenas 23 por cento e sem maioria no Congresso e enfrentando uma pressão crescente nas ruas, o presidente colombiano falhará na aprovação de reformas estruturais significativas e o descontentamento dos eleitores crescerá. A ira e os protestos públicos no Chile forçaram o presidente Pinera a aumentar drasticamente os gastos sociais e a iniciar o processo de alterar a constituição em 2019. A agitação foi resultado de um profundo descontentamento com o “status quo” existente. As mudanças constitucionais prejudicarão a economia, provocando gastos mais altos, maior regulamentação e incerteza persistente sobre a substância das mudanças. O presidente Obrador no México continua com alto índice de popularidade, mas a sua promessa de manter a estabilidade fiscal e aumentar os gastos será difícil de prosseguir, estando comprometido em aumentar os gastos sociais e de infra-estruturas, enquanto enfrenta uma economia em desaceleração e menor produção de petróleo. O presidente mexicano adoptará medidas de austeridade e aumentará os impostos, mas não serão suficientes. As condições de segurança vão piorar. O Brasil é o país economicamente mais promissor na região em 2020. O presidente Jair Bolsonaro, foi eleito como sendo alguém de fora, tendo feito aprovar uma legislação histórica de reforma da previdência e está a realizar outras revisões, inclusive sobre impostos. Os seus índices de popularidade são muito baixos (30 por cento), apesar de ter uma base leal. Mas enquanto a economia brasileira estiver em tendência favorável, a cólera do povo está contida, mas virá rapidamente se as previsões actuais de recuperação despenharem e começaram já com o Covid-19, o que vai limitar a presidente brasileiro de implementar reformas, potencialmente voltando o seu governo para um nacionalismo mais aberto e/ou ajudando o retorno da oposição em 2022. O presidente da Turquia, Erdogan tem uma longa história de comportamento provocativo em resposta a ameaças, provocando confronto com críticos estrangeiros e nacionais. A sua fraqueza vai levá-lo a atacar, em 2020 e a resposta prejudicará ainda mais a economia da Turquia. É na arena da política externa, especialmente nas relações com os Estados Unidos, que a Turquia cairá para novos mínimos de eficácia. As sanções do Congresso dos Estados Unidos provavelmente entrarão em vigor no primeiro semestre de 2020, minando a reputação e o clima de investimento no país para as empresas e pressionando ainda mais a lira. As medidas incluirão uma redução obrigatória nas vendas militares à Turquia e acções contra algumas autoridades turcas. Além disso, o julgamento do Halkbank no estado de Nova Iorque representará grandes riscos financeiros, podendo resultar em uma multa de milhares de milhões de dólares e quase certamente envolverá a divulgação de detalhes embaraçosos sobre o presidente turco ou os que o rodeiam. A popularidade de Erdogan, em termos políticos está a diminuir, especialmente entre os jovens, e sua aliança governamental é instável. O presidente está a sofrer deserções do “Partido da Justiça e Desenvolvimento”. Os ex-lideres populares do partido estão em processo de estabelecer dois novos movimentos políticos. A parceria com o “Partido do Movimento Nacionalista” pode não durar, dada a saúde precária do seu líder. O presidente Erdogan adoptará posturas difíceis para tentar reforçar o seu apoio político e em termos internacionais irá recusar cooperar com as autoridades americanas se o Halkbank for multado, colocando em risco os activos estatais turcos nos Estados Unidos. O presidente turco poderia aprovar contra-sanções aos Estados Unidos, provocando um ciclo de escaladas e também pode expandir as perfurações no Mediterrâneo oriental, expondo-o ainda a sanções europeias e potencialmente arriscando conflitos militares com a Grécia. A reacção do presidente turco na esfera económica levará a outro conjunto de riscos. À medida que as sanções pressionam ainda mais a economia turca, volta-se para o seu saco de ferramentas económicas pouco ortodoxas e abre um buraco ainda mais profundo, pois usará meios não convencionais para defender a moeda, podendo sair o tiro pela culatra e prejudicar a confiança dos investidores. O presidente turco está inclinado a ordenar que os bancos estatais intervenham no mercado com vendas de moedas estrangeiras, e a Turquia enfrentará um risco significativo de controlo de capital. O presidente Erdogan, manterá altos níveis de repressão para minar a força dos partidos políticos rivais, o que levará a sanções mais duras e maior instabilidade política e económica.
Olavo Rasquinho VozesClima e migrações [dropcap]E[/dropcap]ntre as principais razões que têm levado à deslocação de quantidade significativa de migrantes contam-se, entre outras, desemprego, trabalho mal remunerado, regimes ditatoriais, guerras, discriminação religiosa e desastres naturais. Desde há algumas décadas vieram juntar-se as alterações climáticas às diferentes causas mencionadas. Segundo a Organização Internacional para as Migrações (International Organization for Migration – IOM) migrantes climáticos são as pessoas que se deslocam dentro ou fora do país, devido às alterações progressivas nas condições do clima ou do meio-ambiente. Talvez o caso mais dramático de migração devido às alterações climáticas é o que tem vindo a ocorrer nas Ilhas Carteret, um conjunto de pequenas ilhas com a área total de cerca de 0,6 quilómetros quadrados, que fazem parte de um atol localizado na região equatorial do Pacífico Sul, pertencente à Papua-Nova Guiné. A subida do nível do mar tem provocado grande preocupação na população deste território com altitude média inferior a 2 metros. Quando ocorrem ventos fortes, as águas oceânicas invadem as zonas mais interiores do atol, o que implica o aumento da salinidade dos terrenos agrícolas. Como consequência, verifica-se uma diminuição da produção agrícola, constituída essencialmente por coqueiros, árvores de fruta-pão e bananeiras. Perante estas condições, em 2007, os cerca de 2000 habitantes destas ilhas foram deslocados para a ilha de Bougainville, a cerca de 90 km. Esta migração foi alvo de notícias dos órgãos de comunicação social, alguns dos quais classificaram os deslocados como os “primeiros migrantes climáticos”. Ainda no Pacífico, as populações de outros territórios insulares sofrem dramas semelhantes. É o caso de Kiribati, Tuvalu e Ilhas Marshall. O primeiro destes países, com cerca de 110.000 habitantes, é constituído por 33 ilhas, das quais 32 são atóis. Com uma área total de 811 quilómetros quadrados, as ilhas estão dispersas por uma vasta região a norte e sul do equador e a leste e oeste do meridiano 180 graus (oposto ao meridiano de Greenwich), o que faz com que o Kiribati seja o único país de mundo com território situado nos quatro hemisférios (norte, sul, oriental e ocidental). Os territórios das Ilhas Carteret, Tuvalu e Kiribati localizam-se próximo do equador, o que faz com que estejam fora das trajetórias dos ciclones tropicais, o que não impede que sejam esporadicamente afetados por linhas de borrasca cujos ventos associados provocam marés de tempestade, ou seja a invasão das zonas costeiras por água arrastada pelo vento, o que, num território com baixa altitude, contamina os escassos lençóis freáticos e afeta gravemente a agricultura. Perante esta realidade, os dirigentes de Kiribati e Tuvalu estabeleceram conversações com o governo da Austrália, no sentido de discutirem a possibilidade de serem assistidos na deslocação das respetivas populações para este país. O governo de Kiribati chegou mesmo a comprar terrenos nas Ilhas Fiji, tendo em vista a futura instalação de deslocados. As Ilhas Marshall, com cerca de 58.000 habitantes e aproximadamente 1.200 ilhas dispersas por 29 atóis abrangendo cerca de 1.800.000 quilómetros quadrados, enfrentam também as consequências da subida do nível de mar. Situam-se no Pacífico Norte, a noroeste de Kiribati. São afetadas por ciclones tropicais e consequentes marés de tempestade, o que é uma agravante para as condições de vida. Ou se tomam medidas drásticas de adaptação às alterações climáticas, ou a população terá de migrar para outros territórios. Uma das medidas de adaptação, de acordo com o Professor Chip Fletcher, da Universidade do Havai, poderia consistir em prescindir da laguna de Majuro (capital das Ilhas Marshall), a qual seria sujeita a drenagem e preenchida com terra de modo a aumentar a altitude da ilha. Outra hipótese seria a construção de ilhas artificiais, o que, aliás, não seria inédito, na medida em que a China tem recorrido a este processo no Mar do Sul da China, embora com finalidade diferente da adaptação às alterações climáticas. Também no Índico, em alguns territórios insulares, a subida do nível do mar é dramática. Foi notícia nos meios de comunicação social, aquando da tomada de posse do primeiro governo eleito democraticamente nas Maldivas, em 2008, que havia a intenção de comprar terras não só na Índia e Sri Lanka, países com culturas e clima semelhantes, mas também na Austrália, a fim de nelas estabelecer futuramente a população maldiva (cerca de 400.000 habitantes). Nessa altura o Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas (IPCC) previa uma subida do nível do mar da ordem de 25 a 58 centímetros até 2100. Esta situação, a tornar-se realidade, implicaria a submersão de grande parte do território das Maldivas, país constituído por 1.192 ilhas agrupadas em 26 atóis. Compreende-se a preocupação do governo, na medida em que o ponto de maior altitude do território maldivo é da ordem de 2,5 metros. O então primeiro ministro das Maldivas, Mohamed Nasheed, chegou mesmo a encenar uma reunião ministerial submarina, em 2009, a qual foi amplamente divulgada pelos meios de comunicação social, a fim de chamar a atenção da comunidade internacional sobre as ameaças colocadas pelas alterações climáticas. A Papua Nova Guiné, Kiribati, Tuvalu, Ilhas Marshall e Maldivas fazem parte da organização intergovernamental intitulada Aliança dos Pequenos Estados Insulares (Alliance of Small Island States – AOSIS), cujo principal objetivo é coordenar os esforços dos pequenos Estados insulares em desenvolvimento para combater as alterações climáticas. Esta organização abrange ao todo 43 membros efetivos e observadores de todo o mundo, e dela fazem parte a maioria dos países insulares distribuídos pelos oceanos Atlântico, Índico e Pacífico. Como a existência de migrantes climáticos é, segundo interpretação da ONU, consequência das alterações climáticas, e estas são causadas pela injeção de gases de efeito de estufa (GEE), conclui-se que são necessárias medidas drásticas de redução da utilização de combustíveis fósseis. Como os principais emissores de GEE são as grandes potências, é justo que se criem mecanismos de proteção dos países em vias de desenvolvimento, em especial os pequenos países insulares, na medida em que, sendo os menores emissores de GEE, são os que mais estão em risco. As populações dos pequenos estados insulares devem ser tratadas com dignidade, criando-se condições para se adaptarem às alterações climáticas nos locais onde vivem ou, caso tal seja impossível, apoiá-las nos seus movimentos migrantes, evitando que se tornem refugiados climáticos.
Olavo Rasquinho VozesAlterações climáticas e variabilidade climática [dropcap]Q[/dropcap]uando nos debruçamos sobre as notícias referentes a fenómenos meteorológicos extremos podemos verificar que frequentemente os comentários tecidos por várias entidades, por vezes responsáveis governamentais e de organizações internacionais, atribuem essas ocorrências às alterações climáticas. Há que ter cuidado na apreciação das causas desses fenómenos na medida em que é frequente confundir-se variabilidade climática com alterações climáticas. São conceitos diferentes, mas facilmente confundíveis, na medida em que ambos se referem a modificações no comportamento do clima, embora em escalas temporais e espaciais diferentes. Vejamos como se distinguem, de acordo com a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Alterações Climáticas (United Nations Framework Convention on Climate Change – UNFCCC). Variabilidade climática, numa determinada região, consiste em variações do estado médio do clima em períodos relativamente curtos como um mês, uma estação ou um ano, enquanto que alterações climáticas se referem a variações estatisticamente significativas do estado médio do clima, que persistem por um período prolongado (décadas ou períodos mais longos) e abrangem regiões mais vastas. Por exemplo, a ocorrência de secas numa determinada região, com certa regularidade, poder-se-á atribuir à variabilidade climática. No entanto, se as secas ocorrerem mais frequentemente e se a tendência para a diminuição da precipitação se mantiver durante algumas décadas, poder-se-á pressupor de que se trata de uma alteração climática. A UNFCCC distingue, assim, a variabilidade climática, que atribui a causas naturais e perdura durante períodos relativamente curtos, das alterações climáticas que considera atribuíveis à atividade humana e se repercutem por muito mais tempo. São frequentemente atribuídas às alterações climáticas a maior frequência de fenómenos meteorológicos extremos, como ciclones tropicais de grande intensidade, períodos de seca mais longos e mais frequentes em algumas regiões e chuvas torrenciais noutras, etc. Na realidade sempre ocorreram alterações do clima durante milhões de anos, desde que a atmosfera do nosso planeta se formou. Basta pensar que as glaciações e os períodos interglaciários foram resultado de milhares de anos de arrefecimento da atmosfera terrestre, alternando com longos períodos de aquecimento. As causas das glaciações estão essencialmente relacionadas com os parâmetros orbitais da Terra, o que implica maior ou menor radiação solar que atinge o nosso planeta. A grande diferença entre essas alterações e as que ocorrem atualmente consiste no facto de as glaciações e os períodos interglaciários se arrastarem durante milhares de anos, enquanto que as alterações climáticas que atualmente se processam estão a ocorrer desde há relativamente pouco tempo e as suas causas são atribuídas à injeção de enormes quantidades de gases de efeito de estufa produzidos desde o início da era industrial, ou seja, há menos de duzentos anos. Um fator importante que está na base de alguma variabilidade climática são as chamadas teleconexões, que consistem em ligações entre certos fenómenos que ocorrem na atmosfera ou no sistema atmosfera-oceanos, em algumas regiões do globo, e que causam alterações na circulação geral da atmosfera e, consequentemente, a ocorrência de fenómenos meteorológicos significativos em regiões distantes. Entre as teleconexões contam-se o “El Niño” e “La Niña”, que se referem, respetivamente, a aquecimento e arrefecimento anómalos da água do mar na região equatorial do Pacífico Sul, próximo do Peru. No caso do El-Niño, a água sobreaquecida aquece o ar que se lhe sobrepõe, provocando perturbação na circulação geral da atmosfera, o que é a causa de fenómenos meteorológicos significativos em regiões distantes. Por exemplo, durante o El-Niño, ocorrem secas no Nordeste brasileiro e chuvas intensas no sul do Brasil, enquanto que nas regiões do Sudeste asiático, onde se situa Macau, os meses de dezembro a maio são anormalmente mais chuvosos. Pode não ser correta, por exemplo, a afirmação de que as alterações climáticas foram a causa de certos fenómenos meteorológicos extremos, como por exemplo o furacão Katrina (agosto de 2005) que causou cerca de 1.800 vítimas mortais nos EUA, ou o tufão Haiyan, que tirou a vida a mais de 7.000 filipinos, em novembro de 2013, ou até o tufão Hato, que afetou Macau em agosto de 2017. Ocasionalmente, ocorre um acontecimento ou sequência de acontecimentos meteorológicos que nunca foram registados antes, como o furacão Catarina que atingiu o estado de Santa Catarina, no Brasil, em março de 2004, ou a temporada excecional de furacões no Atlântico Norte em 2005. O furacão Catarina foi, até à presente data, o único a ser detetado no Atlântico Sul, o que causou estranheza no meio científico ligado às ciências da Terra. Será que tais acontecimentos são manifestações das alterações climáticas ou tratar-se-ão de simples variabilidade natural do clima? Nem o IPCC poderá responder a esta pergunta, mas a realidade é que fenómenos meteorológicos extremos têm vindo a ocorrer com maior frequência, e em latitudes em que são raros ocorrerem. Esta série de acontecimentos incomuns, a tornar-se persistente, poderá sugerir uma muito provável alteração do clima. É o caso, por exemplo, de tempestades tropicais terem vindo a afetar com mais frequência os Açores, e até mesmo o continente português. Esta realidade fez com que Portugal tenha recentemente sido admitido como membro do Comité dos Furacões, com sede em Miami. O aumento da frequência de fenómenos meteorológicos extremos e a sua ocorrência em regiões onde previamente eram raros levam-nos a acreditar que as alterações climáticas causadas pela ação antropogénica são altamente prováveis. Digo “altamente prováveis” porque é arriscado afirmar certeza absoluta quando se trata do comportamento de um sistema tão complexo como é o clima. Mesmo não havendo essa certeza, é absolutamente necessário que os governos tomem medidas para que se recorra cada vez mais às energias renováveis, na medida em que os combustíveis fósseis (petróleo, carvão mineral e gás natural) demoraram milhões de anos a se formarem e não são inesgotáveis. Ao ritmo cada vez mais acelerado a que são consumidos, tornar-se-ão cada vez mais escassos. Não apostar em alternativas é contribuir para que as gerações futuras encontrem um planeta cada vez menos sustentável. Apesar do protocolo de Quioto, em 1997, das vinte e cinco Conferências das Partes promovidas pela UNFCC e do acordo de Paris (2016), o consumo desses combustíveis não diminuiu. Mesmo que as alterações climáticas não fossem uma realidade, o simples facto de a variabilidade climática ser inegável deveria fazer com que os governos de todos os países se empenhassem no incremento da utilização de energias renováveis. A menor exploração dos combustíveis fósseis seria uma benesse para o meio ambiente, evitando terríveis desastres como os que ocorreram com o derramamento de petróleo no Alasca devido ao naufrágio do petroleiro Exxon Valdez, em 1989; na costa da Galiza em 2002 com o naufrágio do petroleiro Prestige; no Golfo do México em 2010 devido a explosão numa plataforma de exploração petrolífera, etc. É evidente que a política de descarbonização interfere com grandes interesses instalados e daí aparecerem dirigentes governamentais de alguns países que, para serem fiéis às forças que financiaram as respetivas campanhas eleitorais, insistem em remar contra esta grande maré que é a tomada de consciência de grande parte da humanidade.
Olavo Rasquinho VozesNegacionismo climático [dropcap]N[/dropcap]o meio científico há praticamente unanimidade que o aquecimento global, e consequentemente as alterações climáticas, são uma realidade que se deve essencialmente ao efeito de estufa causado por gases provenientes da atividade humana. Os dados resultantes de observações realizadas ao longo de mais de cem anos, desde o início da era industrial, feitas com recurso a estações meteorológicas, mostram que a temperatura média do ar à superfície da Terra aumentou mais de 1 grau centígrado. Quando nos referimos à temperatura do ar à superfície está subentendido que a medição deste parâmetro é feita em igualdade de circunstâncias em todas as estações meteorológicas. Está estabelecido pela Organização Meteorológica Mundial (OMM) que o termómetro das estações meteorológicas sinóticas deve estar à sombra, entre 1,25 e 2 metros de altura, dentro de um abrigo meteorológico instalado sobre terreno relvado. Assim, por exemplo, se duas medições se fizerem nas mesmas condições, exceto no que se refere à existência ou não de relva, os valores não serão exatamente os mesmos. Pretende-se com este exemplo realçar o facto de as medições das variáveis atmosféricas feitas pelos serviços meteorológicos nacionais obedecerem a regras rigorosamente estabelecidas. Este rigor estende-se também a outros parâmetros meteorológicos, tais como a humidade, pressão atmosférica, vento, etc. Só assim se podem comparar valores desses parâmetros medidos à mesma hora em muitos milhares de estações meteorológicas espalhadas pelo globo terrestre e, para um determinado local, comparar os valores atuais com os medidos ao longo de décadas. Mesmo sem recorrer a conhecimentos científicos, é evidente para um leigo com um mínimo de bom senso que a injeção de milhões de toneladas de gases e de partículas provenientes da atividade industrial ou de outras origens, como os fogos florestais e os transportes terrestres marítimos e aéreos, irão forçosamente influenciar negativamente as características da atmosfera. A maioria dos fenómenos meteorológicos mais correntes, como sistemas frontais, trovoadas, chuva, aguaceiros, tornados, ciclones tropicais (furacões tufões), etc., ocorrem na camada mais baixa da atmosfera, a troposfera, que tem uma espessura de cerca de 12 km nas latitudes médias, sendo mais espessa nas latitudes baixas e mais menos à medida que se avança para os polos. É natural que a ação humana de injetar nesta estreita camada quantidades enormes de gases de efeito de estufa e de poluentes faça com que ocorram alterações no comportamento dos fenómenos meteorológicos e, consequentemente, do clima. Apesar de existir quase unanimidade sobre as alterações climáticas, há uma corrente de opinião defendida por alguns cientistas que, apesar de não serem totalmente céticos no que se refere ao aquecimento global, defendem que esse aquecimento não se deve a causas antropogénicas. Foi mesmo criada uma organização para contrariar as conclusões do Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas (Intergovernmental Panel on Climate Change – IPCC). Num claro desafio ao IPCC, aquela organização adotou a designação “Painel Internacional Não Governamental para as Alterações Climáticas” (Nongovernmental International Panel on Climate Change – NIPCC). Poder-se-á perguntar: será que os negacionistas são gente séria ou tratar-se-á de um vasto lóbi para defender os grandes magnatas dos combustíveis fósseis? A resposta não é fácil, mas muitos deles fazem de facto o jogo de grandes interesses e constituem perigo não só para a vida humana mas também para a sobrevivência dos ecossistemas. Os membros do NIPCC definem-se a eles próprios como um grupo internacional não-governamental de cientistas e académicos que se uniram para avaliarem de maneira abrangente e realista a ciência e economia associadas ao aquecimento global. Apresentam-se como uma organização de defesa da negação de mudanças climáticas e elaboram relatórios cujas conclusões se opõem aos relatórios de avaliação do IPCCP. O NIPCC foi fundado em 2013 por Siegfried Fred Singer, cientista americano de origem austríaca com larga carreira académica na área da física da atmosfera. Publicou em 2015, juntamente com outros cientistas, a obra “Why Scientists Disagree About Global Warming: The NIPCC Report on Scientific Consensus”. Os negacionistas têm vindo a conquistar espaço a nível de governos conservadores de grandes potências, como reflexo de infiltrações de lóbis, alguns dos quais com caracter religioso. Veja-se o caso do Brasil e dos EUA. O presidente do primeiro destes países tem vindo a combater as ONGs que zelam pela conservação da Amazónia, tendo mesmo acusado o ator americano Leonardo Dicaprio de financiador de incêndios na floresta brasileira. Entre os políticos céticos das alterações climáticas, além dos presidentes dos EUA e do Brasil, contam-se outras personalidades como um antigo conselheiro do governo australiano, Tony Abbott, que afirma que as alterações climáticas são um ardil liderado pela ONU para estabelecer uma nova ordem mundial. Também um grande ativista no passado e ex-presidente do Greenpeace, Patrick Albert Moore, desde que deixou essa organização acusa-a de ter abandonado a ciência e a lógica a favor da emoção e do sensacionalismo. Na forte corrente negacionista no Brasil, bem representada no governo, ressaltam Luiz Carlos Molion, professor aposentado da Universidade Federal de Alagoas, e Ricardo Felício, professor de geografia e meteorologista. Este último chega a negar evidências altamente comprovadas pelos mais categorizados meios científicos. Numa entrevista sensacionalista a um programa da televisão brasileira chegou mesmo a afirmar que não existe camada de ozono. A família Koch, dona da Koch Industries, é um bom exemplo dos poderosos lóbis negacionistas. Desde há anos que tem vindo a financiar as campanhas republicanas nos EUA. É também sabido que houve forte apoio à eleição do atual presidente do Brasil por parte de interesses ligados à criação de gado, que defendem a intensificação de queimadas na Amazónia e a exploração desenfreada da indústria madeireira. Apesar de em Portugal os negacionistas não serem muito ativos, em 7 e 8 de setembro de 2018 foi realizada uma conferência na Universidade do Porto, promovida pelo chamado Independent Committee on Geoethics (ICG). Entre os vários conferencistas destacou-se o meteorologista Piers Corbyn, irmão do líder trabalhista Jeremy Corbyn, que defende a ideia de que a contribuição da atividade industrial para o aquecimento global é mínima e que a principal causa é o aumento da atividade solar. Apesar de a Universidade do Porto se ter distanciado da organização do evento, alegando que fora da responsabilidade de uma docente da Faculdade de Letras, o certo é que lhe deu guarida, dando voz aos negacionistas. São cada vez mais numerosas as provas de que as alterações climáticas são uma realidade e os negacionistas não podem ignorar os relatórios do IPCC nem as publicações das agências especializadas das Nações Unidas, como por exemplo a “Declaração sobre o estado do clima global em 2018”, da OMM, onde se enfatiza que, desde que há observações meteorológicas regulares, os anos 2015 a 2018 foram os quatro mais quentes já registados, acentuando-se a tendência de aquecimento a longo prazo. Os satélites permitem-nos obter provas evidentes destas alterações, como se pode verificar, por exemplo, nas imagens obtidas pela NASA, que mostram a diminuição da cobertura de gelo no Mar Ártico entre setembro de 1984 a setembro de 2016. Apesar do Protocolo de Quioto e das 24 Conferências das Partes (Conferences of the Parties – COP) não terem tido resultados palpáveis, tenhamos esperança que as decisões da COP 25 sejam mais bem sucedidas. Algo de positivo está a acontecer: a consciencialização da juventude, motivada por esse grande símbolo que é a ativista Greta Thunberg. E os jovens serão os dirigentes de amanhã…
Hoje Macau Internacional MancheteNovo relatório da ONU sobre oceanos é "um alerta", diz Comissão Europeia [dropcap]T[/dropcap]rês comissários europeus ligados ao Ambiente e Investigação defendem que o relatório da ONU ontem divulgado sobre o impacto das alterações climáticas nos oceanos e na criosfera é “um alerta” para que o mundo combata rapidamente o aquecimento global. O comentário, congratulando-se com a divulgação do relatório, foi feito conjuntamente pelos comissários Carlos Moedas, o português responsável pela área da Investigação, Ciência e Inovação, Miguel Arrias Canete, para a Acção Climática e Energia, e Karmenu Vella, para o Ambiente, Assuntos Marítimos e Pescas. A posição conjunta ontem divulgada num comunicado na página oficial da União Europeia e diz respeito a um relatório lançado hoje no Mónaco pelo Painel Intergovernamental sobre Alterações Climáticas (IPCC), criado pelas Nações Unidas, dedicado ao impacto climático nos oceanos e na criosfera, as regiões cobertas por gelo e neve permanentes e que constituem 10% da superfície da terra. Sem acção urgente para reduzir as emissões de gases com efeito de estufa, os gelos permanentes vão derreter a um ritmo sem precedentes, elevando o nível dos oceanos com consequências para mais de mil milhões de pessoas, advertem peritos da ONU no relatório. Os peritos do IPCC dizem também que os efeitos das alterações climáticas nos oceanos são já irreversíveis, e alertam que adiar a redução de emissões só tornará pior um cenário de degelo e subida do nível do oceano global. “As conclusões deste novo relatório são claras: o aquecimento global induzido pelo Homem está a mudar drasticamente os nossos oceanos. Eles estão a aquecer, a ficar mais ácidos e ficar com menos oxigénio. Os níveis da água do mar estão a subir muito mais rápido do que se previa”, dizem os três comissários no comunicado. Os efeitos das mudanças ambientais “são devastadores” para ecossistemas marinhos frágeis, como os recifes de coral, as pradarias marinhas ou as florestas de algas, e a segurança alimentar de pessoas que dependem da pesca está em risco, salientam os três responsáveis europeus, alertando para eventos extremos e mais frequentes junto da costa. Se por um lado os oceanos saudáveis podem capturar parte do excesso de calor e de dióxido de carbono, por outro os mares só podem permanecer saudáveis se o aquecimento global for limitado a 1,5 graus celsius, dizem os comissários, concluindo que é preciso exigir uma implementação ambiciosa do Acordo de Paris, assinado há quase cinco anos e que faz essa referência de temperatura. Os responsáveis lembram no comunicado que a União Europeia já apresentou a estratégia para se tornar neutra em carbono (não produzir mais gases com efeito de estufa do que aqueles que consegue absorver) até 2050 e também está a tomar medidas para fazer face às alterações climáticas nos oceanos. “Este relatório do IPCC dá-nos factos inegáveis, evidências científicas, de como o nosso clima está a mudar e como isso afecta cada um de nós. Cabe a nós como políticos traduzir estes factos em acção”, dizem os comissários.
Hoje Macau Internacional MancheteNovo relatório da ONU sobre oceanos é “um alerta”, diz Comissão Europeia [dropcap]T[/dropcap]rês comissários europeus ligados ao Ambiente e Investigação defendem que o relatório da ONU ontem divulgado sobre o impacto das alterações climáticas nos oceanos e na criosfera é “um alerta” para que o mundo combata rapidamente o aquecimento global. O comentário, congratulando-se com a divulgação do relatório, foi feito conjuntamente pelos comissários Carlos Moedas, o português responsável pela área da Investigação, Ciência e Inovação, Miguel Arrias Canete, para a Acção Climática e Energia, e Karmenu Vella, para o Ambiente, Assuntos Marítimos e Pescas. A posição conjunta ontem divulgada num comunicado na página oficial da União Europeia e diz respeito a um relatório lançado hoje no Mónaco pelo Painel Intergovernamental sobre Alterações Climáticas (IPCC), criado pelas Nações Unidas, dedicado ao impacto climático nos oceanos e na criosfera, as regiões cobertas por gelo e neve permanentes e que constituem 10% da superfície da terra. Sem acção urgente para reduzir as emissões de gases com efeito de estufa, os gelos permanentes vão derreter a um ritmo sem precedentes, elevando o nível dos oceanos com consequências para mais de mil milhões de pessoas, advertem peritos da ONU no relatório. Os peritos do IPCC dizem também que os efeitos das alterações climáticas nos oceanos são já irreversíveis, e alertam que adiar a redução de emissões só tornará pior um cenário de degelo e subida do nível do oceano global. “As conclusões deste novo relatório são claras: o aquecimento global induzido pelo Homem está a mudar drasticamente os nossos oceanos. Eles estão a aquecer, a ficar mais ácidos e ficar com menos oxigénio. Os níveis da água do mar estão a subir muito mais rápido do que se previa”, dizem os três comissários no comunicado. Os efeitos das mudanças ambientais “são devastadores” para ecossistemas marinhos frágeis, como os recifes de coral, as pradarias marinhas ou as florestas de algas, e a segurança alimentar de pessoas que dependem da pesca está em risco, salientam os três responsáveis europeus, alertando para eventos extremos e mais frequentes junto da costa. Se por um lado os oceanos saudáveis podem capturar parte do excesso de calor e de dióxido de carbono, por outro os mares só podem permanecer saudáveis se o aquecimento global for limitado a 1,5 graus celsius, dizem os comissários, concluindo que é preciso exigir uma implementação ambiciosa do Acordo de Paris, assinado há quase cinco anos e que faz essa referência de temperatura. Os responsáveis lembram no comunicado que a União Europeia já apresentou a estratégia para se tornar neutra em carbono (não produzir mais gases com efeito de estufa do que aqueles que consegue absorver) até 2050 e também está a tomar medidas para fazer face às alterações climáticas nos oceanos. “Este relatório do IPCC dá-nos factos inegáveis, evidências científicas, de como o nosso clima está a mudar e como isso afecta cada um de nós. Cabe a nós como políticos traduzir estes factos em acção”, dizem os comissários.
Olavo Rasquinho VozesAs alterações climáticas e as extinções em massa [dropcap]A[/dropcap]s alterações climáticas, desde há cerca de duas dezenas de anos, têm vindo a ser assunto tratado quase diariamente nos meios de comunicação social. Na realidade, alterações do clima sempre ocorreram através dos tempos. A grande diferença é que, no passado longínquo, essas variações se processavam lentamente durante milhares ou mesmo milhões de anos, enquanto que desde o início da era industrial, há menos de 200 anos, as consequências das alterações climáticas, atribuídas a causas antropogénicas, têm vindo a acontecer em ritmo acelerado. Vejamos então como o clima, ou seja o comportamento médio das condições atmosféricas, influenciou a vida na Terra. Passaram cerca de 13,8 mil milhões de anos desde do Big Bang, altura em que se formou o universo, e cerca de 4,5 mil milhões de anos que a Terra se formou como resultado de agregação de matéria resultante dessa explosão inicial. A nossa Terra, então incandescente, foi arrefecendo pouco a pouco, durante milhões de anos. Vários gases ficaram retidos pela força da gravidade, formando uma atmosfera onde sobressaíam o hidrogénio, o hélio, o metano e o azoto. À medida que a camada exterior do globo terrestre (crosta) arrefecia e solidificava, as camadas mais interiores mantinham-se em grande parte em fusão. A crosta ainda hoje é perfurada por matéria fundida que é expulsa através dos vulcões que injetam na atmosfera diferentes gases, entre eles o dióxido de carbono. Este gás, à medida que a sua concentração aumentava, contribuiu para que tivesse surgido vida na Terra, na medida em que faz com que as amplitudes térmicas não tenham valores exagerados, como se a atmosfera se comportasse como uma estufa. As suas características permitem que absorva a radiação solar, em grande parte de pequeno comprimento de onda, e emitam radiação de grande comprimento de onda, sob a forma de calor, tal como as estufas. É provável que a água, na forma de gelo, tenha surgido no nosso planeta trazida por corpos celestes (cometas e asteroides) que com ele chocaram. Também é aceite que parte da água existente tenha sido aprisionada no interior do globo, e mais tarde expelida pelos vulcões, sob a forma de vapor. À medida que a atmosfera e a crosta terrestre arrefeciam, o vapor de água condensou dando origem a nuvens e a chuva que, juntamente com a água trazida pelos corpos celeste, deram origem aos oceanos, mares e lagos. O arrefecimento gradual da crosta terrestre permitiu o surgimento de formas primárias de vida constituídas por organismos anaeróbicos, para a sobrevivência dos quais não era necessário a existência de oxigénio. Milhões de anos passaram e muitos destes organismos, expostos à radiação solar, estiveram na base do surgimento de vegetais, cuja clorofila permitiu a fotossíntese, ou seja, a libertação do oxigénio do dióxido de carbono por ação da radiação solar, que, gradualmente, foi fazendo parte de uma atmosfera cada vez mais estável. A existência do oxigénio permitiu o aparecimento de organismos aeróbicos que foram evoluindo ao longo de milhões de anos, tornando-se cada vez mais complexos e transformando-se nas diferentes formas de vida que atualmente existem, e muitas outras já extintas. A pouco e pouco a atmosfera foi adquirindo a composição que hoje apresenta, com intervalos mais ou menos longos em que havia maior ou menor concentração de dióxido de carbono. E foi esta maior ou menor concentração que, devido ao efeito de estufa, esteve na base das grandes extinções de espécies animais e vegetais, não de todas, mas pelo menos de algumas, de acordo com a interpretação de eminentes paleontologistas e paleoclimatologistas. É geralmente aceite que variações do clima tiveram grande influência nas cinco grandes extinções em massa que ocorreram nos últimos 450 milhões de anos, talvez com a exceção da extinção dos dinossauros e de outras espécies da megafauna que habitavam o globo no fim da era Mesozoica, mais especificamente no período Cretácico. Adotamos aqui a interpretação dada ao conceito de “extinção em massa” pelos paleontólogos britânicos Anthony Hallam e Paul Wignall, que caracterizam este tipo de extinções como sendo eventos que eliminam uma proporção significativa do conjunto da fauna e flora do mundo (biota) num período de tempo geologicamente insignificante. Com base nesta interpretação considera-se que houve cinco extinções em massa nos últimos 450 milhões de anos, com a seguinte ordem cronológica: Final do Ordovícico; Devónico Tardio; Final de Pérmico; Final do Triássico; Final de Cretácico. Primeira extinção – Extinção em Massa do Final do Ordovícico (há cerca de 445 milhões de anos) Calcula-se que a extinção do final do Ordovícico ocorreu há quase 450 milhões de anos e obliterou mais de 85% da vida animal no globo terrestre. Há várias interpretações sobre as causas desta extinção, sendo uma das mais credíveis a levantada pela equipa do paleontólogo Seth Finnegan e pelo geólogo Francis Mac Donald, segundo a qual a extinção está relacionada com alterações climáticas. De acordo com o registo fóssil, a vida marinha tropical sofreu grande devastação devido ao arrefecimento do oceano de cerca de 5 graus Celsius. Tudo leva a crer que este arrefecimento foi devido à diminuição drástica da concentração do dióxido de carbono na atmosfera que está relacionada com a formação da região montanhosa que abrange os montes Apalaches, e que se estendia da Gronelândia ao Alabama, devido a ilhas vulcânicas que, impulsionadas por movimentos tectónicos, pressionaram a costa leste da América do Norte, fazendo com que a crosta terrestre se elevasse. Estas montanhas recém formadas sofreram intensos processos físicos, químicos e biológicos (intemperismo) que fizeram com que se desagregassem parcialmente, de modo que os carbonatos que as formavam foram arrastados para o mar. A precipitação, ligeiramente ácida devido ao dióxido de carbono atmosférico, teve grande importância neste processo de “roubo” do carbono do dióxido de carbono da atmosfera para o fundo do mar. Consequentemente houve forte diminuição da concentração do dióxido de carbono na atmosfera, o que enfraqueceu o efeito de estufa, provocando o arrefecimento que esteve na base da breve glaciação do final do Ordovícico, o que fez soçobrar quase tudo o que era vida existente no nosso planeta. Segunda extinção – Extinção em Massa do Devónico Tardio (há cerca de 374 milhões de anos) Várias teorias têm sido levantadas para explicar a extinção em massa do Devónico Tardio. Uma delas, relacionada com o dióxido do carbono, recorre à diminuição da concentração deste gás na atmosfera para explicar o que se passou. Segundo ela, o surgimento de vastas zonas de florestas fez com que a concentração do dióxido de carbono diminuísse drasticamente devido à fotossíntese, o que provocou uma descida de temperatura (da ordem de seis ou sete graus), o que esteve na base de períodos glaciais que provocaram o desaparecimento de cerca de 70 a 83% das espécies marinhas. Entre os animais extintos sobressaem os placodermos, peixes cuja principal característica era a de possuírem coberturas da cabeça e tórax por uma espécie de armadura constituída por placas dérmicas. Alguns paleontólogos são da opinião de que os placodermos estão para o Devónico assim como os dinossauros para o Jurássico e o Cretácico. Terceira extinção – Extinção em Massa do Final do Pérmico (há cerca de 252 milhões de anos) Cerca de 100 milhões de anos após o Devónico ocorreu a terceira extinção em massa que, comparada com as anteriores, foi muito mais avassaladora, causando a quase destruição total da vida na Terra. De acordo com vários paleontologistas, as alterações climáticas que ocorreram no final do período Pérmico foram a causa da maior extinção em massa da história do nosso planeta. Também designada por extinção do Pérmico-Triássico, foi devida essencialmente ao aumento da concentração de dióxido de carbono na atmosfera, proveniente de intensa atividade vulcânica, o que implicou aquecimento do ar e dos oceanos, os quais perderam a quase totalidade do oxigénio neles dissolvido. Perante esta situação houve uma extinção da vida marítima quase total. Até as trilobites, que tinham sobrevivido às extinções anteriores, desapareceram para sempre. Toda esta destruição decorreu durante os quase 50 milhões de anos que durou o Pérmico, continuando ainda pelo período a seguir, o Triássico. Um artigo da revista científica americana Science, de 7 de dezembro de 2018, da autoria, entre outros, de Justin L. Penn, investigador da Escola de Oceanografia da Universidade de Washingtoni, estima que foram extintas 96% das espécies marítimas e 70% das espécies terrestres. Estes resultados são como que um aviso sobre o risco futuro de extinção decorrente de uma diminuição da capacidade aeróbica dos oceanos, o que já está em andamento. Quarta extinção – Extinção em Massa do Final do Triássico (há cerca de 201 milhões de anos) Apesar de a extinção em massa do final do Pérmico ter acabado quase com a vida na Terra, algumas espécies resistiram e a vida refloresceu durante alguns milhões de anos. Foram criadas as condições para o aparecimento dos primeiros dinossauros e a proliferação de grandes répteis. As massas continentais estavam unidas formando um supercontinente, a Pangeia, o que fazia com que a atmosfera fosse muito seca e, consequentemente, houvesse fraca pluviosidade. A quase ausência de chuva impediu o intemperismo, ou seja, a desagregação e decomposição das rochas, o que contribuiu para que a concentração do dióxido de carbono na atmosfera não diminuísse. Pelo contrário a concentração aumentou devido à intensa atividade vulcânica que, além de dióxido de carbono, injetava grandes quantidades de outros gases de efeito de estufa. Agravando a situação, a ausência de florestas, que desapareceram quase completamente nos cerca de 10 milhões de anos que se seguiram à extinção do final do Pérmico, contribuiu para que o Triássico Inferior fosse exageradamente quente. Milhões de anos passaram e as florestas reapareceram, assim como a chuva com grande intensidade, e a Terra voltou a arrefecer. Porém, no final do Triássico, a tragédia voltou a assediar a Terra. Uma extinção em massa ocorreu, tendo sido aventada a hipótese de um asteroide ter atingido a Terra, o que não se confirmou. É mais aceite a teoria, baseada no registo fóssil, de que o final do Triássico foi perturbado por uma atividade vulcânica muito intensa, à escala global, o que implicou injeção na atmosfera de grandes quantidades de dióxido de carbono e de outros gases de efeito de estufa, o que provocou aquecimento da atmosfera e dos oceanos. Estima-se que cerca de 76% das espécies marinhas e terrestres foram aniquiladas. Quinta extinção – Extinção em Massa do Final do Cretácico (há cerca de 66 milhões de anos) É aceite que há cerca de 66 milhões de anos um asteroide com cerca de 10 a 15 Km de diâmetro chocou com a Terra, provocando uma cratera com aproximadamente 150 km de diâmetro, designada por Cratera de Chicxulub, por o seu centro se encontrar próximo da atual cidade com o mesmo nome. A cratera encontra-se soterrada por sedimentos com quase 1 km de espessura, sob a Península de Iucatão e o fundo do mar, no Golfo do México. As águas pouco profundas potenciaram os estragos fazendo com que a energia que se calcula equivalente a cerca de 100 milhões de megatoneladas de TNT causasse fragmentação e pulverização de extensas formações rochosas que foram projetadas, descrevendo trajetórias que atingiram as zonas mais longínquas do globo, caindo em parte sob a forma de meteoritos, e outra parte menos densa ficando em suspensão na atmosfera. Rochas de calcário foram vaporizadas provocando um aumento significativo de dióxido de carbono na atmosfera. Durante um longo período a luz solar esteve impedida de ultrapassar as densas nuvens de poeira misturada com gases tóxico, e a chuva ácida ajudou a aniquilar grande parte da biosfera. A existência de fósseis de peixes com areia vitrificada nas guelras, a muitos quilómetros de distância do impacto, como os que foram encontrados na formação rochosa Hell Greek, nos Estados Unidos da América, levaram os paleontólogos a deduzirem que o impacto gerou um tsunami gigantesco que invadiu vastas áreas continentais. Os dinossauros e outros espécimes da megafauna que não soçobraram aquando do impacto acabaram por sucumbir por falta de alimento. Calcula-se que cerca 75% das espécies animais e vegetais foram aniquiladas. Este impacto é por vezes designado por evento K-T, que originou a extinção K-T, por ter ocorrido no fim do período geológico Cretácico e começo do Terciário (a letra K foi atribuída ao período Cretácico). Mais modernamente é designado por evento Cretácico-Paleogénico (K-Pg), por ter ocorrido no fim do Cretácico e princípio do Paleogénico. Todas estas extinções decorreram ao longo de milhões de anos, na medida em que uma das suas causas, a maior ou menor concentração de dióxido de carbono, teve uma evolução em geral muito lenta. Acontece, porém, que o aumento de concentração deste gás duplicou praticamente no curto período desde o início da era industrial, o que na escala geológica é praticamente um instante. Isto leva-nos a pensar que o conhecimento da história do nosso planeta nos pode alertar para o que poderá acontecer nas próximas décadas se não se tomarem as medidas preconizadas no Acordo de Paris. As perspetivas, porém, não são animadoras. A história da Terra ensina-nos que o excesso de dióxido de carbono na atmosfera pode levar a consequências drásticas. Compreender os eventos do passado serve para prevenir o futuro. Justin L. Penn, no seu artigo da revista Science, sobre a extinção em massa do final do Pérmico, alertava “Because similar environmental alterations are predicted outcomes of current climate change, we would be wise to take note”
admin h | Artes, Letras e IdeiasTarde demais [dropcap]D[/dropcap]urante meses percorremos a costa para averiguar o estado do litoral. O nível de erosão geológica, o avanço urbano, a contaminação marítima e, sobretudo, os resíduos sedimentados junto à linha dos mares. Captámos imagens e vídeos com meios tecnológicos avançados, drones e lentes de precisão. Mapeámos o terreno, tornando-o tridimensional aos olhos dos mais leigos. Reputámos o canto dos pássaros. Fizemos gráficos, desenvolvemos um estudo ambiental e, por fim, tirámos conclusões e apresentámos medidas a tomar pelas entidades competentes. Em suma, fizemos o nosso trabalho, sem apoios estatais, sem subsídios públicos. Fizemo-lo porque tinha de ser feito, porque o país precisa destes relatórios. Não nos interessa se é caro ou barato, não é razão que nos impeça de prosseguir. Somos uma equipa pequena, com equipamento próprio e muita formação na bagagem. Se há alguém com recursos na matéria, porque não avançar e apresentar resultados? O planeta agradece. Com o material na mão, fizemos cópias e enviámos para os ministérios, autarquias e instituições. Encaminhámo-lo igualmente para as associações ambientais e para o fluxo de empresas que de algum modo poderiam melhorar práticas e daí tirar mais proveitos. Não esquecemos os que a todo o momento agridem o meio-ambiente e que não são advertidos e colocados de sobreaviso. Apesar das chaminés e descargas para os leitos cândidos dos rios, nada os distingue no papel. Não há penalizações para os transgressores porque a linha de transgressão ainda está por definir. Também eles receberam um postal no correio. O Estado agradeceu-nos o esforço e louvou o nosso trabalho, agendando para mais tarde um encontro para aprofundarmos a matéria e colocar planos em cima da mesa, encaminhando-os para uma linha definida de execução. Há muito para fazer, insistimos. Já vamos tarde. Não interrompemos o trabalho de observação. Aproveitando esta linha primária de comunicação, elaborámos um sucessivo fluxo de notícias frescas e pertinentes sobre a realidade, acrescentando factos para o contexto da situação. Sugerimos leituras, o convite dos maiores talentos na matéria, ciclos documentais para a consciência da população. Orgia iniciática necessária para o volte de face. Do outro lado, o fio contínuo mudo em ecrã escuro de inactividade, como se o coração colectivo tivesse deixado de bater. Outros valores, de pé mais comprido, se intrometiam. Reportando ao paradigma das praias, sobre o qual se debruçou grande extensão da nossa análise. Na sua maioria, a olho nu, encontravam-se limpas. Não há como evitar os detritos que se acumulam no alto-mar, a origem é global, e com teimosia acabam por se albergar na nossa costa. Há escarpas nas zonas não classificadas com os estandartes de qualidade que requerem uma acção prolongada e, acima de tudo, persistem as descargas feitas nos fluxos aquíferos que quebram a harmonia ecológica. Os nossos dejectos diários. Por outro lado, o nível da água subiu vários metros e as marés vivas aproximaram-se da borda das povoações, engalfinhando estradas, parques de estacionamento e pequenos edifícios construídos ao largo da costa, ora para domicílio ilícito ou como baiucas veraneantes para refresco dos turistas. No passado, ignorou-se o cerne da questão, diluindo apenas o imediato. Construíram-se muralhas rochosas para apaziguar o poderio infinito do mar, procederam-se a demolições, transplantaram-se areias delapidadas de outros corpos celestes. Dragaram-se goelas de rios. A curto prazo, dissolveu-se o prurido e as bolas de Berlim voltaram a ser o apetite mais premente. Mas a raiz continuava a avariar. Os primeiros estudos foram efectuados há vários anos. Na enxovia do poder, várias caras foram atravessando os currais das assembleias, sorrisinhos para aqui e para ali, promessas eleitorais. Mas em uníssono, apesar das palmadinhas nas costas e missivas floreadas, nenhum deles puxou a corda. O parlamento discutiu, sim, aprenderam a matéria dada, mas não reunimos com ninguém à altura da mudança, nem sequer com o motorista, para nos ceder passagem. Apesar disso, de olhos bem abertos, continuámos a efectuar o nosso trabalho. Desistir não faz parte da ementa. Até que outros veículos se movimentaram, não temendo a corrente do acelerador. Aparelhos desobstruídos. Trindade caída. Aconteceu de modo natural e intrínseco. Não era propositado o facto de irmos todos juntos, mulheres e homens, de várias origens e lonjuras. Os sinos das igrejas não tocaram, ninguém tocou a rebate. Foi-se confluindo para caminhos análogos, que se uniram num só. Não havia tempo a perder. A luz já tinha despertado em alguns, mas ainda não existia a coragem de nos pormos à estrada. Mas quando aconteceu, foi repentino para a maioria, sobretudo quando a palavra começou a circular de boca em boca. Vamos? Aí soubemos que tinha chegado o tempo certo, de nos manifestarmos, de lutarmos pela importância das coisas. Já não iria existir uma inversão de marcha. Não ia ser como sempre foi. De ouvirmos calados. De deixar a carruagem passar, ao sabor de um nó de gravata ou de um par de óculos de garrafa. O senhor director está ocupado. Sim, erámos pacíficos e tal, mas contra o nosso número, uma união coesa de vontade e revolta, nenhum outro poder teria força para nos impedir. Nem o império do mar. Aconteceu na avalanche, que desce a montanha e faz rebolar o pequeno floco de neve que bate forte dentro do peito, transformando-se a cada rotação em ser distinto, elevando-se e multiplicando-se, para uns metros mais à frente existir num colosso imparável. Irreparável. Como se poderia ignorar tal temor a pulular-nos nas veias? De que valiam os estudos nesta altura, a ignorância, o saber? O nível das águas, a febre a dilatar-se, o granizo fora de época. Os drones e as lentes de precisão. De que servia determinada tecnologia naquela confluência de elementos? Sua excelência o ministro, pedia-lhe encarecidamente, deixo-lhe os meus melhores cumprimentos. A empresa tal desvia os seus esgotos para a ribeira xis. As emissões de carbono atingiram níveis indesejáveis. Alertamos para o perigo imediato. Quadro negro. Pelo resultado atingido, as gavetas dos gabinetes aquartelavam dezenas de estudos como os nossos. O exame não era corrigido. As pautas não eram lançadas. A inclinação tombou. Os pássaros deixaram de cantar. Enquanto o monitor cardíaco se enleava, a direcção passou a um só sentido. A idade ou estatuto não contavam. Deixámos de olhar para as criancinhas como peças soltas com futuro inserto num caldeirão, a chupar refrescos em baiucas de veraneantes. A travessa, a rua, a avenida. Uma injecção. Alunos, professores e pessoal de limpeza. A fauna era variada e pungente. Entre nós, até existiam alguns elementos da autoridade, forças armadas, militares insatisfeitos, polícias desregulados, que tinham deixado o armamento em casa, mas que vinham preparados para tudo. Finalmente, tinha chegado o dia de pôr cobro ao grande circo que rolava sem travões há tempos infindos. Como o mar. A muralha rochosa erguia-se em penedo da antiguidade, no leito cândido dos rios. A História iria ter um volte de face e não era preciso escrevê-la, os papéis estavam todos no ar, despedidos que foram do mofo dos gabinetes. Ainda tentaram colocar-se do nosso lado, os governantes, com o intuito de ganhar tempo e criar um grupo de transição, de onde fariam parte. O povo é sereno, gritavam, quando passámos por cima da linha da frente e os atropelámos. Seríamos nós a ditar as regras do país e as transformações estavam muito bem delineadas. Há imenso tempo que elas eram faladas – dirigido ao senhor coordenador do gabinete do secretário, pedimos deferimento, acaloradamente – era só pôr tudo em prática. As grandes empresas teriam de se reger por princípios rígidos e só assim podiam subsistir. Não havia tempo para encubar mais ideias. Ou financiar espíritos criativos e cimeiras de botõezinhos. O filho pródigo regressava a casa. Seriam os princípios da humanidade e da natureza, era assim que ia ser daí em diante. Não havia tempo a perder. E ninguém diga que gostamos de chegar atrasados. Hoje, já vamos tarde.
Andreia Sofia Silva EntrevistaCarlos Taibo, professor de ciência política da Universidade Autónoma de Madrid: “O colapso vai ser global” As alterações climáticas e o esgotamento das matérias-primas são as causas mais prováveis para o colapso do sistema socio-económico das sociedades contemporâneas. A Ásia e, sobretudo, a China não estão imunes. Esta é a tese defendida por Carlos Taibo, professor de ciência política da Universidade Autónoma de Madrid, cuja versão portuguesa do livro “Colapso. Capitalismo terminal, Transição ecossocial, Ecofascismo” foi recentemente lançada Defende que vai acontecer um colapso a nível global entre 2020 e 2050 e não daqui a cem anos, como muitos julgam. Como é que este colapso se vai sentir na China? Naturalmente que vai acontecer na China, não tenho nenhuma dúvida. O facto de a China estar a reproduzir muitos dos elementos do crescimento próprio do mundo ocidental justifica que é candidata fundamental. Além disso, as alterações climáticas e o esgotamento das matérias-primas energéticas afectam a China de maneira muito evidente. Há uma discussão muito interessante relativamente ao facto de na China existir um Governo de carácter autoritário, algo que pode contribuir ou oferecer respostas mais firmes face às que derivam das democracias liberais. Há uma diversificação das opiniões que, em relação a estes processos, pode ser muito delicada. Mas, como sou bastante céptico no que diz respeito às estruturas de poder autoritário, penso que seria fácil que a direcção da política chinesa se fizesse no sentido de apoiar um projecto de ecofascismo ao invés de procurar respeitar as regras do jogo dos restantes países e dar espaço a movimentos de transição de carácter alternativo ou igualitário. Portanto, depois da queda do capitalismo pode-se seguir uma situação de ecofascismo. Primeiro teríamos de clarificar qual é a situação do sistema económico chinês. Trata-se de uma combinação muito estranha de capitalismo com muitos elementos de políticas autoritárias, eventualmente socializantes em alguma dimensão. Mas tenho a impressão de que a pegada capitalista na economia chinesa é tão forte que tudo o que digamos sobre a deriva do capitalismo nas economias de mercado livre pode afirmar-se também da presumível deriva no modelo económico chinês. Considera que a China pode ser um dos países protagonistas deste colapso social de que fala, a par dos Estados Unidos. Acha que a guerra comercial que travam é um sinal do colapso de que fala? É um país protagonista das relações comerciais internacionais e, temos de admitir, se essas relações estiverem na origem do colapso, então será o protagonista central do colapso. Em qualquer caso, devo reconhecer que o meu livro aborda o período depois do colapso e não sobre o que acontece antes. Alguém poderia perguntar-me: se o colapso se produz no ano 2050, o que acontece antes? Do meu ponto de vista, a ideia de uma III Guerra Mundial serve para descrever o cenário de uma sociedade pós-colapso, mas pode servir um cenário prévio ao colapso. Neste âmbito de conceitos, com certeza a China desenvolve um papel central e importante, ainda que não seja a principal potência agressiva, mas sim os EUA. Tem sido acusado de ser alarmista quanto à possibilidade da ocorrência de um colapso social no mundo entre 2020 e 2050. Como reage perante estas críticas? Bom, prefiro ser qualificado e descrito como alarmista a ser qualificado de frívolo. É muito mais grave para mim o pecado da frivolidade do que o do alarmismo. Além disso, afirmei no início da minha palestra que não estou em condições de afirmar, sem margem para dúvidas, que se vai produzir um colapso social do sistema. No meu argumento mais prudente afirmo que esse colapso é provável, ou muito provável. Parece-me que os dados me levam a concluir cientificamente que esta conclusão é legítima. Não digo mais nada. Se tivesse de apontar causas ou acontecimentos fundamentais para o colapso, quais apontaria? A guerra comercial que hoje vivemos, a crise da zona Euro, por exemplo? Estou a pensar em processos globais, como as mudanças climáticas, o esgotamento das matérias-primas energéticas, o surgimento de uma crise social, financeira e demográfica derivada do desenvolvimento de violências várias. Um planeta com muitos conflitos onde cai o esgotamento das matérias-primas e as alterações climáticas. Prefiro rebaixar o peso do argumento no que diz respeito à crise da zona Euro, que considero que tem um relevo menor em relação à discussão sobre o colapso. Porque defende que o colapso irá acontecer mais rapidamente nos países do sul do que no norte, e como é que essa diferença se verifica na Ásia? Se as duas principais causas para a ocorrência do colapso são as mudanças climáticas e o esgotamento das matérias-primas energéticas, parece-me evidente que vai golpear de maneira mais forte os países do sul. A subida das temperaturas vai provocar a migração de populações inteiras, com refugiados procurando zonas menos severas em termos climáticos. O esgotamento das matérias-primas energéticas não vai ter tantos efeitos nos países do sul, pois dependem menos disso. Por serem países menos desenvolvidos, necessitam menos dessas matérias-primas energéticas, à diferença do que acontece no norte. Suspeito que a China e a Ásia emergente estará no meio destas duas situações, de tal maneira que não é trágico o cenário das mudanças climáticas nem tão benigno o esgotamento das matérias-primas energéticas. Há uma clara desigualdade entre a China e o Japão e depois o Sudeste Asiático. Portanto, haverá efeitos diferentes. Sim. O que acontece é que é difícil identificar esses efeitos. Porque a minha tese é que as sociedades que mais vão padecer dos efeitos do colapso são aquelas que mais dependem de tecnologias ou energias que chegam de longe. A sociedade japonesa, por exemplo, vai padecer bastante destes efeitos, mas a China não tanto. Não digo que não irá sofrer, mas tem as suas defesas, que se caracterizam pelo facto de a sociedade chinesa viver ainda uma grande parte em subdesenvolvimento. Isso faz com que as suas necessidades energéticas sejam mais reduzidas. Introduzi o conceito de que, paradoxalmente, as sociedades que, na Europa, consideramos mais deprimidas, são as que vão ter maiores possibilidades num cenário de colapso, porque são aquelas que dependem menos das tecnologias e de energias. Suponho que isto vai acontecer em boa parte da China, mas não nas regiões mais orientais, que se abrem ao Oceano Pacífico, que são sociedades muito urbanas e muito dependentes de tecnologias e energias. Uma vez que a China ainda tem uma boa parte da população ligada ao sector primário, irá sobreviver melhor que o Japão a um eventual colapso. Considero que é assim. Como encara o discurso político da China em prol da defesa do ambiente? Não conheço bem, mas tenho a impressão de que a China foi um país que pensou durante muito tempo nas medidas internacionais que pretendiam reduzir as suas emissões de gases e fomentar o seu desenvolvimento económico. Mas, provavelmente, há uma leitura diferente, que considera que o problema existe e que a China está cega em relação à realidade e simplesmente nega o aumento das emissões. Fala-se muito do colapso enquanto questão mais ocidental ou europeísta… O colapso vai ser global, ainda que vá ter efeitos diferentes nas regiões. É certo que a discussão sobre o colapso tem uma presença mais forte nas sociedades ocidentais, mas intuo que é inevitável que essa discussão chegue a outros lugares porque, repito, o colapso é global. Este é um elemento que distingue este colapso de outros registados no passado. Por exemplo, quando o Império Romano colapsou, os efeitos sobre os outros impérios foram nulos. Hoje sabemos que as mudanças climáticas e o esgotamento das matérias-primas são processos inevitavelmente globais. O que podemos fazer para evitar este colapso? Temos de modificar a nossa vida quotidiana de maneira a instaurarmos uma relação muito mais civilizada com o meio natural e organizar movimentos colectivos que modifiquem as regras do jogo, em prol do fim do mercantilismo e da procura de projectos colectivos solidários mais austeros. Contudo, devemos atribuir outro significado à palavra austeridade do que o significado que os nossos governantes dão hoje em dia, quando preferem associar a austeridade a uma redução dos orçamentos sociais. A austeridade é um valor saudável e positivo.
Olavo Rasquinho VozesTempo, clima, aquecimento global e …menopausa [dropcap]É[/dropcap] frequente a confusão entre “tempo” e “clima”, no entanto são conceitos totalmente diferentes. “Tempo” refere-se às condições meteorológicas que ocorrem num dado momento ou num período relativamente curto. Quando falamos de clima já nos estamos a referir aos valores médios das variáveis meteorológicas (temperatura do ar, pressão atmosférica, humidade, nebulosidade, visibilidade, vento, etc.) referentes a um período longo. Assim, por exemplo, ao afirmar que neste momento está muito calor e a chover em Macau ou que em Pequim está muito frio, estamos a referir-nos ao tempo. Por outro lado, se dissermos que Macau é uma cidade sujeita ao regime de monções e que é caracterizada pelo facto de o ar ser geralmente muito quente e húmido nos meses de maio a setembro, já nos estamos a referir ao seu clima. São de tal maneira diferentes estes dois conceitos que para caracterizar o tempo basta conhecer os valores das variáveis meteorológicas num determinado momento, enquanto que para caracterizar o clima são necessários valores médios desses parâmetros referentes pelo menos a… trinta anos! Trinta anos é o período mínimo preconizado pela Organização Meteorológica Mundial, agência especializada das Nações Unidas, para caracterizar as condições meteorológicas médias de uma determinada região ou local. Não é raro ver-se escrito ou ouvir-se em alguns meios de comunicação social que, por exemplo, não se realizou um determinado evento ao ar livre devido às “condições climatéricas”. Esta expressão está de tal maneira arreigada na linguagem corrente que é também frequentemente usada por altos dirigentes do Estado. Nem sequer se recorre ao termo “climáticas” em vez de “climatéricas”, o que seria mais elegante, apesar de continuar a ser errado o seu uso naquelas circunstâncias. Não há nenhum profissional das áreas da meteorologia e da climatologia que utilizem o termo “climatérico” em vez de “climático”, embora alguns dicionários classifiquem estas palavras como sinónimas. Além de que o termo “climatérico” se pode prestar a confusão, pois designa-se por “climatério” o conjunto de sintomas que surgem antes e depois da menopausa. Corre-se o risco de se querer referir ao tempo e acabar-se por falar em… menopausa! Ainda a propósito de tempo e clima, foi muito comentada a nível mundial a seguinte mensagem através do “Twitter” do Presidente dos EUA, Donald Trump: Donald J. TrumpVerified account @realDonaldTrump In the beautiful Midwest, windchill temperatures are reaching minus 60 degrees, the coldest ever recorded. In coming days, expected to get even colder. People can’t last outside even for minutes. What the hell is going on with Global Waming? Please come back fast, we need you! 6:28 PM – 28 Jan 2019 Trump faz referência a um acontecimento meteorológico que consiste no deslocamento para latitudes mais baixas de uma massa de ar ártico muito frio, que circula numa vasta região depressionária, designada por vórtice polar, que permanece quase estacionária na região polar, no hemisfério norte. No inverno passado ocorreu uma destas migrações de ar ártico, o que afetou os Estados Unidos da América durante alguns dias, período em que as condições meteorológicas foram caracterizadas por valores da temperatura do ar extremamente baixas. O que Trump não sabe é que esses valores da temperatura aparecerão completamente diluídos nos tais pelo menos trinta anos que são necessários para caracterizar o clima! No entanto, cético como é sobre o aquecimento global, não perde a oportunidade para criticar o que milhares de cientistas em todo o mundo já aceitaram como verdadeiro. Mas… terá Trump razão para duvidar do aquecimento global e, consequentemente, das alterações climáticas causadas pelas atividades humanas? Na realidade não é só ele a duvidar, pois há mesmo alguns cientistas que partilham esta atitude crítica. Um dos argumentos que os detratores do aquecimento global apresentam em sua defesa consiste no facto de que, em muitos casos, o ambiente envolvente das estações meteorológicas se ter degradado devido à expansão das zonas urbanas. É um facto que as cidades ao crescerem, envolvendo as estações meteorológicas que anteriormente se encontravam em áreas não urbanizadas, poderão influenciar os valores da temperatura do ar. É sabido que as grandes cidades constituem verdadeiras ilhas de calor, falseando os valores que a temperatura do ar deveria ter se as estações meteorológicas não sofressem essa influência. No entanto, este argumento não é muito válido na medida em que também é detetado aumento de temperatura nas estações que permaneceram em ambientes rústicos. Vem até mesmo reforçar o que tem vindo a ser afirmado por milhares de investigadores, que o aquecimento a nível global se deve a atividades humanas. Na realidade, a causa principal do aquecimento global é o aumento da concentração dos gases de efeito de estufa provenientes das atividades humanas desde o início da era industrial, ou seja, desde há mais de cento e cinquenta anos. O conceito de clima é muito mais vasto do que aquele que mencionamos quando comparamos os significados de “tempo” e “clima”. Como afirmam os Professores José Pinto Peixoto e Abraham H. Oort, na obra “Physics of Climate” (publicado em 1992 pelo American Institute of Physics), “the climate is always evolving and it must be regarded as a living entity”. O autor escreve ao abrigo do novo acordo ortográfico
Tânia dos Santos Sexanálise VozesO Sexo das Alterações Climáticas [dropcap style≠’circle’]A[/dropcap]s alterações climáticas é um daqueles temas transversais a tudo, tal como o sexo, por isso decidi casar um tópico com o outro para um argumento, que não é novo para alguns, mas talvez seja para outros. Tenho sofrido da particular frustração por ver que as alterações climáticas, que estão aí ao virar da esquina, ou que até já chegaram em força, é um conceito entendido como desconectado de tudo à nossa volta. Não está desconectado do ambiente em si, claro, mas está desconectado dos nossos sistemas morais, sociais, psicológicos, e do nosso dia-a-dia, no fundo. Já em tempos me debrucei acerca de uma sexualidade ecológica, a forma mais fácil de casar os temas – seja porque se ama o planeta e se faz amor com o solo, as árvores e as plantas ou porque se tomam decisões de compra mais ecológicas, como vibradores, lubrificantes e outros que tais – com a garantia que não estamos a poluir o ambiente ou nós próprios. Mas será que basta? Será que é suficiente ter hábitos de consumo mais ecológicos e ponderados para evitar o fim da civilização tal e qual como ela existe? Será que a solução são os carros eléctricos, pensando agora num sentido mais lato de hábitos de consumo, ou os produtos biológicos,ou os materiais biodegradáveis, ou as casas inteligentes? Quando, no ano passado, Macau viu passar os tufões mais intensos e mortíferos dos últimos tempos, uns atrás dos outros, eu pensei para mim mesma que a minha geração, muito provavelmente, assistiria ao início da degradação dos nossos ambientes e sociedades. E o que tenho aprendido é que as alterações climáticas vêm aprofundar o fosso socio-económico das nossas cidades, países, continentes, e planeta. No dia da Mulher, as Nações Unidas apresentou uma campanha toda bonita sobre como as alterações climáticas são um problema de género – também. Eu sei que esta é uma ideia difícil de perceber, e pouco consensual. Que diferença faz se eu for homem, mulher ou outra identificação de género, à vista das alterações climáticas? Não serão os efeitos os mesmos para todos? Há quem discorde – as alterações climáticas são um problema que têm afectado primeiro as comunidades já frágeis, que para além de verem os seus ambientes a deteriorar-se, vêem-se em confronto com outro tipo de desafios. Países com escassez de água, de condições básicas de sobrevivência, seja pela seca ou pela inundação, sofrem de maior desigualdade de género. Tal como o sexo, as alterações climáticas não são um problema do mundo físico, somente, são um problema do mundo social. Reparem: a escassez de recursos ou as transformações no ecossistema, mexem com temas tão delicados como a maternidade – será que podemos ou devemos trazer uma criança ao mundo? – ou com a contracepção – porque é que os peixes andam cheios de hormonas femininas? – ou com o nosso consumo sexual – será que preciso de 30 vibradores, um de cada cor, para completar a minha colecção megalómana de dildos? Quanto mais consumimos, mais poluímos, não é? O sexo das alterações climáticas não deverá ser uma discussão sem fim, porque de perguntas sem resposta já estamos nós fartos. O que considero útil neste desafio temático, é olhar para aquilo que está a acontecer no nosso planeta de forma interseccional – que o ambiente está no estado desequilibrado em que está, e que pode afectar e reforçar as dinâmicas de poder já existentes. No exercício de distopia da Margaret Atwood, que explora as questões das mulheres e as questões do ambiente (em vários exercícios de ficção, e não só na sua mais aclamada obra), torna este mesmo argumento óbvio: as alterações que o nosso planeta anda a sofrer são um desafio também ao sexo que fazemos, ao sexo performativo e representado e ao sexo que desejamos. O sexo destas sociedades que parecem mais loucas do que sensatas: mais loucas por poder, por desigualdade, nunca loucas por amor, ou pelo menos, nunca da forma certa de amor.