Fernando Eloy VozesDa incapacidade [dropcap styyle=’circle’]C[/dropcap]omo todos sabemos, mais de 100 pessoas morreram em Paris esta semana. Como menos sabemos, cerca de 40 morreram no mesmo dia em Beirute. Como menos ainda sabemos, desde 2006 até 2014, de acordo com o sítio “statista”, morreram perto de 162.000 pessoas devidos a actos terroristas, notando-se um aumento radical do número de vitimas de ataques terroristas em 2014 (32,827 vitimas) contra as 18,066 de 2013, num sinal claro que o combate contra o terrorismo está longe de ser ganho. E, claro, a maioria das mortes não ocorreu na Europa. Os números são impressionantes mas podem ser relativizados quando sabemos pela OMS que 7.4 milhões morrem todos os anos vítimas de doenças cardíacas ou o espantoso número de 4.3 milhões pessoas que morrem por ano vítimas de… poluição atmosférica no domicilio! Naturalmente, apesar destas disparidades não há relativização que chegue para compensar o horror do assassínio deliberado de inocentes, pelo medievalismo tácito e pelas as implicações indirectas desde os impactos económicos ao incremento de ódios, segregação e racismo, ao surgimento de cada vez mais movimentos políticos extremistas e, naturalmente, o reforço das medidas de segurança e vigilância que gradualmente nos tolhem cada vez mais os movimentos e perturbam o dia a dia. Todavia, nada parece estar a ser feito para combater de facto o flagelo, ao ponto de quase me surgir a inclinado a acreditar numa qualquer teoria da conspiração que explique a imbecilidade dos governos como propositada para assim poderem aumentar os meios de repressão e vigilância sobre as populações, legitimados pelo medo que o terrorismo causa. Porque, na realidade, existem n coisas que não se entendem como, por exemplo, o financiamento de grupos como o Ísis que, segundo dados saídos na imprensa internacional, facturam cerca de 3 milhões de dólares por dia (!) só em petróleo dos poços que controlam nas zonas ocupadas, fora o que obtêm através de tráfico humano e da venda de antiguidades roubadas no Iraque. Quem compra tudo isto? Alguém seguramente. Que se tem feito para evitar o tráfico? Praticamente nada. Muitos discursos e tomadas de posições mas resultados zero. Mas há mais coisas que não fazem sentido: no caso francês, tal como nos atentados de Janeiro, pelo menos um dos atacantes identificados já estava fichado pela polícia como extremista. Porque ainda assim conseguiu participar num ataque terrorista? Mistério. Ou talvez não… Talvez o problema resida no facto da Europa não ter encarado, até agora pelo menos, a ameaça terrorista como aquilo que de facto é: um estado de guerra, como o primeiro ministro francês finalmente reconheceu falando já de extirpação de nacionalidade e expulsão de radicais. De facto, casos excepcionais requerem medidas excepcionais, mas Manuel Valls não explica é para onde os vai expulsar. Para Santa Helena? Mais: segundo consta, alguns dos atacantes terão entrado, como se previa, junto com a vaga de refugiados. Porque é que Europa não conseguiu, nem consegue, lidar com os refugiados? Mistério. A sensação que fica portanto, é a de sermos governados por um punhado de idiotas pomposos sempre rápidos no discurso, teatrais e dramáticos para o povo ver, mas com uma incapacidade enorme de agir, de criar soluções práticas para os problemas. Será também possível perceber o gáudio com que foi anunciada a morte de Jihadi John? Ou a de Bin Laden? Onde vai levar esta sede de sangue? Em que medida é que isto nos distancia dos terroristas? Não teria sido preferível capturar tanto um como outro e julgá-los? Não seria melhor para todos? Não seria isso um afirmação de superioridade civilizacional? Sabendo ainda que grande parte dos terroristas que atacam na Europa são criados em casa, cidadãos desses próprios países, que tipo de programas têm vindo a ser implementados para os perceber, para os enquadrar, para evitar que a atracção pelas organizações terroristas surja?… No fundo tratam-se na sua grande maioria de jovens, influenciáveis como a maioria dos jovens que vêem na jihad, muito provavelmente, uma forma de inclusão que não sentem nas sociedades que os viram nascer. A realidade é que o Ocidente não tem um plano para acabar com o terrorismo nem para eliminar grupos odiosos como a Ísis limitando-se a reagir a quente e a trancar portas depois da casa roubada. Mas se alguma coisa de positivo surge nesta história é a revelação de quão urgente precisamos de novas formas de pensar, de novas formas de governar. No caso da crise de refugiados, quão difícil teria sido/será arregimentar uns quantos paquetes de turismo e uns porta-aviões para recolher os refugiados do Mediterrâneo? Qual a dificuldade? Quantas vidas se poupariam? Quantas dificuldades para todos se evitavam? Davam-se condições de vida às pessoas, fazia-se um recenseamento detalhado dos refugiados e depois distribuíam-se as pessoas de forma organizada pelos países de acolhimento. Estou a ser ingénuo? Existe aqui alguma dificuldade de que eu não me consigo aperceber? Felizmente começam a surgir novas formas de pensar como Jeremy Corbyn no Reino Unido e até o novo papa tem demonstrado que é possível pensar e agir de formas inovadoras, mas ainda é pouco, muito pouco porque o resto são tomadas inócuas de posição, discursos de intenções e políticas medievais como as da Polónia e da Hungria e uma incapacidade gritante para resolver problemas. Nem terrorismo, nem refugiados, nem desenvolvimento social, nem aquecimento global, nem fome, nem gente a morrer em casa por ter de fazer fogos para sobreviver. Nada se resolve. Somos uns incapazes. MÚSICA DA SEMANA John Legend – “If You’re Out There” If you hear this message Wherever you stand I’m calling every woman Calling ever man We’re the generation We can’t afford to wait The future started yesterday And we’re already late (…) No more broken promises No more call to war Unless it’s Love and Peace that We’re really fighting for
Hoje Macau VozesO que fomos POR AURELIO PORFIRI [dropcap styyle=’circle’]N[/dropcap]este momento, aqui em Roma, onde vivo, não me é possível deixar de pensar no que aconteceu em Paris. Estamos todos em perigo e a nossa civilização também está. Tudo aquilo por que os nossos antepassados lutaram, está a ser atacado em muitas frentes. É evidente que o choque civilizacional é cada vez mais violento e, como o Papa Francisco afirmou ontem, estamos perante a Terceira Guerra Mundial, mas em tranches. Estou seriamente convencido que um dos principais problemas terá sido confundir a nossa identidade greco-romana e, judaico-cristã, com o poder de sermos detentores da verdade. Já não vivemos orientados pelos valores que antes partilhávamos, não podemos disfrutar dos nossos símbolos, com a plena consciência de que eles são e, permanecerão, símbolos. Perdemos a capacidade de sentir o poder renovador do perdão, porque, onde tudo é permitido, não é necessário pedir desculpa, faça-se o que se fizer. Deixámos de ser o que éramos. Um dos muitos alicerces da nossa civilização é a arte, a música, que contribuíram para a nossa grandeza. Durante o período que vivi em Macau, tentei partilhar este tesouro, que herdei dos meus ilustres antepassados. Nunca me tentei impor aos meus alunos, fui movido apenas pelo desejo de partilhar e, pela amizade que sentia por eles. Com isto tentei enriquecer os seus horizontes culturais, sem, no entanto, afirmar “este património é vosso”. Tratava-se do “meu património” e dos meus antepassados. Pelo meu lado, sempre desejei que alguém me desse igual oportunidade de conhecimento da cultura chinesa e da sua sabedoria ancestral. Não que esse conhecimento me tornasse igual a eles, mas iria, certamente, enriquecer a minha visão do mundo. No entanto isto nunca se verificou, ou, apenas, muito raramente. Como já referi noutras ocasiões, lidamos constantemente com pessoas que só desejam o que não lhes pertence, e não desenvolvem nem aprofundam o que é verdadeiramente seu, a sua cultura. Costumo alertar as pessoas para os benefícios do desenvolvimento, mas, também, alertá-las sobre os perigos de nos sobrepormos à nossa herança cultural. Certo dia, em conversa com um músico macaense, pelo qual nutro respeito, falámos sobre o baixo nível da vivência musical na cidade. O meu interlocutor queixava-se da falta de bons professores. É evidente que é aqui que reside o problema e toda a gente sabe disso. Quem está no poder, acredita que basta desperdiçar uns dinheiros em eventos culturais, que acabam por se revelar inúteis, para fazer subir a fasquia. Mas estão enganados, porque existe um conceito errado de base em Macau, e que nunca é combatido: que os “locais” são culturalmente auto-suficientes e capazes de organizar programas culturais capazes de elevar o nível de, por exemplo, coros e ensembles musicais. Quando compreenderem que não faz sentido investir nos “locais”, só porque são locais, e for implementada uma política pedagógica séria, capaz de atrair professores estrangeiros, que sabem o que estão a fazer, penso que Macau também poderá vir a ser um dia competitivo nesta área. Mas depois de sete anos em Macau e de contacto próximo com o meio musical local, duvido muito que isto algum dia venha a acontecer. Devemos estar preparados para ouvir vezes sem conta: você sabe, estamos em Macau….
Tânia dos Santos Sexanálise VozesSexo, Perspectivas e Coca-cola [dropcap style=’circle’]O[/dropcap]sexo gera vida, cria pessoas, adiciona números à contagem populacional. Não há ninguém neste planeta que tenha aparecido sem uma prévia noite de paixão pelos seus progenitores. Nós existimos porque há sexo e porque é praticado. Sim, tudo o que escrevo não consegue ultrapassar as franjas do óbvio, mas tento enaltecer o facto do sexo ser a raiz de tudo. Se sexo é a raiz de tudo, é por isso a raiz de todo o bem e de todo o mal que existe no planeta. Sexo permite o surgimento de pessoas que se desenvolvem das mais variadas formas. Não sei se nós humanos somos inerentemente bons ou maus e parece-me que tem sido extremamente difícil esclarecer essa dúvida, apesar de muitos filósofos, sociólogos, antropólogos e psicólogos se terem debruçado sobre o caso. Nascemos com alguma predisposição genética para certas tendências cognitivas e comportamentais, informação genética essa oferecida pelos gâmetas do pai e da mãe. E depois… a vida molda-nos da forma que nos é oferecida. Recebemos, reproduzimos e reconstruímos visões do mundo que dada a diversidade que existe neste planeta, a diversidade é felizmente mantida. Na diversidade cabe tudo, as diferenças físicas e culturais que por vezes são partilhadas por grupos, e as diferenças individuais, porque ninguém é igual a ninguém (e olhem que a maioria dos estudos para entender o desenvolvimento humano usa gémeos verdadeiros como objecto de estudo, ou seja, duas pessoas com exactamente a mesma carga genética, e facilmente se percebe que a diferença continua a existir). Há tantas pessoas diferentes que as práticas sexuais, que na sua essência partilham alguma universalidade (excitação, orgão sexual, orgasmo), podem ser diferentes. As diferentes ideologias e consequentemente as diferentes práticas podem-se complementar ou entrar em conflito. Primeiro começa com a conversa que os nossos pais têm connosco sobre como se fazem bebés. E aí somos introduzidos ao sexo. Depois é a puberdade que traz um mar de inseguranças acompanhada de alterações drásticas no corpo (alterações que nos preparam fisicamente para procriar) e o bombardeamento de informação vinda de todos os lados sobre o sexo, quando ainda é desconhecido, e depois da primeira vez, que apesar de mais familiar ainda permanecerá envolto em muito mistério e tabu. As redes de informação que contribuem para a ideologia sexual colectiva e individual são de uma complexidade assustadora. São namorados, namoradas, amigos, pais, médicos, religião, pornografia, internet, livros, televisão, jornais, opiniões, discórdias, e tantas outras coisas mais que nos ajudam a perceber o que é que achamos do sexo e de que forma o queremos vivê-lo. Ora dada a complexidade, a primeira dificuldade que reconheço é saber separar o trigo do joio. Porque se há pessoas que conseguem sair desta confusão com uma sexualidade saudável e prazerosa para todos, há outras que se metem em concepções menos amigáveis ao nosso bem-estar. Os mitos e os rumores são uma coisa gira de se observar: ‘A coca-cola é um poderoso espermicida’. Houve quem de facto acreditasse que um banho pós-coito com a famosa bebida americana constituísse um eficaz contraceptivo. Por isso cientistas fizeram questão de falsificar a teoria através de estudos. Resultado é que Coca-cola Light (em comparação com as outras Coca-colas) tem alguma influência na mobilidade dos pequenos espermatozóides, tornando-os menos energéticos e mais lentos a chegar ao destino. Se isso constitui um método contraceptivo, muito dificilmente. Parece-me a mim que só se tornaria mais numa barreira que o esperma teria que enfrentar (isso e a selvajaria que o interior vaginal é) mas não incapacitador de trazer vida ao mundo. O que quero dizer é que a nossa sexualidade encontra-se num constante processo de manutenção e desenvolvimento pelo o que somos neste momento e pelo que nos é sugerido e apresentado no mundo. Se nos dizem que a Coca-cola é um espermicida, porque não confirmar com outras fontes ou outras opiniões? Senão teremos todo o mundo a tomar banho em Coca-cola enquanto lhes saltam bebés incessantemente. Porque de bem verdade que a Coca-cola é muito mais barata do que qualquer outro método contraceptivo. Por isso haja bom senso. Bom senso para perceber que há histórias e estórias, zonas cinzentas e outras explicações. A vida faz-se destas complexas narrativas individuais e colectivas onde cada um de nós se vê na complicada situação de dar sentido às coisas, mesmo que as coisas não façam sentido nenhum.
Rui Flores VozesUma Europa que treme [dropcap style=’circle’]O[/dropcap]s atentados de sexta-feira, 13, em Paris, são um ataque aos valores que têm marcado a União Europeia. São um tiro brutal aos direitos humanos, à liberdade de movimentos, à democracia, à tolerância. Os ataques, alegadamente perpetrados por comandos do Estados Islâmico, poderiam ter como intenção punir os governantes franceses pelas intervenções militares na Síria e no Mali. Poderiam. Pelo menos essa foi a argumentação usada no comunicado dito oficial. Mas o pior dos efeitos vai sentir-se no interior da própria União Europeia. A reacção imediata dos novos governantes polacos, algumas horas depois dos atentados da noite de sexta-feira, afirmando que já não iriam aceitar as quotas europeias de refugiados, é apenas um sinal do que aí vem. Receia-se o pior. O terror vai passar a fazer parte do dia-a-dia dos europeus. Isso é cada vez mais evidente. Aquela sensação única de liberdade, de segurança, de tolerância, a que nos habituamos nas últimas décadas, vai sofrer um revés profundo. O discurso pró-securitário, contro “o outro”, o “anormal”, vai ganhar terreno. Combater essa mensagem, fácil, de que “os outros” são os culpados de todos os males da nossa vida, requer persistência, requer visão de longo prazo. Os tempos de hoje, marcados pelo discurso de consumo imediato, tendente a reforçar pequenas vantagens competitivas que nos garantam um posto, uma eleição, não são os mais apropriados para uma cultura de esperança. Essa verve contra “o outro” já estava bem presente no discurso mediático desde que a Europa se tornou numa espécie de última tábua de salvação para quem foge da guerra no Médio Oriente, das perseguições étnicas ou da pobreza extrema em África. A tentação é fácil. E vai dar os seus frutos. A extrema-direita – com a honrosa excepção portuguesa – tem estado a ganhar terreno nas últimas eleições no interior da Europa. Foi assim na Grécia e na Áustria. Nas recentes eleições legislativas na Polónia, por exemplo, a esquerda nem ao Parlamento chegou. Com a Frente Nacional em alta, liderada pela mais “domesticada” Marine Le Pen, as eleições regionais do próximo mês poderão significar, uma vez mais, o crescimento da intolerância. Contra “o outro”, o “estranho”, o “desconhecido”. O mundo está mais perigoso. Segundo os dados estatísticos da Universidade do Maryland, o número de atentados terroristas desde o 11 de Setembro de 2001 aumentou exponencialmente. Nove vezes! A Global Terrorism Database revela que em 2001 houve 1882 atentados, quando em 2014 esse número chegou aos 16,818. Esta contabilidade ainda não inclui, naturalmente, os atentados contra o Charlie Hebdo ou os de sexta-feira passada. As intervenções no Iraque, na Líbia ou Síria terão seguramente contribuído para este fenómeno. Embora em muitos casos, a Europa tenha apenas apoiado os Estados Unidos da América nesta senda de resolver os problemas lá fora, para que eles não nos cheguem cá dentro, o que é facto é que, depois de 14 anos de guerra contra o terrorismo, o terror está cada vez mais perto de nós, no centro da Europa. As soluções não estão na ponta de uma qualquer varinha mágica. Aliás, a cada dia que passa, a cada nova tentativa de acolher o outro, de propiciar uma integração mais efectiva, sem guetos nem favores, vão se esgotando fórmulas. Neste mundo global, as comparações são fáceis. Essas, sim, estão na ponta de um qualquer clique de rato. E a internet está disponível em todo o mundo. A ideia que há um exército imenso de possíveis mártires dispostos a imolar-se por uma qualquer causa – jovens desempregados, sem perspectivas de futuro, sem educação formal, sem possibilidade de serem – torna o planeamento da luta contra os terrorismos uma tarefa quase impossível. A imprevisibilidade do próximo ataque, quando é de dentro da “fortaleza” europeia que vêm algumas das principais ameaças, vai levar ao reforço inexorável da componente securitária dos Estados europeus. E isso é uma fatalidade. O medo não é bom conselheiro. Mas os próximos tempos, de impotência, contra o Estado Islâmico, de intolerância, contra “o outro”, poderão ditar o fim de uma certa era. Desde a sua criação, a Europa tem sido um espaço de tolerância, de estabilidade, de desenvolvimento. Os 70 anos de paz na Europa estão ameaçados como nunca estiveram. Se a Europa não for capaz de se unir – os líderes europeus têm-no mostrado nos últimos meses que de facto essa é uma tarefa muito complexa – a União, tal como a conhecemos, poderá ter os dias contados.
David Chan Macau Visto de Hong Kong VozesPlagiomas [dropcap style=’circle’]N[/dropcap]o passado dia 11, o website “ejinsight.com”, de Hong Kong, publicou um artigo onde se anunciava que o Vice-Presidente, e Administrador, da Universidade Lingnan, de Hong Kong, o Sr. Herdip Singh, está sob suspeita de plágio. A sua tese de doutoramento, em gestão de empresas, é muitíssimo semelhante a uma tese de mestrado, apresentada pelo estudante chinês Wu Chunshui, na Universidade Sueca de Lund, em 2010. Singh fez o doutoramento em 2013, na Universidade Tarlac State. Sediada nas Filipinas, a Tarlac State, tem interesses financeiros no “Lifelong College” de Hong Kong. A tese de Singh tem o seguinte título: “Implicações da Gestão Comercial, uma análise dos modelos de gestão de empresas, em Hong Kong e na China Continental”. A tese é composta por 102 páginas. Um repórter do jornal de Hong Kong, “Apple Daily”, colocou os conteúdos da tese de Singh na pesquisa do Googgle. E o que é que apareceu? A tese de Wu. Posteriormente a apresentação de Singh foi entregue ao Sr. Matts Karreman, que tinha sido orientador da tese de Wu, e que confirmou que este tinha sido seu aluno em 2010. O sr. Matts Karreman utilizou o software para detecção de plágio, da Universidade de Lund, para verificar a tese de Singh. Descobriu que as duas apresentações eram iguais em 96%. Seguidamente, afirmou: “A semelhança é perturbadora”. Singh recusou-se a prestar declarações ao jornalista do Apple Daily. A Universidade Lingnan reagiu de imediato a esta situação. Anunciou a criação de um comité para investigar o assunto. No entanto, quinta-feira passada, a Associação de Estudantes, declarou que o comité não é suficientemente independente, porque Singh será investigado pelos seus colegas. A Associação de Estudantes já tinha solicitado a suspensão de funções de Singh e a instauração de um processo de investigação. Alguns estudantes da Lingnan sentem que esta situação esconde uma farsa, já que o plágio é absolutamente proibido na Universidade. O caso de Singh é complexo. Na última quarta-feira, dia 11, o website www.post852.com, fez saber que o director do Lifelong College, o sr. Alex Lee Yee Lik, é também um dos directores do Conselho Administrativo da Universidade Lingnan. O Lifelong College está, actualmente, sob suspeita de cometer fraude para atrair mais alunos. Trata-se de falsificar a data de inscrição, antecipando-a largamente, desta forma, o tempo de formação necessário é consideravelmente reduzido. Só para dar um exemplo, suponhamos que um estudante obteve a sua graduação em Dezembro de 2013 e, que o tempo de formação que aparece no certificado, é de três anos e meio. No entanto, falsificando a data de admissão, o tempo efectivo em que esteve a estudar, pode ter sido apenas, de um ou dois meses. Usando esta técnica, o estudante forma-se num ápice. Depois da descoberta do caso de Singh, os diplomados da Universidade Tarlac State vão estar sob suspeita. Na quinta-feira, dia 12, o website de Hong Kong “apple.nextmedia.com”, anunciava ter descoberto que Sisley Choi See Pui, 1ª Dama do concurso Miss Hong Kong 2013, se tinha inscrito em Outubro de 2013 na Universidade Bulacan State, nas Filipinas, e que se tinha graduado em… Dezembro de 2013. Como já tinha sido referido, existem interesses económicos entre esta Universidade e o Lifelong College, de Hong Kong. Quando o jornalista foi a casa de Sisley para a entrevistar, a mãe da jovem bateu-lhe com a porta na cara. O website “apple.nextmedia.com” apurou ainda que, pelo menos, cinco dos professores efectivos da Universidade de Hong Kong, Shue Yan, se terão formado na Bulacan State. Os estudantes experimentam um sentimento de desconfiança. Obter um doutoramento implica um grande esforço. Requer muito estudo. Mesmo que o tema não seja particularmente complexo, escrever uma tese é sempre difícil. Os critérios objectivos, que permitem ser bem-sucedido, são, muitas vezes, difíceis de identificar. Se o orientador nos diz que a tese não está bem e que, assim vamos chumbar, podemos, simplesmente, não saber como resolver a situação; e talvez tenhamos de reescrever tudo de início, ou mesmo, de desistir. É por este motivo que muita gente considera o doutoramento uma tarefa muito difícil e, como tal, não está disposta a fazê-lo. Por causa de toda esta dificuldade, muitas pessoas são levadas a cometer plágio. Plagiar é copiar, fazer crer que conteúdos escritos por terceiros, são da nossa autoria. É academicamente desonesto. Plagiar é estritamente proibido, quer seja professor, ou estudante, é uma atitude desonesta e é uma barreira ao desenvolvimento do conhecimento. A reputação é um factor importante para todos os académicos. Mas, se algum deles se vir envolvido num caso de plágio, certamente que deixará de ter qualquer futuro na Academia. É o tipo de mancha que o dinheiro não consegue lavar. Neste contexto, a certificação académica, a nota dos exames e, outros documentos relevantes, não parecem reflectir o percurso académico correcto, quer a nível da duração, quer a nível dos resultados. A veracidade destes documentos torna-se duvidosa. É necessário que os envolvidos avancem com uma explicação. Em Hong Kong, se se provar que o conteúdo de um certificado não é verdadeiro, os envolvidos podem ser acusados de falsificação de documentos. A pena máxima vai até 14 anos de prisão. É preciso não esquecer, se tiver produzido 99 textos académicos, e apenas um for plagiado, então, todos serão considerados plágios. É expectável que se venha a saber que muitas outras personalidades de destaque se formaram, quer na Universidade Tarlac State, quer na Bulacan State. Esta caso ainda não está encerrado. Fiquemos atentos aos seus desenvolvimentos. Consultor Jurídico da Associação Para a Promoção do Jazz em Macau Blog: https://blog.xuite.net/legalpublications/hkblog Email: legalpublicationsreaders@yahoo.com.hk
André Ritchie Sorrindo SempreO genuíno Made in Macau [dropcap style=’circle’]N[/dropcap]ovembro é o meu mês preferido aqui em Macau. Não, qual bom tempo, temperatura amena, ausência de humidade ou gloriosos dias de céu limpo. Sim, também. Mas, caríssimo leitor, Novembro é o meu mês preferido porque é o mês do Grande Prémio de Macau. Calma. Não deixe de ler o artigo pelo facto de não ser fã do desporto motorizado, por detestar os engarrafamentos que o Grande Prémio provoca ou simplesmente porque concorda com aquele ilustre deputado que acha que esse evento viola a Lei da Prevenção e Controlo do Ruído Ambiental. Se é de Macau e/ou gosta de Macau, então tem de gostar do Grande Prémio de Macau. Passo a explicar. Tente falar com qualquer maquista sobre o Grande Prémio e, aposto consigo, será presenteado com um brilho nos olhos, entusiasmo e episódios interessantíssimos do passado. Sobretudo quando em conversa com maquistas mais antigos, pois não nos podemos esquecer do passado humilde desta cidade, dos tempos em que eventos locais com a mesma projecção do Grande Prémio eram praticamente inexistentes. Era pois o principal cartaz turístico de Macau, atingindo uma dimensão global, e isto muito antes de Macau ser re-inventada e invadida por combates do Manny Pacquiao e concertos da Britney Spears. O Grande Prémio é, por isso, a verdadeira festa local, celebrada e vivida com animação e intensidade no seio da comunidade Macaense. Sou grande entusiasta do desporto automóvel. No entanto, hoje vou-me debruçar sobre as histórias antigas do Grande Prémio que me foram contadas pelos meus familiares. Ainda hoje quando falo com a minha avó Ester sobre o Grande Prémio, ela há-de repetir com a mesma excitação de sempre o episódio do acidente que vivenciou mesmo à sua frente, junto da actual curva do Hotel Mandarim, quando um carro de competição se despistou e veio em direcção dela e dos seus irmãos que, felizes da vida, faziam um piquenique na berma do circuito enquanto viam passar os bólides. Não havia rails de protecção e o que lhes salvou a vida foi uma árvore! Da mesma forma, também se lembra do dia em que Arsenio Laurel perdeu a vida no Circuito da Guia, do fumo que se via à distância quando o carro se incendiou após o acidente e da exaltação geral quando a má notícia circulou do circuito para o resto da cidade. Já o meu falecido Tio-avô Pepe, era eu ainda miúdo quando me mostrou fotos a preto e branco por ele tiradas da queda da ponte pedonal entre o Hotel Lisboa e a Av. Rodrigo Rodrigues. Estavam tantas pessoas naquela estrutura provisória a assistir às corridas que a coisa toda cedeu e caiu. Houve mortes. Avançando uma geração, o meu Tio Nano ainda hoje fala do Alpine Renault que nos anos 60 foi o primeiro carro a completar uma volta ao circuito em menos de 3 minutos. Foi, na altura, um grande feito. Ora, para efeitos de comparação, nas celebrações do 50º aniversário do Grande Prémio em 2003, testemunhei com os meus próprios olhos a incrível velocidade de um Formula 1 que arrasou a barreira dos 2 minutos! Da parte dos meus pais também não são poucas as histórias que contam: a minha mãe teve a agradável experiência de gerir até agora a única edição do Grande Prémio que foi assolada por um tufão. No meio de chuvadas, ventos fortes e placards publicitários que voavam pela pista fora, decidiu-se adiar em um dia o Grande Prémio: as corridas principais realizaram-se numa 2ª feira! Contado assim até parece simples, mas imagine-se os impactos em toda a logística do evento. Quanto ao meu pai, foi médico destacado na pista quando eu era miúdo e, entre outros, tive o privilégio de andar num belíssimo Porsche 911, um Rescue Car da organização. Parece não ser nada de especial, mas, caríssimo leitor, queira perceber que nos anos 80 os Porsches em Macau contavam-se pelos dedos de uma mão. Que histórias tenho eu, então, para contar aos meus filhos e netos quando for velhinho? Aqui vão duas das minhas preferidas, que de alguma forma mostram como as coisas eram diferentes também no meu tempo: Quando era miúdo, era permitido aos participantes locais do Grande Prémio circularem pela cidade com os seus bólides, pois não existiam as instalações actuais onde os carros de competição ficam estacionados. Era comum encontrar-se carros a serem preparados para o Grande Prémio nas garagens locais. Andava eu na escola primária e sempre que passava um carro de corrida – o ronco dos carros daqueles tempos era infernal – a miudagem ia a correr para ver. Eis então que o condutor dum desses bólides foi simpático e resolveu animar a malta: encostou o carro à nossa frente, parou e começou a fazer brum, bruum, bruuum, BRUUUM! Até que parou porque partiu o motor, fez uma fumaceira tremenda e os bombeiros tiveram de intervir. Tive muita pena do homem. Sou do tempo em que a bancada da Curva do Hotel Lisboa era em bambú. A casa de banho resumia-se a um pequeno cubículo com paredes de lona onde as necessidades eram feitas directamente para o mar (o aterro do NAPE não existia). Das janelas do Hotel Lisboa de vez em quando apareciam umas meninas e ouvia-se da bancada um colectivo “waaaah!”. Bom ambiente. Mas um dia a bancada cedeu e teve de ser evacuada. Foi um pequeno grande susto – o bambú estalava por todos os lados! Fomos reembolsados: 20 patacas era quanto custava o bilhete. Essas são apenas algumas das minhas histórias do Grande Prémio. Como disse, qualquer maquista terá as suas, bem como as dos seus pais, tios e avós. Caríssimo leitor, provavelmente até aqui ainda não entendeu qual o sentido deste artigo. Não leve a mal, pois na verdade todo esse build-up foi enchimento de chouriços e serviu apenas para poder rematar a peça da seguinte forma: Numa altura em que em Macau tanto se vende o peixe da diversificação económica, tanto se fala no conceito “Made in Macau”, nas indústrias criativas e no apoio que se deve dar aos projectos locais e inovadores, aos incubadores de ideias e essa treta toda. Eis que temos aqui um verdadeiro produto “Made in Macau”: o Grande Prémio tem mais de meio século de existência, faz parte da nossa memória colectiva, é financeiramente auto-sustentável, atrai turistas, está intrinsecamente ligado à evolução física da cidade, tem um circuito com um enorme valor histórico que, tal como qualquer peça de património, foi protegido e se manteve intacto ao longo desses anos todos e é gerido por uma organização local muito experiente e com alto grau de profissionalismo. Acima de tudo, o Grande Prémio é um produto genuinamente nosso, de elevadíssima qualidade e prestígio que projecta mundialmente de forma muito positiva o nome de Macau. Portanto, não se trata simplesmente de se gostar ou não de corridas de automóveis. Estamos a falar do património da nossa cidade. Dito isto, que venham as corridas! Brum, brum, bruuum! Sorrindo Sempre O iluminadíssimo académico Dr. Roy Eric Xavier (*), figura respeitadíssima pela comunidade macaense local, deu uma entrevista interessantíssima com afirmações acertadíssimas sobre tudíssimo. Todavia, coitadíssimo, como é internacional e não domina a língua portuguesa, ficará eternamente sem perceber se o autor desta coluna adopta uma atitude séria ou sarcástica, pois Sorrindo Sempre é intraduzível para língua internacional, you know, Smiling Always, right? I put you in the eye of the street, get it? No? Aliás, desgraçadíssimo, pela mesma razão nem à sua própria entrevista poderá aceder e talvez por isso mereça um pequeníssimo desconto pois muito do que disse poderá resultar de um lost in translation. Tal como o middle name do seu próprio nome, de origem anglo-saxónica, que veio mal escrito na totalidade da peça, do início ao fim. How ironic. Caso o caríssimo leitor desconheça essa distinta personagem, faço aqui uma pequena introdução: Dr. Roy Eric Xavier é uma figura incontornável do campo dos estudos sócio-económico culturo-luso-sino-maquisto-internacionais, versado na especialidade do chupâ-sapeca. A sua credibilidade é indisputável. O expoente máximo das suas investigações foi atingido quando afirmou existirem pelo mundo fora 1 milhão de Macaenses. Sim, 1 milhão. One effing million. Teremos de contar com os que estão no São Miguel Arcanjo? Não: segundo esse distinto expert, existem os “Macanese from Macau” e os “International Macanese” – uma definição lata e abrangente que só ele sabe explicar. How refreshing. Finalmente, Dr. Roy Eric Xavier é também o célebre estudioso que há um ano atrás adoptou uma atitude de lai mau cheng quando instituições locais lhe recusaram apoio para um projecto pessoal que envolvia avultadas quantias porque, alegou, o mesmo seria executado por highly qualified professionals. E acabou disparando e disparatando para todos os cantos, dando tiros nos pés – nos seus próprios bem como nos dos representantes das instituições a quem inicialmente pedira apoio. How smart. Importante entrevista, de facto. Dr. Roy Eric Xavier é para ser levado a sério. Sorrindo sempre. (*) Leia-se “Dóctor Ruói Eruíque Zêivier”
Leocardo VozesMelinda Dedicado às vítimas do incêndio da madrugada de 12 para 13 de Novembro de 2014, há um ano, na Rua do Tarrafeiro [dropcap style=’circle’]S[/dropcap]abes que não sou destas coisas, Melinda. Em circunstâncias normais ia achar ridículo que os outros fizessem aquilo que vou fazer hoje aqui , como se fosse possível que tu fosses ler estas palavras, aquelas que nunca te consegui dizer. Nem queria, e nem quero, mas é tudo o que me resta, e vem do fundo de mim, do desespero na hora em que desisti de acreditar no bem. É triste que as coisas más aconteçam às pessoas puras e boas, mas não há palavra para descrever quando as coisas terríveis acontecem a pessoas como tu, nem explicação possível. Não imaginava era que o mal pudesse ser tão implacável e tão iníquo, que até parece que o Inferno afinal existe, e que naquela fatídica noite resolveu subir à Terra para nos provar que é real, que leva quem ele quiser, indiferente ao que distingue os puros dos corruptos, ou os justos dos tiranos. O mal não atende a esses conceitos dos pobres e ingénuos mortais que somos nós. O mal destrói o que encontra pela frente, reduzindo tudo a cinzas. E as cinzas são todas a mesma coisa: apenas cinzas. Desde que me mudei para o outro lado de Macau poucas vezes tive oportunidade de te ir visitar , de matar saudades, e um mês se passou deste a última vez que te vi, sem saber que era a isso mesmo, a última. Não tive estômago para arranjar umas das minhas desculpas de homem distraído e trapalhão para justificar não ter aparecido no teu aniversário – nem uma palavra te mandei, e ainda tenho guardadas as duas últimas mensagens que me mandaste, e que eu nunca cheguei a responder. Tu entendeste muito bem porquê e nunca me julgaste, e é por isso que a tua perda me doeu tanto. Sou capaz de jurar que também nunca me quiseste enganar, mentir, ou tentar impressionar com acessos de vaidade ou pedantismo – nunca te vi zangada, ou era só impressão minha? Sabes o que faço quando parte alguém por quem sinto estima? Tento lembrar-me das brigas, de algum momento menos feliz, ou de algo que me deixasse ressentido, de pé atrás, em suma, alguma coisa que torne a dor mais digerível, que ajude a cicatrizar mais depressa, ao mesmo tempo que se fica com um registo que nos mantém com os pés assentes no chão, e nos recorda que afinal “ninguém é perfeito”. Não consegui pensar em nada. Nada, nem um único momento. Em dois anos de convívio não me recordo de ser tocado por qualquer ressentimento, dúvida ou hesitação. E logo eu, que sou tão frívolo, e quem sabe se até arrogante ao achar-me no direito de condenar quem não corresponde às minhas expectativas. Claro que não eras perfeita – era só tu, apenas, e para mim isso era a medida perfeita, e por isso agora estou sempre a transbordar. Fazes falta a este mundo, que não te merece. Ao meu mundo. Comovo-me quando me lembro de tim, que é quase sempre. Esboço um sorriso, mas chego a pensar que é só um espasmo involuntário – é a minha parte mecânica a tentar seguir em frente, mesmo sem saber o caminho, perdida, sem mapa, sem bússola, sem a porra de uma estrela no breu do céu. Sabes que não consegui falar com a outra Melinda, a tua patroa, que para mais parecia tua irmã, de tão genuína e encantadora que era a vossa amizade. O que mais iríamos fazer senão carpir a mágoa do bem comum que nos foi arrancado das mãos, faz agora exactamente um ano? Tinhas o condão de juntar as pessoas, de levar a compromissos. Adoçavas os espíritos mais amargos, acendias uma luz onde as trevas já cansavam, e para que o meu estado do tempo passasse de chuvoso a céu limpo, bastava-me virar a esquina e ir ter contigo. Para mim eras o sol. Nunca mais passei pela Rua do Tarrafeiro, nem pela loja. Faz hoje um ano desde que se tornou zona interdita. O que lá resta é um buraco negro, um espelho do que sou por dentro, mas que tu insistias sempre em ornamentar de motivos festivos, em cores vivas e quentes. Mas o que importa o que eu sinto, se és tu que fazes tanta falta, não para mim apenas, mas aqui, neste lugar. Eu sei que ias querer que eu partisse para outra, deixasse de curtir o remorso e fosse só feliz, sem carregar esta mágoa. Mas não foi para dizer que não consigo, ou pedir desculpa por te deixar estas linhas onde estão presas palavras vãs e inconsequentes, que soletram um choro de desespero. Foi para te dizer que fazes falta. E tu sabes disso, e sabes que me lembro sempre de ti, e hoje, especialmente, onde se tivesse um desejo que pudesse realizar, era voltar atrás no tempo um ano, e salvar a parte de mim que se perdeu, e de que nada resta senão as cinzas que eu rejeito aceitar como oferta de paz da parte do mal, ao qual nunca me vou resignar. E olha, mais uma coisa: obrigado. A sério. Muito obrigado por tudo, Melinda. Muita saudade.
Hoje Macau VozesVã magnificenza POR AURELIO PORFIRI [dropcap style=’circle’]S[/dropcap]ou um leitor voraz. Leio todos os dias, devoro toneladas de livros por ano. Num dos livros que estou a ler actualmente encontrei um excerto, sobre o qual me parece interessante reflectir. O livro é uma biografia do grande artista italiano Gian Lorenzo Bernini, escrita por Franco Marcoaldi, Bernini: “O Artista e a sua Roma”. Passo a transcrever a parte que me chamou a atenção: “A economia de Roma centrava-se basicamente na indústria de prestação de serviços, ou seja, atendia às necessidades da Igreja, em tudo o que lhe dizia respeito (desde os edifícios à cera para as velas do altar) fornecia o vestuário luxuoso, as ementas gourmet e o mobiliário para as mansões, quer pertencessem a membros da corte papal, quer a outras de menor importância. Estas cortes menores, que podiam ser seculares, como por exemplo, a dos Colonna e dos Orsini, ou eclesiásticas (de cardeais, sobretudo), precisavam de impressionar e de conquistar alianças, para sobreviverem e consolidarem o seu poder. Para tal era necessário exibirem toda a opulência do seu estilo de vida” (pág.21). Neste trecho o autor fala da Roma do século XVII e, de como a Arte e outros luxos eram usados para exibir a magnificência (magnificenza) de quem os suportava financeiramente. Tem sido sempre incontornável a utilização da Arte e da Cultura para estes fins; faz parte da natureza humana. Tudo isto me faz reflectir demoradamente sobre o que se passa em Macau a este nível, e tento perceber quais é que podem ser as diferenças. É claro que não posso esperar que em Macau exista o esplendor de Roma, de Veneza, Florença, Paris, Viena, ou de outras cidades do género; não se pode esperar que exista o entendimento, nem os padrões culturais, que se encontram nestas cidades. Mas posso verificar que muitos dos “eventos culturais” que se vão organizando na cidade servem, sobretudo, para promover o estatuto do organizador e para satisfazer alguns “artistas” locais, em busca de reconhecimento. No fundo, acabam por não ter verdadeiro impacto na vida cultural da cidade. Lutei muito para ver reconhecida a ideia de especificidade cultural; não posso ensinar Artes Marciais com a mesma competência de um asiático: estes possuem uma vantagem cultural. Vantagem cultural que se manifesta em muitas outras matérias. Nós possuímo-la no que respeita à música e à cultura ocidentais. Algumas pessoas podem contrapor que os “artistas” locais têm de aprender. A maior parte das pessoas com quem me cruzei querem poder, e não aprender. É evidente que existem artistas talentosos em Macau. Muitos deles estão a optar pelo único caminho possível numa cidade com este tipo de políticas: estão a sair, a tentar alcançar o melhor que podem no estrangeiro. Quando o Governo estiver interessado em criar programas de música, nas escolas e universidades, assentes num espírito de imparcialidade e se empenhar seriamente no assunto, então talvez as coisas venham a mudar daqui a uns anos. Mas isso nunca vai acontecer. É preferível desperdiçar dinheiro em eventos que se revelam inúteis, a partir do momento em que a última nota se desvanece no éter.
Arnaldo Gonçalves VozesUm encontro inesperado [dropcap style=’circle’]L[/dropcap]yndon B. Johnson disse que a paz é uma jornada de um milhar de milhas e deve ser empreendida um passo de cada vez. Recordei-me, destas palavras, a propósito do encontro Xi Jinping-Ma Ying-Jeou no passado sábado, em Singapura. Tudo indicaria que não iria resultar mas foi dado um passo gigantesco. Foi o primeiro encontro entre os líderes da China Continental e de Taiwan em 66 anos. Desde que o líder do Kuomintang se retirou para Taiwan depois de ter sido derrotado na guerra civil chinesa. Na verdade, não surgiu do acaso. O Presidente de Taiwan já vinha insistindo na urgência do encontro entre as duas partes, desde a reunião da APEC no Paraguai, em 2013. Lien Chan, presidente honorário do Kuomintang e Eric Chu, o candidato do partido às eleições presidenciais de 16 de Janeiro do próximo ano, insistiram na sua oportunidade, em viagens que fizeram a Pequim em 2014 e em Maio de 2015. Qual o sentido do encontro quando Ma Ying-Jeou deixa a presidência no início do próximo ano? Duas leituras são possíveis. A mais imediata, é que existem receios que a provável vitória da candidata do Partido Democrático e Progressista, Tsai Ing-Wen, nas eleições presidenciais do próximo ano, lance Taiwan na rota de um maior distanciamento ou fricção com Pequim. É conhecida a reacção que a celebração do acordo de comércio e serviços entre Pequim e Taipé despertou entre sectores do eleitorado mais anti-Pequim. Ao materializar-se o encontro, seria de esperar uma inversão do sentido de voto dando novas hipóteses ao candidato Eric Chu. A segunda leitura é que tendo sido o Kuomintang a dirigir nestas seis décadas a resistência ao governo comunista de Pequim lhe caberia dar o passo mais significativo para que o status quo seja por alguma forma materializado, num acordo mais consistente e duradouro. Ma Ying-Jeou terá querido assim simbolizar que Taiwan não rejeita as suas responsabilidades históricas de apaziguamento entre os dois lados que têm a mesma origem étnica, falam a mesma língua e são vizinhos próximos. Mas não poderia ter ido mais longe. Porque isso teria sido retirar legitimidade política ao governo de Taipé. Na verdade, tendo a reunião ocorrido sem agenda prévia e sem declaração final conjunta, não foi claro se Ma Ying-Jeou e Xi Jinping se reuniram na qualidade de presidentes de dois partidos conectados pela história ou como presidentes de dois países. A República Popular da China é largamente reconhecida como governo legítimo da China por uma expressiva maioria de países, a República da China é apenas reconhecida por vinte países. Que interesse tinha o encontro para Xi Jinping? Era a oportunidade de lançar uma negociação mais aprofundada entre os dois lados do Estreito, no quadro do rejuvenescimento da pátria chinesa, objectivo programático definido, por Xi, como central no período que levará até 2020. Nesta data celebrar-se-á o centenário da fundação do Partido Comunista Chinês. Ao tomar entre mãos o mais difícil dos problemas, legado, pela história, Xi Jinping quis dizer que resolverá também esse problema com sentido de responsabilidade e consciência dos seus deveres, como líder da maior nação asiática. Subentendido está o não uso da força para resolver a questão do estatuto futuro da ilha rebelde. Qual o pano de fundo em que o encontro teve lugar? Desde logo, o abrandamento do crescimento da economia chinesa face a valores recordes de décadas anteriores, prevendo o 13.o Plano Quinquenal que o PIB crescerá na ordem dos 7%. Valor que a maioria dos observadores considera excessivamente ambicioso. Em segundo lugar, a situação complexa decorrente do ‘crash’ na Bolsa chinesa, em 12 de Junho passado, levando à volatilização dos ganhos em Bolsa dos investidores privados que imediatamente puseram as suas carteiras de acções em outras praças financeiras mais fiáveis. Em terceiro lugar, a luta anti-corrupção desencadeada pelo Presidente Xi Jinping que colhendo o aplauso da opinião pública interna, tem gerado resistências dentro do partido comunista. Alguns sectores olham para esta como um puro ajuste de contas com opositores internos do secretário-geral e menos um exercício de transparência e de afirmação da legalidade. Tendo um poder interno que nenhum presidente da China tem desde Deng Xiao Ping, Xi Jinping sabe que o terreno que pisa é movediço. À medida que o tempo passa o progresso social advindo do crescimento da economia pode ser minado por outras circunstâncias que têm a ver com a instabilidade social e política, o envelhecimento da população, a degradação do ambiente em razão da poluição, o desemprego das novas gerações que concluíram a universidade na perspectiva da absoluta empregabilidade, a falta de competitividade do sector público empresarial ou a indolência dos lideres partidários em razão do seu aburguesamento. Sendo Taiwan uma carta fora do baralho no tão iconizado , o encontro simboliza que Pequim guarda todo o poder de iniciativa e não foge à resolução de qualquer problema, por maior e mais difícil que ele se apresente. Quais as expectativas dos dois lados para as negociações que aparentemente sobem a um novo estádio? Do lado de Taiwan podem identificar-se quatro objectivos. Primeiro guardar a independência económica, política e de defesa conquistada nos últimos sessenta e seis anos. Segundo manter o seu sistema de defesa autónomo, sob o chapéu estratégico-militar dos Estados Unidos, no quadro do acordo de assistência mútua e de defesa. Terceiro preservar-se como democracia constitucional, assegurando a defesa plena das liberdades civis e políticas e a livre eleição dos representantes dos taiwaneses no Parlamento Yuan. Quarto melhorar a posição de Taiwan no ranking dos parceiros comerciais de Pequim, sendo a ilha o quinto parceiro comercial, a seguir aos Estados Unidos, Hong Kong, Japão e Coreia do Sul. Do lado de Pequim, quatro objectivos parecem elegíveis. Primeiro a reunificação de Taiwan com a RPC, no quadro da política ‘Um país, dois sistemas’. Segundo forçar a que Taiwan abandone o Tratado de Defesa e Assistência Mútua celebrado (e renovado) com os Estados Unidos. Terceiro levar a que Taiwan reconheça o governo de Pequim como o único governo da China e do povo chinês, abandonando a política de se reivindicar como governo legítimo do ente . Quarto dissuadir Washington de tomar uma posição assertiva na equação da questão de Taiwan, tratando-a como uma questão interna chinesa. O apontamento de Xi Jinping na sua declaração escrita de ‘duas partes unidas pelo sangue’ tem esse objectivo concreto. Olhando para as expectativas traçadas, dir-se-á que muita coisa separa os dois lados do Estreito: o princípio pelo lado de Pequim; o pela parte de Taiwan. Irá afirmar-se uma nova liderança taiwanesa a partir das eleições de Janeiro de 2016. Se as previsões se confirmarem duas mudanças decisivas ocorrerão: pela primeira vez é uma política já nascida em Taiwan – Tsai Ing-Wen – e com boas qualificações que governará os destinos da ilha. Tsai é licenciada pela Universidade de Taiwan e doutorada pela London School of Economics. Por outro lado, uma mulher à frente de uma das nações emergentes da Ásia. É o contraponto do que acontece no outro lado do estreito: nenhuma mulher integra o Comité Permanente do Politburo do Partido Comunista Chinês. Mao Ze-Dong terá dito que as mulheres “sustentam a metade do céu”. Em Taiwan esse desiderato, será, provavelmente realidade.
Tânia dos Santos Sexanálise VozesE o amor? [dropcap style=’circle’]O[/dropcap]amor, que já se tentou explicar na voz da literatura, da música, da arte e da ciência, gosta de se manter envolto em mistério. Por alguma razão que o conceito, talvez da mesma forma que o sexo, é um tópico de conversa desejado. Se não é amor no seu estado puro, fala-se bastante de relações humanas em geral. De como nos ligamos e desligamos dos outros, como nos mantemos ou como nos queremos alienar ou como podemos viver num mundo tão cheio de pessoas, que ao mesmo tempo é inundado pela nossa individualidade. Perder-me em definições de amor talvez seja um processo sem sentido, porque, como qualquer outra emoção humana, há quem o viva de formas distintas em momentos distintos e em contextos culturais que moldam estas coisas românticas da nossa vida, de forma distinta. Acho que já faz parte do bom senso dos demais que existem vários tipos de amor. Focar-me-ei, portanto, no amor que interessará a esta sexanálise: o amor romântico. O amor romântico é aquele que sentimos por alguém estranho a nós. O amor aproxima quem outrora foi um desconhecido mas que gradualmente se envolve nas malhas emotivas que nos tornam humanos. Esta forma de gostar de alguém, para além de pressupor companheirismo, amizade e compromisso, envolve sexo. A perspectiva moderna-naturalista trouxe (e ainda bem) uma visão alternativa do sexo, percebendo-o separado de tudo resto, como uma necessidade biológica, tal como comer e dormir (daí terem começado a surgir os tão convenientes amigos coloridos). Mas e o amor? Porque é que o acto de procriação está tão ligado a este sentimento, que uns sentem e outros dizem que não, mas que nos é impossível ficar indiferentes às suas insistentes formas sociais, discursivas e relacionais? Apesar de existirem momentos onde o sexo e o amor são entendidos como mutuamente exclusivos, uma outra visão insiste na bidireccionalidade dos mesmos, e no seu constante sistema de alimentação, ou seja, sexo melhora o amor, e o amor melhora o sexo. Apesar de ser um sistema mediado por outras possíveis variáveis (nada no mundo é de tão directo efeito), os estudos mostram que, de facto, maior satisfação sexual, maior satisfação conjugal/relacional, e que das muitas fórmulas que tentam perceber como nos apaixonamos, o sexo está entre as prescrições para atingir o pico de sensação romântica. Não me parece totalmente descabido se pensarmos que sexo proporciona momentos de alto teor íntimo. Pessoas nuas, e por isso num estado de vulnerabilidade maior do que o normal, pessoas a quererem prazer e a oferecê-lo também. Se existe quem consiga ser especialmente egoísta no acto do sexo, o mais comum dos humanos tem uma missão altruísta, uma dedicação ao outro e do que o outro poderá sentir. Por isso o sexo, por mais preverso que possa ser percebido por camadas sociais mais púdicas, pode ser entendido como um acto de cuidado e de carinho que queremos oferecer a outra pessoa. Não é completamente à toa que são beijos, abraços e carícias que preparam a majestosa escadaria do orgasmo. Para além de que o ‘orgasmar’ em companhia, provavelmente, constitui um importante momento de revelação para si e para o outro. Mostram-se as manias, as caras esquisitas, os ruídos estranhos, todas aquelas coisas que acontecem quando se é atacado pela sensação de prazer e se perde o controlo sobre as coisas. O amor e o sexo são amigos de longa data e disso a sociedade humana já entendeu. Se as representações de sexo já são complicadas de desconstruir pela negatividade que lhes é assumida, sejam pelos vocábulos que se utilizam ou pela simplicidade que lhe é negada, a discussão do amor encontra dificuldades muito diferentes. Se um é excessivamente negativo, o outro pode ser excessivamente positivo, ou vice-versa, porque há todo um mundo de perspectivas. Por isso misturá-los não é tarefa fácil, pelo menos dentro da dita diversidade. Porque no nosso íntimo, na nossa privacidade emotiva, há ideias de uma clareza tremenda. E isto há-de saber quem se apaixonou e teve o melhor sexo da sua vida. O sexo é um acto de amor. Corrijo-me: o sexo pode ser um acto de amor (porque pode ser muita coisa, como tenho vindo a declamar ao longo de semanas). O sexo é um acto altamente social de possibilidade romântica porque constitui uma partilha e uma troca: de fluidos e de momentos. O meu lado hippie está neste momento a gritar pela uniformização e inclusão do amor no sexo. Óbvio que não se ama tudo o que se fode, mas, pelo menos, cuida-se e mima-se, nem que seja por umas horas somente. Se o amor está ausente, há um gostar simples e singelo. Se o amor atacou os corpos em contacto, bem-vindos ao momento mais espectacularmente belo e aterrador das vossas vidas.
Jorge Rodrigues Simão Perspectivas VozesO desenvolvimento das economias emergentes “Emerging markets are the financial markets of economies that are in the growth stage of their development cycle and have low to middle per capita incomes. Emerging markets possess a greater upside in the long term because of their strong economic growth. Specifically, they offer the best opportunity for higher returns and diversification. Emerging economies account for about two thirds of the world’s land mass-that’s a large part of the world that you can’t afford to miss out on!” The Little Book of Emerging Markets: How To Make Money in the World’s Fastest Growing Markets Mark Mobius, [dropcap style=’circle’]O[/dropcap]desenvolvimento económico podia situar-se nos grandes mercados da Europa e América do Norte, mas nas últimas décadas surgiram atractivos emergentes na Ásia e América do Sul. As primeiras mudanças no poder económico global, uma mega tendência com efeitos directos no centro dos negócios começaram a dar-se. Mas enquanto as empresas se encontram a trabalhar para captar novos consumidores das regiões emergentes, as mudanças tecnológicas podem ser consideradas como outra mega tendência, que atinge todos os mercados e estão a transformar o consumo, numa experiência muito mais complexa, que exige novas respostas. Tendo em consideração a aproximação ao novo cenário, o seu impacto nos negócios, as estratégias que as empresas estão a implementar e os casos de sucesso., a primeira conclusão que se pode retirar é de que a tecnologia não é um problema, e a título de exemplo, é de salientar que os países desenvolvidos e grande parte dos países em desenvolvimento registaram grandes progressos desde o inicio do nosso milénio na adopção de novos métodos digitais de comunicação, como telefones inteligentes ou Internet de banda larga. A sustentabilidade ambiental é uma preocupação de longo prazo em muitos casos, que vão desde a necessidade de proteger as florestas tropicais amazónicas no Brasil e as preocupações sobre o aumento da intensidade de carbono na Índia e os altos níveis de poluição do ar e da água na China. Todavia, as ameaças mais importantes ao desenvolvimento económico apontam primeiro para a estabilidade económica e de seguida para as instituições políticas e sociais. O aumento dos níveis da dívida, em particular, poderá produzir bolhas de crédito que eventualmente podem rebentar. É um facto também, que o crescimento da força laboral nos mercados emergentes irá abrandar à medida que as populações aumentem de idade, sobretudo na China e na Rússia, e se tivermos em consideração a pressão social por melhores salários, poderá esperar-se que os centros de produção se desloquem para locais de mão-de-obra mais baratos, ou que sejam realojados em mercados avançados da América do Norte e Europa. Daí o poder-se concluir que as instituições e as infra-estruturas necessitam de melhorar de forma significativa, em muitos países. Os países do G7 têm os mercados plenamente desenvolvidos e mais importantes do mundo, que tradicionalmente têm dominado o poder económico e político mundial, e que é constituído pelos Estados Unidos, Japão, Itália, Reino Unido, França, Alemanha e Canadá. O grupo E7 é constituído pelas sete maiores economias emergentes do mundo, incluídos os BRIC, e que são a China, Índia, Brasil, Rússia, México, Indonésia e Turquia. É de prever que em 2030 situar-se-ão entre os doze maiores mercados do mundo. É de considerar os países do F7 ou de economias de fronteira, a partir de sete mercados pequenos e altamente dinâmicos que são a Nigéria, Colômbia, Peru, Marrocos, Vietname, Bangladesh e Filipinas. Este grupo tem rendimentos médios abaixo dos países do grupo E7, mas em muitos casos está a crescer mais rapidamente. O futuro do poder económico global será disputado indiscutivelmente pelos actuais mercados emergentes. O grupo de países do E7 estava há vinte anos muito atrasado em relação ao G7, mas a distância encurtou-se consideravelmente e é de crer que em 2030, o grupo E7 será relativamente maior que o G7, em termos de tamanho das suas economias. Tendo por base estas perspectivas, as organizações estão a aumentar as suas operações nas regiões do grupo E7, uma estratégia conveniente, sem margem para dúvidas, mas que também poderá ser insuficiente se tivermos em consideração o longo prazo. As empresas devem repensar as suas estratégias para mais além dos BRIC e do grupo E7, para procurar uma série mais ampla de oportunidades, e para tal existe o novo grupo F7. Trata-se de economias que pelo seu tamanho estão num nível imediatamente inferior ao do grupo E7 e dos BRIC, mas que continuarão a desenvolver-se nos próximos dez a quinze anos, e que se irão converter em grandes mercados de consumo. As projecções de crescimento económico entre 2030 e 2050 para trinta e dois países que representam cerca de 85 por cento do PIB mundial, fazem antecipar que os países mais desenvolvidos, terão uma queda no seu crescimento, enquanto a maioria dos países em desenvolvimento e as economias emergentes aumentariam o seu crescimento. É de considerar também, que o rendimento médio “per capita” continuará a ser significativamente maior nas economias avançadas no fim da primeira metade do século, pelo que a actual separação com os países em desenvolvimento é demasiado grande para poder haver uma significativa aproximação nos próximos trinta e cinco anos. A fim de analisar a partir de uma perspectiva holística as economias desenvolvidas e emergentes a empresa transnacional “PricewaterhouseCoopers”, líder prestadora de serviços nas áreas de auditoria e consultoria criou o denominado por “Índice ESCAPE2”, que combina vinte indicadores, em cinco dimensões, como o crescimento económico e estabilidade; progresso e coesão social; tecnologia das comunicações; instituições políticas, legais e regulamentares e sustentabilidade do meio ambiente. Quanto às economias do grupo E7, o índice identificou indicadores abaixo da média global no período de 2007 a 2013. A China substituiu os Estados Unidos como a maior economia mundial em 2014 em termos de paridade de poder aquisitivo. Se for feita uma projecção, é de prever que o mesmo sucederá com o PIB à taxa de câmbio de mercado para o ano de 2030. É de prever que para 2030, sete das doze maiores economias do mundo provenham de mercados emergentes, do grupo E7. Seria desejável que 70 por cento das empresas tivessem pelo menos uma unidade global de negócios, com sede na Ásia antes de 2020. É de esperar que o tamanho da classe média na região Ásia Pacífico, supere a Europa e a América do Norte, em 2015. É de prever que o grupo E7 superará o G7, em tamanho e poder aquisitivo (em termo de taxa de câmbio de mercado) em 2030. É de esperar que no prazo de cinco anos as economias de fronteira, as do grupo F7, sejam maior um terço. Os últimos anos foram penosos e a maior parte das empresas a nível global foram obrigadas a lidar com numerosos processos de melhoria da eficiência e contenção de custos para continuar a competir no mercado. No entanto, enquanto isso acontecia, o ambiente em que operam, mudou completamente. A tecnologia tem transformado as relações, os clientes têm aumentado o seu poder, existem novos concorrentes, tudo acontecendo rapidamente, e se as empresas tivessem de escolher uma única constante, esta seria a alteração. Neste contexto, as empresas devem voltar a focar-se no crescimento, pois as peças chave do seu modelo de negócio, por vezes, não se encaixam bem, na forma a lidar com os novos desafios colocados pelo meio em que actuam. A procura de crescimento tem levado as empresas a estar presentes em mais países, para expandir a gama de produtos, a ter mais canais, clientes, fornecedores e colaboradores, ao incorporar mais tecnologias e a fazer aquisições e alianças. Tudo isto gerou empresas maiores, mais complexas e que incorporam novos mecanismos de coordenação, que tendem a criar ainda mais complexidade. Os negócios deixaram de ser simples, faz muito tempo, traduzido num mercado único para ser fornecido a partir da mesma área geográfica. Tudo mudou rapidamente e os negócios são internacionais. É comum que a expansão internacional se tenha realizado de forma acelerada, dando prioridade ao crescimento sobre a estrutura operativa e fiscal, criando um ecossistema complexo e difícil de gerir dada a abundância de empresas, organizações, estruturas e heterogeneidade de processos. As empresas devem responder com mais rapidez e agilidade às contínuas mudanças do mercado, mas não têm muitas das vezes a informação necessária que necessitam para tomar decisões estratégicas com segurança, e tal acontece, porque os responsáveis pela tomada de decisões estão acorrentados ao enorme volume de dados, e carecem de informação rigorosa e útil que lhes traga um valor acrescentado aos negócios. É necessário que as empresas ao estabelecer-se em determinado mercado, e nomeadamente, nos países do grupo F7 possam contar com informação exacta, dinâmica, integrada e capaz de prever com rapidez o comportamento do mercado, devendo ser uma informação que seja partilhada por toda a organização e com um nível de alinhamento estratégico que exige o ambiente em que actuam.
David Chan Macau Visto de Hong Kong MancheteHomicídio numa Joalharia II [dropcap style=’circle’]N[/dropcap]o passado dia 24 publicámos um artigo sobre a história de Miao Chunqi, um turista da China continental, espancado até à morte na sequência de um episódio de coacção ao consumo. O episódio aconteceu em Hong Kong, mais especificamente em Hung Hom. Depois da ocorrência deste crime o governo da Região Administrativa de Hong Kong decidiu acompanhar a situação. Há dias o Observatório de Turismo de Hong Kong anunciou que iam ser tomadas medidas, de forma a proteger os interesses dos turistas. Aqui ficam alguns exemplos: 1. O Conselho da Indústria de Viagens divulgou o preço normal das viagens da China para Hong Kong. Se as agências forem obrigadas a anunciar o custo das viagens, haverá mais transparência. Os potenciais interessados, que possam consultar as diversas tabelas de preços, estarão melhor habilitados para fazer as suas escolhas. O número de viagens a “custo zero” pode, desta forma, ser reduzido. 2. As agências de Hong Kong ficam obrigadas a fornecer listas com os nomes dos turistas e dos responsáveis pelos grupos, antes da sua vinda, para escrutínio deste Conselho. 3. O Conselho apreciará cada lista e, se verificar que alguns nomes aparecem repetidas vezes integrando grupos diferentes, haverá razões para suspeitar que essas pessoas sejam o que se designa como, “turistas sombra”, indivíduos cuja função é pressionar as outras pessoas a comprar nas lojas para onde são levadas. Nesse caso o Conselho reportará estes nomes às autoridades continentais competentes, para que sejam tomadas medidas adequadas. 4. O Departamento Alfandegário de Hong Kong verificará o itinerário da viagem para prevenir casos de coacção ao consumo. O comunicado adiantava ainda que o Secretário Para o Desenvolvimento do Comércio e da Economia, Greg So Kam-leung, se deslocará na próxima semana a Pequim, a fim de estudar com a Autoridade Chinesa para o Turismo, um conjunto de medidas que ajude a combater as más práticas que há longo tempo afectam o sector e permitem a coacção ao consumo. Obviamente que esta deslocação vai ser de vital importância para a resolução do problema. Hong Kong não pode impedir a entrada de pessoas, só porque vêm cá com muita frequência. A cooperação do departamento chinês competente é necessária. Mas será que estas medidas podem pôr fim à coacção ao consumo? De momento parece prematuro avançar com uma resposta, já que ainda estão em fase de preparação. O Observatório da Indústria Turística e o Governo de Hong Kong estão a trabalhar para a sua implementação. Não é, portanto, altura de discutir a sua eficácia. Se olharmos para estas medidas com atenção, reparamos que não existe nenhuma alínea que se refira directamente à questão da reputação de Hong Kong. Mas, como parece que a estratégia adoptada pelo Governo e pelo Observatório aponta no sentido de pôr fim à coacção ao consumo, a reputação de Hong Kong fica automaticamente salvaguardada. Como sabemos, a implementação deste tipo de medidas pede algum tempo. Não podemos esperar que medidas tomadas num dia tenham efeito imediato no dia seguinte. Mas aos poucos os efeitos fazem-se sentir e, por fim, a reputação de Hong Kong será reabilitada. No caso de Miao, houve graves danos, quer para a sua vida, quer para a reputação de Hong Kong. O caso está actualmente a ser julgado e, quando o julgamento terminar, o assunto estará encerrado. No entanto, o mesmo não se pode dizer dos créditos de Hong Kong. É muito difícil criar uma boa reputação, mas é muito fácil destruí-la. Um dos assassinos de Miao é natural da China continental e o outro de Hong Kong. Como o caso ocorreu em Hong Kong, a cidade foi muito afectada. Se durante a visita do secretário Grey, a realizar na próxima semana, não forem tomadas medidas concretas para proteger a reputação de Hong Kong, a cidade continuará a ser afectada. A imagem que Hong Kong passa para o exterior não vai melhorar a curto prazo. É provável que a forma mais eficaz de resolver a questão da coacção ao consumo seja voltar a ganhar a confiança dos chineses do continente. É preciso que fiquem a saber que este foi um caso isolado e, que a polícia de Hong Kong prendeu os suspeitos no próprio dia em que Miao foi atacado. Também devem saber que os suspeitos foram acusados de homicídio e que podem ser condenados a prisão perpétua. Esta informação pode, até certo ponto, abrandar a desconfiança e permitir que os continentais voltem a Hong Kong. Também funcionará como um aviso para que os prevaricadores se consciencializem de que estão a ser vigiados. O próximo passo passará por implementar todas as medidas atrás mencionadas. Assim que o número de casos de coacção ao consumo seja reduzido a questão da reputação de Hong Kong estará salvaguardada. O comércio direccionado a turistas é um negócio altamente lucrativo. É muito possível que algumas pessoas estejam dispostas a violar a lei e, que mesmo assim, continuem a participar nestes esquemas de coacção com mira nos lucros que daí podem advir. Acontece o mesmo com o homicídio e com a venda de drogas ilegais, existem leis que os condenam, mas estes crimes continuam a existir. É possível que a tarefa mais importante do secretário Greg, durante a visita da próxima semana, seja deixar bem claro que o governo de Hong Kong encara muito seriamente o caso de Miao, para além, como é óbvio, de tratar das medidas conjuntas para combater este tipo de problemas. A menos que e, até que, o governo de Hong Kong restaure a confiança dos continentais, a reputação de Hong Kong não poderá ser reabilitada a curto prazo. Se o afluxo de turistas do continente diminuir, não haverá dúvida que a corrente de turistas de Hong Kong para Macau também será reduzida. Podemos assim concluir que, quer a China, quer Hong Kong, quer Macau, acabarão por sofrer os efeitos negativos da coacção ao consumo. Consultor Jurídico da Associação Para a Promoção do Jazz em Macau
Hoje Macau VozesAcima de tudo a liberdade [dropcap style=’circle’]A[/dropcap] providência cautelar apresentada pelos advogados de José Sócrates é uma legítima medida de defesa do seu constituinte; a decisão judicial de impedir as publicações do grupo Cofina de falarem sobre o “caso Sócrates” coloca sérias reservas sobre o direito à liberdade de informação e tem implícito um princípio de censura que é inaceitável. Não queria sobre isto deixar qualquer hesitação: acima do meu próprio gosto ou desgosto pelo conteúdo das notícias e a sua forma, está a liberdade de informação e expressão. Sucede que eu sei o que é a censura prévia, por experiência directa, tendo tido artigos censurados e livros proibidos antes do 25 de Abril. A liberdade de expressão é em primeiro lugar para aquilo de que não gosto Como na célebre Primeira Emenda da Constituição americana, o direito à liberdade de expressão faz-se exactamente para proteger aquilo de que não gosto. Eu não gosto que se bata em quem está em baixo, não gosto de campanhas contra pessoas, nem que se use amálgamas, factos sem enquadramento, condenações antes do julgamento. Mas uma coisa é não gostar de qualquer destas coisas, outra é proibir que outros, no exercício da sua liberdade de expressão, entendam que é legítimo fazê-lo, por causas que são suas, ou porque entendem que assim estão a lutar contra a corrupção e a travar um combate cívico. Ou porque não gostam da pessoa A, ou porque não gostam da política B, ou porque consideram que valem mais coisas do que aquelas que eu penso valer. O julgamento ético ou profissional (sobre a qualidade do jornalismo) é uma coisa, outra é a censura prévia. O exemplo que não vem de cima Se o jornal e os seus jornalistas estiverem a cometer crimes, então que sejam punidos por isso. Se existe um crime de violação de segredo de justiça, os seus responsáveis devem ser por ele punidos, ainda mais se se verificar que se está a abusar da figura de se ser “assistente do processo” para os jornalistas obterem informações que violam as obrigações que têm para o serem. A verdade é que o exemplo não vem de cima, com um ministro deste governo breve a ser apanhado em flagrante delito de, enquanto director da Polícia Judiciária, passar informações aos jornalistas. Pelos vistos isso não afecta o currículo necessário para se ser ministro de uma área tão sensível como a justiça. A liberdade permite o abuso… Porém, a decisão judicial cria o absurdo de todas as publicações do grupo Cofina estarem proibidas de falar do caso Sócrates enquanto as de quaisquer outros grupos de comunicação têm liberdade para o fazer. Além disso, o efeito é instituir uma censura prévia que torna um crime qualquer informação, mesmo que seja mais que justificada pelo interesse público. O facto de publicações como o Correio da Manhã terem publicado notícias especulativas e que o interesse público não justifica de todo – um exemplo é a conversa trivial entre Sócrates e Guterres que não devia sequer ter sido transcrita como escuta (e infelizmente muitas outras existem do foro pessoal e íntimo que vão acabar por sair cá para fora) –, pode fragilizar o órgão de comunicação, mas não justifica a medida judicial. …desde que não seja crime O Correio da Manhã, que é o principal alvo da providência cautelar, é em parte, insisto em parte, feito pelo modelo da imprensa tablóide. Mas isso não implica, como aliás já o tenho escrito várias vezes, que não seja muitas vezes nessa imprensa menos convencional que se encontram informações de genuíno interesse público que a imprensa “de referência” hesita em dar, muitas vezes pelas piores razões. Porém há um passo jornalisticamente dúbio entre notícias, mesmo puxadas para a especulação, e uma campanha contra a pessoa. É verdade que se soube através do Correio da Manhã de algumas coisas sobre o comportamento de José Sócrates que estão para lá do processo e que aí o jornal cumpriu a sua obrigação jornalística. A investigação que fez ao trem de vida de Sócrates quando este esteve fora de Portugal denunciava um facto relevante: que este vivia muito acima dos meios que tinha ao seu dispor e isso numa figura pública implica uma justificação. Sócrates nunca se retirou da vida política activa e isso tornava-o objecto de um escrutínio público, independentemente de se saber se tinha ou não cometido qualquer crime. Os seis telefones Mas, depois, o Correio da Manhã não se tem limitado a publicar informações retiradas do processo Sócrates, usa-as para “sugerir” determinadas conclusões. Infelizmente está a duplicar aquilo que muitas vezes é uma técnica usada por maus investigadores quando não encontram verdadeiras provas. Por exemplo, numa gaveta num armário ao lado da mesa em que estou a escrever eu tenho cerca de 10 telemóveis, todos os que usei na vida a começar por um grosso Nokia que era o state of the art muitos anos atrás, e vários que se lhe seguiram. Um comprei-o no estrangeiro, porque me esqueci do carregador, outros que se foram substituindo uns aos outros. Presumo que mais de metade deles estão operacionais, se os carregar devidamente e encontrar chips actualizados. Significa isso que os estou a usar para dificultar a vida às escutas policiais e organizar actividades criminosas? Se achasse que elas eram indevidas e abusivas, podia ser, mas mais do que isso é pura especulação. Por isso não sei se Sócrates ter seis telemóveis é relevante ou não, não sei se os usa todos ao mesmo tempo ou não, e só saberei se se passar além do número de telemóveis para saber se existe no processo mais do que essa constatação de facto. Não há necessidade O Correio da Manhã não precisa de nos convencer sobre as malfeitorias do eng. Sócrates – não me pronunciando eu sobre se essas são as de que é acusado criminalmente –, mas outras de vária natureza, de carácter político ou de abuso do poder quando era primeiro-ministro, pelas quais assino eu por baixo sem precisar das fugas de informação do jornal. Por isso tudo é desnecessária a campanha do jornal, embora eu esteja na primeira fila para defender, a meu contragosto, o direito de a continuar a fazer. José Pacheco Pereira, na Sábado
Joana Freitas VozesOs direitos dos portadores de passes mensais Exmo. Senhor Dr. Carlos Morais José Ilustre Director do Hoje Macau, Sou detentor de passe mensal de um Parque de Estacionamento Público e, com enorme surpresa, fui informado telefonicamente por uma funcionária da empresa que gere o parque de estacionamento, que o meu direito ao dito passe deixará de ter efeito a partir de Janeiro p.f.. Considerando as notícias que fui lendo na comunicação social, parece-me tal comunicação sem fundamento e abusiva, sobretudo porque: 1- Não se trata de lugar fixo, mas apenas de garantia de um lugar. 2- Sendo portador de um dos primeiros passes emitidos por esse Parque, isso autentica a antiguidade do meu direito. 3- Tomei conhecimento pelo Hoje Macau de 19 de Outubro p.p. que, apesar da aprovação do debate sobre os passes mensais na AL, muitos dos deputados que pediram a palavra mostraram-se contra o término dos passes mensais, evocando os interesses dos residentes que já usufruem da medida. “Não podemos tirar esse direito adquirido pelos utentes. Em 2012 criou-se uma lei que tirou os direitos aos mediadores (imobiliários) e sabemos que na altura votámos a favor da revisão da lei, mas o que visa este debate? Tem um objectivo contrário que é o de retirar direitos adquiridos pelos nossos residentes, por isso não apoio”, apontou Tsui Kwan. 4- Na sua edição do dia 29 de Outubro p.p., o Hoje Macau noticia em sub-título: DEBATE MANTIDOS PASSES MENSAIS. LEI PODE VIR A SER ALTERADA e continua: O Secretário para as Obras Públicas e Transportes confirmou ontem na Assembleia Legislativa que vai mesmo manter em funcionamento os passes mensais emitidos até 2009, garantindo que “a curto prazo” não vai mudar a lei, mas que poderá ponderar alterações no futuro. 5- Do mesmo modo, o jornal Ou Mun de 29 de Outubro, noticia igualmente que os passes mensais não serão cancelados a curto prazo. 6- Saberá V.Exa. que, como cidadão, servi e sirvo Macau sem nunca me ter “servido”de Macau. Assim, não posso deixar de manifestar a maior das perplexidades e mesmo desconfiança por uma funcionária do referido Parque, me ter informado de algo que é contrário a todas as decisões. Os direitos dos cidadãos são sagrados e crente nos valores da cidadania, em detrimento dos da ganância, oportunismo e lucro fácil à custa de direitos alheios, lutarei com as armas que tenho: a razão e a transparência da verdade. Gostaria, assim, que este assunto fosse alvo de informação clara por parte das autoridades, para que os cidadãos possam saber dos direitos que lhe assistem. Com os melhores cumprimentos, António Conceição Júnior
Isabel Castro VozesO caso do caso [dropcap style=’circle]C[/dropcap]laro que importa perceber em que circunstâncias morreu Lai Man Wa, directora-geral dos Serviços de Alfândega, titular de um alto cargo do território e com funções particularmente delicadas. Importa perceber porque é um assunto do interesse público. Por ser do interesse da população, fez bem o Chefe do Executivo em chamar os jornalistas para uma conferência de imprensa sobre o assunto, mesmo que essa conferência não tenha sido mais do que uma declaração, sem direito a perguntas e a respostas. Mas a convocatória para esta conferência de imprensa foi a única coisa que Chui Sai On fez bem no modo como geriu, em termos de comunicação, a morte de Lai Man Wa – o Chefe do Executivo quis antecipar-se a boatos. Não vale a pena sequer recordar os detalhes das primeiras informações oficiais divulgadas apenas quatro horas depois da descoberta de um corpo não imediatamente identificado na casa de banho pública do jardim dos Ocean Garden. Desde o caso Ao Man Long que, muito provavelmente, o comum mortal de Macau não prestava tanta atenção aos pormenores das notícias, que reproduz com rigor nas conversas reais e virtuais que vai tendo sobre o assunto. Porque se trata de uma questão de interesse público, o público interessou-se. O interesse do público não terá sido, no entanto, aquele de que o Governo estaria à espera. Bastou a divulgação de dois ou três detalhes da morte de Lai Man Wa para que a desconfiança se tornasse generalizada: parece não haver vivalma que não tenha ficado de pé atrás com as declarações do Governo sobre a matéria – declarações estas que, admito, poderão corresponder à mais cândida verdade e serem de um enorme rigor científico. Mas a desconfiança não torna o caso mais simples. Há um caso dentro do caso Lai Man Wa. O caso Lai Man Wa, que continua a suscitar pedidos de investigação aprofundada, é um; depois, há a desconfiança em relação à palavra do Governo, dos governantes e das autoridades policiais – uma desconfiança que não foi mantida em sussurro e, por isso mesmo, levou a uma nova conferência de imprensa e à revelação de vários detalhes sobre o que aconteceu, sem que tal tivesse, de modo algum, contribuído para serenar os ânimos, ou seja, para tornar toda esta história mais convincente. O caso Lai Man Wa, independentemente do que ainda seja apurado, é preocupante: é de uma vida que estamos a falar e é, além disso, a vida de alguém que jurou servir o território. O caso dentro do caso, de uma natureza diferente, também deveria levar os dirigentes da terra a dois minutos de reflexão, por ser revelador de duas realidades não menos chatas para quem governa a terra, sobretudo nos tempos que correm e com as tendências que chegam de Pequim para este Outono/ Inverno: 1) O Governo não domina a arte da comunicação. Não sabe fazer a filtragem que é essencial para que seja transmitida a mensagem correcta. Não sabe escolher o tempo certo para falar. Diz de mais para depois dizer de menos. Não é uma novidade. O caso Lai Man Wan só veio provar que se trata de um problema crónico. 2) Muitas das pessoas que vivem em Macau não acreditam na boa-fé do Governo, porque não acreditam na palavra dele. É nos momentos críticos que se testa a relação dos que mandam com os que são mandados. O caso dentro do caso Lai Man Wa não trará ninguém para a rua, não será motivo para manifestações, mas é mais uma pedra num sapato que há muito se tornou apertado.
Paul Chan Wai Chi Um Grito no Deserto VozesASSEMBLEIA LEGISLATIVA | Balanço a Meio dos Mandatos [dropcap style=’circle’]A[/dropcap] Assembleia Legislativa retomou os trabalhos a semana passada. Nos próximos dois anos, até ao final dos actuais mandatos, é possível que os deputados discutam com maior entusiasmo os assuntos que venham a ser debatidos na Assembleia. Antes das eleições para a Assembleia Legislativa, em Setembro de 2013, a comunidade encontrava-se surpreendentemente serena e não existia, na altura, nenhuma controvérsia assinalável. O clima eleitoral que se viveu também não foi particularmente acalorado, já que os partidos aceitaram reduzir os temas controversos em debate. Durante as eleições a maioria das formações políticas lançou diversos slogans populistas e fez imensas promessas ao nível de um maior bem-estar social. O Festival do Meio do Outono desse ano foi especialmente jovial, com ofertas de presentes e distribuição de refeições. A população estava feliz. aproveitando as benesses que lhe eram oferecidas. Por outro lado, o Conselho Eleitoral e o Comissariado Contra a Corrupção não tinham muito em que se ocupar. Cerca de duas semanas após a eleição, a Sociedade de Transportes Públicos Reolian anunciou a cessação de actividade. Este facto, juntamente com a proposta de Lei, – “Regime de garantia dos titulares do cargo de Chefe do Executivo e dos principais cargos a aguardar posse, em efectividade e após cessação de funções” causou grande preocupação na comunidade. Dois anos depois, a imagem da Assembleia como “figura decorativa” permaneceu inalterável, com uma Oposição mais ou menos alinhada com o Governo. Ou pelo menos, desenvolvendo um tipo de acção pouco clara que nunca afecta quem está no poder. Na semana de abertura dos trabalhos da Assembleia Legislativa, a proposta de debate da Lei da Habitação Económica foi votada. Os deputados da oposição fizeram declaração de voto, ao passo que os deputados que apoiavam a proposta não a fizeram. Quererá isto dizer que votar a favor é apenas uma jogada regulamentar que dispensa qualquer sustentação? Nos últimos dois anos, o descontentamento público tem vindo a aumentar e os deputados dificilmente conseguem cumprir as promessas que fizeram durante a campanha eleitoral. No que diz respeito ao projecto de “todas as pessoas passarem a ser accionistas da indústria do jogo”, não houve desenvolvimentos assinaláveis. Não se registaram avanços democráticos e a Assembleia tornou-se cada vez mais esvaziada de poder, no seguimento da revisão do Regimento da Assembleia Legislativa. À medida que a activação das audições se torna mais rigorosa, a Assembleia Legislativa encontra-se cada vez mais no papel de “figura decorativa”. Volvidos dois anos, os cidadãos de Macau devem estar conscientes da importância do seu voto. Devem ponderar seriamente nas palavras e nos actos dos candidatos à Assembleia Legislativa, de forma a eleger deputados verdadeiramente empenhados em servir a comunidade e, não apenas, em fazerem-se eleger. Se os eleitores votarem sem grande critério, como tem sido habitual, o resultado das eleições, que se efectuarão daqui a dois anos, será o mesmo das edições anteriores. Desta forma o desempenho da Assembleia Legislativa não terá mais qualidade, já que os deputados eleitos também não a terão. Como a proposta de reforma constitucional para 2017 não foi aprovada em Hong Kong, o desenvolvimento constitucional fica congelado. Da mesma forma em Macau, quer os parâmetros constitucionais, quer a metodologia para a composição da Assembleia Legislativa não terão qualquer hipótese de sofrer alterações a curto prazo. Segundo a actual metodologia para a composição da Assembleia Legislativa, os deputados eleitos por sufrágio directo estarão sempre em desvantagem. No entanto, isto não quer dizer que sejam totalmente impotentes, porque as suas lutas na Assembleia Legislativa também existem cá fora. A proporção de deputados eleitos por sufrágio directo em 2013 é semelhante à actual. Como os deputados eleitos pela Associação Novo Macau trabalham em conjunto com esta Associação, os temas em discussão na Assembleia Legislativa resultam, frequentemente, em acções sociais com resultados positivos. Na medida em que estes deputados têm apoio e reconhecimento públicos, a frente maioritária da Assembleia Legislativa não ousa usar o voto para decidir sobre todas as matérias. Contudo, desde a altura em que surgiram problemas internos na Associação Novo Macau, o equilíbrio de poder na Assembleia Legislativa foi minorizado. Não importa que os deputados da oposição gostem ou não de ser classificados como “oposição fiel”, o que é um facto é que a actual situação faz jus ao nome. Em Julho de 2009, o jornal Southern Metropolis Daily, publicou uma entrevista a dois deputados da Associação Novo Macau. Na entrevista os deputados declararam expressamente a vontade desta formação política em assumir o papel de oposição na Assembleia Legislativa. Não existe esperança para Macau, a menos que se abrace o caminho da reforma constitucional, aumentando os assentos dos deputados eleitos por sufrágio directo e, também, promovendo e ajudando a melhorar, a consciência cívica da população. Os pontos acima referidos influenciam-se e potencializam-se mutuamente. Em primeiro lugar, será possível, para as eleições de 2019 à Assembleia Legislativa, lutar para obter mais de 50% de lugares ocupados por deputados eleitos por sufrágio directo, com a condição de que o actual número de assentos não seja alterado? Em segundo lugar também é crucial a revisão da Legislação Eleitoral da Assembleia Legislativa e a implementação de medidas eficazes para combater a corrupção durante o processo eleitoral. Por último, é importante encorajar mais pessoas a candidatar-se às eleições directas, porque “juntos somos mais fortes”. Actualmente, pessoas vindas de diversos sectores estão a organizar-se em conjunto tendo em vista as próximas eleições. De entre estas, algumas concorrem às eleições na sequência das suas carreiras, ou por ser esse o seu sonho, ao passo que outras o fazem para salvaguardar os seus interesses pessoais. Seja como for, o processo eleitoral vai ser seguramente “distractivo”!
Leocardo VozesTrabalho de casa [dropcap style=’circle’]A[/dropcap]final a tal “Uber” tem rosto, ou melhor dizendo, “rostos” – é feita de pessoas, para as pessoas. Contudo não eram sorridentes, estes rostos da Uber. Longe disso, pois eram os rostos de quem tinha acabado de bater de frente com essa realidade singular em tantos aspectos que é Macau. Em suma, é gente que vem desse sítio que não é Macau, também conhecido por “resto do mundo”. Numa conferência de imprensa realizada esta terça-feira, os responsáveis da plataforma digital de aluguer de veículos com motorista privado vieram esclarecer que estão a operar legalmente no território, e que não vieram trazer para cá o seu “circo” – operam com empresas de transporte e outras agências já estabelecidas em Macau, e devidamente licenciadas. Posto isto, consideram “inadequado” o comportamento da Polícia de Segurança Pública, que na semana passada autuou dois motoristas da companhia em 30 mil patacas cada, e ainda apreendeu os veículos. Os responsáveis da Uber afirmam que estão em vias de apresentar queixa das autoridades juntos dos tribunais, e até do CCAC, e concluíram garantindo que “fizeram o trabalho de casa”, antes de se virem estabelecer em Macau. Será que fizeram mesmo? Bem vindos à RAEM, e boa sorte, pois vão precisar dela. Os tipos da Uber que vimos naquela conferência de imprensa eram bem janotas, por sinal. Vê-se que é malta que foi muito para lá da escolaridade mínima obrigatória, com uma noção sóbria moderna de moda, e sem uma única cicatriz visível, quanto mais uma pala no olho e uma perna de pau. Cheguei a pensar que a Uber era obra um único adolescente norueguês maroto, que dirigia uma actividade económica paralela da cave da sua casa em Tromsø. É normal, esta minha confusão, pois as nossas sempre zelosas autoridades garantiram que a Uber “é ilegal”, e lembrei-me de outras plataformas digitais, neste caso o Napster, ou mais recentemente o PirateBay. Nestes dois exemplos que referi as “vítimas” eram músicos, actores de cinema, escritores e outros que viviam da criação intelectual e artística, que por culpa da partilha de ficheiros digitais contendo o seu trabalho, e sem receberem qualquer compensação inerente aos direitos de autor, eram depois obrigados a explicar aos filhos que já não iam mais comprar uma casa de praia em Malibu, e teriam que se contentar antes com um rancho em Hacienda, na Califórnia. Triste, tão triste. As “vítimas” da Uber são os taxistas, essa classe que peleja dia-a-dia pelas ruas da cidade, e que luta, que sofre, constantemente exposta aos perigos da selva de cimento. Pensam que é fácil andar a evitar os tipos e as tipas que se metem à frente do carro, a pedirem que os transportem em troca de uma mísera tarifa estipulada por lei? Mas confesso que demorei a ligar os pontos, e não entendi como é que um serviço do tipo da Uber ia ser um problema, tratando-se de mais uma alternativa numa cidade congestionada, e onde a população e turistas se queixam da falta de táxis QUE OS ACEITEM LEVAR (não confundir com “número insuficiente de táxis”) – é porque têm mais que fazer, que bom para eles, benza-os o Buda. Sempre que comentava o assunto com alguém, era comum ouvir algo do tipo “sabias que uma licença de táxi chega a valer dez milhões de patacas”? Inicialmente pensei que estivessem a mudar de assunto, mas encaixando as peças, sendo a final o veredicto de que a Uber é ilegal “porque não é legal”, Eureka!, fiquei logo esclarecido. Foi como se tivesse uma epifania, revelada num brilho de luz verde em cima de capote preto pelos santos Dimas e Simas, o bom e o mau ladrão, respectivamente. Para entender isto melhor, é preciso saber as regras do “legal/ilegal”, que ao contrário do que se possa pensar, não depende de todo de nenhum código ou legislação avulsa – muitos dos nossos deputados sabem-nas de cor, e é por isso que são deputados. O que não é legal e não vem regulado por, casos da Uber e do referendo civil do ano passado, só pode ser ilegal. Por outro lado a especulação, tanto a imobiliária como o fermento de banqueiro que eleva uma licença de táxis a dez milhões de “caricas”, não é em rigor proibida por lei, por isso “é legal”, e até se recomenda. Dominando essa tabuada se somar e sumir, fica mais fácil depois entender a outra lógica vigente: a Uber não é uma sociedade comercial registada no território, e por isso no estrito cumprimento da lei, não pode operar. Ponto. No entanto a “Dore”, que operava um esquema do tipo de pirâmide, e que se especula ter ramificações que se estendem até ao crime organizado, é porreira, porque dá massa à malta, é uma impressora de notas de mil! E se não der, podem sempre fazer queixa ao Governo, filho e pai, para “fazerem valer os vossos direitos”. Yupi! Queria terminar elogiando a prontidão e eficácia com que as autoridades saíram para o terreno para deter as intenções da Uber, com um empenho e dedicação que se vêem habitualmente no combate a células terroristas, daquelas que violam avozinhas e virgens. Por isso só se pode explicar o insucesso em apanhar os taxistas infractores, e dos quais choveram e chovem queixas sem parar há vários anos: eles seguem um coelho branco apressado até à sua toca, enfiam-se lá dentro e vão parar ao País das Maravilhas, onde a polícia não consegue entrar (porque não é legal, e por isso…). Uma vez lá chegados, cobram mil patacas para levar a Alice até ao palácio da Rainha de Copas. Quando esta manda “cortar-lhes a cabeça”, há logo alguém que interfere, recordando que “uma licença de táxi chega a valer dez milhões de patacas”. Fizeram mesmo o trabalho de casa, senhores da Uber? Desconfio que até faltaram à aula, isso sim.
Hoje Macau VozesMacau, Um Visão Metafísica POR AURELIO PORFIRI [dropcap style=’circle’]E[/dropcap]m mais do que uma ocasião tive oportunidade de falar sobre a minha visão de Macau. É evidente que tenho uma ligação a esta cidade, mesmo que algumas pessoas pensem que o meu olhar crítico revela ingratidão ou quaisquer outras razões insondáveis. Todos temos o direito de opinião, mesmo que essa opinião não tenha uma aparente ligação a factos concretos. Na verdade, tenho uma teoria sobre Macau: esta cidade deve ser entendida, não do ponto de vista materialista, mas do ponto de vista metafísico. E com isto quero dizer exactamente o quê? A Enciclopédia Filosófica Routledge apresenta a seguinte definição de Metafísica: “A Metafísica é uma disciplina da Filosofia. Possui um campo de estudo alargado e caracteriza-se por duas análises fundamentais. A primeira pretende levar a cabo uma investigação, o mais detalhada possível, sobre a natureza da Realidade: haverá princípios que se possam aplicar de forma constante ao Real, a tudo o que existe? – se nos abstrairmos da natureza particular de todas as coisas que as distinguem umas das outras o que é que podemos ficar a saber sobre cada uma, baseando-nos apenas no facto da sua mera existência? THE LAST EMPEROR, director Bernardo Bertolucci on set, 1987, (c) Columbia A segunda análise pretende revelar a essência do Real, dando frequentemente respostas que contrastam vivamente com o nosso entendimento empírico do mundo. Entendida em função destas duas questões, a Metafísica relaciona-se de perto com a Ontologia, que se interroga sobre a questão da natureza da existência (do Ser) e também sobre as diferenças fundamentais entre todos os seres.” E em que sentido é que esta definição se aplica a Macau? No sentido em que, para entender a estrutura profunda de uma entidade, é necessário ir além da experiência do dia a dia; no caso de Macau a estrutura mais profunda é o conceito platónico de fusão entre o Oriente e o Ocidente, que efectivamente permanece mais como uma ideia metafísica do que como uma realidade palpável. Muito poucas pessoas que tenham vivido em Macau poderão afirmar que este encontro de culturas se realizou em pleno, existem demasiadas diferenças de perspectiva sobre a vida, para permitir que uma fusão cultural seja bem sucedida. Não nos podemos esquecer que, quando os ocidentais vieram inicialmente para Macau tinham dois objectivos em mente: fazer negócio e converter as pessoas ao Catolicismo. Nenhum destes propósitos requer um encontro com a população e com a cultura local numa base de igualdade. Se os missionários quiseram converter a população à mensagem de Jesus foi porque acreditavam que esta mensagem salvadora podia proporcionar o que nenhuma outra cultura, fora do cristianismo, podia. Isto não quer dizer que depreciassem outras culturas. É sabido que missionários como Matteo Ricci, ou Alessandro Valignano, tentaram compreender a cultura chinesa. Mas, em última análise, o objectivo era a evangelização da população chinesa. Ver Macau como um local onde o Ocidente e o Oriente se encontram é certamente uma ideia apelativa e, tenho a certeza que, em termos metafísicos, é muito interessante e com potencial para ser explorada. Mas, por favor, não usemos esta entidade metafísica para representar uma realidade que, nunca o foi, não o é, e pelo caminho que a cidade está a levar, provavelmente, nunca o será. De Aurelio Porfiri
Boi Luxo VozesValerie a Týden divů, Jaromil Jires, 1970 [dropcap style=’circle’]V[/dropcap]alerie… é um filme que permanecerá sempre como algo de íntimo. Pode pensar-se que mais ninguém viu este filme e que aquilo que pensamos que ele é não passa, afinal, de um grande engano ou de algo que nos aconteceu na florescência da adolescência. Housu, de Nobuhiko Obayashi, também é assim – partindo do princípio que existe e que não é apenas uma alucinação. Valerie… é a prova de que existem vampiros – e não apenas no cinema – e de que os padres e a religião são uma influência perniciosa para o crescimento. Assim, é um filme que sublinha um tipo de credibilidade. No que diz respeito ao crescimento e à função mágica da inocência estou preparado para acreditar mais neste filme que em qualquer outra fonte. Seria tentador repetir algum texto que aqui já se ofereceu sobre a Nova Vaga checoslovaca mas não seria mais do que isso, uma repetição. Chegue recordar que na Checoslováquia se fizeram alguns dos mais interessantes filmes europeus dos anos 60 e 70. Parte dos nomes mais conhecidos deste saboroso cinema já por aqui passaram, Jan Svankmajer (a propósito de um filme de 1994, Fausto), Vera Chytilová (o delicioso, voluptuoso, surrealista Sedmikrásky/Daisies, 1966) e Juraj Herz (o inquietantemente actual Spalovac mtrvol/The Cremator, 1969). Lembrar que, para além dos filmes em cima indicados, o hilariante The Firemen’s Ball, de Milos Forman, o intrigante Closely Watched Trains, de Jiri Menzel e o extraordinário Marketa Lazarová, de Frantisek Vlacil (talvez o filme cujo desconhecimento geral mais me espanta) são dos anos 60, serve como alerta suficiente para a riqueza do cinema checoslovaco desta época de aberturas e repressões. Jan Svankmajer estava ainda a fazer apenas as muitas curtas metragens que o tornaram famoso e que não terão deixado de marcar toda esta geração. A sua primeira longa metragem, Alice, é de 1988.* Valerie é a rapariga de 13 anos a cujo crescimento assistimos. O aparecimento da sua primeira menstruação marca o início de uma viagem em que ela se vê assaltada pelo mundo, num ambiente pagão e surrealista onde o sangue que os vampiros desejam tem uma marca central para além da marca da sua entrada no mundo adulto. A jovem pende mais para a chegada de um grupo de actores que para a chegada (ansiosamente esperada pela erótica avó, fria como a neve) de um grupo de missionários. Esta avó, atraente lúbrica penitente, faz a ponte entre o universo virginal da jovem Valerie e o interesse material, sexual e monstruoso da classe clerical que invade a aldeia e a assedia constantemente. Muitos dos mistérios que se tecem ao longo do filme não alcançam resolução e esta fragmentação narrativa é uma das suas atracções. Aparentemente, os saltos e desvios que no filme se notam reproduzem os que se lêem no livro de Vitezslav Nezval em que aquele se inspirou. De que serve saber quem é o verdadeiro pai de Valerie ou como é que esta sobrevive à fogueira a que o padre que a tenta molestar a condena, quando o que verdadeiramente desejamos é que Valerie olhe para nós de frente e nos assegure de que para lá do mal está a sua inviolável donzelice. No fim, a figura da pequena jovem sai vencedora de todas as ameaças vampíricas e clericais à sua integridade. A opção onírico-vampírica que anima o filme de Jaromil Jires – seguindo uma tradição narrativa popular estabelecida no cinema da Europa de Leste que os vários regimes comunistas não viam como ofensiva – torna-se mais dolorosa se a virmos como um desesperado escape à repressão e ao obscurantismo que se seguiu às aberturas da Primavera de Praga. Explica Jana Prikril (autora do texto que acompanha uma edição recente do filme) num artigo constante de uma edição de início de Outubro de 2015 da NYRB, que esta é uma altura em que as autoridades checoslovacas baniram os filmes de alguns dos autores mais famosos mas se esforçaram, também, por manter a ilusão de uma cinematografia continuada e de sucesso. Ironicamente (veio a descobrir-se mais tarde), o poder via Menzel e Jires como dois realizadores capazes de fazer, com sucesso, filmes acessíveis ao público. Não foi isso que aconteceu com este filme que aqui se distingue.** Com o onirismo e o cliché do filme de vampiros mistura Jires uma outra face pagã e lírica, e desta ousada fusão resulta um filme que os censores inexplicavelmente não proibiram – como acontecera com a sua longa metragem anterior, The Joke (1969), muito mais abertamente crítica e de um nihilismo mole humoristicamente contrário ao optimismo oficial dos inícios do comunismo da era do pós-guerra. O absurdo de algumas das demonstrações de Valerie age eficazmente como exibição dos absurdos do regime mas os seus censores parece não terem entendido a sua mecânica. Passados quase 50 anos, Valerie a Týden divů torna-se cada vez mais delicioso e cada vez mais improvável. Ao contrário de Krik/The Joke ou Zerk/The Cry, a passagem do tempo tem-lhe trazido favores inesperados. * ver as cerca de 15 curtas-metragens que Jan Svankmajer realizou nos anos 60 e 70 é um inestimável avanço no conhecimento do cinema checoslovaco destas duas décadas. Svankmajer continua em actividade e espera-se com ansiedade a conclusão de The Insects. ** O regime queria “filmes para o público, filmes para hoje, filmes para socialistas”. Quase 50 anos depois é espantoso e doloroso verificar que há países em que esta prática totalitária persiste e que filmes que deveriam ser orgulhosamente celebrados como exemplos de criatividade são, ao invés, escondidos da população ao mesmo tempo que os seus autores são perseguidos.
Hoje Macau VozesTachos de lata [dropcap style=’circle’]E[/dropcap]m 2011, Passos Coelho prometia não levar para o Governo “amigos, colegas ou parentes, mas sim os mais competentes”. Já depois de convocadas as eleições de 2015, o Governo PSD/CDS contornou as suas próprias regras e nomeou centenas de dirigentes para a Função Pública. Em 2011, Passos Coelho prometia não levar para o Governo “amigos, colegas ou parentes, mas sim os mais competentes”. Para isso até criou a Comissão de Recrutamento e Selecção para a Administração Pública (CReSAP). O leitor pode espantar-se, mas é esse mesmo Governo que acaba por fazer 14 nomeações definitivas para os Centros Distritais da Segurança Social, todas atribuídas a quadros do PSD e do CDS. E logo no Ministério de Mota Soares, campeão da demagogia anti-tacho. O que é que aconteceu? Ao que parece, a incapacidade da CReSAP para realizar todos os concursos bastou para que fossem feitas várias nomeações de substituição, livres de quaisquer regras. Chegado o momento do concurso, esse tempo de substituição exercido nos cargos da Administração Pública contou como “experiência” no currículo destes militantes. Os cargos intermédios também estão fora do crivo da CReSAP. E por isso foi possível ao Governo, já depois de convocadas as eleições, contornar a suas próprias regras e nomear centenas de dirigentes para a Função Pública. Segundo consta, no Ministério da Defesa até foram criados novos cargos na semana anterior às legislativas. Apesar de todo o seu moralismo e arrogância, Passos Coelho não cumpriu nada do que prometeu. Só a hipocrisia do discurso se tornou mais sofisticada. A nomeação de fiéis do partido para lugares no Estado é uma forma de recompensa às tropas, mas não é só isso. Em áreas tão delicadas como a Segurança Social, o assalto às esferas de direcção possibilita a concretização de uma visão ideológica, sem escrutínio ou contestação. Por isso ninguém desafia ou denuncia, e por isso é tão difícil travar o desmantelamento dos serviços de protecção social ou a sua entrega a instituições privadas (também elas, muitas vezes, controladas pela Direita). Saibamos separar o trigo do joio. A Administração Pública não se confunde com os “boys”, muitas vezes incompetentes, colocados pelos partidos nos cargos dirigentes. Além deles, existe o esforço dos seus trabalhadores. Funcionários e quadros que o Governo prometeu proteger para acabar com os tachos, vindo a fazer exactamente o contrário. Mariana Mortágua, in Esquerda.net
Tânia dos Santos Sexanálise VozesCasual [dropcap style=’circle’]O[/dropcap] sexo casual define-se pela inexistência de sentimentos românticos pelo parceiro, que pode ser de curto ou de longo-prazo. Quando é de curto-prazo, i.e., uma única noite de loucura com alguém que acabámos de conhecer, é mais vulgarmente e internacionalmente conhecido como ‘one night stand’. O sexo casual de longo-prazo, refere-se a um relacionamento que pressupõem encontros sexuais regulares mas que não pressupõem qualquer actividade romântica, ou amor entre os envolvidos. O sexo casual parece ser uma prática comum no século em que vivemos, com alguns fervorosos adeptos e outros menos. Diz a Psicologia Evolutiva que os homens têm mais queda para estas coisas casuais, especialmente as de uma noite, porque, assim, podem plantar a sua semente por um maior número de corpos, ou seja, aumentar a sua possibilidade de transmissão genética. As mulheres, por seu turno, irão preferir estratégias de acasalamento de longo prazo porque, pronto, se de facto quiserem deixar parte da sua carga genética ao mundo, implica um investimento de pelo menos 9 meses e não é um decisão que se tome de ânimo leve. Por isso, de uma forma muito geral, isto vem justificar as nossas escolhas relativamente à natureza dos encontros sexuais que pretendemos com base no nosso passado animalesco que era, de facto, muito orientado para a procriação. Diria eu que agora, a dinâmica não segue tão estrita explicação porque, bem, acho que não víamos sexo a acontecer de todo. Há homens que escolhem ter mais encontros casuais porque há mulheres que os querem, e vice-versa. Diz a minha ingenuidade que há de haver gostos para tudo, entre homens e mulheres, para satisfazer a diversidade sexual de cada um. Sócio-sexualidade é o conceito desenvolvido na comunidade científica para descrever uma maior queda para sexo casual regular. Não sei o porquê da escolha de vocábulo, talvez porque é preciso ser-se sociável, um ser extrovertido, para o sexo. Por isso, o sexo casual é para quem é socialmente aberto, e diga-se que é preciso muita lábia e técnica de engate para conseguir chegar à loucura que uma noite pode proporcionar. Percebemos, por isso, que sexo casual de curto-prazo é o resultado de uma atracção estritamente física que se quer ver satisfeita – na hora.[quote_box_right]“O cliché avisa-nos, contudo, que relações que duram no tempo e que se descrevem como exclusivamente sexuais são impossíveis de ser alcançáveis. Acabarão quando um dos dois se apaixonar”[/quote_box_right] Entende-se de forma diferente os amigos coloridos, amigos com benefícios ou os ‘fuck buddies’, neste caso tratam-se de encontros entre dois conhecidos, amigos ou não, com o único propósito aliviar as gónadas, desenferrujar as dobradiças, lubrificar a máquina sexual. Trata-se de não só satisfazer desejo mas de manter a sexualidade aberta em actividade. Esta é a visão puramente instrumental do sexo, i.e., eu quero, tu queres e por isso devemos aliviarmo-nos juntos. Sem complicações e sem o problemático amor envolvido, sexo parece ser muito simples de ser solucionado. As complicações que aparecem são de outra natureza, caem nos mal-afamados estereótipos e expectativas que põem os homens numa categoria de reis e as mulheres em categorias várias (mas que não são de rainha). O cliché avisa-nos, contudo, que relações que duram no tempo e que se descrevem como exclusivamente sexuais são impossíveis de ser alcançáveis. Acabarão quando um dos dois se apaixonar. Alcançando, assim, o prólogo que eu pretendia com a reflexão que se impõe: como é que o amor se relaciona com sexo ou de que forma podem ser tratadas como exclusivas ou emparelhadas? A casualidade, muitas vezes entendida como aleatória, oferece ao imaginário sexual uma novidade, uma excitação que depende do desconhecido e do desejo em alcançar mares nunca dantes navegados (apelando ao português que há em nós). Numa noite explora-se o que se pode, em encontros que se repetem no tempo talvez se explore um pouquinho mais, até porque o gradual à vontade vai permitir formas de comunicação sexuais cada vez mais sofisticadas.
Isabel Castro VozesUm presunto e um galo [dropcap style=’circle’]1.[/dropcap] Como se já não bastasse o ar que respiramos todos os dias. A Organização Mundial de Saúde veio esta semana dizer que as salsichas, o bacon e os enchidos são cancerígenos. A carne vermelha, às tantas, também faz muito mal. Mas certo, certo é que o presunto está no mesmo grupo de substâncias cancerígenas que o tabaco, o amianto e os gases de escape emitidos pelos motores a gasóleo. Quem diria. Em Hong Kong, onde se fazem as contas às pessoas que morrem por ano vítimas da poluição, também há estudos sobre os hábitos alimentares: os residentes comem três salsichas e meia e quase duas fatias de fiambre por semana. Estão condenados, os pobres coitados. Como se já não bastasse o ar que respiram todos os dias. Vivemos na era em que tudo faz mal. Comer vegetais faz mal, porque não sabemos de que é que são realmente feitos. Beber leite faz mal, porque não sei o quê. Comer carne faz mal. Comer peixe faz mal. Comer pão faz mal. E depois há ainda o glúten, a descoberta das mil e uma intolerâncias alimentares. E agora as alheiras e o salpicão e o presunto, bens essenciais que não me apetece dispensar – fazem parte do meu código genético. Fumar também faz mal, mas isso faz mesmo. Beber álcool também, embora hoje em dia o mundo científico nutra uma grande simpatia pelo vinho tinto. Em suma: viver faz mal. Quem vive em Macau – assim como aqueles que vivem em Hong Kong – sabe desde o primeiro dia que corre sérios riscos, sendo que o problema não é o presunto importado, a rara alheira de Mirandela ou o enlatado manhoso. Mesmo que seja vegan, faça 30 minutos de exercício físico por dia e a hora de meditação ao entardecer o tenha tornado completamente impávido e muito sereno, incapaz de se chatear com o trânsito, com a inflação e o mutismo selectivo de parte da população, está condenado o triste residente das regiões administrativas especiais. O problema é mesmo a inevitável respiração – sair à rua é uma coisa complicada, sobretudo por estes insalubres dias. Crianças e velhos trancados em casa, os que têm problemas respiratórios também. Os outros que tenham paciência e respirem o ar insuportável a que temos direito. Um dia destes o Governo faz um ano e começo a perder a esperança de que alguém se preocupe – a sério – com a poluição. Já sei que esta nuvem que nos cobre a cabeça e não é chuva vem de fora, que a culpa não é nossa, que estamos do Delta do Rio das Pérolas e por aí fora. Mas quem percorre o território diariamente não acredita na culpa externa: basta abrir os olhos e ver os autocarros velhos, as carrinhas e os camiões a desfazerem-se que andam por aí. São os tais gases de escape emitidos pelos motores a gasóleo – e frequentes vezes são gases que nem escape têm, que a viatura já deu o que tinha a dar. São salpicões sobre rodas, portanto. As autoridades não parecem estar particularmente preocupadas com a situação. Nunca vi nenhuma fumarenta carrinha ser multada. Talvez porque a polícia se preocupa mais com os veículos parados, aqueles que têm donos que se esqueceram da moedinha no bolso, aqueles que têm donos que se esqueceram de acordar às 8 da manhã de domingo para não falharem o parquímetro que, à porta de casa, não lhes dá um dominical minuto de descanso, guardado que está por um zeloso agente das força de segurança. Quanto ao Governo, falta alguém com vontade de tornar Macau numa cidade habitável, onde se possa respirar fundo e menos fundo, que imponha técnicas de conservação energética e essas invenções modernas que, dizem os especialistas dos outros países, fazem poupar na conta da electricidade, com as devidas consequências para uma vida um bocadinho melhor. 2. A semana começou mal: mais de uma centena de pessoas feridas num acidente com um jetfoil que viajava de Macau para Hong Kong. O barco embateu num misterioso objecto, embateu com força, e aquilo foi sangue por todos os lados. As imagens que nos chegaram são feias – e mais feias são porque podíamos ser nós. Quando a desgraça nos é próxima, torna-se mais forte. Não foi o primeiro acidente com um jetfoil. Aqui há uns anos falou-se muito na necessidade de melhorar as condições de segurança dos barcos, mas o assunto caiu no esquecimento. Há jetfoils sem cintos de segurança. A maioria tem apoios para os braços feitos de metal. Há várias embarcações com bancos velhos, desconfortáveis, com as marcas de muitos corpos transportados. Não há cintos de segurança, nem sistemas pensados para o transporte de crianças – que pagam como gente grande assim que completam um ano de idade. Em caso de acidente, tudo isto conta. É diferente bater com a cabeça num bocado de ferro ou num pedaço de espuma. Sabemos bem que o empresariado da região não se distingue por ser generoso nas actividades que desempenha profissionalmente, apesar de haver algum gosto por uma certa filantropia com fins meramente mediáticos. Mas falta a generosidade para com aqueles que sustentam os negócios: de um modo geral, o carpinteiro poupa na espessura da madeira dos armários e nas camadas de verniz, o empreiteiro economiza nos metros de fio eléctrico e de tubos, a companhia aérea da terra resolve o problema do catering com umas bolachinhas oferecidas em troca de publicidade. A Shun Tak – a proprietária do acidentado jetfoil, com fortes interesses também no imobiliário – triplicou os lucros no ano passado, em relação a 2013. Não é propriamente uma pequena e média empresa com problemas financeiros. Mas é poupadinha nas condições que oferece aos seus clientes, depois de anos de monopólio, sem concorrência no transporte entre Macau e Hong Kong. Porque o empresariado de Macau não é generoso, o Governo tem de o obrigar a ser, pelo menos, cuidadoso: talvez tenha chegado a hora de termos barcos com melhores condições, para que, da próxima vez, em vez de sangue sejam só galos na testa.
André Ritchie Sorrindo Sempre VozesUm país, muitos sistemas [dropcap style=’circle’]E[/dropcap]stávamos na segunda metade dos anos 90 e não era, naqueles tempos, vulgar questionar-se o conceito do espaço Schengen, da moeda única e, enfim, todo o projecto europeu. Era tudo cor-de-rosa, fazia tudo sentido – qual crise económica, imigrantes do Leste ou refugiados Sírios. É nesse contexto que um sábio amigo meu, numa conversa sobre o futuro de Macau, diz-me assim: “numa altura em que na Europa abolimos as fronteiras e usufruímos da livre circulação, com Macau e Hong Kong a China vai criar fronteiras dentro do seu próprio país”. Essa observação, aparentemente simplista, tinha na verdade um significado bastante profundo. Possivelmente por essa razão tenha ficado bem guardada e fechada nas gavetas do meu pensamento para que, passados quase 20 anos, pudesse ser revisitada para uma nova reflexão num cenário completamente diferente e, então, inimaginável. O que vou contar passou-se recentemente. A história em si de piada tem pouco, mas merece ser contada pela extrema absurdidade da coisa e como testemunho das bizarras situações que podem ser criadas dentro de um país que decidiu ter dois sistemas. Éramos ao todo quatro colegas de serviço, a caminho de Zhuhai para uma reunião de trabalho. Foi tudo meticulosamente planeado e discutido com antecedência, nomeadamente a agenda da reunião e a língua a utilizar, que tivemos o cuidado de solicitar desde logo que fosse o cantonense, evitando assim qualquer tipo de desvantagem que o eventual uso do mandarim nos poderia trazer. Logisticamente, a minha assistente teve o cuidado de organizar o transporte para as Portas do Cerco, definindo rigorosamente as horas de partida, de regresso e os respectivos pontos de encontro, uma vez tratando-se da fronteira com o maior movimento em toda a China. Tínhamos acabado de chegar às Portas do Cerco e, para qualquer pessoa de fora que olhasse para nós, não havia nada de invulgar no nosso grupo que se resumia a quatro sujeitos locais, todos falantes de cantonense, fisicamente orientais, com feições bastante semelhantes até, e que, por algum motivo, vão juntos à China saindo de Macau – tal como os milhares à nossa volta que, todos os dias, atravessam a fronteira de forma afogosa. Só que afinal éramos todos diferentes. Quando nos aproximamos dos balcões da migração, subitamente apercebemo-nos de algo que fomos incapazes de antecipar: cada um de nós ia, afinal, utilizar uma combinação distinta de documentos de viagem para sair de Macau e entrar na China. O John (*), chinês natural de Macau, ia registar a sua saída com o BIR da RAEM e entrar na China com o wui heong cheng. (**) O Brian, chinês de Hong Kong (aliás Hong Kong Citizen, conforme gostam de se denominar) ia com o BIR da RAEHK e o wui heong cheng, respectivamente. Eu, maquista, tinha já na mão o BIR de Macau e o passaporte português com visto para a China de entradas múltiplas e prazo de dois anos. E agora o over the top: o Albert que, apesar de ser chinês originário de Hong Kong, e tão local como qualquer um de nós, é na verdade natural de Londres, Inglaterra. Para todos os efeitos, é cidadão das terras de Sua Majestade e, como tal, para ambos os territórios ia utilizar o único documento de viagem que possui para o efeito: o passaporte da Grã-Bretanha. Com a particularidade de que, para entrar na China, ia até estrear um visto novo com direito a… duas entradas apenas! Foi assim que no meio da típica confusão do primeiro andar do posto fronteiriço das Portas do Cerco, em que por alguma razão toda a gente atravessa a fronteira a correr – porventura com receio de uma eventual aparição do Coronel Mesquita liderando as tropas rumo à tomada do Passaleão – combinámos à pressa como ponto de encontro a zona logo à saída de Gongbei. E separámo-nos. Ora, o caríssimo leitor sabe muito bem o resultado dessas combinações feitas à pressa, pois certamente leu a edição anterior desta coluna em que me debrucei sobre a nossa abusiva dependência dos telemóveis para marcar encontros banais do dia-a-dia. Quando cheguei a Gongbei e ao nosso suposto ponto de encontro, estava lá apenas o John. Foi o primeiro a despachar-se por ser portador dos documentos mais vantajosos para essa viagem em particular. Se o destino fosse a Europa, eu seria certamente o primeiro a chegar. Ficámos então à espera dos outros dois que por alguma razão nunca mais apareciam. A dada altura veio um polícia que nos mandou embora, pois não podíamos permanecer ali parados à porta do posto fronteiriço de Gongbei. Pelo que descemos as escadas rolantes que dão acesso ao célebre centro comercial subterrâneo. O que aconteceu nos 20 minutos seguintes podia facilmente figurar num filme do Woody Allen. A simplicíssima tarefa de comunicar a mudança do ponto de encontro aos nossos colegas Brian e Albert acabou por se tornar num verdadeiro bicho-de-sete-cabeças. Excerto de diálogo entre o Brian e o John: John: “Olha, estamos no centro comercial à vossa espera. Onde andam vocês? Sabes do Albert?” Brian: “Eu já me despachei. O Albert, a última vez que o vi estava ainda na fila para foreigners… Centro comercial? Passei pelo centro comercial e não vos vi!” John: “Passaste pelo centro comercial e não nos viste? Desceste as escadas rolantes?” Brian: “Escadas rolantes? Não vi nenhuma escada rolante, estás na zona do tabaco duty free?” John: “Não! Isso não é o centro comercial! Mas onde estás tu afinal? Já atravessaste a fronteira?” Brian: “Estou numa praça e não vejo nenhuma escada rolante! Devo voltar para trás ou não? Passo pela migração outra vez?” John: “Fica aí onde estás! Manda-me uma foto e já te dou indicações!” Três minutos depois liga o Brian ao John: Brian: “Não consigo enviar a foto! Estou com problemas de rede! Há pouco o Albert ligou-me, teve problemas porque preencheu mal a ficha! Mas fiquei sem perceber onde estava porque a chamada caiu!” John: “Vai ao settings do telemóvel e liga o data roaming! Já deves estar com a rede da China! É por isso que não consegues enviar a foto!” Brian: “Roaming? Mas aqui já conta como roaming?” Depois de muitos telefonemas e finalmente reunidos, conseguimos ainda assim chegar ao local da reunião antes da hora. Pelo que decidimos ir tomar um café ao Starbucks para refrescar a cabeça e esquecer toda aquela desnecessária aventura transfronteiriça. Do nosso pedido de macchiatos, lattes e frapuccinos em que identificámos as bebidas em inglês, a funcionária ao balcão pediu-nos que repetíssemos tudo, apontando para uma lista inteiramente escrita em chinês. Pois isto de se misturar cantonense com inglês é comum em Macau e em Hong Kong, mas na China nem tanto. E ela não percebeu nada do nosso pedido. “OK… Alguém sabe como se diz frapuccino em chinês?” Naturalmente, viemos a ter a mesma dificuldade na nossa reunião. Felizmente, valeram-me os 12 anos em que trabalhei no Governo e aprendi a falar cantonense decentemente, comme il faut. Já os meus colegas não tiveram a mesma facilidade: habituados a misturar termos técnicos em inglês no meio do cantonense, em diversas ocasiões ficaram encravados. É de facto irónico, mas facilmente compreensível para quem conhece bem o nosso meio. Apesar de tudo, a reunião correu bem e entendemo-nos perfeitamente. E a chave da questão está aqui: entendemo-nos porque nos quisemos entender; e ambas as partes fizeram um esforço para se entenderem. Caríssimo leitor, raramente falo de política na minha coluna, mas hoje apetece-me afirmar com alguma firmeza que acredito verdadeiramente na fórmula “um país, dois sistemas”. Não me arrepia nem um pouco que dentro do mesmo país haja dois ou mais sistemas e uma grande heterogeneidade cultural entre as suas gentes. Não vejo de facto problema nenhum e certamente não é isso que me faz sair à rua com a bandeira do antigo Leal Senado na mão a reclamar de forma bacoca o que quer que seja. Estamos muito bem assim. E que venham outros 50 anos. Sorrindo Sempre Tanto build-up a antecipar a tão esperada conferência de imprensa da NASA, e afinal limitaram-se a anunciar – pela enésima vez – que existe água em Marte. Só que desta feita, dizem eles, apresentam provas irrefutáveis: imagens espectaculares que mostram muita coisa. Excepto o essencial, que se calhar todos queríamos ver: a água propriamente dita. Entre outros, a NASA demonstrou dominar a técnica do filme erótico-não-pornográfico, que mostra e não mostra. A comunidade científica ficou excitada. Eu também não. Sorrindo sempre. (*) Todos os nomes deste artigo são fictícios. (**) Salvo-conduto emitido pelas autoridades chinesas.
Leocardo VozesA Lei? O gato comeu… [dropcap style=’circle’]1[/dropcap])Decorreu no último fim-de-semana mais um Festival da Lusofonia, o Woodstock da comunidade portuguesa em Macau, que em termos do contexto do território onde está inserida, anda mais ou menos pela tabela do “Portuguese settlement” de Malaca – mas mais “chic”, com “c” na ponta. Assim tivemos as caipirinhas, que alguns “forasteiros” do universo da Lusofonia julgam ser a principal razão de ser do festival, uma amostra muito, mas mesmo muito simplista do que são os países onde se fala português, o palco com os concertos, o fumo do grelhador das febras a bater-nos nas ventas, o costume. Uma das atracções que vai ganhando mais destaque que os matraquilhos é o “muro das lamentações”. Sim, todos os anos crescem de tom as queixas por parte dos aficionados lusófonos que vão ali montar o estaminé, ora porque está tudo mais caro, o subsídio não chega para comprar os sacos do gelo, falta isto e aquilo, em suma, o primeiro directo para o Largo do Carmo na Taipa é uma autêntica purga que se faz dos obstáculos que a Lusofonia vai encontrando cada ano que passa . Mas também não consigo imaginar o que mais se podia dizer num directo destes, ou o que esperar para lá destes desabafos. Quem cantem uma morna ou dancem o samba? Assim por assim, fica-se pelo fado. E este ano a novidade do rol de pecadilhos até tem o seu ar de “perfídia” (fica assim, para se manter o nível semi-erudito): o Festival realizou-se pela primeira vez desde que entrou em vigor a lei do ruído, o que obrigou os luso-expositores a enxotar as luso-moscas e a fechar a luso-barraca às luso-onze horas. “Dura lex sed lex”, e o melhor mesmo é lusofonar baixinho, não vão incomodar os pintarroxos mandarins que estão acasalar no pântano anexo ao espaço onde se realiza o Festival. Ninguém ligou muito a este detalhe, e durante a maior parte do tempo todos comeram, beberam e divertiram-se à brava, e outra coisa não seria de esperar, mas ficou registado o facto, que causou algum desconforto inicial. Excesso de rigor? Talvez. Embirração? Possivelmente. Sacanice? Garantidamente. Um dia vamos aprender a ignorar a fobia, e antes aproveitar ao máximo a fonia. [quote_box_left]O Festival realizou-se pela primeira vez desde que entrou em vigor a lei do ruído, o que obrigou os luso-expositores a enxotar as luso-moscas e a fechar a luso-barraca às luso-onze horas. “Dura lex sed lex”, e o melhor mesmo é lusofonar baixinho, não vão incomodar os pintarroxos mandarins que estão acasalar no pântano”[/quote_box_left] 2) E já que estamos na onda do escrupuloso e rigoroso cumprimento da lei, queria falar de José Pereira Coutinho, e da sua candidatura às eleições legislativas portuguesas do último dia 4 de Outubro, concorrendo a um dos dois mandatos pelo círculo de Fora da Europa. Como é do conhecimento geral (e se não for também não tem importância), o candidato Coutinho não conseguiu ser eleito, ficando apenas ligeiramente aquém dos votos necessários, mas conseguiu causar um furor maior do que se tivesse garantido o lugar na Assembleia da República. Tudo porque o presidente da ATFPM é também deputado pela AL local, e especulava-se sobre uma eventual incompatibilidade de funções, pois no caso de ser eleito, Coutinho estaria a acumular as funções de legislador em duas jurisdições diferentes: Macau e Portugal. Mas alto lá, pois TECNICAMENTE a R.P. China é também uma jurisdição diferente de Macau, certo? Ai não, desculpem que estou aqui a falar “do que não sei”, portanto ignorem o disparate. O que sei é que devido improbabilidade de uma situação destas ocorrer, e ao carácter quase único de Macau, que neste particular só encontra paralelo com a outra RAE da China, que é Hong Kong, não existe nada que inviabilize as pretensões do dr. Pereira Coutinho. Não se colocou essa possibilidade, portanto existe um vazio legal, e é por isso que nem a justiça é infalível, filosofando um pouco para relativizar esta grande desgraça. O que se tem observado ultimamente, e com mais incidência depois de se saber que o candidato não foi eleito, e portanto não ia existir nenhuma incompatibilidade, é um arraial de “mocada no Coutinho” que só fica mal a quem o perpetra – e olhem lá que se trata de alguém com elevadas responsabilidades, e que convinha ser ponderado nas afirmações que profere. Se não está a fazer nada de ilegal, o que justifica o conteúdo acusatório que tem sido propalado, inclusivamente nos média, a não ser uma antipatia pelo candidato, e sobretudo por aquilo que é a sua linha de acção política? São perguntas retóricas, estas, pois sei muito bem a resposta: nenhuma, tal como a incompatibilidade que chegou a estar em cima da mesa. O problema é que fico na dúvida se estamos a levar a sério e a cumprir o que ficou estabelecido nos inúmeros compromissos disto e daquilo, e que só parecem servir na hora de aplicar o conteúdo do capítulo V da Lei Básica, o tal que garante um sistema económico livre, capitalista, ou sem mais floreados desses, onde não seja preciso prestar contas a mais ninguém. E aparentemente esse é também o princípio e o fim de todas as coisas, o sol à volta do qual giram todas as restantes valências do segundo sistema. Quanto aos “lusófonos” críticos da candidatura de Coutinho, alegadamente por motivos que têm a ver com a ética, a moral, os princípios da democracia e tudo mais, foi apenas disso que falaram, ou melhor dizendo, cacarejaram. Não conseguiram foi evitar espumar da boca e fumegar das orelhas, de tão ressabiados que estavam, com ar de pindéricos pidescos. Mas esses contam? Se for depois das 11 horas, é ruído, apenas.