André Ritchie Sorrindo Sempre VozesO português em Macau [dropcap style=’circle’]L[/dropcap]i com algum interesse o artigo neste jornal sobre a tese da doutoranda Vanessa Amaro que se debruçou sobre os padrões de comportamento dos portugueses em Macau. (*) Naturalmente, quando se faz um estudo dessa natureza não é de todo inesperado que os resultados obtidos desencadeiem discussões agrestes, conforme se constata no próprio website do Hoje Macau onde o dito artigo pode ser lido. Generalizar é sempre perigoso – mais ainda quando (1) o universo de inquiridos se limita a um pequeno grupo de 60 portugueses e (2) o público é incapaz de interpretar de forma devida os resultados do estudo. Não se pretende com esse comentário tirar mérito ao trabalho feito o qual, conforme acima referido, me despoletou curiosidade por se tratar de um tema bastante interessante. O importante, parece-me, é ter-se consciência de que se trata de um estudo assim talhado e que, por isso, não querendo colocar em causa os resultados obtidos e as conclusões tiradas pela autora, há que aceitar que logo ao virar da esquina poderemos encontrar um português aqui em Macau com um comportamento diametralmente oposto. Dito isso, vou deixar aqui algumas considerações sobre o que me pareceu mais intrigante, esclarecendo-se desde já que o faço apenas com base no artigo do jornal, cujas passagens vou transcrever. O carácter temporário “Uma coisa comum é que todos pensam Macau como uma coisa muito temporária (…), nunca compraram casa, não aprenderam chinês porque sempre tiveram a intenção de um dia ir embora.” Já estivemos pior – se é que se possa considerar o “carácter temporário” uma coisa má. O que é certo é que antes da transferência de soberania esse “carácter temporário” era muito mais forte pois o português vivia Macau num cenário de contagem decrescente. Contudo, as coisas estão a mudar. Frequentemente assisto a conversas entre pais portugueses sobre a educação dos filhos e preocupações com a língua chinesa, não descartando a possibilidade de um futuro em Macau. Não significa que se tenha descartado o “carácter temporário”. Quando muito, abandonou-se a ideia do regresso já agendado. É claro que existem sempre uns ilustres que assumidamente não gostam de cá estar, mas que aqui estão porque, enfim, não têm outra alternativa. Mas há também outros recém-chegados que gostam genuinamente de cá estar e não sentem necessidade de planear uma eventual saída. E isto para não falar daqueles que já aqui estão há uma data de anos, já se multiplicaram, e que não se conseguem imaginar a viver noutro sítio tão cedo. Alguns, mesmo já reformados, são incapazes de deixar Macau para sempre: passam umas temporadas cá e outros lá, vêm e vão conforme a saudade lhes aperta – seja ela em que sentido for. Rejeição do termo emigrante “Outro denominador comum é a recusa do termo emigrante para definir um português que vive em Macau, por ser pejorativo.” Esse comportamento não se restringe apenas aos portugueses. Em geral, muitos que aqui estão, portugueses ou não, preferem a expressão “expatriado”, precisamente para evitar o cunho negativo que a expressão “emigrante” traz consigo. No entanto, já me parece mais grave quando se lê no artigo que os portugueses em Macau poderão considerar “(…) uma ofensa colocá-los em pé de igualdade como outras comunidades, como os filipinos (…)” e que terá a ver com “(…) a necessidade de a comunidade se tentar posicionar como elite.” É um facto que alguns têm essa mentalidade da elite, talvez fruto de um certo orgulho ferido. Contudo, e curiosamente, é também após a transferência de poderes que se observa em Macau a presença de portugueses com condições de trabalho e formas de vida não muito diferentes das dos nossos amigos da comunidade filipina. Portanto, ainda que existam os tais com a mania da elite – e felizmente não serão muitos, seguramente uma minoria – há também outros que têm uma postura admiravelmente humilde. E finalmente: a bolha “(…) a bolha em que vivem alguns portugueses, que adoptaram a ideia de que podem fazer a sua vida sem ter de aprender chinês (…), fecham-se nos seus grupos e fazem toda a sua vida no circuito português.” A bolha existe sim. E a língua é o factor principal. Questionou-me um dia um amigo meu da faculdade, que já aqui esteve por duas vezes, por que razão não falam chinês os portugueses em Macau. Dizia ele – com razão – que o português que fixe residência em qualquer outro país que seja aprende sempre a falar a língua local. A minha resposta? Este é um assunto para ser tratado com pinças e não quero (voltar) a ser mal interpretado e, como tal, limito-me a dizer o seguinte: tive o privilégio de ser educado desde muito cedo a aceitar de forma objectiva a transferência de soberania. Por essa razão hoje, na qualidade de português de Macau e em Macau, vivo harmoniosamente na RAEM sem complexos. Há coisas que levam tempo a mudar – estamos a falar de uma alteração profunda de mentalidade. E, analisando bem as coisas, a RAEM existe há apenas 16 anos. É preciso dar tempo ao tempo. Sorrindo Sempre Voltou à carga o nosso amigo Roy Eric Xavier. Como se não bastasse a birra que fez no passado quando instituições locais lhe recusaram o apoio para um projecto pessoal, agora, por alguma razão, decidiu acusar os líderes da comunidade macaense de miopia cultural. (**) As bombas que o senhor doutor lança sazonalmente já se tornaram habituais e a malta até já encolhe os ombros. Tal como o cão do vizinho que ladra sempre que alguém passa por perto – era preferível que não ladrasse, mas como está fechado dentro de casa e atrás da porta, também já pouco nos importamos. Melhor de tudo continua a ser a sua definição de Macaense – o tal International Macanese – que, confesso, ainda hoje fui incapaz de compreender. E mais baralhado fiquei depois de ler as suas últimas declarações: os Macaenses são “(…) os portugueses euroasiáticos (…) nascidos em Macau ou os descendentes de portugueses euroasiáticos nascidos ou com ligações familiares a Portugal, Goa, Índia Ocidental, sul da China (…) Japão, Malásia, Indonésia ou Timor”. (***) Com definições assim, não admira o senhor doutor considerar os líderes da comunidade Macaense uns míopes culturais. Porque afinal o mundo está cheio de Macaenses – de Portugal a Timor e até mesmo no Japão, os porutugaru kei nihonjin são também Macaenses, a Tina Yuzuki é também Macaense – mas por alguma razão ninguém os reconhece como tal, ninguém os consegue ver. Mas, tal como os extra-terrestres que a pouco e pouco vão colonizando o planeta Terra sem nos apercebemos – they are out there. (*) Hoje Macau, edição de 29 de Fevereiro de 2016 (**) JTM, edição de 25 de Fevereiro de 2016 (***) JTM, edição de 1 de Março de 2016
Leocardo VozesPerguntaram a Jesus? [dropcap style=’circle’]O[/dropcap]último fim-de-semana marcou um retrocesso civilizacional em Portugal, com mais um acto de censura por parte da Igreja Católica, e a conivência do seu rebanho, que se diz “indignado”. Tudo por causa de um cartaz do Bloco de Esquerda, destinado a assinalar a aprovação no último dia 10 de Fevereiro da lei que permite a adopção por casais do mesmo sexo, um dos grandes cavalos de batalha do lobby “gay”, que com o pretexto da igualdade queria ver todos a usufruir dos mesmos direitos, sem distinção entre famílias convencionais e alternativas (é difícil escrever em linguagem de “igualdade”). No cartaz em causa aparecia uma imagem de Jesus Cristo do Sagrado Coração, e ao seu lado uma mensagem onde se lia “Jesus também tinha dois pais”, e em baixo em letras mais pequenas uma menção à lei aprovada, acompanhada da data. Só isto e mais nada. Confesso que sorri quando vi pela primeira vez o cartaz, não por maldade, e muito menos por o achar engraçado. A verdade é que não sei porque é que esgalhei aquele sorriso quase espontâneo, mas pode ter sido por instinto, feliz pelo país ter atingido um patamar do progresso em que coisas como estas já não deixam ninguém chocado, e que incidentes dignos do Index da Santa Inquisição, como a censura de uma obra daquele que viria a ser até agora o único Nobel português, ou a perseguição a um humorista por causa de uma rábula com a última Ceia, eram tudo coisas do passado. Infelizmente enganei-me, e quem quiser começar a contar a partir de sábado passado a última vez que algo de tão retrógrado aconteceu, não perca tempo, pois parece que não se aprendeu nada. Os católicos ficaram ofendidos, sim senhor, e vejam lá que até encaminharam para a Procuradoria Geral uma queixa com três mil assinaturas, acusando o Bloco de “blasfémia”, uma figura que em pleno século XXI consta do Código Penal. Compreendo que conste, aceita-se, mas o que se entende por “blasfémia”, que só consigo visualizar dita por um padre de olhos muito abertos segurando uma Bíblia na mão e acenando um crucifixo na outra urrando “blasfééémia… esconjuuurooo!”? Uma imagem que por incrível que pareça ainda faz sentido. A imagem não estava adulterada, mas mesmo assim houve quem alegasse que “as cores estavam mudadas” – algum fotófobo cristão com toda a certeza – e a mensagem era “sugestiva”, pois associava Jesus à adopção por casais do mesmo sexo. Deve ser aí que está a tal “blasfémia”, afinal. “Que nojo, casais do mesmo sexo”, terão eles pensado. Para não desviar as atenções do essencial, vou-me abster de mencionar o registo da Igreja com tudo o que tenha a ver com crianças, orfanatos e afins. Seria rebaixar-me ao nível de quem condenou e enxovalhou pessoas com base na sua orientação sexual, tentou a todo o custo privá-las dos mesmos direitos CIVIS, e ainda conseguiu que a tal lei fosse vetada uma vez, prolongado assim a angústia de quem tem a consciência de que isto partia de uma instituição que tem um historial de séculos de perseguições, tortura e execuções contra todos os que eram apenas diferentes. Gostava de saber se estes cristãos que se dizem ofendidos vão à missa, comungam e confessam os seus pecados, como qualquer bom cristão com moral para acusar alguém de blasfémia. Não? É exagero meu? Então certamente que se partilharem a sua vida com mais alguém (do sexo oposto, lógico) são casados, caso contrário vivem em “fornicação”. Não? A Igreja diz que sim, e no caso de virem a terem filhos, a lei civil dotou as crianças do mesmo estatuto de todas as outras que também não pediram para nascer. Para a Igreja continuam a ser “bastardos”. Não é um insulto, não, é mesmo isso que lhes chamam. O Bloco de Esquerda recuou na intenção de publicar o cartaz. Fez mal, e de ter ficado perto de fazer História, passou ao anedotário nacional, com as beatas de braço cruzado a bater com o pé e carantonhas medonhas a ralhar “vejam lá, ai que temos o caldo entornado”, em mais um postal muito nacional. O fundador do PS, Alberto Barros, veio defender a iniciativa, alegando ainda que “a blasfémia está na Bíblia”. De facto o cartaz não diz nenhuma mentira – tecnicamente, lá está. Eu entendi a ideia, agora quem vê naquilo algo de pérfido, ou a sugestão de que um dos três elementos ali mencionados tem alguma coisa a ver com a adopção por casais “gay”, tem uma imaginação fértil. E doentia. A discussão que veio depois, quer nas redes sociais, quer em artigos de opinião, mais pareciam o concurso “quem é o mais engraçadinho”, com a temática centrada em “quantos pais tem afinal Jesus”, e qual deles era o quê, um sem fim de inanidades que nem parecem vindas de gente que diz ter “fé”, algo que deve e merece ser respeitado, pois apesar de não carecer de fundamentação científica, é do desígnio de cada um – e o que tenho eu a ver com isso? Pior foi ler comentários do género “sou agnóstico, mas…”, mas nada, e se é agnóstico não tem nada que partilhar de uma indignação de que se desmarcou à partida. Outros ainda sugeriram “que se fizesse o mesmo com Maomé”, que como se sabe, diz-nos muito a nós, e anda sempre na nossa mente e nos nossos corações, e “iam ver o que acontecia”. Estes devem ser os mesmos que ainda há um ano “eram Charlie”. Sabem o que mais? Na altura achei aquilo uma bacoquice saloia, de um pedantismo gritante. Hoje vejo que tinha razão. No fim, e depois de mais uma decepção, chego à conclusão que ainda estamos muito atrás do que seria o ideal nesse princípio da separação entre a Igreja e o Estado, quando uma imagem inocente com aquela ainda fere sensibilidades a este ponto. Eu pessoalmente considero muito pior aquela em que Jesus aparece pregado, ensanguentado, com uma coroa de espinhos e um ar de quem se não está a divertir mesmo nada, mas esta é uma imagem “adorada” pelos mesmos católicos que se ofenderam com a outra. Se calhar era mais justo se perguntássemos a Jesus o que preferia: se ter dois pais, ou ser torturado em nome de quem insiste em não lhe atribuir qualidades humanas. E eles e a outros, para o bem e para o mal.
Fernando Eloy VozesO ouro da capital sem abrigo [dropcap style=’circle’]N[/dropcap]ão vou esconder o alívio que sinto por já ter passado mais uma gala dos homenzinhos dourados com nome de porteiro. Um momento conhecido por celebrar o cinema mas que, em boa verdade, tenho-a por ser precisamente o contrário. Um sinal dos tempos onde a rendição ao deleite dos brilhos é muito mais importante do que qualquer reflexão de conteúdo. Este ano, o ponto alto foi a não nomeação de actores negros, uma polémica que, sinceramente, apesar da minha ascendência africana, não subscrevo porque quotas só por que sim é coisa que me enerva. Para o ano sugiro uma polémica à volta da ordem de entrega dos galardões. Uma vez que começam dos menos importantes para os mais importantes, interrogo-me porque o de “melhor actor” é entregue depois do de “melhor actriz”. (Ema Watson, se estiveres a ler isto fica aqui a sugestão para 2017). Enfim, polémicas à parte, apesar dos milhões de caracteres que lhes são dedicados, das inúmeras páginas de jornal e da enormidade de tempo de antena que lhes são dedicados eu até podia passar ao lado do assunto, pois podia. Podia estar a escrever sobre outra coisa qualquer, pois podia. Mas gosto de cinema e estou farto de comportamentos ovinos. A questão não é quem ganha ou quem perde mas a quantidade dos quem sem esta marmelada de evento não passam, como os mosquitos não dispensam o brilho das luzes mesmo que o resultado desse fascínio seja o churrasco. Só por isso perdemos todos. A forma patética, a reverência e o quase fanatismo com que a festa da Academia de Beverly Hills é seguida, como se estivesse a anunciar alguma coisa realmente importante, como uma boa colheita, é no mínimo redutora. Perdem-se noites, tardes, dias a discutir sobre quem vai levar, ou deixar de levar o alienígena dourado para casa como se isso fosse realmente digno de nota. De uma forma benigna, poder-se-á dizer que a culpa é do cinema, do seu poder, um grande e importante poder, digo eu. Mas não é o cinema que está em causa aqui. Só de forma aparente, porque a realidade é que a cerimónia das estatuetas dos áureos carecas é apenas uma contingentação de mercado e, no limite, uma tentativa de asfixia do cinema e é isso que me desgosta em toda este assunto. O que este evento é, isso sim, é a força do marketing, e não a do cinema, porque o cinema não se reduz àquela meia dúzia de filmes que anualmente por ali desfilam. Concordo que a ideia que fica, claro, é que aquilo é o cinema todo porque é essa a ideia que as grandes produtoras norte-americanas precisam de passar. Para elas, o cinema começa e acaba naquela estrita selecção. Não que os filmes em presença sejam normalmente maus, ou normalmente bons, mas porque o esforço colocado na cerimónia dos homenzinhos carecas é apenas desenhado para condicionar toda uma produção mundial, pois os filmes que por ali não passam praticamente não existem em termos de mercado ou têm muito mais dificuldades em ser distribuídos. Em boa verdade, é o marketing no seu melhor, verdadeira lamparina de centenas de megawatts, porque promove e executa na perfeição a estratégia dos grandes estúdios. Ou seja, como grande parte dos filmes dão prejuízo, os estúdios necessitam de pelo menos um blockbuster no catálogo, de pelo menos uma nomeação, nem que seja para a “melhor maquilhagem”, para que pelo menos um dos chouriços da tábua se destaque da mole e assim possam pagar o prejuízo dos outros, que raramente são filmes independentes de qualidade mas sim produtos de enchimento de natureza duvidosa. Basta ver um canal de filmes… Como dizia Carlos Morais José, director deste jornal, numa entrevista recente à imprensa local, “os leitores são inventados pela literatura”, o que faz todo o sentido e parece-me perfeitamente possível de aplicar também ao cinema. Todavia, ao promovermos até à loucura este mito dos douradinhos da Academia temo pelos cinéfilos que esta alienação inventa. O cinema das carpetes vermelhas e dos vestidos faustosos (os brilhos) numa cidade que alberga umas das maiores populações de sem abrigo nos Estados Unidos, que já vai nos 44.000 segundo a New Yorker, ao citar a Los Angeles Homeless Services Authority. De positivo, apenas o facto de alguns dos premiados aproveitarem a massiva exposição mediática para levantarem assuntos realmente importantes como DiCaprio fez, e bem, ao alertar para o aquecimento global. O resto é um potencial churrasco de mosquito. Música da semana “Heroes” David Bowie I, I will be king And you, you will be queen Though nothing will drive them away We can beat them, just for one day We can be Heroes, just for one day And you, you can be mean And I, I’ll drink all the time ‘Cause we’re lovers, and that is a fact Yes we’re lovers, and that is that Though nothing, will keep us together We could steal time, just for one day We can be Heroes, for ever and ever What d’you say?
David Chan Macau Visto de Hong Kong VozesA sete chaves [dropcap style=’circle’]Q[/dropcap]uinta-feira passada, o website Yahoo de Hong Kong publicou uma notícia retirada de um artigo do jornal “Sing Tao newspaper”, onde se fazia saber que a Apple Inc. (Apple) se tinha recusado a criar um código de segurança universal para os Iphones5c., rejeitando a decisão do Tribunal que deliberara nesse sentido. O terrorista Syed Rizwan Facook, utilizou um Iphone5c no ataque de San Bernardino em 2015. O ataque aconteceu a 2 de Dezembro último e provocou 14 mortos e 22 feridos graves. No ataque participou também Tashfeen Malik, companheira de Syed Facook. Eram ambos islamitas sunitas. O casal fugiu após o tiroteio. Quatro horas mais tarde foram cercados pela polícia, acabando por ser mortos nos confrontos que se seguiram. O FBI desencadeou um processo de investigação. A 6 de Dezembro, quatro dias depois do ataque, Barack Obama anunciava que o ataque tinha sido um acto de terrorismo. No website Wikipedia podia ler-se, “… o FBI obteve uma ordem do Tribunal a exigir que a Apple criasse uma forma de os serviços secretos poderem contornar o controlo de segurança do Iphone usado por um dos terroristas envolvido no ataque e. poder aceder aos seus conteúdos. A Apple alegou que esta ordem representa um ataque às liberdades fundamentais que o governo deve defender.” A Apple ficou perante um dilema. Se, para ajudar na investigação, a Apple obedecer à ordem judicial, terá de criar uma nova versão do iOS, contornando várias especificações de segurança de extrema importância, para que venha a ser instalada neste iPhone. Mas, desta forma, esta nova versão pode ficar disponível. Ao contrário do “Yahoo”, do “Google” e do “Facebook”, cujas receitas advêm principalmente da publicidade, a Apple factura a partir da venda dos seus produtos. Se o público passar a desconfiar da segurança do Iphone5c, a imagem da empresa será afectada. O volume de vendas dos produtos da Apple pode vir a baixar. Embora o FBI garanta que só iria usar este programa nesta situação, a Apple mantem-se inflexível. Compreende-se facilmente que se este programa puder desbloquear o Iphone do terrorista, também pode ser usado para desbloquear qualquer outro. É colocar em risco a segurança da informação. Esta é mais uma razão pela qual a Apple se recusa a cumprir a ordem. Não há dúvida que a Apple está a proteger as liberdades e a privacidade do público, mas também está a ir contra uma ordem do Tribunal. Se a Apple mantiver esta posição, um dos seus responsáveis, por exemplo, o Presidente ou o Director Executivo, pode vir a ser preso. Também pode ser acusada de ignorar a segurança nacional. É como se fizesse vista grossa ao perigo que ameaça o país. Em última análise os consumidores poderão deixar de comprar produtos da Apple. Neste perspectiva os lucros da Apple também podem vir a baixar. O Iphone pode desempenhar várias funções. pode ser usado para enviar emails e mensagens, pode tirar fotografias e fazer vídeos. Fazendo o download de certas aplicações, como o Whatsapp e o Wechat, o Iphone pode ainda desempenhar outras tarefas. Sabemos que este litigio entre a Apple e o FBI se vai arrastar. Os recursos irão suceder-se até ao limite do possível. Podemos antever um processo com uma duração de três a cinco anos. A bem da investigação deste caso, seria preferível o FBI passar por cima da Apple e procurar a informação de que precisa noutras fontes. Por exemplo, vários repórteres chamaram a atenção para o facto de os terroristas terem publicado informações relacionadas com o ataque no Facebook. Também é possível que tenham usado uma conta do Yahoo para enviar e receber emails relacionados com este acto criminoso. A Apple pode não estar disposta a colaborar com o FBI, mas não quer dizer que as outras empresas não estejam. Como já referi, o Facebook e o Yahoo vão buscar a maior parte das suas receitas à publicidade, estas empresas não podem deixar de colaborar com o FBI. Se esta colaboração se vier a verificar, deixa de ser tão importante encontrar a “chave para abrir” o Iphone5c de Syed Rizwan Facook. Mas voltemos à litigação. A questão entre o FBI e a Apple é muito simples – como conciliar a segurança nacional com a liberdade e a privacidade da informação? Os cidadãos americanos não querem que o governo invada a sua privacidade, o que é compreensível. É também óbvio que a maioria das pessoas é pacífica. Não vão ver-se a braços com a justiça e, portanto, não querem que o governo tenha acesso aos seus dados. No entanto o Iphone5c de Syed Rizwan Facook, guarda os dados pessoais de… Syed Rizwan Facook. Poderá o FBI aceder à informação armazenada no Iphone5c de Syed Rizwan Facook, só porque ele é terrorista? Este caso é excepção? Ao analisar os factos, o Tribunal vai ter de responder a estas questões. Se o FBI ganhar, a Apple será obrigada a colaborar. Deixa de ser apenas uma ordem para desbloquear um Iphone. Para equilibrar as exigências da segurança nacional com as da defesa das liberdades e da privacidade da informação, o Tribunal pode pedir ao FBI que prove que Syed Rizwan Facook usou o Iphone5c no ataque. Se o Iphone5c tiver sido um instrumento usado para cometer um crime, então o Tribunal pode pedir a “chave para abrir” o Iphone5c. A ordem não é incondicional. * Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau
Jorge Rodrigues Simão Perspectivas VozesA China entre o optimismo e a retracção “Industrialization is necessary. But if this industrialization is connected with the new global division of labor, China will bear a greater cost compared with traditional industrialization in terms of the exhaustion of energy resources, the exploitation of cheap labor, damage to the environment and the loss of labor protections.” China’s Twentieth Century: Revolution, Retreat and the Road to Equality Wang Hui O mundo divide-se entre optimistas e pessimistas e alguns países são extremamente optimistas sobre o futuro da humanidade, e outros crêem que estamos praticamente condenados. Alguns países têm as melhores e as piores expectativas no que diz respeito ao futuro da humanidade. A sondagem realizada pela “YouGov”, e cujo relatório foi publicado, a 20 de Janeiro de 2016, inquiriu mais de dezoito mil pessoas, revelando que entre os dezassete países estudados, a China é o país mais optimista do mundo, tendo mais de 40 por cento de cibernautas chineses, afirmado que o mundo está cada vez melhor em termos gerais, quase o dobro que o segundo país mais optimista, a Indonésia. A percentagem de optimistas na China representa quatro vezes a média mundial que é de 10 por cento. Os países mais pessimistas do mundo são a França, Hong Kong, Austrália e Tailândia. O mundo, em geral, está equilibrado, uma vez que a sondagem mostra que 50 por cento da população mundial, é pessimista relativamente ao seu futuro. O relatório ressalta o facto de que não parece existir uma relação, ou uma muito pequena, entre o PIB e o optimismo. Os Estados Unidos são mais ricos que o Reino Unido, com um PIB de cinquenta e três, e quarenta e dois mil dólares, respectivamente, apesar de se encontrarem empatados quanto ao pessimismo. A Austrália, por outro lado, possui um PIB “per capita”, vinte vezes maior que o segundo país mais optimista. A grande diferença da China para com os restantes países, pode dever-se ao facto, de que tem um crescimento económico muito alto, em comparação com o resto do mundo, e dá prioridade ao seu sistema de saúde. A combinação facilita a realização de objectivos pessoais que podem contribuir para o optimismo dos asiáticos. O ser pessimista a respeito do futuro da humanidade, parece ser algo lógico, sobretudo, em França devido aos ataques terroristas que sofreu, e em particular, no respeitante aos problemas climáticos e às ameaças que se prevêem para os próximos anos. Todavia, alguns dados, permitem interrogar o pessimismo, e a ONU deu a conhecer que em 2012 a pobreza reduziu para 12,7 por cento, quando em 1981 era quatro vezes superior, ainda que existam oitocentos milhões de pessoas que passam fome e que no inicio do milénio, cerca de trinta e quatro milhões de crianças tiveram acesso ao sistema educativo, em parte, devido ao facto de muitos países terem conseguido atingir os “Objectivos de Desenvolvimento do Milénio”, promovido pela ONU. As previsões do crescimento mundial não são tão optimistas, pois é atenuada a procura. O crescimento mundial, que as previsões actuais situam em 3,1 por cento para 2015, alcançaria 3,4 por cento em 2016 e 3,6 por cento em 2017. É de prever que a recuperação da actividade mundial será mais gradual que o previsto nas das “Perspectivas da Economia Mundial -World Economic Outlook Report”, de Outubro de 2015, do Fundo Monetário Internacional, especialmente no caso das economias de mercados emergentes e em desenvolvimento. É de prever que as economias avançadas, continuem a recuperar-se de forma moderada e desigual, e que as diferenças dos seus produtos continuem a reduzir-se gradualmente. O cenário das economias de mercados emergentes e em desenvolvimento é diverso, mas em muitos casos, coloca desafios. A desaceleração e o reequilíbrio da economia Chinesa, a queda dos preços das matérias-primas e as pressões a que se encontram submetidas as principais economias de mercados emergentes, continuarão a constranger as perspectivas de crescimento em 2016 e 2017. A retoma do crescimento projectado para os próximos dois anos, apesar da desaceleração que está a sofrer a China, reflecte principalmente um prognóstico de melhoria gradual das taxas de crescimento dos países que estão a sofrer pressões económicas, especialmente o Brasil, Rússia e alguns países do Médio Oriente, ainda que, que tal recuperação parcial projectada, poderá fracassar por novos choques económicos e políticos. Os riscos para as perspectivas mundiais continuam a tender para a diminuição, e estão relacionados com os ajustes que se estão a dar na economia mundial, como a desaceleração generalizada das economias de mercados emergentes, o reequilíbrio da economia chinesa, a queda dos preços das matérias-primas e a retirada gradual das condições monetárias extraordinariamente acomodatícias nos Estados Unidos. Se estes desafios essenciais não forem geridos adequadamente, o crescimento mundial descarrilará. A actividade económica internacional manteve o abrandamento, em 2015. As economias dos mercados emergentes e em desenvolvimento, apesar de contribuírem com mais de 70 por cento para o crescimento mundial, desaceleraram pelo quinto ano consecutivo, tendo as economias avançadas continuado a registar uma ligeira recuperação. As perspectivas mundiais continuam a ser determinadas por tês rotas críticas, como a desaceleração e reequilíbrio gradual da actividade económica da China, que se está a afastar do investimento e da manufactura, direccionando-se ao consumo e serviços, a redução dos preços da energia e de outras matérias-primas, e o endurecimento gradual da política monetária dos Estados Unidos, no contexto de uma resiliente recuperação económica, no momento em que os bancos centrais de outras importantes economias avançadas, continuam a relaxar a política monetária. O crescimento global da China, em geral, está a evoluir, ainda que as importações e as exportações estejam a reduzir com maior rapidez do que se esperava, em parte como consequência da contracção do investimento e da actividade manufactureira. Esta situação, adicionada às inquietações do mercado em torno do futuro desempenho da economia chinesa, está a criar o efeito de contágio a outras economias através das vias comerciais, e da queda dos preços das matérias-primas, assim como, devido a uma menor confiança e um aumento da volatilidade dos mercados financeiros. A actividade manufactureira e o comércio continuam a ser débeis em todo o mundo, devido não apenas à situação da China, mas também à fraqueza da procura mundial e do investimento a nível mais alargado, e especialmente, a contracção do investimento nas indústrias extractivas. A queda violenta das importações num conjunto de economias de mercados emergentes e em desenvolvimento a sofrer pressões económicas, também, estão a afectar negativamente o comércio mundial. Os preços do petróleo têm vindo a sofrer uma considerável redução desde Setembro de 2015, devido à expectativa de que continuaria a aumentar a produção, por parte dos membros da “Organização de Países Exportadores de Petróleo (OPEP) ”, dentro de um contexto no qual, a produção mundial de petróleo continua a superar o consumo. Os mercados de futuros, neste momento, apontam para aumentos leves dos preços, em 2016 e 2017. Os preços de outras matérias-primas, especialmente os metais, também diminuíram. A queda dos preços de petróleo está a exercer pressão nos saldos fiscais dos exportadores de combustíveis, e está a turvar as suas perspectivas de crescimento, e ao mesmo tempo, a suportar a procura de habitações e a fazer diminuir o custo comercial da energia nos países importadores, especialmente nas economias avançadas, onde os utilizadores finais beneficiam inteiramente deste embaratecimento. A descida dos preços do petróleo, impulsionado por um aumento da oferta, deveria suportar a procura mundial, uma vez que os importadores de petróleo têm uma maior tendência ao consumo que os exportadores, e nas circunstâncias actuais, existem vários factores que têm reduzido o impacto positivo da queda dos preços de petróleo. É de ter em consideração, como consequência das pressões financeiras que estão a viver muitos exportadores de petróleo, tem uma menor margem para amortecer o choque, o qual contém uma contradição substancial da procura interna. O embaratecimento do petróleo tem produzido um notável impacto no investimento na extracção de petróleo e gás, o qual também, tem afectado a procura agregada mundial. A retoma do consumo dos importadores de petróleo, tem sido menor do que se esperava, tendo em conta outros acontecimentos de quedas de preço no passado, possivelmente, devido a que algumas dessas economias, ainda se encontrem em processo de desendividamento. É possível que em várias economias de mercados emergentes e em desenvolvimento, a transmissão do embaratecimento aos consumidores tenha sido limitada. A distensão da política monetária, em geral, empreendida pela zona euro e Japão contínua, enquanto a Reserva Federal dos Estados Unidos, subiu a taxa de juros dos fundos federais, que durante sete anos, e até Dezembro de 2015, se tinha mantido em quase zero, para sustentar a recuperação. As condições financeiras, em geral, continuam a ser muito acomodatícias nas economias avançadas. As perspectivas de um aumento gradual das taxas de juros, como evolução da estratégia de política monetária nos Estados Unidos, assim como estrépitos da volatilidade financeira num contexto marcado pelas inquietações, à volta do futuro crescimento dos mercados emergentes, têm contribuído para condições financeiras externas mais restritivas, menores fluxos de capital e novas depreciações das moedas de muitas economias de mercados emergentes. O nível geral da inflação moveu-se lateralmente na maioria dos países, em termos amplos, sendo provável que desça, tendo em conta que as novas quedas dos preços das matérias-primas e a fragilidade da manufactura mundial que estão a exercer pressão sobre os preços dos bens negociados. As taxas de inflação subjacente mantêm-se muito abaixo dos objectivos das economias avançadas. A evolução desigual da inflação nas economias de mercados emergentes reflecte, por um lado, as implicações de uma procura interna débil e da queda dos preços das matérias-primas e, por outro lado, as pronunciadas depreciações cambiais ocorridas no curso do ano de 2015. O crescimento nas economias avançadas aumentaria 0,2 por cento em 2016, a 2,1 por cento, e manter-se-ia sem alterações em 2017. A actividade global conserva a robustez nos Estados Unidos, graças a condições financeiras que ainda são favoráveis e ao fortalecimento do mercado imobiliário e do trabalho. A fortaleza do dólar está a sobrecarregar a actividade manufactureira, e o recuo dos preços do petróleo está a travar o investimento em estruturas e equipamentos de mineração. O fortalecimento do consumo privado, na zona euro, estimulado pelo embaratecimento do petróleo e as condições financeiras favoráveis, está a compensar a fragilidade das exportações líquidas. É de acreditar no crescimento do Japão em 2016, por força do suporte fiscal, queda dos preços de petróleo, condições financeiras acomodatícias e aumento das receitas. O crescimento das economias de mercados emergentes e em desenvolvimento, aumentará de 4 por cento em 2015, o nível mais baixo desde a crise financeira de 2008 a 2009, a 4,3 por cento, e 4, 7 por cento em 2016 e 2017, respectivamente. É de prever que o crescimento da China diminua para 6,3 por cento em 2016, e 6 por cento em 2017, devido ao crescimento baixo do investimento, à medida que a economia continua a reequilibrar-se. A Índia e as restantes das economias emergentes da Ásia terão uma continuação do crescimento robusto, ainda que alguns países, venham a enfrentar fortes ventos contrários, criados pelo reequilíbrio da economia chinesa e a fragilidade da indústria manufactureira mundial. Assim, dar-se-á uma desaceleração mais marcada do que o esperado, enquanto a China, leva a cabo a transição necessária para um crescimento mais equilibrado, com maiores efeitos de contágio internacional por via do comércio, os preços das matérias-primas, confiança, e os efeitos consequentes nos mercados financeiros internacionais e de valorização das moedas.
Paul Chan Wai Chi Um Grito no Deserto VozesIntenções duvidosas Um acontecimento político ocasional não consegue verdadeiramente congregar os partidos e associações que o integram, já que cada grupo tende a desconfiar das intenções dos restantes. Quanto mais significativas forem as alterações registadas na cena politica, maior tendência terão os partidos para “dançar conforme a música”, num jogo óbvio de namoro ao poder. Toda a gente sabe que os factos históricos têm sido, desde sempre, intencionalmente distorcidos. A História contada pelos vencedores é sempre manipulada a seu favor, não deixando lugar à existência de outras interpretações. O Poder teme que a mais pequena centelha possa causar um incêndio. Quem persistir em defender os seus ideais, e não quiser colaborar com a “situação”, acaba por ser empurrado para fora do barco até porque, hoje em dia, o patriotismo já foi “privatizado”. Vivemos uma era sem monarquias absolutas, mas também vivemos o período mais autocrático de sempre. É, no entanto, hora de despertar as consciências, hora de agir e lutar por uma democracia que tanto tem custado a conquistar. Ninguém até agora abdicou facilmente do Poder, porque o Poder implica dinheiro, estatuto, influência e o mais variado tipo de regalias. Qualquer coisa que lembra “O Triunfo dos Porcos” de George Orwell, está a tomar forma por esse mundo fora, em nome dos mais variados “ismos”. As pessoas assemelham-se cada vez mais aos pais do protagonista do filme de animação japonês “Spirited Away”, que se empanturravam até não poder mais, ao ponto de parecerem porcos prontos para a matança. Os que estão agarrados ao poder, ou os que ignoram totalmente o sofrimento de quem vive abaixo da linha da pobreza, todos os dias recebem louvores na imprensa. Ninguém está interessado em perceber as causas da pobreza sistemática e das dificuldades permanentes de tantos milhões de seres humanos, quando está a sondar o mercado para comprar um apartamento. É muito mais fácil deixar ao abandono lotes de terreno do que construir, até porque a erva daninha está baratíssima se comparamos com as despesas de uma família normal. Quando a pressão exercida pela lava na crosta da Terra não pára de aumentar, os vulcões sofrem erupções e os terramotos acontecem. Quando os edifícios construídos com materiais deficitários se cruzam com um terramoto, caem inevitavelmente. Se queremos evitar as tragédias, temos de eliminar os riscos. Infelizmente, existem precedentes históricos que nos mostram ser habitual culpar as vítimas pelas consequências das calamidades. A seguir ao grande incêndio de Roma, Nero não criou uma Comissão de Inquérito Independente e declarou que os cristãos tinham sido os responsáveis. Na “Noite dos Cristais” do Reich (Reichskristallnacht) em Munique, os judeus foram as vítimas. O mais certo é também não ter sido criada nenhuma Comissão de Inquérito para apurar a identidade dos culpados. Sobre os confrontos entre a polícia e os manifestantes, ocorridos no primeiro dia do Ano Novo Chinês em Hong Kong, os noticiários oficiais declararam que nenhum dos vendedores ambulantes tinha sido formalmente acusado. Antes pelo contrário, os detidos encontram-se entre o grupo de pessoas que se mobilizaram via internet para apoiar a causa dos vendedores ambulantes e organizaram este suposto “motim”. Afirmar que os Serviços de Informação da Polícia não conseguiram ser eficazes e reunir material relevante sobre esta “mobilização de massas”, seria um insulto à competência da Polícia e ao bom senso dos cidadãos. Em 2015, na altura do movimento “Occupy Central”, todos os participantes foram identificados e listados. Podem sofrer restrições se quiserem visitar a China continental ou apenas dar um salto a Macau. É natural que, como quase meio milhão de habitantes de Hong Kong protestou contra a implementação de leis criadas a partir do Artigo 23 da Lei de Bases de Hong Kong, a China continental tenha passado a prestar particular atenção às questões políticas da região e que esteja muito bem informada sobre os movimentos de oposição em Hong Kong. O Governo Central poderá saber mais sobre estes movimentos do que os seus próprios membros. Em qualquer jogo de xadrez, seja chinês ou ocidental, as peças mais numerosas são os peões. Existe um ditado chinês que reza o seguinte: “o soldado que atravessou o rio não tem forma de voltar atrás”. Os agentes da polícia que cumpriram as ordens dos seus superiores, são obviamente seres humanos com sentimentos, como qualquer outro cidadão, manifestante ou agitador. É, portanto, indispensável que, quer a vida, quer os direitos, de todas as pessoas sejam respeitados. Um certo intelectual de Hong Kong escreveu uma história sobre formigas. Umas eram vermelhas e outras pretas e, por causa de terem sido instigadas, envolveram-se numa grande luta. Embora os seres humanos sejam superiores às formigas, não conseguiram impedir que se disparasse o primeiro tiro em Sarajevo, que conduziu à I Guerra Mundial. Será esta a tragédia da Humanidade, ou antes um destino urdido por esquemas e intrigas que tecemos uns contra os outros?
Leocardo VozesCom o recto correcto [dropcap style=’circle’]S[/dropcap]e por acaso passou do título e chegou aqui, gostaria de pedir alguns minutos do seu tempo. Não porque lhe queira vender nada, e não ando carente de atenção, mas porque isto lhe pode interessar, e só pretendo contribuir com algumas observações que podem ser úteis, e mesmo que as rejeite, pode muito bem guardar lá no fundo da caixa de ponderação. Caixa de quê? Leu bem, pois se esperava a de Pandora, ei-la na forma mais insuspeita de se revelar: o “politicamente correcto”. Isto explica mais ou menos o trocadilho no título da peça, mas garanto que é mesmo um assunto sério. Ao contrário do que muita gente pensa, o “politicamente correcto” não é um termo originalmente português, nem um exclusivo da Política e dos políticos, e nem sequer lhes pertence a parte de leão (e se vermos o que para ali vai, ui…). Este “politicamente” é uma tradução do original em inglês “politically”, que tem um sentido muito mais abrangente, e tem a ver com toda a gente, políticos, sociedade civil, todos que partilhem da mesma vontade, indiferentes a critérios segregacionistas, com a cor da pele, origem, religião, língua ou cultura, e do pobre mendigo ao exmo. Vichyssoise da República, todos somos “políticos” da nossa vontade, e dotados de julgamento pessoal e individualizado. Sendo assim, existem outras variantes desta noção, como são casos o esteticamente correcto, o verbalmente correcto, e por aí fora, e sempre com o mesmo denominador: o “correcto”. A este ponto gostaria de perguntar se é normal em alguma circunstância deixar de considerar o “correcto”…correcto? E se vos disser que o “correcto” pode ser apontado como razão para o nosso insucesso? Se optar pelo “correcto”, faço mal? Qual é a alternativa? Vou passar a elaborar. Pode ser que identifiquem o caso que vou falar a seguir e que ocorreu há algumas semanas em Portugal, por isso não vale a pena ocultar a figura em questão, a Ministra da Justiça, ficando a identidade fora da equação, pelo menos por agora. Portanto a Ministra da Justiça de Portugal anunciou que o executivo ia tomar uma medida para reduzir a sobrelotação nas cadeias portuguesas, um problema que mesmo que não se esteja por dentro da actualidade, nunca terá um lado que nos possa ser interpretado como “positivo”, mesmo que não nos diga respeito directamente – ser preso não é uma coisa “impossível” de acontecer seja a quem for. Mas pronto, se tanto se pensa na morte, que nada tem de “correcto”, porque não mudar de cenário? Assim, a medida de coação a aplicar nos casos em que se aplicam os requisitos que determinam a prisão preventiva, e mais à frente vamos ver quais são, será o uso de uma pulseira electrónica, medida já aplicada em alguns casos de justiça criminal em Portugal, nomeadamente com os crimes económicos, e praticamente qualquer crime que não o de sangue. Isto entende-se, no geral. Agora imaginem que esta notícia vos era apresentada desta forma: “Ministra da Justiça quer deixar criminosos à solta, permitindo que fiquem em casa com pulseira electrónica. Criminosos, como sabemos, são pessoas que praticam violação, roubos e homicídio”. Parece resumido, e não é mentira, certo? E de facto, para quê tantos rodeios, se um crime é um crime, e quando são praticados os seus autores não fazem distinção das vítimas, ou lhes deixam escolher seja o que for, não é assim? Não, não é, e todo este raciocínio é minado de preconceito e ódio, e para que seja também um crime, basta “colorir” os autores de violação, roubo, e homicídio. A propósito , a tal ministra que referi é angolana de origem, o que implica também que é preta, e não foi preciso muito mais para que se lesse na medida que propôs aplicar intenções que nem ao Diabo lembrava. Agora preparem-se para o pior: o meu discurso é para estas pessoas que seguem o raciocínio que apresentei, “politicamente correcto”. E isso “tem sido um entrave à liberdade de expressão”, pois à custa de manter o “politicamente correcto”, não é permitido “dizer as verdades”. Muito bem, e qual é a única verdade em toda essa dissertação? Que a Ministra da Justiça de Portugal é angolana e preta, talvez. Todo o resto assenta num pressuposto que não é mais que uma “desonestidade intelectual”. Nem tudo o que é ilegal é um crime, e estes últimos APENAS constam no Código Penal em vigor, e aí inclui-se violação, roubo, e homicídio, definidos como “crime público”, ou seja, “crime contra a sociedade”. Os requisitos da prisão preventiva incluem a possibilidade de continuidade da actividade criminosa, a fuga, ou a destruição de provas. Não me parece que a medida foi feita a pensar num violador ou um homicida, e nesse caso as vítimas dos mesmos teriam toda a legitimidade para protestar o que seria um insulto – não tanto se após o caso ficar transitado em julgado não se provar a autoria do crime, e pouco importa o que pensa seja quem for, aquela pessoa não é um “criminoso”. Não fui afectado pelo escândalo que envolveu o BPN, mas consigo entender a angústia dos lesados e o ressentimento com o principal responsável pela gestão ruinosa das suas poupanças, mas serão reembolsados caso o banqueiro suspeito de fraude dormir a dois metros de um sanitário que partilha com mais três pessoas? Se for provada a sua culpa e condenado a prisão efectiva, não vai cumprir a pena com a pulseira no braço ou no calcanhar, método que mesmo assim de menos humilhante só tem mesmo o facto de ficar em casa – muito menos humilhante, e agora pergunto eu: é mesmo necessário que toda a gente passe pela prisão, mesmo que não seja um homicida, violador ou reconhecido autor de roubo, que aqui insinua o uso de arma /ou o recurso à violência? Outro caso teve a ver com um nosso conhecido, um jornalista que já passou aqui por Macau, e cujo nome pouco importa perante a falta de que foi acusado. Este caso reporta-se ao ano passado, após as eleições legislativas, e durante uma reportagem sobre dois deputados estreantes, o jornalista referiu-se a um deles na versão feminina do seu nome, dando de seguida uma risada com gosto. O referido deputado é homossexual, e aparentemente não tem com o profissional da imprensa qualquer tipo de relação que justificasse ser o alvo daquela piada, transmitida para o mundo inteiro através do Telejornal da RTPi. O visado apresentou uma queixa, mas o conselho da estação pública de televisão julgou-a improcedente, não isentando mesmo assim o profissional de apresentar um pedido de desculpas formal, e certamente que não se vai querer meter noutra igual. Não merecia um castigo pesado, na minha humilde opinião, mas não sou o deputado em questão nem homossexual para saber o que sentem estas pessoas quando acontecem situações como esta. Há quem prefira analisar isto de um outro prisma, o da “liberdade de expressão”, para branquear a provocação do jornalista, e acusar o “politicamente correcto” de silenciar aquilo que diz ser “a verdade”. Têm todo o direito à sua opinião, esses fascistas ressabiados, meninos de coiro, nazis e outros chicos-espertos que tomam toda a gente por parva (vejam que “agradável”), querendo culpar o correcto pela sua ideia completamente desviada dos valores que a democracia e a liberdade nos deviam ter incutido. No meu conceito de politicamente correcto não há criminosos por suspeita, fulano é tratado pelo nome, sem acrescentar seja o que for que a apenas a ele diga respeito, e não interessa a cor das ministras. E de você, o que posso esperar?
Fernando Eloy VozesMudar a Cassete [dropcap style=’circle’]P[/dropcap]egando nas palavras de José Tavares quando recentemente falava a este jornal sobre desporto, uso-as agora para me referir à nova administração do IACM que o próprio irá encabeçar, na esperança de fazer uma contribuição positiva e de que aquela venha a seguir um pensamento renovador para o Leal Senado, como o seu líder o anunciava para o Desporto. Vem a este propósito o trânsito caótico da cidade e um velho postulado cientifico datado dos anos 60, conhecido por “procura induzida”. Basicamente, este princípio, explicado em 1969 pelo Eng. de estradas britânico John Leeming, quando aplicado ao trânsito rodoviário, diz que “quanto mais estradas, mais carros”. A ideia é a de que novas vias atraem não só os que já conduziam, mas também os que acham o novo percurso mais apelativo, outros que não conduziam mas agora acham uma boa ideia, e outros ainda que vêem na nova rota uma oportunidade para irem às compras. Naturalmente, a nossa espécie tem o vício da movimentação e quanto maiores as possibilidades para o fazermos, mais o faremos daí que, à primeira vista, faça todo o sentido promover o aparecimento de mais estradas. No limite, acelerarmos a economia e o tal do desenvolvimento. A questão é que se criarmos formas alternativas de movimentação esse problema também pode ser resolvido, a nossa qualidade de vida não se deteriora e, em casos de dimensões mínimas como Macau, parece óbvia a necessidade de mudar a cassete e pensar em começar a encerrar estradas; a Almeida Ribeiro, por exemplo, ou a Rua da Felicidade, ambas eu fecharia já! E se não ‘já’ muito em breve. É claro que muita gente iria protestar (faz parte do governar) mas os resultados apareceriam mais depressa do que as pessoas julgam, até porque lugares maiores como Paris, Florença, São Francisco ou Seul também o fizeram e não voltaram atrás. Portugal também está na mesma linha de pensamento com várias alterações previstas para a Segunda Circular e outros pontos da cidade e Paris tem vindo a desenvolver nas últimas décadas uma política sistemática de redução dos espaços para automóveis; em São Francisco foi removida uma secção de uma auto-estrada que transportava cerca de 100,000 automóveis por dia em 1989. A avenida que a substituiu, a Octavia Boulevard, hoje transporta apenas 45,000 carros por dia e o trânsito move-se; em Florença, inibe-se fortemente o trânsito automóvel no centro histórico da cidade e promove-se as ciclovias, mas será na Coreia, em Seul, que poderá ter acontecido o resultado mais espectacular desta política de redução de vias: uma auto-estrada considerada artéria vital, e que transportava 168,000 carros por dia, foi substituída por um rio, parques e algumas ruas menores, o trânsito não piorou e os índices de poluição baixaram drasticamente. A Almeida Ribeiro no seu conjunto com a Rua da Felicidade e ruelas adjacentes não dariam um excelente passeio público? Não será essa uma das soluções para resolver o problema de aglomeração de pessoas no centro histórico? E a Rua do Campo? Ui! Se me deixassem mexer nos bulldozers… É claro que sempre que uma cidade pretende acabar com estradas, os residentes esperneiam, gritam e chamam nomes a toda a gente mas depois a experiência prova-os errados. A essa conclusão chegaram também as autoridades rodoviárias de Los Angeles ao salientarem um estudo desenvolvido pela investigadora Susan Handy da Universidade da Califórnia onde se afirma que: “existem evidências óbvias de ‘procura induzida’”; “mais estradas significam mais trânsito no curto e no longo prazo” e que “a maior parte do trânsito é novo”; Macau, já o disse antes, pela sua dimensão e afluência, tem uma oportunidade única para criar uma cidade exemplar, sustentável, agradável para viver e visitar e a resolução do caos rodoviário, que passa por uma nova forma de ver e viver a cidade, estará intimamente ligada a esse processo. Num momento em que a própria China anuncia medidas de contenção da poluição atmosférica e se esforça por cumprir os acordos de Paris de mudanças climáticas, Macau e esta nova administração do IACM têm a grande oportunidade de mostrarem à China, e ao mundo, de que somos capazes de mudar a cassete, de pensar moderno e de trazer para a China soluções inovadoras como o foi o nosso apanágio no passado, porque é esse o nosso legado. Tendo em conta o passado desportivo de José Tavares estou convicto que ele vai olhar para as ruas e ver vias de bicicletas, circuitos pedonais e a maratona a passar pelo centro histórico. Acho até que ele verá com muita facilidade um Dia Sem Carros e estações públicas de bicicletas. Por isso, espero sinceramente que a nova administração venha com uma nova cassete, com um tom desportivo e jovial e com a visão necessária para ver mais além e devolver a cidade às pessoas. Já agora que a cassete também traga novas músicas como a “Balada das Esplanadas”, há tanto arredadas da nossa vida, esse património inexplorado e desprotegido… E desejo boa sorte, também, porque malhar em ferro frio concordo que é um desporto difícil. Mas há que aquecê-lo… Música da Semana David Bowie – “Dancing in the Street” “(…) Calling out around the world Are you ready for a brand new beat Summer’s here and the time is right For dancing in the streets They’re dancing in Chicago Down in New Orleans In New York City All we need is music, sweet music There’ll be music everywhere They’ll be swinging, swaying, records playing Dancing in the street, oh It doesn’t matter what you wear, just as long as you are there (…)”
Tânia dos Santos Sexanálise VozesVício [dropcap style=’circle’]I[/dropcap]maginem aqueles momentos mágicos. Momentos de um romantismo desproporcional à vida real. Coisas que só se vêm em filmes, mas que acontecem, todos nós já ouvimos histórias destas. O destino fez com que se encontrassem de novo, depois de uma breve troca de palavras no metro. Ela não tinha dinheiro trocado para pagar o bilhete, ele dá-lhe o que ela precisa, tudo será melhor do que ser apanhada sem bilhete por revisores. Exactamente uma semana depois ela vê-o a passear pela baixa da cidade. A consciência fez com que ela pagasse o dinheiro de volta, e, aí, falaram. A partir desse momento o mais semelhante será pensar no enredo do filme Before Sunrise. Ele ia-se embora em breve e ela também, aquela foi a cidade de encontro como poderia ter sido outra qualquer. Falaram imenso e rapidamente perceberam que tinham tudo que ver um com o outro. Há quem chame destino. Um ano depois ela está na mesma cidade exactamente no mesmo período e decide contactá-lo. Porque esta era uma cidade que ele regularmente visitava, ele estava lá. Tudo que fazia esperar um reencontro carinhoso mostrou-se surpreendentemente desconfortável. Não foi romântico, não foi excitante, não foi nada do que ela estava a espera. Foi aborrecido de uma atracção forçada, por ele. Ela já não aguentava mais. Só queria sair dali, a desilusão era demasiado grande. Um ano de fantasias românticas onde objecto de desejo fora sempre ele, e, agora, cara-a-cara, a incompatibilidade era demasiado óbvia. O romantismo foi com os porcos. – Sou viciado em sexo. – Ok… – Não podemos sair daqui sem ir para a cama. Ela pensou que este era um exagero de um argumento. Como já seria de esperar, ele perdeu qualquer hipótese de envolvimento sexual, porque, no fim de contas, a excitação dela vinha de todo romantismo que o encontro tinha despertado. A intriga para um encontro racional tão estúpido como aquele fê-la ficar para falar sobre isso, em vez de lhe dar um estalo e sair dali. Um hipersexual ou um viciado em sexo é alguém que tem uma vida sexual exageradamente activa. Define-se, por isso, pela prática excessiva de qualquer actividade que envolva excitação sexual: pornografia, masturbação ou sexo (muito frequente e com muitos parceiros diferentes). Como se tratam de actividades normais por si só, tabelar uma frequência patológica não é fácil. Contudo, quando o sexo é utilizado como um regulador emocional e, acima de tudo, pela sua constante prática, torna-se num obstáculo à vida normal, torna-se num problema. Ninfomania nas mulheres e satiríase nos homens. Porque é que a criatura masculina nesta história quis sugerir uma patologia para convencer a rapariga a ter o que queria, parece absurdo. Será que estava à espera que a piedade funcionasse como excitador sexual? ‘És doente do sexo, coitadinho, deixa-me compensar-te com… mais sexo’. Ou talvez ele estivesse à espera de um cenário ‘enfermeira sexy’ pronto para o ajudar. Ou talvez procurasse justificar-se, esta poderia ser a explicação do forçar de química inter-pessoal e a causa para o desastre do segundo encontro. A sensibilidade para casos de hipersexualidade ainda é mais necessária se considerarmos quão difícil é definir normalidade sexual. E foi isso que moveu a rapariga a explorar aquele discurso sem sentido, especialmente porque ela viu o seu conto de fadas ser destruído por completo. Mas ele mentiu. Ele só queria despertar a atenção de alguma forma. Se o vício era real ou não, ele definitivamente não pensava em outra coisa.
David Chan Macau Visto de Hong Kong VozesMáscaras Ilegais [dropcap style=’circle’]A[/dropcap]Fishball Riot (Revolta das Bolinhas de Peixe) teve lugar há mais de 10 dias. Até ao momento, foram presas mais de 60 pessoas pela polícia de Hong Kong e, a maior parte, foi acusada de provocação de “motim” ao abrigo do artigo 18 da Lei da Ordem Pública. Como referi no artigo da semana passada, é previsível que a polícia continue à procura de suspeitos e que estes venham a ser acusados e presos. No seguimento da Fishball Riot, alguns membros do Conselho Legislativo de Hong Kong sugeriram a criação de uma Lei “anti-máscara”. No website “Wikipedia” podia ler-se, “As leis “anti-máscara” são iniciativas legais que pretendem impedir que as pessoas ocultem os rostos, por razões políticas ou culturais.” Em diversos países, como por exemplo os Estados Unidos, Canadá, Austrália, Dinamarca, França, Alemanha, Noruega, Rússia, Espanha, Suécia, Suíça, Ucrânia, Reino Unido etc. existem leis anti-máscara. A lei canadiana é muito clara quanto a esta proibição. No artigo 351 (2) do Código Penal canadiano, podemos ler, “Alguém que, com intenção de cometer um crime, oculte a face com uma máscara, ou de qualquer forma procure tornar-se irreconhecível, incorre numa infracção gravosa punível até 10 anos de prisão”. Como o nome indica, “infracção gravosa” significa crime grave. No Canadá, implica o pagamento de multas superiores a 5.000 dólares ou prisão superior a seis meses. No entanto existem algumas excepções a esta norma. Actualmente em Hong Kong não vigora qualquer lei anti-máscara. Se existisse, facilitaria o trabalho da polícia porque a lei proibiria os amotinados de ocultar a sua identidade. Mas é necessário analisar esta questão mais aprofundadamente. Em primeiro lugar, é forçoso que nos lembremos que andam por aí muitas e variadas doenças. A Síndrome Respiratória Aguda Grave – SARS (do inglês, Severe Acute Respiratory Syndrome) é sem dúvida uma das mais sérias. A SARS propaga-se por via aérea. À semelhança da maior parte das gripes. Todos os profissionais de saúde concordam que o uso da máscara é o método mais simples e eficaz de prevenir o contágio e a propagação do vírus. A criação de uma lei que impeça o uso de máscara, pode tornar-nos vulneráveis a uma série de doenças. Se pensarmos que muitos vírus sofrem constantemente mutações, sem que haja medicamentos eficazes contra a nova estirpe, é necessário pensar cuidadosamente antes de se implementar em Hong Kong uma lei anti-máscara. Em segundo lugar, a utilidade de uma lei deste tipo é questionável. Se um agitador participa num motim, com intenção de atear fogos ou lançar tijolos para perturbar a paz e, eventualmente, ferir alguém, será que se vai deixar identificar facilmente? A resposta é óbvia. Podemos por isso deduzir que, mesmo havendo uma lei anti-máscara, o seu efeito seria diminuto, ou mesmo nulo, porque o individuo em questão arranjaria sempre forma de se disfarçar. Em termos processuais, esta lei apenas permitiria acusar o réu de mais um crime, o de ocultação de identidade. A função de uma lei anti-máscara não vai além disso. Na medida em que é difícil identificar os agitadores, como é que a polícia os descobriu tão facilmente? A Lei Básica de Hong Kong conserva o direito comunitário, que ainda está em vigor. Ao abrigo do direito comunitário, a pena será atenuada se o réu cooperar com as autoridades. Por exemplo, se alguém for apanhado pela polícia e for responsabilizado por fogo posto e motim, estará a enfrentar duas acusações. No entanto a polícia quer deter outros culpados, contra os quais não tem provas. Se o detido ajudar a polícia a identificar os outros envolvidos pode ver a sua pena diminuída da seguinte forma: a. Ser acusado apenas de um crime, em vez de dois b. Ver a sua sentença atenuada em Tribunal. A “Atenuação” é um procedimento a ter em conta durante um julgamento. Se a polícia informar o juiz que o réu foi cooperante a sentença será atenuada. Em alternativa, o Governo de Hong Kong poderá considerar a implementação de uma lei semelhante à Portaria para a Concorrência. Esta portaria entrou em vigor a 14 de Dezembro de 2015 e o Comité para a Concorrência é responsável pela sua criação. Como todos sabemos, é muito difícil apurar as negociatas feitas “por baixo da mesa”, e que muitas vezes determinam os preços com que os produtos são lançados no mercado. O Comité para a Concorrência beneficia qualquer pessoa envolvida, desde que ajude a “abrir o jogo”. A prática processual referida não é uma lei, a polícia pode mudar de ideias sempre que quiser. Mas se o Governo de Hong Kong produzir uma lei semelhante à Portaria para a Concorrência, garantindo alguns benefícios (ex. retirar algumas acusações, atenuar a sentença, etc.) à pessoa que estiver disposta a ajudar a identificar outros agitadores, pode ajudar eficazmente o trabalho da polícia. Posto isto, a lei anti-máscara pode ser parte da solução, mas a sua utilidade também é questionável. A actual política de acusação criminal pode não dar garantias suficientes a um detido, de forma a que este se decida a ajudar a identificar outros agitadores. E a identificação dos agitadores continua a ser um problema para o Governo de Hong Kong. Talvez seja preferível perceber as causas da Fishball Riot. Esta é melhor maneira de solucionar os problemas sociais. Neste sentido, Hong Kong deve aprender com Macau. Macau não tem uma lei anti-máscara e não acha de bom tom deixar os criminosos impunes. Mas Macau é uma cidade sossegada e pacífica. *Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau
André Ritchie Sorrindo Sempre VozesRebeldes do Yu Tan [dropcap style=’circle’]T[/dropcap]ambém fui rebelde na minha juventude. Participei em manifestações estudantis. Gritei slogans de protesto e dei murros no ar. Defendi os meus ideais com firmeza e nunca fugi das discussões que, sabia de antemão, acabavam em confronto e luta. Para marcar a minha posição utilizava consciente e propositadamente argumentos desmesurados. Fazia-me de desentendido quando os meus adversários esclareciam os seus pontos de vista. Extrapolava do discurso deles o que verdadeiramente não tinham dito, mas tomava como palavras suas que utilizava depois para pôr em causa o que diziam. Explorava as contradições por mais irrelevantes que fossem para o assunto em discussão. Era agressivo e aguerrido. Tinha sangue na guelra. Mas a minha agressividade limitava-se às palavras. Nunca bati em ninguém. * * * Na minha juventude tinha amigos que eram contra o capitalismo, o corporativismo, as empresas multinacionais, os governos, enfim, todas as grandes organizações que, no entendimento deles, exploram os mais fracos, controlam as massas para atingir fins ilegítimos e, em geral, praticam o mal e contribuem para a injustiça no mundo. Em casa dos meus amigos ouvia-se Bob Marley, Ben Harper e Rage Against the Machine. Tinham também uma cassette com baladas do tempo da revolução cubana e temas que homenageavam Che Guevara. Um dos meus amigos enveredou-se pela política e de vez em quando vejo-o na televisão. É inteligente e eloquente, tem um discurso fluido. Mas na sequência das últimas eleições sou capaz de o ver menos. Um outro amigo decidiu adoptar um modo de vida alternativo. De vez em quando falamos pela internet e não compreende como é que fui capaz de trabalhar os anos que trabalhei para o governo, ocupando a posição que ocupei. E diz que muito menos me compreende agora, uma vez que trabalho na empresa onde trabalho. Diz-me que chegou a recusar boas ofertas de trabalho porque os empregadores eram grandes organizações que lhe metem nojo. Não deve ser mentira porque se trata de um sujeito com boa formação, bases sólidas e muito boa cabeça. Aliás, sempre o tive como um indivíduo acima da média. E admiro-o por conseguir viver pacificamente e coerentemente à sua maneira, sem ter de trair nem impor os seus ideais. * * * Gosto muito de yu tan (*). No mercado existem, essencialmente, três tipos de yu tan: o branco, o amarelo e o dourado. Não tenho nenhuma preferência porque para mim são todos bons. O yu tan faz parte da minha infância. Quando era miúdo, ia frequentemente com a minha empregada ao mercado do Há Van Kai (Manduco). Os vendilhões de lá tinham o que, para mim, eram os melhores yu tan de Macau. Nesses tempos era também vulgar em Hong Kong a utilização da expressão yu tan mui (**) para designar uma categoria particular de prostitutas. Não vou explicar a razão de ser dessa expressão por ser aqui inapropriado. Mas o que é certo é que essa expressão – e a yu tan mui também – caiu entretanto em desuso. Mas o yu tan em si sobreviveu aos tempos e ainda hoje é popular. Prova disso é que esse petisco pode ser saboreado não apenas nos vendilhões de rua, mas também em inúmeras lojecas que foram surgindo em diversos cantos da cidade e ainda nas lojas de conveniência: o Circle K e o 7 Eleven desde cedo se aperceberam do seu potencial, incluindo-o nas suas ementas de fast food. Portanto, ninguém duvida que o yu tan faz parte da cultura popular de Macau e Hong Kong e que, por isso, deve ser protegido. * * * O que se passou em Mong Kok foi um perfeito disparate. Um grupo de anarquistas pseudo-defensores da democracia que pegam no yu tan como pretexto para criar um motim orquestrado via redes sociais. E com a agravante de ser em pleno Ano Novo Chinês – que laia de gente é essa? Inicialmente era em defesa dos vendilhões ambulantes. Mas esses esclareceram desde logo que nada tinham a ver com a confusão e que não se faziam representar pelos anarquistas. Estavam apenas interessados em vender yu tan e fazer algum dinheiro extra nos dias do Ano Novo Chinês. E mais nada. Depois já eram as questões políticas, económicas e sociais de Hong Kong. O problema da habitação, a distância cada vez maior entre os ricos e os pobres, a falta de democracia, o sufrágio universal… Essas coisas. Dias a seguir as justificações passaram a ser ainda mais indeterminadas: a incompetência do CY, as interferências de Pequim nos assuntos internos de Hong Kong, a frustração acumulada da população, a marginalização da geração mais jovem. Finalmente a cereja no topo do bolo: a incapacidade do governo em ouvir a voz da população na sequência do Occupy Central. Tudo isto é dito por sábios com ar filosófico e a olhar de lado para a câmara. Devo ser tosco e obtuso pois nada disso para mim faz sentido. Quem me dera ser um pensador profundo como muitos desses sábios que andam por aí para conseguir compreender essas explicações todas. Confesso que tive alguma dificuldade em alcançar o Occupy Central. Pelo que essa Revolução do Yu Tan custa-me ainda mais compreender. Muito mais. Porquê? Porque o que vejo é uma cambada de ignorantes e sujeitos deficientemente formados que nem falar direito sabem e que procuram justificar os seus actos de puro vandalismo e cobardia com discursos incoerentes e raciocínios desarticulados, minados de contradições. Uma cambada de imbecis que se aproveitaram da contínua atitude submissa das autoridades. Atitude essa que, progressivamente, levou a que se permitisse atirar bananas dentro da Legco, bem como outros excessos e atropelos que passaram a ser vulgares. Com medo de serem condenados pela população, antes de actuar contra multidões irracionalmente agressivas a polícia até precisa de exibir um cartaz onde se lê “Stop Charging or We Use Force”. Uma luta desigual porque os anarquistas podem fazer e dizer tudo o que lhes apetece e lhes vem à cabeça. No entanto a polícia é prontamente condenada pelo uso excessivo da força por causa de um inofensivo gás pimenta ou por ter dado uma ou outra bastonada a mais. (Tal como nas minhas consultas públicas do passado em que se tolerava que fosse insultado pelo povão, mas que tinha ainda assim de mostrar um sorriso e dizer “muito obrigado pela sua valiosa opinião”, pois seria imediatamente crucificado se me atrevesse a responder à letra ou a humilhar alguém à frente das câmaras pela idiotice técnica da opinião que o Zé da esquina me dava). Ao que já chegámos. Portanto, caríssimo leitor, ainda que não seja do meu estilo colocar as coisas em termos absolutos e redutores, e mesmo não negando que Hong Kong tem de facto problemas profundos que afectam a população e sobre os quais o governo parece não ter soluções, tenho a dizer que para mim esses “Scholaristas” e “Localistas” não são mais que um bando de oportunistas políticos sem qualquer solidez intelectual e que, só por isso, não me convencem e não merecem o meu mínimo respeito – à semelhança de uns quantos pseudo-políticos aqui do nosso Macau. Contudo, pior que isso tudo é aperceber-me que, em geral, as pessoas são incapazes de analisar esses acontecimentos de forma objectiva, sem a interferência de preconceitos – actualmente parece que só se pode ser integralmente e fervorosamente a favor ou contra. Com isso tudo, posso apenas concluir que existe algo de fundamentalmente errado em Hong Kong nos dias que correm. E, até certo ponto, em Macau também. Sorrindo Sempre O anarquista Ray Wong Toi-yeung, representante do movimento “Localists” de Hong Kong, afirmou numa entrevista que atirar calhaus contra a polícia não é um acto violento. Sorrindo sempre. (*) 魚蛋 : bola de peixe ou fishball, petisco de rua típico do Sul da China. (**) 魚蛋妹 : menina do yu tan, em tradução directa.
Jorge Rodrigues Simão Perspectivas VozesO direito fundamental dos idosos à saúde [dropcap style=’circle’]A[/dropcap] “Pesquisa Económica e Social Mundial 2007”, sobre o “Desenvolvimento do Envelhecimento da População Mundial”, elaborado pela ONU, menciona que o aumento da esperança de vida e a redução das taxas de fertilidade, são os principais factores que determinam a “transição demográfica”. À escala mundial, a esperança de vida passou de 47 anos, entre 1950 e 1965 para 65 anos, entre 2000 e 2005, e deverá atingir os 75 anos, entre 2045 e 2050. Assim, as pessoas podem pela primeira vez, esperar viver mais que os 65 anos. A maior esperança de vida, adicionada às importantes quedas das taxas de fecundidade é a causa do rápido envelhecimento das populações de todo o mundo. As mudanças são grandiosas e as implicações enormes, pois uma criança nascida em diferentes latitudes quer seja no Brasil ou em Myanmar, em 2015, pode esperar viver mais vinte anos, que uma criança nascida há cinquenta anos. É notável que na República Islâmica do Irão, em 2015, uma pessoa, em cada dez, tenha sessenta anos. Esta taxa terá aumentado para um em cada três, em apenas trinta e cinco anos, sendo o ritmo de envelhecimento da população muito mais rápido que no passado, pois uma vida mais longa é um recurso extremamente valioso, permitindo a oportunidade de repensar, não apenas, como viver a velhice, mas também como poderia desenvolver-se toda a nossa vida. O curso da vida, em muitas partes do mundo, por exemplo, circunscreve-se a um conjunto rígido de fases, como a primeira infância, os anos escolares, um período definido de anos de trabalho e a reforma. A partir desta perspectiva, é costume dar como aceite que os anos adicionais, simplesmente são acrescentados ao final da vida, permitindo uma reforma mais prolongada. Todavia, existem estudos que demonstram que muitas pessoas reconsideram este enquadramento das suas vidas, à medida que cada vez mais pessoas vivem até uma idade avançada. Pensam em mudança, e passar os anos adicionais de outra forma, talvez em continuar os estudos, iniciar uma nova actividade ou dedicar-se a um passatempo abandonado há muito tempo. É de considerar que as pessoas mais jovens esperam viver mais tempo, podendo planear as suas vidas de forma diferente, como por exemplo, em primeiro lugar, dedicar mais tempo à constituição de uma família e depois, pensar na melhoria da sua carreira profissional. Alcançar uma maior longevidade dependerá, em grande medida, de um factor chave que é a saúde. Se as pessoas vivem esses anos adicionais, com um bom estado de saúde, a sua capacidade para realizar o que valorizam, será apenas diferente de uma pessoa mais jovem. Porém, se os anos adicionais se caracterizarem por uma diminuição da capacidade física e mental, as consequências para os idosos e para a sociedade serão muito mais negativas, pese o facto, que por vezes, faz julgar que o aumento da longevidade, vem acompanhado de um período prolongado de boa saúde, mas lamentavelmente existem poucas provas de que os idosos, actualmente, gozem de melhor saúde que os seus pais quando tinham a mesma idade. A falta de saúde não tem de ser uma característica predominante da idade avançada. A maioria dos problemas que enfrentam os idosos está associada a doenças crónicas, em particular, doenças não transmissíveis que se podem prevenir ou retardar, com a adopção de hábitos saudáveis, e outros problemas de saúde podem ser tratados se forem detectados a tempo. As pessoas que sofrem de incapacidade física podem ter uma vida digna e de permanente crescimento pessoal em condições favoráveis e adequadas. O mundo infelizmente, está muito afastado desses ideais paradigmáticos. O envelhecimento da população exige uma resposta integral de saúde pública, e não se tem discutido o suficiente para encontrar as respostas adequadas, acrescentado do facto de existirem poucos dados empíricos do que se poderia fazer, o que não significa nada fazer de imediato, pelo que é urgente passar à acção. As mudanças que constituem e influenciam o envelhecimento são complexas, e no plano biológico, o envelhecimento está associado com a acumulação de uma grande variedade de danos moleculares e celulares, e com o tempo reduzem gradualmente as reservas fisiológicas, aumentando o risco de muitas doenças e diminuindo, em geral, a capacidade intrínseca do indivíduo. A longo prazo sobrevêm a morte, pelo que tais alterações não são nem lineares, nem uniformes e só se associam vagamente com a idade de uma pessoa, após decorridos alguns anos. A idade avançada com frequência trás alterações consideráveis, para além das perdas biológicas. Trata-se de alterações nas funções e atitudes sociais e na necessidade de enfrentar a perda das relações mais estreitas. Os idosos, perante esta situação, concentram-se em atingir menos objectivos e actividades, mas dedicam-se aos que sejam mais significativos, além de optimizar as suas capacidades, através da prática e recurso a novas tecnologias, compensando a perda de algumas aptidões, com outras formas de realizar tarefas. Assim, os objectivos, prioridades e preferências, também parecem mudar. Ainda que, algumas dessas alterações possam ser o resultado da adaptação à perda, outros reflectem o desenvolvimento psicológico, permanente em idade avançada, que pode estar associado com o desenvolvimento de novos papéis, ponto de vista e vários contextos sociais interligados. As alterações psicológicas podem explicar o motivo porque em muitas sociedades a velhice, pode ser um período de bem-estar subjectivo agudo. É importante que ao elaborar uma resposta de saúde pública ao envelhecimento, não apenas sejam consideradas estratégias que contrariem as perdas associadas com a idade avançada, e que reforcem a resiliência e o crescimento psicossocial. A sociedade, apesar de não existir um idoso típico, muitas das vezes encara-os de forma estereotipada que pode induzir à discriminação de pessoas ou grupos, apenas pela sua idade, denominada de discriminação por motivos de idade, e é possível que actualmente, seja uma forma mais generalizada de discriminação que o sexismo ou o racismo. O conceito generalizado e relacionado com a velhice, é o de que as pessoas idosas são dependentes ou representam uma carga, fazendo que, aquando da formulação das políticas sociais, se entenda que a despesa com os idosos seja apenas uma sangria para as economias e se dê ênfase à contenção de custos. As conjecturas acerca da dependência devido à idade ignoram as numerosas contribuições que os idosos fazem para a economia. O Reino Unido realizou uma investigação, em 2011, e calculou que depois de compensar os gastos das pensões, bem-estar social e saúde com as contribuições realizadas através de impostos, despesas de consumo e outras actividades de valor económico, os idosos faziam uma contribuição líquida à sociedade de quase quarenta mil milhões de libras, e que atingirá setenta e sete mil milhões de libras em 2030. Ainda que, não existam muitos dados disponíveis dos países com baixo e médio rendimento, a contribuição dos idosos é significativa. A idade média dos pequenos agricultores do Quénia, por exemplo, ultrapassa os 60 anos. As pessoas idosas podem ser fundamentais para manter a segurança alimentar no Quénia e em outros locais da África Subsariana, realizando também, uma função crucial de apoio a outras gerações. A Zâmbia calcula que um terço das idosas, são as que provêem e cuidam das crianças, cujos pais faleceram devido à epidemia do VIH, ou emigraram para trabalhar. Assim, em todos os meios, sem contar o nível dos recursos, os idosos contribuem de diversas formas que são menos tangíveis economicamente, ao prestar apoio emocional em momentos de ansiedade ou aconselhar sobre problemas de difícil resolução. As políticas sociais devem ser desenhadas de forma a fomentar a capacidade dos idosos, para que realizem estas múltiplas contribuições. O envelhecimento da população aumentará a despesa na saúde, mas não tanto como se pensava, existindo a ideia de que as necessidades crescentes do envelhecimento das populações darão lugar a um aumento insustentável das despesas na saúde. O panorama, não é tão claro, porque ainda que a idade avançada seja associada, em geral, com maiores necessidades de assistência sanitária, a relação entre a utilização do sistema de saúde e a despesa na saúde é variável. A despesa na saúde por pessoa, em alguns países de altos rendimentos, reduz-se de forma considerável depois dos 75 anos, enquanto aumenta o custo em cuidados a longo prazo, dado que cada vez mais pessoas chegam a idades avançadas, permitindo que tenham uma vida longa e saudável, podendo aliviar as pressões inflacionárias com os gastos na saúde. O sistema de saúde influi em grande medida na relação entre a idade e a despesa na saúde. É muito provável que essa influência reflicta as diferenças nos sistemas, incentivos e abordagens das intervenções dos prestadores no que diz respeito aos idosos com saúde débil e normas culturais, sobretudo acerca do momento da morte. O período de vida relacionado com os maiores gastos na saúde, sem importar a idade que se tenha, corresponde ao último ano, ou dois últimos anos de vida, sendo que esta relação varia consideravelmente, entre os países, sendo por exemplo, de 10 por cento do total de gastos na saúde na Austrália e Holanda, e de 22 por cento nos Estados Unidos, devido aos cuidados de pessoas no último ano da sua vida. O aumento dos custos associados aos últimos anos de vida, parece ser menor nos grupos de idade mais avançada, que nos grupos de menor idade. Prever os gastos futuros na saúde a partir da idade da população tem um valor questionável. É de ter em conta que algumas investigações históricas, somam-se a estas interrogações, ao indicar que o envelhecimento tem muito menos influência nos gastos da saúde que outros factores. Os Estados Unido, viveram um período, entre 1940 e 1990, em que se deu o envelhecimento da população mais rápido de sempre, contribuindo em 2 por cento para o aumento dos gastos na saúde, enquanto as mudanças relacionadas com a tecnologia, foram responsáveis entre 38 por cento e 65 por cento. As despesas nos sistemas de saúde, os cuidados a longo prazo e maiores condições favoráveis são usuais serem apresentados como custos. A visão deve ser diferente. Estas despesas devem ser consideradas como investimentos que desenvolvem a capacidade, e portanto, o bem-estar e a contribuição dos idosos e ajudam as sociedades a cumprir as suas obrigações no que diz respeito aos direitos fundamentais dessas pessoas. O retorno desses investimentos, em alguns casos é directo, pois melhores sistemas de saúde permitem melhores condições de saúde, que por sua vez favorece a participação e o bem-estar; em outros casos, o retorno pode ser menos óbvio, porque requer a mesma atenção. O investimento nos cuidados de saúde, por exemplo, a longo prazo ajudará as pessoas idosas, com perda significativa da capacidade a manter uma vida digna, podendo permitir também, que as mulheres possam trabalhar, além de incentivar a coesão social, ao partilhar os riscos dentro da comunidade. O repensar da justificação económica para esta forma de agir, desloca a discussão da visão típica de minimizar os ditos custos, que violam os direitos fundamentais não apenas dos idosos, mas de toda a população, para uma análise que tem em conta os benefícios que se podem perder, se as sociedades não conseguirem fazer as adaptações e os investimentos adequados. Quantificar e considerar rigorosamente a magnitude dos investimentos e dividendos que produzem, será crucial para que os responsáveis pela tomada de decisões, concebam políticas bem fundadas, que são também, uma das preocupações e recomendações da Organização Mundial de Saúde, reiteradamente efectuada, e de novo consubstanciado no relatório “Health in 2015: from MDGs, Millennium Development Goals to SDGs, Sustainable Development Goals”, de 8 de Dezembro de 2015 aos Estados-membros, e que muitos paradoxalmente, continuam a fazer ouvidos de mercados, não apenas nesta matéria, como em todas as outras.
Paul Chan Wai Chi Um Grito no Deserto VozesUma palavra aos mais jovens [dropcap style=’circle’]U[/dropcap]m certo jovem regressou a Macau depois de ter terminado os estudos em Taiwan. Como pretendia iniciar actividades de cariz social, pediu-me que o recebesse para escutar a minha opinião sobre o assunto. Fico sempre feliz por poder aconselhar e apoiar jovens estudiosos e empenhados em intervir socialmente. Numa pequena cidade como Macau, com mais de 500.000 habitantes, as relações interpessoais são de certo modo complexas, especialmente quando se trata de falar sobre os interesses de cada um, pode haver lugar a mal-entendidos. É por isso necessário que nos preparemos mentalmente, caso contrário podemos provocar o efeito contrário do desejado. Quando recebi este jovem, a primeira pergunta que lhe coloquei foi “o que é que o leva a desejar envolver-se socialmente?” Respondeu-me que desejava alargar os seus conhecimentos para estar mais bem preparado para o futuro. Penso que esta é a resposta correcta, basta recordarmos a palavras do Dr. Sun Yat-sen, quando aconselhava os jovens a “envolverem-se em projectos grandiosos em vez de apenas ambicionarem a cargos oficiais”. Era uma forma de admoestação, ao alertar os jovens para não se deixarem fascinar por cargos superiores, muito bem pagos, esquecendo as intenções originais, que seriam servir o povo. A este jovem lembrei a quatro metas ontológicas definidas por Zhang Zai, um estudioso chinês da Dinastia Song, a serem alcançadas por todos os intelectuais. A formação superior deverá “levar as pessoas a agirem de forma benevolente, para mostrar ao cidadão comum um caminho a seguir e provocar a sua admiração, respeitar e desenvolver os ensinamentos dos mestres ancestrais (ex. Confúcio e Mêncio), e lançar as bases para que as gerações seguintes desfrutem de uma paz duradoura”. Em Setembro de 2006, quando o ex-Primeiro Ministro Wen Jiabao visitou a Europa, durante uma entrevista citou estas palavras de Zhang. É sempre mais fácil falar sobre ideais do que realizá-los. As dificuldades que se encontram neste percurso não serão tanto motivadas por razões de ordem externa, mas mais por razões de ordem interna, trata-se sobretudo de vontade pessoal e perseverança. Quando alguém decide participar socialmente, quer seja a nível do serviço público quer seja a nível de uma organização privada, quanto maior for o seu envolvimento, mais elevada a sua posição e mais importante a natureza do seu trabalho, tanto maior será a pressão com que terá de lidar e, igualmente, maiores serão as tentações com que se irá deparar. Se não possuir grande fé nas suas convicções, pode facilmente deixar-se ir ao sabor da corrente e os seus ideais verem-se consumidos pela “feira das vaidades” do dia-a-dia. Mesmo a faca mais afiada acabará por ficar romba se “pensar” que não precisa dos cuidados do amolador. Quem quiser envolver-se social e politicamente terá de estar em alerta constante. É importantíssimo que se atenha à sua fé e às suas virtudes. Quando pessoas talentosas, mas sem qualidades morais, sobem ao Poder provocam mais danos que benefícios. Assim, as virtudes são um pré-requisito para o trabalho social e político. São sem dúvida de louvar todos os jovens que pretendam dedicar-se a um trabalho em prol do bem comum. Mas antes de se envolverem, devem estar muito bem preparados, para saberem lidar eficazmente com desafios e adversidades futuras. As palavras de Zhang têm servido de orientação aos intelectuais chineses ao longo de milhares de anos. Sob estes ensinamentos, dispõem-se a sacrificar-se pelo bem comum. Não procuram ganhos pessoais, colocam sempre o bem-estar do povo em primeiro lugar. Esta atitude incorpora os princípios de lealdade e tolerância da doutrina de Confúcio, e os princípios do amor universal e do “caminho” defendidos por Mêncio. Como nos últimos tempos a cena política macaense tem estado confrontada com diversas questões problemáticas, os jovens devem tentar ser observadores destas situações, analisá-las e aprender com elas, já que depois de “entrarmos na montanha” deixamos de conseguir ver a montanha como ela é.
Leocardo VozesMorto “ainda era pouco” [dropcap style=’circle’]P[/dropcap]ortugal é um país de brandos costumes, diz-se. Ou foi, portanto já não é. Melhor dizendo, “vai sendo”, conforme as modas, e nisto pode-se dizer que os Portugueses não diferem do comum “homo sapiens”, independente da sua localização geográfica: de barriga cheia tem menos vontade de protestar, mandar vir, bater com o pé, ou numa variante regional específica deste primata, “encostá-los todos ao Campo Pequeno”. Mesmo esta frase leva-nos de volta a um tempo não muito distante, onde o estado de coisas se pode descrever simplesmente como de “nem o pai morre, nem a gente almoça”, com uma tendência para o “ou comem todos, ou não há moralidade” (isto de ser Português tem que se lhe diga). Actualmente pode-se dizer que estaremos entre os povos mais pacíficos do planeta. Não, não é por sermos uns pelintras que não têm onde cair mortos, quanto mais uma bomba atómica, ou por não possuirmos recursos naturais ou quaisquer outros que justifiquem mandar um “drone” de reconhecimento, quanto mais uma invasão completa. O que o freguês iria ganhar ao adquirir este país tão catita, portátil e arrumado num cantinho junto ao mar era “dívida”. O freguês faz uma careta, agradece a atenção e rejeita diplomaticamente a proposta, dizendo que “procura algo que garanta um retorno do investimento a curto e médio prazo”. Ó que pena, o que há por aqui e vem tendo muita saída são as insolvências, cortes e austeridade. Obrigado na mesma, e à saída sirva-se de uma fatia de capital de uma qualquer empresa pública que fizemos questão de retalhar e vender ao desbarato. E despache-se senão os chineses levam tudo. Somos também muito cordiais a hospitaleiros com os forasteiros, venham eles apenas em turismo, ou com intenção de se mudar para o nosso solarengo recanto, contribuindo assim para o progresso e para o bem comum da Pátria amada. Não…isto não é uma mentira, por assim dizer. É mais um paleativo, se preferirem. Uma masmorra escura e fria decorada com motivos festivos, e quem sabe alguma música alegre, para esquecer as mágoas. São muitas? A gente tapa-as com uns cobertores giraços, do Harry Potter, ou isso. Logo se vê. A verdade crua e nua é que se nota cada vez mais um tipo de sectarismo que nunca foi nosso apanágio. Quer dizer, afinal ainda se olha para Portugal como sendo “o ânus da Europa” – e pouco importa de que prisma se olha para o velho continente. Temos uma História de que nos orgulhamos, o que leva por vezes algumas aves de mau agoiro a acusar-nos de “viver do passado”. Ora essa, há coisas boas de que podemos usufruir, de que temos uma longa tradição, e a que alguns países podem apenas ambicionar em sonhos – ainda hoje! Por exemplo, Portugal foi o primeiro país do mundo a fazer constar da sua Constituição a abolição total da pena de morte. Sabiam? Ah, mas aposto que não sabiam que o Reino Unido apenas aboliu a pena capital nos anos 60 do século passado, e a França nos anos 80! Bárbaros. E dos Estados Unidos nem se fala. Suck on that, yankees. Um ponto para nós em Progresso Civilizacional, o que perfaz o total de…um ponto. Vá lá, então que cara é essa? É um começo, melhor que nada. Tenham fé, como o Eusébio quando ia marcar um “penalty”. A nossa longa tradição de não aplicar um castigo tão radical (e irreversível, também) a alguém que teve um dia (ou dias) menos feliz(es) leva-nos a elaborar uma respeitável quantidade de prosa sobre o assunto, com primazia para aquela que busca inspiração no divino: “Só Deus tem o condão de tirar uma vida”. Deus e um vasto rol de enfermidades, portanto (essas não serão obra Dele, certamente…). O nosso registo de fazer justiça com base na máxima “olho por olho, dente por dente” ficou tão dissipado num passado longínquo que damos por nós a adoptar um tom paternalista com os países que ainda seguem esta prática troglodita – a China, por exemplo, onde as execuções são levadas a cabo de forma indiscriminada, obedecendo a critérios nem sempre bem claros (uma retina feita à medida de algum Zé-Pagante cegueta de Hong Kong, por exemplo). De facto, temos tanto para dar. Em sermões, o que sempre é melhor que nada. Ou será mesmo assim? Perante tudo o que deixei expresso nestas linhas – isto é, se dali alguma coisa se aproveita – não posso deixar de partilhar o meu espanto quando deparo com tanto compatriota sedento de sangue nestes tempos atribulados que correm. Claro que falo das redes sociais, fóruns e caixas de comentários um pouco por essa “net” fora, que são como um “Cavalo à Solta”: denúncia do que sente, do que pensa a gente certa. O senão é que não há nada de poético ou inspirador no que pensa esta gente, ou muita dela, e tivesse Ary dos Santos sobrevivido à taquicardia que o fez partir do mundo dos vivos, dificilmente resistiria à segunda, após ler o que ali se pinta no mural virtual do mais puro desgosto e ressentimento. A medida para tudo é “pena de morte, e ainda é pouco”, como se a pena capital fosse alguma camisola de lã da Burberry’s que estamos mortinhos por experimentar e ver e nos fica bem. Esta noção de que “pena de morte é pouco” deixa-me meio baralhado – o que pode ser “pior que a morte”, especialmente se esta for aplicada primeiro, tornando tudo o que se possa seguir de indolor, inerte e inodoro? Estranho conceito, este, mas não deixa de ser preocupante observar como os até aqui sempre cordatos lusitanos vão imaginando as formas mais cruéis, sádicas e demoradas de castigar SUSPEITOS de crimes, que podem ir do simples furto à mais humilhante violação. E reparem como destaquei a palavra “suspeitos”, pois para os partidários da justiça “à la minuta”, isso da presunção da inocência não passa de uma mariquice, de “mais burocracia”. Toca mas é a limpar o sebo o gajo, e “ai se fosse comigo…”. Esta curiosa expressão é um pouco como a letra da cantiga “Se eu fosse um homem rico”, de “O violino no telhado”, mas aqui seria seguido de “…mandava matar essa escumalha toda”. Bem vistas as coisas, devíamos era dar-nos por felizes por não ter tido a mesma falta de sorte que os “nuestros hermanos” do lado. Ah pois é, pois enquanto o tio Sal (Gostaram? Dá-lhe um ar mais “in”) e os seus esbirros da PIDE se mordiam de inveja, Francisco Franco ocupava as horas mortas entre a “paella valenciana” do almoço e a soirée de “flamenco” com um fartote de fuzilamentos, encomendados por ele próprio. “¿ Está bien así o si le gusta con mas leche, comandante?”. O que faz falta é acordar para a vida camaradas. E já agora lerem certas coisas que por vezes escrevem, antes de decidirem partilhá-las com o mundo. Basta fazerem aos próprios botões esta simples pergunta: “é isto mesmo que eu quero para mim e para os meus”? Fica a sugestão. Destaque “Esta noção de que “pena de morte é pouco” deixa-me meio baralhado – o que pode ser “pior que a morte”, especialmente se esta for aplicada primeiro, tornando tudo o que se possa seguir de indolor, inerte e inodoro?”
Fernando Eloy VozesPara que serve a TDM? Várias vezes me interrogo e nunca chego a nenhum resultado conclusivo. Não percebo qual a missão da TDM. Não produz entretenimento nem ficção, não encomenda aos produtores locais, dá poucos meios aos seus jornalistas, não tem um arquivo de imagem organizado, serve para quê? Sempre que entra uma nova administração espero a proverbial lufada de ar fresco mas, venho invariavelmente a descobrir, que não passa de mais uma corrente de ar que nos deixa cada vez mais obstipados e menos refrigerados. Na volta, e é o que parece, o problema é menos das administrações e mais da tutela que ainda não percebeu para que serve a TDM. Canais abrem com fartura mas os conteúdos originais continuam a faltar não se compreendendo como a instituição que mais poderia contribuir para o desenvolvimento das indústrias relacionadas com a produção de vídeo e cinema no território continue a passar ao lado do fenómeno. Mas nos tempos que correm, passa tão desapercebida como um elefante a tentar escapar-se de fininho de uma loja de conveniência. Ao que parece, este ano viram o orçamento reduzido o que, a confirmar-se, é a manifestação do absoluto contra-senso, se pretendermos levar a sério a política do governo de desenvolvimento das indústrias criativas locais. A TDM pode, e deve assumir-se como o principal comprador do território, que assim veria surgirem mais lugares fixos para a produção de vídeo no sector privado, mais possibilidades para actores, decoradores, carpinteiros, para um sem número sem número de actividades que a indústria da produção de televisão e cinema requerem para funcionar. Isto já para não falar no papel que a TDM poderia, e deveria, ter na distribuição de conteúdos “made in Macau” para os países de língua portuguesa. Mas nem tudo requer orçamentos sólidos. A capacidade de ‘network’ com outras televisões na China, a abertura de pontes entre os produtores locais e as televisões chinesas poderia também ser algo para a TDM se entreter enquanto o governo não entende a necessidade, ou a TDM não souber pedir, de uma dotação orçamental condigna. Também tenho alguma dificuldade em compreender como é possível a TDM ainda não ter um arquivo de imagem e continuar a esquivar-se da sua responsabilidade de prover Macau de memória. Há uma série de exemplos que a TDM poderia seguir para se afirmar como um centro produtor; a RAI, o Canal+, a Arte, até a própria RTP que tem participado na produção de várias ficções originais já para não falar em programas de entretenimento de autoria que poderiam ser exportados. Parece que a TDM já se resignou ao facto das pessoas preferirem ver os canais de Hong Kong e as cadeias internacionais e então resume-se a cumprir calendário sem criar grandes ondas. Como o elefante, na esperança de passar pelos espaços da chuva. Especialmente agora que se anuncia um festival de cinema com 80 milhões orçamento, ao que parece em grande parte suportado pelo governo, esta apatia da TDM torna-se ainda mais ofensiva. É certo que o festival de cinema enquanto tiver a torneira dos cifrões aberta vai manter-se e trazer até Macau muitas estrelas, mas se o tecido local não for fortalecido e entidades como a TDM que deveriam estar a apoiar activamente a produção local continuarem de braços caídos, se os produtores locais continuarem sem capacidade de gerarem e escoarem produto, nenhum festival fará sentido. Ainda os “macaios” Tenho perfeita consciência da conotação negativa que a expressão “macaios” encerra e daí a ter utilizado. Lembrar-se-ão muitos, com certeza, de como a expressão “tuga” também já foi mal vista. Limpar os sótãos faz sempre bem. Música da Semana David Bowie – “This is Not América” (…) The little piece in me, Will die (this is not a miracle) For this is not America Blossom fails to bloom this season, Promise not to stare, Too long (this is not America) For this is not the miracle There was a time, A storm that blew, so pure For this could be the biggest sky And I could have the faintest idea For this is not America Shalalalala Shalalalala Shalalalala (…)
Tânia dos Santos Sexanálise VozesSexo Musical [dropcap style=’circle’]D[/dropcap]epois da literatura há três semanas atrás, pareceu-me oportuno explorar o sexo na música. Porque, curiosamente, é uma forma artística de contornos sexuais pouco claros, ou seja, não há características óbvias sobre o que é música sensual/erótica/pornográfica. Formas artísticas visuais são mais fáceis de ser entendidas como tal. Exemplo: pénis ou vulva à vista mais facilmente se encaixam na categoria. Só me vem à cabeça excepções relacionadas com aulas de anatomia, e isso, para a maioria das pessoas, not sexy at all. Parece-me que não há um mundo a descobrir de música potencialmente auxiliadora de actividades masturbatórias ou sexuais. E se ninguém anda à procura, não haverá oferta. O que poderia ser considerado como música pornográfica? Sons sexualmente excitados (à lá música do Serge Gainsbourg: Je t’aime, ohhhhhh, oui, je t’aime… moi non plus) E gemidos, muitos gemidos e, quiçá, um orgasmo. Talvez a calma sensual de um saxofone ou a brutalidade de uma percursão de sensação latejante, equiparada com aqueles momentos em que uma pessoa só quer ser encostada a uma parede e deixar-se levar por muito, mas muito, tesão. Pensei que a minha melhor hipótese fosse na procura de pornografia para invisuais: mas só encontrei descrições audio de filmes já existentes, nada de muito musical. Por isso, se não há um género claro, o pessoal possui imaginação suficiente para tornar música, até a menos óbvia, parte da sua sexualidade. Os mais arrojados consideram as suas listas de uma sensualidade indiscutível! E por isso publicam listas de músicas sensuais por aí. Ou… ‘a lista das melhores músicas para fazer striptease’, ‘lista das melhores músicas para aquecer corações’, ‘lista das melhores músicas para lubrificar o sexo’ e muitas mais. Eu que me julgo uma esquisita musical, de universal estas listas têm muito pouco. Mas uma coisa é certa, a música vive do sexo e da sensualidade para se tornar popular e rentável. Basta ligar aquele site com uma invejável colecção de vídeos de música e clicar em qualquer actual canção pop para nos depararmos com maminhas a saltar de decotes, troncos nus de muito músculo, rabos semi à mostra, graciosamente, a fazer o twerk (movimentos de anca ultra rápidos) e os constantes eufemismos para sexo. Existem ainda os projectos musicais que se dedicam exclusivamente ao tema, nas suas letras de pormenorizada descrição sexual. Talvez não necessariamente sexualmente excitante mas sem dúvida classificada como ‘sexo na música’. O termo técnico é pornogrind que acompanha outros géneros bastante pesados usando uma linguagem bastante explícita. Para os que desejam algo menos óbvio, mas ainda bastante relacionado com sexo, existe o porn groove, um estilo de música bem estabelecido nos anos 70 durante o boom da indústria pornográfica, que precisava de uma banda sonora característica. Uma guitarra minimalista, mas com um bom feeling, acompanhada por um pedal wah-wah. É interessante pensar que há sons ou músicas que despertam uma sensualidade sem igual. Acredito que todos nós tenhamos ‘aquela’ música que cria uma sensação de friozinho na barriga e um lamentar por não ter um namorado ou namorada. Pode ser vista como construção muito personalizada de sexualidade, tipo, condicionamento clássico do cãozinho do Pavlov. O perigo é que estas nossas preferências podem chocar com os gostos musicais do parceiro ou de outras pessoas em geral. Quando o Rui Veloso canta ‘não se ama alguém que não ouve a mesma canção’, ganha todo um outro sentido se pensarmos que a incompatibilidade musical possa ser exposta em momentos de intimidade. Pensem nas vossas listas, peçam outra ao parceira/o, comparem-nas, ouçam-nas e desfrutem. E claro, quando acharem necessário, façam a vossa própria música.
David Chan Macau Visto de Hong Kong VozesConfrontos em Hong Kong [dropcap style=’circle’]N[/dropcap]o passado dia 8 de Fevereiro, o primeiro do Ano do Macaco no Calendário Chinês, ocorreram tumultos violentos em Hong Kong. Os acontecimentos ficaram conhecidos como a Revolta das Bolinhas de Peixe (Fishball Riot)”. O website “wikipedia” fez um relato detalhado, do qual iremos analisar alguns excertos que servirão de base à nossa reflexão: “No passado dia 8 de Fevereiro, o primeiro do Ano Novo Chinês, funcionários do Departamento de Higiene Alimentar e Ambiental (FEHD) tentaram encerrar bancas de comida ilegais, instaladas nas ruas de Mong Kok. O movimento Hong Kong Indigenous (HKI) convocou de imediato a população através das redes sociais, para proteger os vendedores ambulantes e, por volta das 21.00h, estavam reunidas algumas centenas de pessoas que começaram por agredir verbalmente os agentes da FEHD. Por volta das 22.00h, um táxi que vinha a entrar na Portland Street, atropelou acidentalmente um idoso. Os manifestantes bloquearam a rua e impediram o taxista de sair do local. Entretanto a polícia chegou e rodeou a viatura, avisando as pessoas para não se aproximarem. Seguidamente a polícia retirou-se, regressando pouco tempo depois, por volta das 23.45, com um estrado portátil, o que provocou a fúria da multidão. À meia-noite, estalaram confrontos violentos entre a polícia e os manifestantes, quando os agentes da autoridade pretendiam desimpedir as ruas. A polícia, equipada com capacetes e escudos, lançou-se sobre os manifestantes com bastões e gás pimenta. Por seu lado alguns manifestantes, equipados com escudos improvisados, óculos de protecção, capacetes e luvas, arremessaram sobre os polícias garrafas de vidro, tijolos, vasos e caixotes do lixo.” Por volta das 2.00 da manhã, na Argyle Street, um agente da polícia querendo proteger um colega ferido, caído no chão, disparou dois tiros para o ar. “Às 4.00 da manhã, o primeiro de diversos fogos ateados nessa madrugada, desencadeou-se na Sai Yeung Choi Street South, seguido de outros três que viriam a deflagrar nessa mesma rua. Alguns manifestantes lançaram fogo a contentores de lixo, na zona que circunda a Shantung Street e a Soy Street, e que inclui os cruzamentos da Fife Street com a Portland Street e da Nathan Road com a Nelson Street. Os fogos foram apagados pela polícia e pelos bombeiros. As duas transversais da Nathan Road foram cortadas a sul da Argyle Street e a estação de Metro de Mong Kok foi encerrada. Às 7h 15m, depois de um longo impasse, os manifestantes foram retirados da Soy Street, perto da Fa Yuen Street, após a chegada ao local dos agentes especiais da Unidade Táctica de Polícia. Os manifestantes foram dispersando gradualmente, por volta das 8.00 da manhã. Às 9.00h as ruas de Mong Kok estavam calmas e a estação de Metro reabriu às 9h 45m.” Nos confrontos ficaram feridos cerca de 90 agentes da polícia. Um jornalista de Ming Pao queixou-se de ter sido agredido pela polícia apesar de ter mostrado a identificação. Jornalistas da RTHK e da TVB ficaram igualmente feridos nos confrontos. Até sexta-feira, a polícia tinha prendido 65 pessoas, com idades compreendidas entre os 15 anos e os 70. O porta-voz da HKI, Edward Leung Tin-kei, também foi detido. Edward Leung Tin-kei é candidato pelo movimento New Territories East, às eleições para o Conselho Legislativo de Hong Kong. É previsível que mais pessoas venham a ser detidas, ao abrigo da “Lei da Ordem Pública”, acusadas de “provocação de tumultos”. A pena máxima pode chegar aos 10 anos de cadeia Lançar tijolos contra pessoas pode provocar danos graves. Se o agredido morrer, estamos perante um crime de homicídio. Este tipo de comportamento é obviamente irracional. Alguém que queira expressar uma opinião, deve fazê-lo pacificamente. Se uma pessoa for atingida na sequência de confrontos desta natureza, é vítima de “expressão de opinião violenta”. Será esta uma forma correcta de nos expressarmos? E será justo para a vítima? A polícia de Hong Kong tem muito auto-controlo. Nunca agem de forma emocional. Mesmo quando são provocados diversas vezes pelos manifestantes, só usam o gás pimenta para manter a ordem. Nunca disparam nem usam gás lacrimogénio. Os simpáticos e corajosos agentes da polícia de Hong Kong saíram desta situação com uma boa imagem. No entanto a polícia Hong Kong deve prestar mais atenção à forma como usa o equipamento de protecção, especialmente os escudos. Como a maior parte dos agentes foi ferida por tijolos que caiam de cima, verificou-se que os escudos não foram eficazes. Ao contrário da Força Policial de Macau, podem usar escudos para proteger o corpo todo e a cabeça. Desta forma podem impedir ferimentos provocados por objectos que sejam lançados de cima. Estes cuidados adicionais deverão ser considerados. Ponderemos agora sobre os efeitos a curto prazo da Revolta das Bolinhas de Peixe. Nesta situação será que os turistas desejam visitar Hong Kong? Se pensarem na sua segurança, a resposta é obviamente “não”. Se verificarmos as taxas de ocupação dos hotéis de Hong Kong, constataremos que à data dos acontecimentos, as lotações não estavam completas. Os preços baixaram para atrair mais clientela. No primeiro dia do Ano Novo Chinês, a diária num hotel de quatro estrelas, era de apenas 400 HK dólares. Estes tumultos violentos destruíram a economia de Hong Kong. Não se espera que possa haver uma recuperação a curto prazo. Estamos perante um caso de “lançar achas para a fogueira”. Os vendedores ambulantes sem licença são um problema para o Governo de Hong Kong. Alguns manifestantes envolvidos nestas rixas afirmavam que quando lutaram contra o comércio paralelo, houve um decréscimo de turismo em Hong Kong, e mesmo assim venceram. Agora, se o Governo de Hong Kong permitir que os vendedores ambulantes sem licença continuem com os seus negócios em Mongkok, estes manifestantes ficarão com a impressão de ter “vencido” de novo. Se, por um lado, o Governo de Hong Kong perseguir os vendedores ambulantes, estes poderão ver o seu modo de vida posto em causa. Mas também se corre o risco de vir a haver uma segunda “Revolta das Bolinhas de Peixe”. Estas questões podem colocar o Governo num dilema. * Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau
Isabel Castro VozesMá sorte 1. Primeiro foi o troço das antigas muralhas, vandalizado por quem acha que pode fazer o que lhe apetece, onde lhe apetece, quando lhe apetece. Depois foi a Casa de Lou Kao, que levou com uma parede em cima que não lhe pertence, por causa de obras que – dispensa-se o relatório preliminar e também não é preciso esperar por conclusões finais – são feitas às três pancadas, como quase tudo o que diz respeito à construção em Macau. E agora o templo de A-Ma. Um incêndio com causas desconhecidas, em plenas comemorações do ano novo chinês. O património não anda com sorte. Um incêndio de madrugada, de origem incerta. O Instituto Cultural já veio garantir que foi feita, há pouco tempo, uma inspecção ao local, espaço de peregrinação de centenas (milhares?) de pessoas durante estes dias. À hora a que escrevo, presume-se que se tenha tratado de um curto-circuito, uma daquelas coisas de que ninguém tem culpa – ou às tantas tem. Mas não interessa a culpa: já se sabe por aqui morre quase sempre solteira e, quando contrai matrimónio, por norma fá-lo com o cônjuge mais fraco que poderia arranjar. O que importa é pensar no que se anda a fazer, no que se vai fazer, como evitar que estas situações aconteçam. No meio da má sorte, a sorte toda: tivessem as chamas começado a outras horas e este texto seria, todo ele, muito diferente. Num edifício com acessos complicados, a má sorte seria uma enorme tragédia. Macau tem esta estranha condição da má sorte relativa: o mundo vai desabando, mas aqui, neste pedaço de terra crescente, nada acontece. Esta forma de evitar o azar total não se deve à competência das autoridades ou à consciência de quem age no espaço público: deve-se à sorte, que muitos dizem ser divina, apesar de os deuses não serem consensuais. É bom que o azar total não nos bata à porta: antes cair o revestimento dos corredores, que sucumbiu ao frio, do que o tecto em cima da cabeça. Antes furar um pneu num buraco da estrada que já conta com mais de seis meses de vida, do que estourar o carro nesse mesmo buraco que a chuva tapou. Antes isso, claro está. Mas a má sorte que se vai tendo deveria servir para se começar a exigir mais – das autoridades e de quem age no espaço público. É que um dia destes o panchão rebenta no sítio errado, na hora errada, na mão errada. Não há má sorte relativa que não possa ser, um dia, absoluta. 2. Corro o risco de ser culturalmente intolerante. Corro. Mas as touradas também fazem parte da cultura do meu país e não lhes acho a mínima piada, pelo que não é uma questão de idiossincrasia – é mesmo uma questão de bom senso. Macau continua a ser, em termos de ano novo chinês, uma coisa estranha, bastante primitiva. Dir-me-ão que faz parte da tradição isto de andar a queimar coisas para o ar, a horas em que há gente que quer, por exemplo, dormir descansada, sem a sensação de acordar no meio da Guerra do Pacífico. Queimam-se panchões nos locais que as autoridades definem mas também noutros sítios, que já sabemos que há sempre quem faz o que lhe apetece, quando lhe apetece, onde lhe apetece. Dir-me-ão que faz parte da tradição e eu acredito, mas há 300 anos havia outras tradições, aqui e noutras partes do mundo, que se abandonaram por razões lógicas, próprias da evolução da espécie. Os panchões não fazem parte da realidade de muitas cidades da China, que também é tradicionalmente dada a fogos-de-artifício e outros dispositivos ruidosos. Houve alguém, do outro lado da fronteira, que se lembrou da poluição – sonora e sobretudo atmosférica, que isto de andar a queimar coisas não faz nada bem ao ar que se respira. Por aqui, tudo na mesma. A festa ainda dura mais uns dias, pelo que quem quiser dormir que se aguente, porque até à uma da manhã a festa dura e há tolerância governamental para algumas tradições. Os turistas dão jeito e há que manter o povo contente. E depois – que fique claro porque já nos disseram, vezes sem conta, esta verdade absoluta – a culpa da poluição não é nossa. É só má sorte. 3. Outra sorte tiveram os Serviços de Saúde num caso recente que deu origem a uma das notas de imprensa mais extraordinárias que já tive oportunidade de ler. Chegou pouco antes da uma da manhã, acompanhada de uma mensagem para o telefone. O título diz tudo: “SSM [Serviços de Saúde de Macau] agradecem ao tribunal que julgou improcedente um recurso sobre o levantamento da medida de isolamento obrigatório”. Quero ter a esperança de que a nota de imprensa original tenha sido redigida em chinês e que em chinês tenha um sentido completamente diferente. É que não fica bem uma entidade pertencente a um Governo agradecer decisões de órgãos judiciais – por mais importantes que possam ser para a saúde pública, como parece ter sido o caso. É a escolha do verbo, bem sei, pode ser só mesmo falta de jeito, admito. Para a próxima, um “congratulam-se” cai melhor. Ou então um título informativo, daqueles tipo “Tribunal dá razão aos Serviços de Saúde”. Por causa daquelas coisas da separação dos poderes e do Estado de direito. É que só falta mesmo o cesto de frutas e o cartão a acompanhar. Em nome da boa sorte, pois.
Leocardo VozesEles não percebem nada disto… Não sou ninguém para falar de Democracia. Ponto. E digo isto como forma de garantir uma certa imunidade aos anticorpos do chorrilho de disparates que vou dizer a seguir. Disparates para alguns, pois se calhar há quem concorde em número e em grau, ou só num destes dois, não sei, incomodava-me se toda a gente concordasse, mais do que se nem vivalma me desse razão – ou um bocadinho dela, vá lá. E isto no fundo é exactamente do que se trata a tal “Democracia”: uns dizem os disparates que bem lhes apetece, alguns concordam, a maioria discorda, e se há algo que me deixa seguro de que a maior parte vai achar que eu devia era ir dormir “porque o meu mal é sono”, é porque as coisas são assim mesmo, como em quase tudo: não há cabecinha que não produza a sua própria sentença sobre tudo e mais alguma coisa. É por isso que a “Democracia” é uma coisa complicada, afinal. A forma como as coisas deviam ser ou funcionar é aquela que EU acho mais indicada, e a que ME dá mais jeito, ou que ME traz mais vantagens. A “Democracia” é aquilo que EU quero que seja. Na minha casa, onde eu mando, ou noutro lugar onde eu vier eventualmente a mandar, “democracia” é aquilo que eu quiser. Discordam? Ainda bem. Em Macau não existe “Democracia”, claro, uma vez que se trata de uma RAE da RPC (nesta fase do campeonato toda a gente devia saber o que estes acrónimos querem dizer). Nós, portugueses que aqui residimos, convivemos bem com este “vácuo democrático”, e isto apesar de sermos – pelo menos a maioria – oriundos de uma Democracia, essa conquistada “na raça”, vai já para lá de 40 anos. Quem aqui chegou antes de 1999 sabe que antes também não tínhamos uma Democracia propriamente dita. Éramos aquilo que oficialmente se designou de “Território Chinês Sob Administração Portuguesa”, onde concomitantemente se repetiam as mesmas juras de amor: “elevado grau de autonomia”, ou “Macau governado pelas suas gentes”. Tretas, pá. A Catalunha tem um “elevado grau de autonomia” a que Macau não chega sequer aos calcanhares e nem assim estão satisfeitos. As coisas são o que são, e o que vigora na prática é um suave e ameno “come e cala-te”. Com anestesia. Valha-nos isso. Por enquanto. Nesta “não-Democracia” que é Macau, nós Portugueses seguimos cantando e rindo, e vamos tratando da nossa vidinha. Óptimo, que bom para nós. Isto não nos impede de opinar sobre o que seria se aqui funcionasse um entreposto da Democracia, e é do lado do “mero observador” que analisamos o comportamento daqueles que vão pelejando pela “Democracia”, e de um modo geral a análise que se faz é negativa. Sim, adivinharam, vem aí a dose de paternalismo da ordem: estes gajos não percebem nada de Democracia. Nós sim, percebemos bué. Transbordamos de Democracia por tudo o que é poro e outros orifícios cuja liberdade de expressão me permitiriam especificar, mas o mais básico decoro (e bom gosto) me impedem – vêem como eu “edromino” esta cena da Democracia e tudo? Ah, pois. Um bom exemplo de como a Democracia na versão local não funciona nesta não-Democracia que é Macau é a notícia recente que dá conta da saída de um dos “históricos” da Associação que se determina ser a representante da tal “Democracia”, e tudo porque “não concorda com o rumo que a nova geração de dirigentes está a dar à associação”. Isto é grave. Quer dizer, deve ser, para alguém. Para nós, que sabemos o que é uma Democracia às direitas é indiferente, ou até dá jeito, uma vez que, repito, “estes gajos não percebem nada de Democracia”. Ainda iam arruinar o banquete, com aquela receita marada de “Democracia” que para ali desencantaram – se é que se pode chamar àquilo “Democracia”, sinceramente. Se percebessem da missa metade, marcavam um congresso, e de um lado ficavam os Au-Kam-Samistas, do outro os Jason-Chaoistas, e numa terceira alternativa (só para chatear, e para aparecer, claro) os Scott-Chiangistas. Depois de muita conversa fiada, lá emergia o novo líder, os outros aplaudiam este exemplo de “Democracia on the making”, e ficava tudo na mesma. Esperem lá, na mesma não. Estes novos dirigentes são o quê? Ah, muito “radicais”, dizem. E ainda “adoptam um discurso xenófobo”, dizem também. De facto, dá medo só de olhar para eles, e imaginem que foram ao ponto de defender que os Trabalhadores não-residentes têm…ora essa, estou a fazer confusão. Quem disse isso foi a outra, uma das representantes das Associações da contra-Democracia. Isto de viver numa não-Democracia consegue ser mais complicado que uma Democracia propriamente dita. Deixem lá. Entretanto esta terça-feira em Hong Kong tivemos a polícia a carregar em cidadãos, tendo efectuado mais de 50 detenções e deixado uma centena de manifestantes com a carola rachada. Em Hong Kong, onde ainda não há muito tempo tivemos uma espécie de “proto-revolução” que ficou baptizada com o nome de “Guarda-chuva”. Que giro. Esta incluiu ainda uma greve de fome (ou tentativa de greve de fome, enfim), falou-se de “desobediência civil”, e tudo mais que consta do guia “Democracias: faça você mesmo”. Mas que não se entusiasmem aqueles que aguardam por uma “Democracia” aqui ao lado, para que possam lucrar do eventual (e mais que certo) caos que daí adviria. Estes tumultos deveram-se à exaltação de alguns comerciantes que vendiam (ilegalmente, ao que parece) bolas de peixe na rua, e a quem a polícia ordenou que levantassem o estaminé. Ui, para esta gente pior que mexer com a “Democracia” é irem-lhes ao bolso. Isso é que não pode ser mesmo nada. Reitero o que disse no início deste texto: não sou ninguém para falar de Democracia, nem me sentei à volta da fogueira para saber o que custou a liberdade, como na canção do outro. E não sou grande adepto de bolas de peixe, para ser sincero. Pode-se mesmo dizer que por estas bandas a Democracia é como as bolas de peixe: às vezes o sabor pode ser demasiado adstringente para a maioria dos gostos, e quase sempre “há molho”. Ah é verdade, completamente fora de contexto, queria desejar a todos um feliz ano do Macaco. E a isto chama-se acabar em grande estilo. Macaco, com que então. Kung Hei Fat Choi!
Jorge Rodrigues Simão Perspectivas VozesA preocupação pelos riscos globais “Two-thirds of our planet is covered with water (much of it seawater), yet the portion of the world population living in water-stressed conditions is set to rise from slightly more than half today to two-thirds in the 2020s. These conditions will be worse in some regions than others, with the United Nations projecting that 47 percent of the global population is likely to be living in areas reeling under “high” water stress by the end of the next decade. Water shortages already are bringing the battle between water conservation and economic development into sharp relief. Water scarcity, by promising to engender greater political and social upheaval, poses an existential threat to the Arab world, where water already seems a more valuable resource than oil or gas in several states.” Water, Peace, and War: Confronting the Global Water Crisis Brahma Chellaney O “Fórum Económico Mundial ou Fórum de Davos” é uma fundação constituída em 1971, por Klaus Schwab, com sede em Genebra, que se reúne anualmente em Davos, com a presença dos líderes económicos, políticos e dos meios de comunicação social mundiais, representando o poder e as elites que dirigem e controlam o mundo. O Fórum de Davos reuniu-se, entre 20 e 23 de Janeiro de 2016, e publica há uma década um “Relatório sobre Riscos Globais” muito importante, não apenas porque reflecte o pensamento e as intenções dessas elites, mas pelo que se pode extrair. O “Relatório sobre Riscos Globais de 2016” foi publicado a 14 de Janeiro de 2016, e é dirigido às classes dirigentes económicas e políticas, como preparação e adaptação aos riscos nele previstos. O relatório destaca as formas pelas quais os riscos globais podiam evoluir e interactuar na próxima década. A importância reside na visão de liderança e de manutenção da situação actual, e no que está escrito acerca da humanidade, bem como do meio ambiente que a rodeia. O ano de 2016 é um claro marco de ruptura, quando comparado com os resultados dos relatórios anteriores, dado que os riscos para os quais o relatório tem estado a alertar durante a última década, estão a começar a apresentar novas formas de se manifestarem, em situações inesperadas e a afectar as pessoas, instituições e economias. É de prever que o aquecimento global faça aumentar a temperatura do planeta, em um grau centígrado, relativamente à média da era pré-industrial, que sessenta milhões de pessoas foram deslocadas dos seus locais de residência e que os crimes cibernéticos custam à economia mundial cerca de quatrocentos e cinquenta mil milhões de dólares. Os temas geopolíticos continuam pelo segundo ano consecutivo, a ocupar um lugar elevado nas preocupações do estudo de “Percepção de Riscos Globais”. O relatório aprofunda o cenário internacional da segurança, analisando os seus principais elementos, e em concreto, estuda como poderia ser afectada pela “Quarta Revolução Industrial”, que cria riscos derivados da incapacidade de se entender os desafios que produz, e como a transição afectará os países, economias e pessoas num momento de desaceleração económica, assim como, as alterações climáticas. Os três cenários desenvolvidos apresentam novas formas de construir a resiliência às ameaças à segurança pela colaboração público-privada. O relatório analisa como os riscos e tendências globais emergentes, como as alterações climáticas, o aumento da ciberdependência e as desigualdades económicas estão a afectar algumas sociedades, que se encontram sob pressão, destacando três grupos denominados de riscos contextualizados. A construção da resiliência leva a adquirir a capacidade de analisar riscos globais a partir da visão de actores específicos, considerando a importância dos riscos globais para a comunidade empresarial a nível regional e nacional. O termo resiliência é um conceito da ciência ecológica, aplicado aos sistemas ecológicos humanos, e não deve ser erradamente usado com fins ideológicos, como tem sido usual. O elemento principal para a construção da resiliência é a estabilidade das sociedades. A sondagem da “Percepção de Riscos Globais” que está subjacente à feitura do relatório, teve a colaboração de setecentos e cinquenta especialistas, pertencentes ao mundo dos negócios, universidades, sociedade civil, sector público e de diversas áreas de trabalho, geográficas e grupos etários. A sondagem consiste num amplo conjunto de vinte e nove riscos globais, classificados como sociais, tecnológicos, económicos, ambientais e geopolíticos num horizonte de dez anos, sendo classificados cada um segundo a probabilidade da sua ocorrência e impacto. Os riscos foram classificados segundo uma escala de 1 a 7, (muito pouco e muito) em dois parâmetros, como são a gravidade (os seus efeitos adversos globais) e a probabilidade de que se tornem reais no período de uma década. A sondagem é bastante significativa, pois a humanidade prevê que viveremos uma década de submissão a um conjunto de enormes problemas, existindo uma alta probabilidade de que se produzam todos em simultâneo, ou pelo menos alguns. O relatório, face a essa informação, aconselha os líderes mundiais que tenham em consideração esses riscos nos seus negócios e governança, e criem mecanismos de preparação, mitigação e adaptação, sobretudo de resiliência, tal como constou do “Relatório de Riscos Globais de 2015”. O “Relatório de Riscos Globais de 2016” emprega numa tabela de termos, usando várias vezes palavras como biosfera, planeta, democracia, justiça, vida, limites, igualdade, desigualdade, sustentabilidade, crescimento económico e resiliência, revelando a sua extrema importância para os riscos globais. É de crer que a tabela de termos reflecte, apesar dos resultados da sua sondagem, que não se querem evitar os riscos, mas ser-lhes resilientes, ou seja, manter o poder. O relatório reflecte, também, que as pessoas estão muito mais preocupadas com o que se está a viver, e o que irá acontecer a esta civilização. Aos poderosos líderes mundiais falta-lhes a mais elementar empatia, o que os torna indivíduos muito perigosos, e esse resultado pode ser retirado do seu conteúdo, sem grandes exercícios de imaginação. O relatório revela as preocupações dos principais líderes de cento e quarenta economias de todo o mundo. O desemprego estrutural e os preços da energia por aumento ou diminuição estão no topo da lista. A sondagem pediu aos inquiridos do sector privado, que identificassem os riscos que criam maior preocupação, quando pretenderem fazer negócios nos próximos dez anos. As respostas representativas das economias referidas, revelam padrões de preocupação a nível nacional e regional, que podem ser de grande utilidade no momento de pensar e decidir, quais os melhores tipos de iniciativas que podem beneficiar o sector privado, na construção da capacidade de recuperação perante os riscos globais. Os riscos económicos, desemprego, subemprego à escala mundial, conjuntamente com os choques no preço da energia são mencionados como os principais riscos, bem como, existe uma grande preocupação com o clima de negócios em setenta economias. O fracasso dos governos, crises fiscais nas principais economias, borbulhas de activos financeiros, crimes cibernéticos e uma profunda instabilidade social, são outros dos motivos de inquietação. Os riscos económicos predominam nas respostas, quanto às perguntas sobre a Europa, incluindo as crises fiscais, desemprego, borbulhas de activos financeiros e preços da energia, sendo esta última, a preocupação do Canadá, enquanto os empresários nos Estados Unidos estão mais preocupados com os riscos relacionados com os ataques cibernéticos. Os inquiridos da Rússia e Ásia Central mostram preocupação pelas crises fiscais e desemprego, bem como a incontrolável inflação e os conflitos interestaduais. Os riscos ambientais derivados de fenómenos meteorológicos extremos e a falta de mitigação e adaptação às alterações climáticas, seguido de grandes desastres naturais, preocupam os grandes empresários na Ásia Oriental e Pacífico, conjuntamente com os preços da energia e as borbulhas de activos financeiros. Os conflitos interestaduais com consequências regionais, também são um problema para os empresários do Norte de África. As preocupações no Sul da Ásia incluem igualmente, os preços da energia, conjuntamente com a crise fiscal, desemprego e fracasso da governança nacional, sendo a principal preocupação da América do Sul e Caraíbas que vêm com desconfiança o futuro dos preços da energia e o nível de desemprego. As principiais preocupações do sector empresarial na África Subsaariana incluem o preço de energia, o fracasso da planificação urbana e a melhoria das infra-estruturas. As alterações climáticas foram outro dos riscos referidos pelos inquiridos. O relatório assinala que é a primeira vez que este risco se apresenta como o mais perigoso de todos, onde se incluem a acção de armas de destruição massiva, que se encontravam continuamente no topo e passaram para lugar secundário. O terceiro risco global mais importante é a crise da água que pode ser agravado pelas alterações climáticas, fazendo referência à acessibilidade do mundo a fontes de água potável. Este risco está associado por sua vez às vagas migratórias que representam um grande risco para as economias da Europa. Há a necessidade de uma melhor gestão da água, como resposta às alterações climáticas e políticas que resolvam de forma adequada os problemas a uma população em crescimento e ao desenvolvimento económico, bem como uma abordagem da crise global de refugiados.
André Ritchie Sorrindo Sempre VozesGavetas e collants Acabei de ler o artigo de opinião “Macaios, uni-vos! Um manifesto” de Fernando Eloy. (*) E achei-lhe uma certa piada. Costuma-se dizer que “Quem classifica, classifica-se”. Precisamente por isso, raramente discuto assuntos em termos absolutos, com receio de ser mal interpretado, e também evito classificar ou dar nomes às coisas, sobretudo quando em causa estão assuntos sensíveis relacionados com a nossa identidade cultural. Classificar é criar gavetas. Gavetas para meias, para cuecas, para calças, tentamos arrumar tudo na gaveta certa. Corre tudo bem quando de repente vem-nos parar às mãos um par de collants – e não sabemos em que gaveta colocar. No contexto peculiar de Macau, o que não falta é collants. Por essa razão fui sempre incapaz de dar nomes às gavetas – digo, aos diversos grupos de pessoas aqui de Macau – e muito menos àquela particular pessoa que sempre acreditei aqui existir e que tem para mim a fundamental característica que se reflecte nessa frase, tirada do mesmo artigo: “Que me interessa a mim de onde vens ou para onde vais se aqui vives e aqui respiras, aqui te agasalhas e aqui procrias, se aqui comes e aqui amas, se aqui esmoreces e aqui rejuvenesces, se aqui estás, é tudo o que me interessa.” No artigo essa pessoa é classificada como “Macaio”. Não que goste particularmente desse termo – aliás vários Macaenses com quem falei franziram as sobrancelhas pois essa expressão é, para muitos, depreciativa. Esclareça-se todavia que essa pessoa não é necessariamente Macaense ou Macaio no “nosso” conceito – e não vou agora elaborar qual o “nosso” conceito dada a abundância de collants, mas é o que todos nós sabemos e aceitamos e que simultaneamente nos esquivamos de descrever por palavras para evitar limitar universos e deixar peças de roupa fora das gavetas. Contudo, essa questão – a palavra Macaio – é para mim irrelevante pois ora interessa-me não tanto o nome que foi escolhido pelo autor do artigo para esse conceito, mas sim o conceito em si e a existência dessa tal pessoa em Macau com o perfil descrito. Trata-se daquele que vive e que foi vivendo aqui em Macau ao longo dos anos e com quem partilhamos uma memória colectiva porque ainda se lembra do caminho das hortas para o Lok Iun, das noites no Mondial e no Moulin Rouge, da força destruidora do tufão Helen, do dia em que balas de Kalashnikovs varreram a entrada do hotel New Century, do chafariz do Largo do Leal Senado onde, à porta do restaurante Long Kei, o vendilhão dos bonecos de massa de arroz mantinha o seu pequeno negócio. Essa pessoa encolheu os ombros e pouca importância deu às sábias palavras que lhe foram ditas por um veterano da terra: “Quem vem para Macau solteiro, casa-se. Quem vem para Macau casado, divorcia-se.” Mas entretanto conheceu o(a) seu (sua) companheiro(a) de vida aqui em Macau. Foi aqui que amou, ou voltou a amar, e fez filhos. E diz a toda a gente, com orgulho, que os seus filhos aqui nasceram. É fiel à sua Pátria – não interessa qual, mas é sempre distante. É um país espectacular, o seu. Mas quis o destino que aqui viesse parar porque veio ainda miúdo com os pais, ou porque tinha aqui um amigo, uma tia, um primo, um não-sei-quem que lhe arranjou um emprego. Veio apenas para ver como eram aqui as coisas, talvez por dois meses, ou no máximo um ano – mas já aqui está há vinte ou trinta. Nunca teve problemas em explorar as zonas antigas da cidade porque quando aqui chegou, ainda antes disto ser reinventado pela mais recente onda de investimentos estrangeiros, era esse o Macau que existia. Conhece bem, por isso, as Mariazinhas, a Rua da Palha, a zona dos Três Candeeiros e as ruelas todas com as lojecas onde se compra o tecido assim ou os botões assado. Tem também no seu passaporte o visto de entradas múltiplas para ir comprar os DVDs a Zhuhai. Come com pauzinhos quando vai à tasca chinesa, pede lulas fritas com pimenta e piri-piri e mata a sede com uma Tsingtao, mas nunca em lata ou em garrafa individual: pede logo uma grande porque foi assim que aqui aprendeu a beber com os amigos. Não se sente incomodado com o ar-condicionado exageradamente frio dos restaurantes – já se habituou a essa prática local e, afinal, sempre assim foi por cá, portanto também não vê nada de errado nisso. E se por acaso se sentir incomodado, também não tem problemas em pedir ao empregado para desligar o ar-condicionado porque o cliente pode e tem sempre razão. Festeja o Ano Novo Chinês e já lhe sai da boca, com toda a naturalidade, o segundo “bom ano” do ano. No trabalho, em finais de Janeiro, diz repetidamente aos colegas: “vamos deixar isso pronto antes do ano novo”. Finalmente, é também possível com essa pessoa desenvolver o seguinte diálogo: A: Onde nasceste? B: Moçambique. A: És Moçambicano? B: Fui ainda criança para Lisboa. A: És Lisboeta? B: Quer dizer, não sei… Vim para Macau adolescente. A: Então sentes-te macaense? B: Não sou Moçambicano, não sou Lisboeta… Sou português, é claro, mas já nem sei se era capaz de lá viver… Vivi mais anos da minha vida aqui em Macau do que noutro sítio. Portanto… Pois que essa pessoa também não sabe ao certo o que é, mas tem noção da sua identidade nem que seja por negação – negação das outras suas possíveis identidades de origem. Caríssimo leitor, se se sentiu identificado, não se preocupe pois talvez não se trate de coincidência – você é um par de collants. E não pense que a descrição feita até aqui se encaixe unicamente aos collants de origem portuguesa. Porque, tal como diz o outro, a peça de roupa aqui em causa pode ser filipina, macaense, chinesa ou tailandesa. É isso que dá riqueza e colorido à textura social de Macau. Não temos, por isso, de ser necessariamente unidos no sentido poético da coisa já que temos perfeita consciência e até assumimos que somos todos collants de cores e tamanhos diferentes. De facto, até certo ponto, pouco ou nada interessa de onde somos ou viemos. Vivemos em Macau desde sabe-se lá quando e, sendo todos nós collants, quando estamos juntos acabamos por encontrar automaticamente a nossa química. Foi sempre assim. Sorrindo Sempre Sobre essa coisa de não haver aulas por causa do frio, tal como dizia Diácono Remédios: “Não havia necessidade!” Se está frio, então os meninos que se agasalhem melhor. Se ficarem doentes, então que fiquem – há medicamentos que curam gripes, certo? Ou vão-me dizer que havia o risco de alguma criança morrer de frio na escola? Atenção: também tenho filhos, preocupa-me e dói-me o coração quando ficam doentes. Mas incomoda-me quando vejo pais que correm atrás dos miúdos nos parques com medo que caiam do escorrega ou que se magoem aqui ou ali. Esse nervosismo em excesso é muito típico de Macau e Hong Kong e aborrece-me porque impede que os meninos cresçam e se façam homens. Estamos a criar flores de estufa. Que depois, quando na idade certa têm de sair da estufa para prosseguir com os estudos, aiyaaaa, coitadinhos, não se adaptaram àquele país porque à noite há bêbados no autocarro e toxicodependentes no comboio, porque da faculdade até casa as ruas estão mal iluminadas, porque as salas de aula cheiram a mofo, ou porque… Faz muito frio. Sorrindo sempre.
António Conceição Júnior VozesA redondeza da bola Dia 3 de Fevereiro foi noticiado que o colombiano Jackson Martinez foi transferido do Atlético de Madrid para o Guangzhou Evergrande, pela módica quantia de 42 milhões de Euros, batendo o recente recorde de 21 milhões de libras que o Jiangsu Juning pagou ao Chelsea pela transferência do brasileiro Ramires. Se atentarmos que a Liga profissional chinesa, conhecida como Super Liga, foi fundada em 2004, produto da reformulação da Chinese Football Association Jia-A League, a notícia terá espantado o mundo ocidental pelo poderio financeiro revelado pelos clubes chineses, mas não a mim, se fizer uma viagem no tempo. Nos inícios da década de 1970, a República Popular da China utilizou sabiamente a “diplomacia do ping pong”. Foi, assim, que em 1972 Richard Nixon se encontrou com Mao Zedong. O recurso ao desporto foi, nesses anos de caminhada para a abertura, uma forma de afirmação. Após uma única participação nos Jogos Olímpicos de Helsínquia em 1952, a R.P.C. só voltou a competir em 1984, em Los Angeles. Recordo-me de na altura ter pensado que a China não iria aos Estados Unidos para passear. E, assim, o regresso saldou-se por 15 medalhas de ouro, 8 de prata e 9 de bronze, tendo ficado classificada em quarto lugar. Nessas olimpíadas emergiu Li Ning, o famoso ginasta chinês que destronou os japoneses e colheu três medalhas de ouro, duas de prata e uma de bronze. A participação da R.P. da China nas competições desportivas mundiais e olímpicas foi ganhando cada vez maior projecção, sendo desde 1984 uma potência desportiva mundial em incontáveis modalidades, decorrente de um trabalho sério, planificado e estratégico. A notícia que abre este escrito suscitou-me, de imediato, a vontade de reflectir sobre o modo como se operou a transformação em grande potência mundial do mais populoso país do mundo, e apetece utilizar a redondeza da bola para o fazer, à guisa de metáfora. Toda a história da China está ligada à correcta utilização do poder, quer directamente do imperador quer, ainda, de estrategas como Sun Tzu e Zugue Liang, para apenas citar os mais famosos. E sabendo-se que Xi Jing Ping gosta de futebol, constatar-se-á que, mais uma vez, e na senda da política de abertura de Deng Xiao Ping, a China recorre a jogadores e técnicos estrangeiros para desenvolver sectores do seu interesse, sem que isso afecte minimamente o prestígio dos clubes, antes lhes confere maior prestígio. Foquemo-nos aqui perto, em Guangzhou, no Guangzhou Evergrande, só possível pela existência de uma economia socialista de mercado onde os bilionários são considerados heróis, por razões óbvias. O Guangzhou Evergrande, agora Guanzhou Taobao Evergrande, é suportado por dois potentados. O Evergrande é um grupo imobiliário que opera em, pelo menos, cem cidades da China e possui 45.8 milhões de metros quadrados de terrenos, sendo presidente do grupo Xu Jiayin, o quinto homem mais rico da China, com uma fortuna avaliada em 7.2 mil milhões. Por seu lado, Jack Ma, dono do potentado Alibaba, vem conferir a esta parceria um poderio económico astronómico que fará empalidecer Abramovitch. É assim que as coisas acontecem, à semelhança da grande dinastia Tang (618-904), quando não apenas convergiram para Ch’ang An mercadores árabes e judeus pela Rota da Seda, como também a sua grandeza e magnificência se exprimiu pela abertura a estudantes Confucionistas da Coreia e do Japão que vieram estudar e também exercer cargos no estrutura imperial. Neste ressurgimento de poder económico e político que a China atravessa, pode-se constatar a grande visão não apenas dos seus dirigentes como, igualmente, dos investidores em todos os campos, nomeadamente o desportivo, chamando para junto de si jogadores e treinadores estrangeiros, assinando contratos com – por exemplo – o Real Madrid para a abertura de 75 campos de futebol para uma academia. Todas as reconstruções devem fazer-se descomplexadamente, sem quaisquer laivos xenófobos, porquanto ir buscar o conhecimento onde ele está é um acto de sabedoria dado àqueles a quem a grandeza de espírito contemplou. Em jeito de remate, veja-se quão empreendedoras e estratégicas são as empresas chinesas: a Ledman Optoelectronic Company, sediada em Shenzhen, sendo já patrocinadora da Super Liga e da Liga I Chinesa, assinou um acordo para patrocinar a II Liga Portuguesa, situação que gerou um mal-estar incompreensível quando em Portugal não se privilegia o jogador português. Não sendo talhado para os negócios, não deixo de analisar com atenção os movimentos tipicamente chineses onde a subtileza ou o poderio se manifestam. Estamos, claro, a falar de um país, segunda economia mundial, que atingiu a posição que ocupa em apenas 40 anos. O mundo pula e avança sempre que se vai buscar o conhecimento onde ele existe. Descomplexadamente.
Leocardo VozesCaiu na rede (e não é peixe) Caso 1: Não há actores pretos nomeados para as principais categorias dos Óscares este ano. E depois? Aparentemente isto é notícia, pois trata-se de “racismo”, e mesmo que ninguém tivesse dado pela “falta de diversidade” na lista da Academia de Artes e Ciências de Hollywood, nunca faltaria a atempada e oportuna(ística) do realizador Spike Lee, o “ombudsman” destas coisas, com a diferença de que ninguém o nomeou, e de “independente” tem muito pouco. Eu descreveria Spike Lee como o “Black Man in Black” da segregação, um cromo daqueles que sozinho preenche uma caderneta inteira. Desconfio que o tipo não conseguia viver sem isto, sinceramente; em suma: é um desocupado. Spike Lee seria bem capaz de acusar o realizador de um biópico sobre a vida do imperador romano Júlio César de “racismo”, alegando “ausência de escravos númidas no enredo”, e possivelmente encontrava algum argumento hist(é)órico delirante para justificar o “casting” de Denzel Washington no papel de Marcus Antonius. Mas até pode ser que Spike Lee seja um pateta, mas de parvo é que ele não tem nada, e como quem lhe atira com mais sarna com que ele depois se entretém a coçar, vieram de imediato os grunhos das redes sociais responder ao chamamento da tolice. Julgando-se com a razão toda do seu lado, aquilo foi um ver se te avias de opiniões obtusas e torpes, ora porque “ELES agora pensam que mandam nisto tudo”, e “tem que ser como ELES querem”, e “quem é que ELES pensam que são”. Fiquei um pouco baralhado: se Spike Lee é um apenas (e já é um a mais), e o número de candidatos pretos às estatuetas mais apetecíveis é zero, quem são os “eles” de que aqui se fala? Bem, eles que são “afro-qualquer-coisa” que se entendam. Caso 2: O toureiro espanhol Francisco Rivera Ordóñez (olé!), provavelmente aborrecido com tanta falta de protagonismo, decide chocar o mundo – coisa relativamente fácil nos tempos que correm, aparentemente. Para o efeito decidiu divulgar imagens suas onde aparece a lidar um touro, enquanto segura ao colo a sua filha de apenas cinco meses de idade. O “problema” aqui é evidente, tratando-se de algo que tanto eu como o estimado leitor não incluiríamos no nosso rol de “actividades a desenvolver com os nossos recém-nascidos”, mas aqui com o Paco a conversa é outra. Filho, neto e bisneto de toureiros, o avô de Rivera “fazia o mesmo com ele e com o seu pai”, e apesar deste último ter encontrado a morte numa arena com apenas 36 anos, isso não o inibiu de lhe seguir as pisadas. Ainda tão recentemente com em Agosto do ano passado, o destemido lidador foi contemplado com um “piercing” gástrico, cortesia de um dos bovinos que insiste em enfrentar, naquilo a que tanto ele como a sua “afición” insistem em preservar como tradição, chamando-lhe ainda de “arte”. Quem não se inibiu de expressar de imediato o seu repúdio, asco, “ai Jesus que lá vou eu” foram os mui reverendos opositores da festa brava, e quer nas redes sociais, quer nas secções de comentários da própria notícia choveram impropérios, rogaram-se pragas, chamaram-se todos os nomes ao Paco, que não fez mais do que…aquilo que sabe fazer, pronto, deu-lhe para isto, como podia ter-lhe dado para ser fiscal das finanças. A criancinha? É dele, e ele lá sabe as linhas com que se cose. Naquele momento até podia ser que estivesse a pensar noutra coisa qualquer – na tetinha da mamã, por exemplo, e não há nada que nos diga que a progenitora tenha desaprovado a iniciativa do marido – mas até aposto que quando tomar consciência dos actos do pai, a miúda vai achar aquilo “o máximo”. Se eu censuro? Não aprovo, mas duvido que isto se insira na categoria de “má influência”, ou que surja por aí uma legião de imitadores. Do que tenho a certeza é que em nada contribuiria para a minha felicidade a eventualidade do perturbado senhor sofrer uma morte horrível no exercício da sua actividade. Nem entendo quem poderia ficar a ganhar com isso, para ser sincero. Caso 3: Em vésperas da visita de altos dignatários da República Islâmica do Irão, as autoridades italianas decidiram cobrir as estátuas de corpos nus existentes na capital daquele país, de modo a “não ofender” os seus púdicos convidados. Ahem. Quer o “timing”, quer a própria ideia leva-me a suspeitar que os italianos estavam a ser “fresquinhos”: nem Roma é uma espécie de Castelo-Fantasma da Feira Popular com “madonnas” desnudadas em vez de assombrações, nem os “aiatolas” rastejaram de um qualquer buraco e desatam a arrancar os cabelos em desespero perante a visão de um par de mamocas de pedra. Tenho até a convicção de que estas elites sunitas têm consciência daquilo que esperam encontrar em Itália, tratando-se de pessoas de carne e osso, alfabetizadas e cientes de que o mundo vai para lá da Pérsia e arredores. Só faltava os italianos ensinarem-lhes a comer com utensílios, incutindo de seguida a noções elementares de higiene pessoal – “para não ofender”, dizem eles. Pois, pois. Mas houve logo quem tivesse feito segundas leituras do acontecimento, e interpretasse isto como uma “submissão do Ocidente aos valores do Islão”. Ena, o que para aí vai, como se tivessem sido os referidos cavalheiros a encomendar tamanho sermão. Como não podia deixar de ser, cada um arrotou a sua posta de pescada, e entre os habituais insultos à confissão maometana, liam-se sugestões sobre “o que fazer para endireitar aqueles tipos”, das quais destaco “visitas ao Bairro Alto, gajas e vinho”, entre outras formas de deboche, que é o “modus vivant” das pessoas livres e civilizadas. Claro, claro. E mais: aproveitando a crista da onda, o nosso novel Ministro da Cultura, João Soares, decidiu contribuir para a tragicomédia, afirmando que “em Portugal ninguém taparia coisa nenhuma para não ofender ninguém”. Sim senhor, aquilo é que é um homem com um grande par de…como é que se diz “bochechas” em castelhano? Deixem para lá, não interessa. Conclusão: Já o fiz aqui antes e volto a reiterar: demos graças às forças armadas e outros agentes da ordem, que são o sustentáculo da nossa democracia. Com o povão no poder, estávamos entregues à bicharada.
Fernando Eloy VozesPerguntas lixadas Percebo que a vida do Secretário Raimundo do Rosário não deve ser um mar de rosas. Percebo quão frustrante deve ser responder às perguntas idiotas de muitos deputados, conselheiros e afins e reagir a propostas descabidas umas atrás das outras. Percebo quão difícil deverá ser trocar uma vida na Europa por um inferno de terrenos, gente sem visão, guerras figadais, interesses feudais e gente com a mania de andar de carro para fazer meia dúzia de quilómetros. Percebo até que nas conversas com os seus botões se interrogue sobre o que lhe passou pela cabeça quando decidiu aceitar o lugar mas não percebo respostas do género “não sei” quando, como foi caso, o interpelaram sobre a questão da reciclagem. Especialmente depois de viver 15 anos em Portugal onde, pode-se dizer, as campanhas de reciclagem foram um sucesso. Sim, nem tudo dá barraca no país da ponta. Hoje, segundo dados divulgados este mês pela Sociedade Ponto Verde, 50 milhões de euros depois e passados 20 anos, cerca de 70% dos portugueses sabem o que é reciclagem. De acordo com o director geral da organização, Luís Veiga Martins, em 2000, “o termo ‘reciclagem’ ainda era desconhecido para a esmagadora maioria da população portuguesa e três anos mais tarde apenas 38% das pessoas faziam a recolha selectiva das embalagens usadas, percentagem que disparou para 60% em 2007 e para 71% em 2015”. Qual foi o truque em Portugal? Campanhas de sensibilização. Campanhas bem feitas e pontos de recolha em todo o lado onde existem caixotes de lixo, objectos visíveis, coloridos, chamativos e não as pré-históricas latas que o Secretário conhece e, justiça seja feita, utiliza. Como ele disse, não sabe como convencer as pessoas, mas isso não tem mal nenhum; mas deve, isso sim, saber o que tem de ser feito: publicidade, campanhas e, para isso, existem empresas especializadas. Para a nova geração de portugueses o que se segue pode não significar nada, mas para quem nasceu nos anos 60 como eu, a imagem de gente a atirar sacos de lixo pelas janelas para os baldios das traseiras, de pilhas de sacos de lixo amontoados nas esquinas e ruas imundas eram imagens frequentes, diárias, até muito perto dos anos 90. O Portugal limpinho e reciclado de hoje não tem nada a ver com o Portugal de há bem pouco tempo, pelo que se até nós aprendemos a reciclar e a limpar, qual será a dificuldade de educar meio milhão numa cidade de meio metro? Mas é óbvio que um Secretário não tem a obrigação de saber fazer campanhas mas tem a obrigação de saber o que as deve fazer. Não saber o que acontece ao lixo depois de ser escolhido é que já é mais grave. Como não sabe? Eu sei que o departamento que dirige deve estar assoberbado de trabalho, também sei que a Direcção dos Serviços de Protecção Ambiente é como se não existisse, ao ponto de não percebermos bem o significado da parte “Protecção” da designação ou não andávamos todos a respirar mal e com índices de qualidade do ar consistentemente piores que Central em Hong Kong e, frequentemente, pior do que Cantão ou Foshan. Também sei que as campanhas, quase invisíveis, da DSPA parecem mais destinadas à pré-primária do que a pessoas com dois dedos de testa, mas não se pode esperar respostas deste género de um Secretário a menos que a permanência em Macau já o tenha obrigado a ajustar-se ao nível local para não parecer deslocado. Disse ainda o Dr. Raimundo, ou a imprensa assim o escreve, que “anda atrás” da DSPA. Como atrás, senhor Secretário? Tem é de andar em cima deles, tem de os pôr a trabalhar e fazê-los perceber que já estamos no século XXI e não nos anos 80. Quero, por isso, acreditar que as respostas de Raimundo do Rosário foram apenas um desabafo de fim de dia, uma forma menos agressiva de mandar os deputados à fava (muitos bem que precisavam de um passeio pelo faval) ou o resultado de quem já não pode ouvir mais cretinices como a da deputada que pretende uma lei para obrigar as pessoas a reciclar. Claro que ninguém é de ferro e a lucidez em condições como as que ele tem de aguentar falha, mas o Secretário não foi propriamente apanhado com questões ao virar da esquina e sabia ao que ia. Se não tinha as respostas é porque não tem assessores de categoria que o protegessem de ir nu para a praça, o que me leva a crer que qualquer plano de reciclagem que venha a ser encetado tem de ir muito para além dos resíduos. MÚSICA DA SEMANA David Bowie – “Absolute Begginers” “I’ve nothing much to offer There’s nothing much to take I’m an absolute beginner But I’m absolutely sane As long as we’re together The rest can go to hell I absolutely love you But we’re absolute beginners With eyes completely open But nervous all the same”