Tailândia | Vence o “Sim” à Constituição proposta pela Junta Militar

O país das praias e dos sorrisos vai ter uma nova Constituição proposta pela Junta Militar, que actualmente governa o país. Após um período sem debates públicos sobre o tema e com detenções de activistas, aguarda-se um novo caminho político na Tailândia

[dropcap style=’circle’]P[/dropcap]olémicas à parte, a decisão foi democrática. É o primeiro pensamento de Suraphou Kanyukt, jovem tailandês a residir em Macau. Deixou o seu país há alguns anos, para mudar de vida noutro lugar, e é à distância que encara o referendo de domingo, que decretou o “Sim” a uma nova Constituição, proposta pela Junta Militar.
Cerca de 61% dos eleitores escolheram uma mudança na Constituição, contra 38% dos votos contra. No total, 23 províncias tailandesas votaram contra, cinco das quais situadas a norte do país. Este foi um referendo bastante participado, já que 94% dos eleitores registados se dirigiram às urnas. Cerca de 50 milhões de pessoas estavam registadas para votar no referendo sobre a nova Constituição, redigida por um Comité de 21 membros eleitos pela Junta Militar e que foi criticado pelos principais partidos do país e organizações internacionais.
“Diria apenas que se o resultado foi este temos de o respeitar”, disse ao HM Suraphou Kanyukt. “Espero que possamos ter uma melhor Tailândia, com o crescimento da economia. É isso que eu verdadeiramente espero que aconteça”, acrescentou.
Na região norte o “Não” dominou por se tratar da base principal do partido deposto pelo golpe de Estado de 2014. Yingluck Shinawatra, líder do Pheu Thai e deposta do poder em 2014, já fez uma declaração pública após a vitória do “Sim”, referindo que aceita os resultados e que não está surpreendida. Para Shinawatra este é, contudo, um resultado que traz um retrocesso à Tailândia, por ter sido aprovada uma Constituição, que a seu ver, não é democrática.
O primeiro-ministro e líder da Junta Militar, Prayuth Chan-ocha, referiu que a participação no referendo “é uma parte do processo da agenda do Governo em prol da participação da população no progresso da Tailândia, em prol da implementação de reformas políticas democráticas”.
“O Governo tudo vai fazer para levar a cabo este resultado e fazer os possíveis para ter em conta as preocupações e providenciais soluções sustentáveis para os problemas políticos do país”, disse ainda.

Contra a corrupção

A Tailândia já teve 19 constituições, quase todas substituídas depois da intervenção dos militares, desde o final da monarquia absolutista, em 1932. Os militares tomaram o poder num golpe de Estado em 2014 e estabeleceram a aprovação da nova Constituição como um passo prévio para convocar eleições e restabelecer a democracia. 7ago2016---mulher-vota-no-referendo-sobre-mudanca-na-constituicao-da-tailandia-1470578777119_615x300
A proposta de Constituição que foi a votos terá sido feita a pensar na luta contra a corrupção. Entre os pontos mais polémicos está a criação de um Senado nomeado pela junta militar e do qual dependerá a aprovação de leis ou a designação de titulares de diversos cargos, incluindo judiciais. Será ainda o Senado a decidir a composição de organismos chave, como é o caso da Comissão Anti-Corrupção ou o Tribunal Constitucional.
Os críticos referem que a proposta debilita o Governo e os cargos eleitos e consolida o poder dos militares e organismos estatais controlados por burocratas da vida política do país.
Antes da realização do referendo foram proibidos os debates públicos sobre a proposta, fossem a favor ou contra o texto, e nas últimas semanas foram perseguidos e detidos todos aqueles que apelaram ao voto no “não” à nova Constituição. Foi também encerrada uma cadeia de televisão.
Dada a proibição de qualquer debate público, a informação sobre a nova Constituição limitou-se a pouco mais do que os folhetos distribuídos pela Comissão Eleitoral, cuja imparcialidade é questionada. Os textos nos folhetos insistiam na “felicidade” que espera a Tailândia com a nova Constituição em vigor, que tem como objectivo “impedir que pessoas desonestas façam política”. A criação de um Senado não eleito ou as limitações que serão impostas aos partidos políticos não merecem referência.

“Clima de medo”

A organização de defesa dos Direitos Humanos Amnistia Internacional – em linha com diversas denúncias da comunidade internacional – apontou no sábado “o clima de medo” criado pela Junta Militar com a “constante criminalização da dissidência pacífica, desenhada para silenciar os pontos de vista de que as autoridades não gostam”.
“Se as pessoas não podem dizer aquilo que pensam com liberdade ou participar em actividades políticas sem medo, como é que podem envolver-se sinceramente com este referendo?”, questionou ainda o sub-director para o sudeste asiático da Amnistia Internacional, Josef Benedict, num comunicado.
A Amnistia alertou para a ocorrência de violações generalizadas dos Direitos Humanos durante o período de campanha do referendo. As últimas duas semanas terão ficado marcadas pela perseguição e detenção de dezenas de opositores à proposta, depois de terem sido proibidos quaisquer debates públicos sobre o texto.
A organização de defesa dos Direitos Humanos denunciou “o clima de medo” criado pela junta militar com a “constante criminalização da dissidência pacífica, desenhada para silenciar os pontos de vista de que as autoridades não gostam”.
O HM tentou obter uma reacção junto da sede da Amnistia Internacional em Banguecoque, mas até ao fecho da edição não foi possível obter resposta. O HM tentou ainda contactar com mais tailandeses residentes em Macau mas ninguém se mostrou disponível para falar.

Números

61% dos eleitores escolheram uma mudança na Constituição

94% dos eleitores registados foram às urnas

“Boa para economia”

O governador do Banco da Tailândia, Veerathai Santiprabhob, disse, citado pela agência Reuters, que uma nova Constituição será algo positivo para a economia e para atrair investimento para o país. “Será bom para a economia no segundo semestre, bem como para atrair investimentos privados que possam vir do país ou do estrangeiro.”

A meta da estabilidade

Especialistas ouvidos pela agência Associated Press referem que estes resultados não são, afinal, surpreendentes, dado o clima de instabilidade que o país tem vivido nos últimos anos. Os tailandeses parecem querer viver em paz e uma nova Constituição poderá significar isso mesmo.
Puangthong R. Pawakpan, professor de Ciência Política da Universidade Chulalongkorn University, em Banguecoque, considerou que grande parte das pessoas que votaram a favor acreditam mesmo que uma nova Constituição poderá resolver os problemas de corrupção. “Pensam ainda que assim que existir uma Constituição vão haver novas eleições e os militares irão deixar o poder. Isso mostra a profunda falta de confiança que existe nos políticos.”
Prajak Kongkirati também docente de Ciência Política da Universidade Thammasat, em Banguecoque, fala de um cenário em que as pessoas procuram a estabilidade para o seu país.
“Os eleitores simplesmente compraram o discurso da Junta Militar, que fala do facto da Tailândia necessitar do poder militar para ter estabilidade durante o período de transição. Os eleitores simplesmente acreditam nas fortes regras militares e no novo regime semi-autoritário que tem sido levado a cabo pelos militares, que podem prevenir confrontos políticos e de rua que têm sido uma realidade na Tailândia nos últimos anos. É claro que aqueles que votaram o Sim não leram a Constituição de forma detalhada. Olharam para o panorama geral e aceitaram que o novo sistema levará os militares, tribunais e organismos independentes a fiscalizar os políticos eleitos. É um voto de ansiedade sobre o futuro.”

9 Ago 2016

Angola | Uma crise sem fim à vista, num país onde a China recebe milhões

Angola, um país onde cerca de 70% da população vive com menos de dois dólares por dia. É na venda do petróleo e nos chamados “petrodólares” que assenta a economia do segundo maior produtor do “ouro negro” em África. O preço do barril caiu, os petrodólares não entram nos cofres e a crise instala-se. Não há divisas, não há bens e a miséria continua a ser só de alguns, enquanto o povo, na sua maioria, não se apercebe do que se passa

[dropcap style=’circle’]“[/dropcap]O salário que mingou, a comida que aumentou o preço, de ano para ano…” Podiam ser apenas as palavras das músicas do angolano Paulo Fores, que ao ritmo local do semba, descreve as “coisas da terra”. Mas o tema, que era de há muito, continua mais que actual. Angola está em crise económica, social e humana.
O HM quis saber o que é viver neste momento naquela que ainda há poucos anos era uma economia promissora e que se vê agora a braços com uma crise económica agravada. Da falta de alimentos nos supermercados, à inflação que muda de hora a hora, passando pela falta de divisas para poder comprar o que vem de fora, o cenário é de preocupação pelos que por lá ganham a vida e que sentem na pele o estado das coisas. Mas, paralelamente à crise financeira, está uma outra, caracterizada por um medo geral e o não querer falar do país onde se vive.
Ao HM as respostas de “não falo” foram várias e foi no anonimato que se conseguiu ouvir o relato de um país “sem eira nem beira”, como descreveu ‘L’, um dos inquiridos que lá vive há mais de dez anos e que, “por segurança”, também prefere não se identificar.

Fonte que secou

Em 2014, 70% das receitas fiscais de Angola tiveram por base o petróleo. Um ano depois, o rácio não foi além dos 36,5%. Os números são fornecidos pela agência Lusa face à projecção do governo angolano, que tem por base a quebra continuada da cotação internacional do crude. No segundo maior exportador africano do ouro negro, é o petróleo e a recente ausência dos chamados “petrodólares” a causa de riquezas e desgraças e a culpa é da baixa do preço do barril. angola
Para quem lá vive, a descida de preços do petróleo é efectivamente uma das grandes causas, mas não é só. ‘R’, de 40 anos, um português a trabalhar neste país subsariano, afirma que o “caos” se deve ao facto de não ter sido feita “uma almofada financeira” capaz de evitar que, em momentos destes, as divisas não fossem abaixo. Por outro lado, refere, é a “má gestão aliada à corrupção que está na base do regresso dos tempo difíceis”.
Para ‘J’, também português e que trabalha na capital angolana, o petróleo não é justificação para tudo. “Há gente que se está a aproveitar desta situação de crise”, afirma. A opinião é ainda partilhada por José P., fotógrafo angolano que fala com aflição e tristeza do estado das coisas.
“O petróleo, aliado à má gestão, à má distribuição da riqueza, à corrupção e à ausência de estratégias políticas / económicas que dotassem o país de capacidade para tornear os problemas resultantes da queda dos preços nos mercados internacionais” é a razão da crise. “Uma ineficaz ou inexistente política para a tão propalada diversificação económica são, se calhar, a justificação para o estado em que nos encontramos”, diz ainda, acrescentando que “em tempo de crise há quem se aproveite e muito da situação e que com a especulação enriqueça de um dia para o outro”. É que esta, como descreve, não é uma crise de todos nem para todos.

Acabaram os petrodólares

“Petrodólares” é a gíria usada para classificar os montantes que entram no país com a venda do barril de crude. Baixa o preço, baixam os “petrodólares”. E neste momento o país está sem divisas. “Não há dinheiro” para pagar os bens de primeira necessidade que entram em navios de contentores e aqueles que antes se acumulavam junto ao porto de Luanda são agora “cada vez menos”.
Um país que não produz e que depende em muito das importações apresenta agora as prateleiras dos supermercados cada vez mais vazias e quando há comida, já se começam a ver anúncios de racionamento. “Um litro de leite por cliente” avista-se um pouco por todo o país, “isto quando o há”, como ilustra ‘R’.
De há dois anos a esta parte muito mudou por este país africano. “O custo da comida aumentou muito e há zonas que já nem há”, como afirma ‘J’, enquanto compara o actual estado da Luanda ao que encontrou na sua chegada. “Existirem bens essenciais até existem, mas a preços que são muito elevados” num lugar onde uma laranja importada pode custar 15 dólares.
‘R’ trabalha entre a cidade de Ndalatando e a capital, Luanda. O tempo em viagem entre ambas pode ir até às cinco horas e, se em Luanda até há bens, apesar de racionados e a “preços impensáveis”, naquela cidade de província as prateleiras já começam a aparecer mais vazias e muitos dos produtos que até agora faziam parte do dia a dia dos supermercados tendem a escassear na sua maioria. E nem a preços altos, existem.
“Chega ao ponto de se racionarem as garrafas de água que cada cliente pode levar. Em Ndalatando já não existe carne também”, o que obriga a viagens à capital para que possa ser levada comida para casa.
Já ‘L’, que vive no sul do país diz que “os preços nos mercados mudam de manhã para a tarde, a oferta/variedade é cada vez menor, excepto no Shoprite (cadeia de supermercados angolanos), pois as mercadorias dessa rede vêm por terra, a partir da Namíbia”. “Mas, aproveitam-se e possuem preços pornográficos. Começa a haver racionamento de pão, leite, óleo e sal”, remata.

E o povo?

A diferença de classes é óbvia e oscila entre o petróleo e os diamantes e a farinha de mandioca. A “crise só afecta a alguns” e para R “a população angolana sempre esteve habituada à miséria porque nunca lhes foi dado mais, sentindo-se satisfeitos com a forma como vivem visto não conhecerem outras soluções”. Metaforicamente, ‘L’ afirma que “quem sempre comeu funge, funge continuará a comer”, referindo-se à base alimentar do país baseada numa mistura de água com farinha de mandioca ou de milho, que dá a ilusão de fome saciada e “barriga cheia”. E no futuro, a situação “só vai piorar”.
‘Y’, advogada filha da terra, com cerca de trinta anos, vive na capital. Na sua opinião, a população no geral “nem sequer sabe de muito do que se passa no país”, pois “é preciso mais educação e formação para que as pessoas tenham noção da miséria em que vivem”.
Já José P. baixa os braços ao falar de um povo que “vive um dia após outro, sem sonhos sem perspectivas, sem futuro” enquanto as crianças brincam nas várias lixeiras a céu aberto e que voltam a invadir a capital.
Mas há lugar para a esperança inevitável para quem ali nasceu e ‘Y’ mostra que, no fundo, ainda há uma pequena luz que poderia iluminar o futuro da terra do Kwanza, se o país passasse a investir em si próprio e a ter em conta os outros recursos de que dispõe”. Para a advogada, a solução está no “apostar na produção da agricultura e na agropecuária”, sendo que o país tem fontes de rendimento que não estão a ser usadas da melhor maneira. “Existem muitos recursos que não estão a ser explorados.”

Não há

A saúde sempre foi um sector delicado quando se fala do sector público de Angola, mas “os hospitais de Luanda estão a ficar sem capacidade de resposta devido a surtos de malária e de febre amarela”, como afirmou o Ministro da Saúde de Angola em Março passado.
“Em Luanda, o Hospital Pediátrico David Bernardino, a unidade sanitária especializada no tratamento de crianças, chegou a registar 25 mortes por dia. Faltava um pouco de tudo naquela unidade sanitária desde luvas, seringas, agulhas e diversos materiais gastáveis essenciais para salvar as dezenas de crianças que acorriam àquela unidade hospitalar”, afirma o site de notícias dedicado aos países lusófonos “voaportuguês”. Ainda assim, a situação de emergência não foi declarada.
As campanhas para a vacinação contra a febre amarela, por exemplo, inundam as rádios entre kizombas e kuduros. Mas não há vacinas. Como afirmam declarações anónimas feitas no início deste ano por uma médica que integra a equipa dos Médicos do Mundo. Residente numa província no norte do país, ‘M’ afirma que as vacinas que ali chegam são destinadas aos profissionais de saúde. “Não há mais” e as pessoas que se tentam dirigir aos centro de saúde não conseguem ser vacinadas. Com o medo da epidemia instalado já circulam no mercado paralelo “tubinhos com líquidos variados” que são vendidos à população a preços exorbitantes enquanto vacinas, sem “dó nem piedade”.
O HM entrou em contacto com o Consulado Geral da República de Angola em Macau, mas não obteve resposta até ao final da edição.

Negócio da China – Mais de meia centena de obras atribuídas a empresas chinesas

Não é estranho atravessar os arredores de Luanda e passar por quilómetros de estrada que, não fosse a alternância com os capimzais, poderia ser confundida com uma qualquer estrada na China. Numa das ligação de Luanda à cidade de Viana, os anúncios que denominam as empresas que por ali habitam e os painéis publicitários estão numa língua só expressa em caracteres. É a China que ali vive e é uma área da China para a China.
De empresas de construção, a agências de publicidade e anúncios de venda de areia ou cimento, tudo é escrito em Mandarim e o alvo são as empresas do Império do Meio, que muito tem investido no país.
De acordo com a agência Lusa, e relativamente aos dados mais recentes datados de Junho de 2016, o governo angolano adjudicou a empresas chinesas, por despachos do Presidente da República, José Eduardo dos Santos, 24 obras em várias áreas, por 1,26 milhões de dólares financiados pela Linha de Crédito da China (LCC).

Meninas a fazer farinha de mandioca (Foto de Sofia Mota)
Meninas a fazer farinha de mandioca (Foto de Sofia Mota)

A informação consta de 15 despachos presidenciais com data de 7 de Junho e mais nove de 8 de Junho, aos quais a Lusa teve acesso e que adjudicam as empreitadas a empresas chinesas, ainda que prevendo a subcontratação de algumas empresas angolanas.
Acrescem outras 30 obras para construção de linhas de transporte de electricidade para quase meio milhão de casas, redes de abastecimento de água ou reparação de estradas, em várias províncias do país, igualmente ao abrigo da LCC e adjudicadas a empresas chinesas na última semana de Maio por 1,898 milhões de dólares.
Até à data foram 54 as empreitadas adjudicadas pelo governo angolano a empresas chinesas, no âmbito da LCC e que ascendem já a mais de 3,2 mil milhões de dólares.  
Os concursos foram limitados “por prévia qualificação” das empresas, no âmbito desta linha de financiamento.
A Lusa noticiou a 21 de Janeiro que a LCC vai financiar 155 projectos em Angola com 5,2 mil milhões de dólares, a executar por empresas chinesas, estimando o governo angolano a criação de quase 365 mil empregos.
 No plano operacional da LCC, elaborado pelo governo angolano com as obras a realizar pelas empresas chinesas ao abrigo deste financiamento, o sector da energia e águas lidera, em termos dos montantes a investir, entre nove sectores, com 2,1 mil milhões dólares alocados para 34 projectos.
 O sector da construção, incluindo a reabilitação de estradas, contará com 33 projectos, mobilizando 1,6 mil milhões de dólares.
 A educação concentra o maior número de projectos, num total de 55, sobretudo a construção de escolas, num investimento global de 374 milhões de dólares. O documento é acompanhado por uma lista com 37 empresas chinesas “recomendadas para o mercado angolano”, ao abrigo da LCC.

8 Ago 2016

Direitos Humanos | Crianças detidas às centenas em países com conflitos armados

São aos milhares e estão presas em diversos países, como o Afeganistão, a Síria, o Iraque e os EUA. Mas também as Filipinas e a Tailândia. Um relatório da Human Rights Watch dá conta de crianças detidas por serem consideradas ameaças à segurança nacional, serem suspeitas de participarem em actividades violentas ou por pertencerem a grupos armados

[dropcap style=’circle’]C[/dropcap]hama-se “Extreme Measures: Abuses against Children Detained as National Security Threats”. É o relatório mais recente da Human Rights Watch, foi ontem apresentado, e aponta para a existência de milhares de crianças presas em diversos países por serem consideradas ameaças à segurança nacional, serem suspeitas de participarem em actividades violentas ou por pertencerem a grupos armados. Afeganistão, Síria, Iraque e os EUA estão na lista, mas também as Filipinas e a Tailândia.
Grupos extremistas como o Boko Haram e o Estado Islâmico são parcialmente responsáveis pela situação. As crianças não escapam às mãos dos fanáticos, sendo vítimas de abusos, ou ocupando o papel de militantes. E o problema não pára aqui. “A preocupação e assistência que os governos dão às vítimas de abuso não se estende àquelas crianças apanhadas no lado errado da lei, ou na linha da frente”, nota o relatório. Especialmente em países em guerra ou em conflito armado, os mais novos são detidos e marcados com o carimbo de “ameaça à segurança nacional”. Muitas vezes com a ajuda da lei.
“Devido à ascensão das leis anti-terrorismo, as crianças são apreendidas, desde que estejam ligadas a grupos armados ou que sejam vistas como uma ameaça. São muitas vezes detidas sem qualquer acusação ou julgamento, durante meses ou anos.”
E a forma como são tratados não respeita os direitos humanos. A maioria das vezes não têm direito a advogados ou sequer a ver a família, não sendo presentes a um juiz em muitos dos casos. “Muitas foram sujeitas a interrogatórios e tortura e, em lugares como a Síria, muitas morreram enquanto detidas.”
As condições das detenções pioram com a falta de alimentos ou cuidados médicos. Muitas delas partilham celas demasiado cheias com adultos, correndo o risco de serem violentadas física e sexualmente.

Alertas que não chegam

A situação não é esquecida pelas Nações Unidas, com o secretário-geral, Ban Ki-moon a relembrar, pelo menos desde 2011, que o problema tem persistido e aumentado. Em 2014, entre 23 países em conflito armado, 17 reportaram detenções de crianças. Do Afeganistão ao Iraque, de Israel à Nigéria, da Somália à Síria, centenas de crianças são, diariamente, presas. Muitas delas, nota a Human Rights Watch, “são detidas sem qualquer base para suspeição, ou com provas muito ténues ou por estarem no meio de grupos terroristas que têm membros da sua família como soldados.”
O Comité para os Direitos das Crianças tem vindo a pedir aos países que evitem levar crianças à justiça, mas alguns países permitem que isso continue a acontecer até em tribunais marciais – onde, geralmente, não existe a separação de ofensores juvenis e adultos.
O relatório aponta para casos de tortura “outros actos cruéis e inumanos contra as crianças para que estas confessem crimes”, mas também para que possam ser extraídas informações secretas. Os testemunhos de crianças apontam para violência, choques eléctricos, nudez forçada, violação e execução. “Em algumas circunstâncias, as forças de segurança tendem a torturar mais facilmente crianças do que adultos.”

Síria

Desde o início de conflito em 2011 que as autoridades sírias detiveram “dezenas de milhares” de pessoas em dezenas de centros em todo o país. Um documento lançado pelo Violations Documentation Center in Syria aponta para que, pelo menos, 1433 sejam crianças. Crianças com idades entre os 13 e os 17, mas também de oito anos.
“Desertores do exército sírio disseram à Human Rights Watch que qualquer pessoa com mais de 14 anos poderia ser preso. Em 2011, um tenente-coronel da Brigada Presidencial disse [ao grupo] que tinha detido 50 pessoas depois de uma manifestação, todos homens entre os 15 e os 50 anos. Mas as forças de segurança também tinham na mira determinados activistas – se estes não estivessem em casa, então prendiam a família, incluindo as crianças.”

Nigéria

Desde que começaram os ataques do grupo extremista Boko Haram, em 2009, que centenas de crianças estão envolvidas – à força – nas actividades do grupo. A Human Rights Watch aponta mesmo para milhares de rapazes e raparigas que foram utilizados pelo grupo como bombistas suicidas.
O Boko Haram já destruiu quase mil escolas em seis anos, tendo forçado outras tantas a fechar. Os raptos de mulheres e crianças do sexo feminino são o prato do dia. E a forma como o governo do país tenta contornar a situação não ajuda a proteger os mais novos.
“Faz rusgas e prende dezenas de pessoas, a maioria das vezes homens e rapazes suspeitos de fazerem parte do grupo. Mas as detenções são feitas sem provas ou com informações de pessoas que não são de confiança, havendo casos em que são fornecidas simplesmente a troco de dinheiro. As detenções são feitas em massa e incluem crianças. Segundo a Amnistia Internacional, algumas delas têm apenas nove anos.”
Os relatos sucedem-se: uma criança de dez anos levada por soldados, depois destes terem entrado em sua casa, o terem espancado e prendido. Sete jovens, dos 12 aos 30, todos irmãos, são levados pelos soldados depois de terem sido apanhados a rezar no jardim de casa.
A Amnistia Internacional estima que, desde Maio deste ano, pelo menos vinte crianças estejam detidas num dos centros da Nigéria, sendo 10% do total dos presos. Mas “centenas continuam detidas há anos”.
As condições “horríveis” a que estas crianças e adolescentes estão sujeitas levam à morte por desidratação, doenças, fome e tortura. “Entre Fevereiro e Maio, 11 crianças com menos de seis anos, incluindo quatro bebés, morreram em Giwa (um dos centros de detenção). Uma testemunha relatou mesmo ter visto os corpos de oito crianças”, nota o relatório. crianças guerra
Em Fevereiro, os militares soltaram 275 pessoas que terão sido “erradamente detidas”. Dessas, 72 eram crianças. Cinquenta delas foram presas com as mães.

Afeganistão

Perpetradores de ataques suicidas, talibãs, colocadores de bombas. No Afeganistão, são centenas as crianças acusadas e pertencer a grupos extremistas. Só ano passado, o Ministério da Segurança diz ter detidos 215 rapazes, mas o número “pode ser significativamente maior”.
Exemplo disso são as crianças detidas nas diversas prisões do país: 166 estão em Parwan desde 2015, 53 delas têm menos de 18 anos. Estima-se ainda que mais de 900 outros menores tenham menos de 18 anos.
“Os detidos relatam dezenas de métodos de tortura, incluindo espancamentos com cabos, canos, mangueiras e madeira, arranque dos órgãos genitais e saltos em cima dos corpos, além de violação sexual. As forças de segurança afegãs torturam mais as crianças do que os adultos, em cerca de 7%. Mas a norma é impunidade para estes soldados.”

Congo, Iraque e Israel

Os relatos e os números sucedem-se. No Congo, de 2013 a 2014, pelo menos 257 crianças foram dadas como detidas, 40% sujeitas a tortura. No Iraque, pelo menos 314 crianças, 58 delas com menos de 15 anos, estão detidas acusadas de terrorismo. Algumas estão detidas há mais de três anos, sem acesso à família ou advogados.
A maioria é detida pela ligação familiar a um qualquer membro de grupos extremistas: “são torturadas, com sacos na cabeça ou choques eléctricos” para prestar informações que não sabem.
“Em Setembro de 2012, a polícia federal iraquiana prendeu uma mulher com três filhos, de quatro, seis anos e cinco meses. O filho mais velho contou à tia que viu as autoridades vendar os olhos à mãe, bater-lhe e electrocutá-la, para que esta dissesse onde estava o pai. As crianças ficaram presas longe da mãe durante 40 dias. No mesmo mês, detiveram um casal com uma filha deficiente, de 14 anos, um filho de dez anos e um de 17. Puseram a cabeça do mais novo perto de um pneu de um carro e ameaçaram passar-lhe por cima se não dissesse que tinha armas escondidas. O pai morreu enquanto preso, mas a mãe e as crianças ficaram presas por três meses em Bagdade. A menina de 14 anos, paralítica, disse à avó que sempre que havia visitas de activistas dos direitos humanos à prisão, as crianças eram escondidas na casa de banho.” As forças iraquianas são também conhecidas por violentarem sexualmente as mulheres e meninas que detêm.
Em Israel as coisas não são diferentes, mas os números falam mais alto: entre 500 a 700 crianças são acusadas em tribunais militares. Os crimes? Atirar pedras a soldados israelitas que ocuparam as cidades onde vivem. Em 2015, Israel manteve 220 crianças palestinianas sob custódia por mês. Um total de 422 crianças foram condenadas em 2015 – 116 delas tinham entre 12 e 15 anos. Entre 2012 e 2015 66 crianças foram sujeitas a cela solitária.

EUA

Os Estados Unidos também não escapam à negra lista de abusos contra crianças, entre outros tantos países, como as Filipinas e a Tailândia. Durante operações no Iraque e Afeganistão, militares norte-americanos detiveram “milhares de rapazes suspeitos de participarem” no conflito armado. Só entre 2003 e 2008, como o próprio país confirma, foram presas 2400 crianças por terem sido usados como espiões para os insurgentes ou por serem incumbidas de plantar bombas. Adolescentes de 16 e 17 anos são detidos com adultos em celas que chegam a ter 34 pessoas. crianças guerra
Depois dos ataques do 11 de Setembro, 15 crianças foram levadas para Guantanamo Bay – lá ficaram, alguns até dez anos. Muitas queixam-se de tortura e violações. Alguns são simplesmente soltos, anos depois da detenção.

Actuação urgente

A ONU tem muitas vezes desempenhado um papel importante na protecção das crianças, realça o relatório da Human Rights Watch, tendo em algumas situações conseguido com sucesso a libertação de crianças ou protocolos para garantir a sua transferência de centros de detenção para agências de protecção à criança, que podem ajudar na sua reabilitação e reintegração na sociedade. Em demasiados casos em todo o mundo, no entanto, a prisão continua a ser a norma.
A Human Rights Watch alerta para um problema óbvio: o impacto da detenção pode ser profundo. As crianças são separadas da família e comunidade e é-lhes normalmente negado o acesso à educação. Além de injusta, a situação faz com que as crianças se tornem alienadas e procurem a retaliação aderindo, agora de verdade, a grupos armados.
“Aprender com o comportamento criminoso dos mais velhos e casos de depressão e suicídio” são também consequências.
Ban-ki Moon deixa, por isso, um alerta: privar as crianças da sua liberdade por causa de uma alegada associação com grupos armados “é contrário não só aos melhores interesses da criança, mas também aos interesses da sociedade como um todo”.
O direito internacional reconhece o recrutamento de menores de 18 anos por grupos armados como uma violação dos direitos das crianças e indica que as crianças-soldados devem ser tratadas principalmente como vítimas, com as autoridades a dever focar-se na sua reabilitação e reintegração na vida civil. Mas os governos de diversos países têm expandido as leis de combate ao terrorismo, criando maior margem de manobra para deter suspeitos, incluindo crianças, por tempo indeterminado e sem acusação.

29 Jul 2016

Caminho das Hortas | Dois prédios vão nascer no sítio onde todos querem ficar

O Caminho das Hortas é o um dos poucos lugares que sobreviveu à urbanização da ilha da Taipa. Ali moram pessoas em barracas com parcas condições de higiene e habitação, mas nem isso faz com que desejem sair de um lugar que sentem como seu. Sabem que vão ser construídos dois prédios e que um dia terão de encontrar uma nova casa, mas é ali que encontram a felicidade

[dropcap styl≠’circle’]D[/dropcap]entro dos painéis de zinco forrados a plástico e madeira habitam pessoas que desde sempre só conheceram aquele lugar e aquela casa. No Caminho das Hortas, logo à entrada da ilha da Taipa e no meio dos muros de betão, persiste uma quase aldeia que parou no tempo. As barracas continuam a existir, sem saneamento básico nem condições mínimas de habitação, mas nem por isso as pessoas querem sair daquele lugar pautado pela pobreza. Ainda assim, o tempo marca a hora e também ali o betão vai passar a existir. Em dois terrenos vão nascer dois edifícios com 90 metros de altura. Os projectos são privados e estão neste momento a ser analisados pelo Conselho do Planeamento Urbanístico (CPU).
Todos os dias Alessandra faz aquele caminho de terra batida. Tem a sorte de viver num apartamento localizado bem à entrada do Caminho das Hortas. O vai e vem para ir levar e buscar os filhos à escola faz com que o seu olhar se cruze com os dos moradores chineses.
“Gosto de viver aqui, é tranquilo, calmo, ninguém mexe com ninguém. Mesmo que eu não fale Chinês eles cumprimentam”, disse ao HM. Alessandra desconhece os planos que estão pensados para aquele local, mas não tem dúvidas: com certeza que um dia também aquele local vai ser destruído. caminho_2_sofiamota
“Aqui em Macau tudo se destrói para construir casinos, hotéis e prédios altos. Não queria que isto fosse destruído porque tem muita área verde, até para respirarmos um pouco, temos de manter este pulmão de Macau que é cada vez menor”, diz ao HM.
Se por debaixo do zinco moram pessoas sem nada, que caminham quase por cima dos esgotos e que têm as cozinhas na rua, a verdade é que há famílias que moram em barracas com um pouco mais de condições e exibem o carro que possuem à porta. “O Governo poderia fazer algo por estas famílias, mas provavelmente vai fazer o que faz sempre, que é colocá-las nestes prédios de habitação pública e construir algo aqui”, aponta Alessandra.

O sítio que os viu nascer

Min sai da garagem da barraca que habita com a sua família e já sabe que um dia vai ter de sair dali, mas não vê como pode vencer o braço de ferro com os construtores. Nasceu ali e ali viveu toda a vida. “Os meus avós já aqui moravam”, relembra, e agora divide o lar com os pais e a irmã mais velha. Tem a vida folgada e afirma que se ali mora é por opção. “Não preciso de viver aqui, mas prefiro este sítio”, confessa.
É uma casa de família de quem não conhece outra. Tem um lugar de garagem e Min encara quase com indiferença a mudança nesta terra que está em constante mutação. “Gosto de viver aqui. Mas teremos que procurar outro lugar.” Não sabe ainda onde, nem quando, e aguarda o desenvolvimento do processo “com alguma preocupação”.
Wu, outro residente que ali nasceu diz que “aqui vivem pessoas com poucas posses.” Enquanto fuma um cigarro à porta na entrada do bairro diz ao HM que considera ainda que, por parte do Governo, deve vir uma ajuda. caminho_9_sofiamota
“Não precisamos de ajuda monetária”, afirma, mas sim “de um lugar para viver e acho que o Governo deveria arranjar um apartamento para nós”. Não deixa de referir que considera que as casas normalmente arranjadas pelo Governo “são pequenas para as famílias que ali vivem, sendo que se juntam várias gerações”. Não obstante o tamanho, Wu refere a existência de uma cozinha nos apartamentos, “o que é bom”.
Já para Lang, uma residente com cerca de 30 anos, é precisamente a cozinha que representa a mais valia daquela localização. A sua situa-se na rua, à entrada do quarto de dormir e único também. Lang nasceu e vive ali com o marido. Tem uma vida despreocupada e, apesar de saber do destino do lugar que a sua casa ocupa, não parece ter grandes preocupações. Na perspectiva de mudar para uma casa num prédio, engelha o nariz.
“São casas muito pequenas”, afirma, “com muito pouco espaço”. Lang vive da confecção de petiscos e é a cozinha que mais a preocupa. Ali tem uma placa de fogão improvisada numa banca de madeira ao ar livre em frente ao quarto onde mora.
“Cozinho aqui ao ar livre, o que é bom”, continua, justificando que gosta “de uma cozinha assim”, enquanto aponta com entusiasmo e orgulho para a panela ao lume e a panóplia de tachos e pratos que se acumulam na pequena bancada que é também o seu ganha pão. “Se for para uma dessas casas do Governo não tenho uma cozinha arejada e é tudo muito pequeno. Gosto assim como está”, remata com um sorriso.
Para Lang este lugar é um pouco melhor que “esses prédios altos” dos quais os moradores “não gostam”.
O corredor comum continua beco dentro em direcção ao interior da cozinha-sala-despensa de Hua. A vizinha partilha da opinião daqueles que por sempre ali viveram. Nasceu ali, mas para ela uma das razões fundamentais para lá querer permanecer é mesmo o facto de não gastar dinheiro em rendas.
“Ganhamos muito pouco e aqui também gastamos muito pouco”, afirma. “Pessoas com dinheiro vivem em sítios bons, nós não o temos e temos que viver aqui”, continua, com um sorriso de satisfação. “Eu gosto mesmo é de viver aqui.”
Na perspectiva de ter efectivamente que mudar, Hua tenciona ir procurar uma casa “nova” sendo que “gostaria que fosse semelhante àquela em que habita agora”. Ao mesmo tempo acha que o Governo “não os pode ajudar”.
A preocupação não se sente no bairro. É antes substituída por um certo conformismo, mais ou menos triste, ditado pelo destino. caminho_7_sofiamota
Para nenhum dos moradores a falta de saneamento parece representar um problema maior, sendo que casas de banho são lugares por ali desconhecidos e, se calhar por isso, desnecessários. Para quem sempre assim viveu, a vida ensinou como rodear obstáculos e transformar alguns em vantagens.

Sem consulta

Os dois terrenos nos quais vão nascer os edifícios fazem parte do Plano de Ordenamento Urbanístico da Zona Norte da Taipa, o mesmo que já levou a Associação Novo Macau (ANM) a protestar e a pedir uma consulta pública sobre mesmo. Jason Chao, membro da direcção da ANM, mostra-se contra a construção sem que tenha havido uma consulta prévia à população.
“Não sei se os habitantes têm outros sítios para viver, mas devem ser realojados em habitações públicas”, disse ao HM. “Estamos contra o plano da zona norte da Taipa porque pensamos que deveriam ser construídas mais zonas verdes.”
Rui Leão, arquitecto e membro do CPU, apenas referiu que “quando as pessoas ocuparam e construíram lá barracas tinham a obrigação cívica de ter consciência de que, mais cedo ou mais tarde, iriam ter de sair dos locais. Quando as pessoas constroem uma barraca têm de ter consciência de que estão a construir num terreno que, à partida, vai ter destino”.
Ainda assim, no tempo da Administração portuguesa foi dado aos moradores do local uma espécie de licença para lá habitar. Para Francisco Vizeu Pinheiro, arquitecto, “as pessoas devem ser compensadas, tal como foi feito noutras zonas de barracas em Macau”.
Isto, apesar das habitações públicas “nem sempre darem às famílias a dignidade que estas merecem”. “Há que ver caso a caso, se há famílias com idosos e crianças. Macau está bem fornecida em termos económicos e não deve tratar estas famílias como refugiados económicos ou sociais, mas sim dar-lhes um tratamento digno.”
O arquitecto lembrou a história do Caminho das Hortas, de um tempo em que o território tinha “muitas áreas com bairros de lata e pequenas povoações”. “A Taipa tinha as suas aldeias pequenas, havia muitas fábricas de panchões e zonas agrícolas que foram sendo invadidas por estaleiros de construção, uns legais e outros ilegais. Antes de ser concluída a ponte entre Macau e Taipa já havia zonas de aterros e essas zonas mais antigas ficaram abaixo do nível dos aterros, dos diques. Era interessante manter a memória dessa zona.”
Para Vizeu Pinheiro, “o grande perigo é autorizar apenas a construção de grandes torres sem que se tenha um plano global da zona com uma boa proporção de zonas verdes, paisagismo e zonas de ventilação”, concluiu.
Nos últimos anos, com o desenvolvimento de Macau e a chegada dos trabalhadores não residentes (TNR), o Caminho das Hortas começou a ser habitado por emigrantes que nada sabem da história daquele lugar. Junto a uma oficina moram Sandro Rana e Rojan Lam, vindos do Nepal. Falam com o HM enquanto fazem o almoço e lavam a roupa na máquina de lavar comum. caminho hortas
As casas são pobres, mas aqui os dois homens conseguem pagar uma renda inferior àquelas que são cobradas nos grandes edifícios: cinco mil patacas. Sandro e Rojan vivem alheados do que se passa com as famílias chinesas e desconhecem os planos de construção que existem para aquele lugar. Também não se preocupam que a História do Caminho das Hortas seja destruída: afinal de contas, sempre é melhor casas novas para morar em vez de barracas de quinze metros quadrados sem casas de banho e onde o plástico serve as vezes de chão.

11 Jul 2016

Turquia | Quase meia centena de mortos em atentado terrorista

O Aeroporto Internacional de Atartuk foi alvo de um atentado terrorista perpetrado por três bombistas suicidas, numa altura em que o país vive o período do Ramadão. A Europa já mostrou a sua solidariedade para com a Turquia, enquanto o mundo aguarda um ponto de viragem na luta contra o terrorismo

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] Europa voltou a mergulhar num cenário de sangue e horror com mais um ataque terrorista ao início da noite desta terça-feira (madrugada de quarta-feira em Macau). Desta vez o alvo foi Istambul, capital da Turquia, mais precisamente o Aeroporto Internacional de Atartuk, sendo que até ao fecho desta edição, as autoridades turcas já tinham contabilizado um total de 41 mortos e mais de cem feridos, naquele que é o quarto atentado terrorista que Istambul sofre desde o início do ano.
Três bombistas suicidas fizeram-se explodir num atentado que terá sido organizado pelo Estado Islâmico (também conhecido por Daesh), segundo disseram fontes policiais à agência de notícias Dogan. Mas fontes do Governo turco colocaram também a hipótese do ataque ter sido orquestrado pelos independentistas do PKK (Partido dos Trabalhadores do Curdistão).
O ataque aconteceu naquele que é um dos três aeroportos mais movimentados da Europa e a base de operações da companhia aérea Turkish Airlines. Só o ano passado passaram por este aeroporto mais de 61 milhões de pessoas.
Recep Tayyip Erdogan, presidente da Turquia, lamentou o ataque. Após os acontecimentos, o presidente reuniu-se de emergência com o primeiro-ministro, Binali Yildirim, e com o responsável das forças armadas, o General Hulusi Akar.
“O ataque que teve lugar durante o mês sagrado do Ramadão prova que os terrorista têm como alvo civis inocentes. O único objectivo dos ataques é minar a Turquia pelo derramamento de sangue e causando dor”, lê-se no comunicado divulgado, citado pela CNN Turk. Para o presidente turco, o ataque “só ajuda a produzir propaganda” contra o país, recorrendo ao “sofrimento de pessoas inocentes”. O responsável deixou ainda uma mensagem de esperança: “espero que o ataque ao aeroporto de Ataturk seja um ponto de viragem na luta comum em todo o planeta, com os países ocidentais a liderar o combate às organizações terroristas”, acrescentou. “As bombas de [ontem] em Istambul, tendo em conta o carácter perigoso do terrorismo, podem acontecer em qualquer cidade no mundo, em qualquer aeroporto. Para os grupos terroristas não há diferenças entre Istambul, Londres, Berlim, Ancara ou Chicago.”

UE apoia terrorismo?

O ministro turco dos Negócios Estrangeiros, Mevlüt Çavusoglu, afirmou ontem que o pedido da União Europeia (UE) à Turquia para modificar a sua legislação anti-terrorista significa um “apoio ao terrorismo”, noticiaram ontem meios de informação do país.
“Numa altura em que estamos imersos na luta contra organizações terroristas como o PKK ou o Daesh, dizerem-nos para modificarmos a nossa legislação anti-terrorista sob pena de não se aprovar a eliminação dos visas significa apoiar o terrorismo”, afirmou o Ministro, citado pela agência Efe.
A cadeia turca de televisão CNN Türk e a agência semi-oficial Anadolu fizeram ontem, de acordo com a Efe, eco das declarações do Ministro, proferidas em Viena, durante um jantar com representantes da sociedade civil e empresários turcos, depois de participar numa conferência internacional sobre a Líbia na segunda-feira na capital austríaca.
“Não temos nenhum medo. Quero sublinhar isto: perante uma tal imposição, não baixaremos a cabeça de forma alguma”, insistiu o chefe da diplomacia turca. A redefinição do “terrorismo” na legislação turca em termos mais precisos é uma das 72 exigências da UE para eliminar a necessidade de visas aos cidadãos turcos e uma das cinco que Ancara ainda não cumpre.
Apesar deste compromisso constar no acordo assinado em 2013, o governo turco tem-se recusado ultimamente a cumpri-lo, justificando que não pode permitir-se fazê-lo num momento de conflito com a guerrilha curda e com o Estado Islâmico.
A acusação de “colaboração com o terrorismo” é utilizada de forma corrente nos tribunais turcos contra pessoas críticas em relação ao governo, ainda que não sejam ou tenham sido protagonistas de violência.

Situação turca “mais grave”

Líderes europeus e mundiais já comentaram mais um atentado terrorista ocorrido meses depois dos incidentes de Bruxelas e Paris. François Hollande, presidente francês, referiu que aquilo que aconteceu no Aeroporto Internacional de Ataturk “torna ainda mais grave a situação na Turquia”.
Em comunicado, Hollande considerou que este se trata de “um acto de violência intolerável e que reforça a determinação comum para combater todas as formas de terrorismo”, tendo ainda deixado várias condolências aos familiares das vítimas.
Do lado dos Estados Unidos, a Casa Branca também já reagiu através de um comunicado oficial. “O Aeroporto Internacional Ataturk, tal como o aeroporto de Bruxelas que foi atacado no início do ano, é um símbolo das ligações internacionais e dos laços que nos ligam. Mantemo-nos firmes quanto ao nossos apoio à Turquia, que é nosso aliado na NATO e parceiro, tal como todos os nossos amigos e aliados em todo o mundo, enquanto combatemos a ameaça do terrorismo.”
O Presidente da República Portuguesa, Marcelo Rebelo de Sousa, condenou o atentado, considerando-o como “mais uma inaceitável demonstração da barbárie dos que recusam a paz”. “O Presidente da República condena veementemente o terrível atentado de Istambul, mais uma inaceitável demonstração da barbárie dos que recusam a paz, a liberdade e a democracia, e apresenta sentidas condolências à Turquia e às famílias de todas as vítimas de diversas nacionalidades”, pode ler-se no comunicado publicado na página oficial da Presidência.

A culpa é das redes sociais?
Instituições e particulares queixam-se de promoção de ataques na internet

As redes sociais são usadas por milhões de pessoas em todo o mundo, que as consideram vantajosas, mas são também veículos para fomentar ataques como o de Istambul, alertam instituições e particulares. Muitas destas entidades acabam por levar estas redes sociais à justiça. O Google (YouTube), o Facebook e o Twitter são três das redes sociais que estão agora acusadas em tribunal de permitirem aos grupos jihadistas difundirem a sua ideologia e recrutar membros. A queixa foi apresentada há menos de duas semanas pelo pai de uma estudante californiana, morta nos atentados de Paris, em Novembro do ano passado.
Na terça-feira, imprensa especializada divulgou notícias de que o YouTube e o Facebook já estariam a bloquear, de forma automática, vídeos com conteúdos extremistas, algo que vários governos têm pedido com insistência. Aas redes sociais têm contraposto o pedido com a liberdade de expressão.
Quando se comemora, hoje, o Dia Mundial das Redes Sociais, o tempo é também de alertas para os malefícios que lhes podem estar ligados. O próprio director da CIA (Agência Central de Inteligência dos Estados Unidos), John Brennan, já admitiu que as redes sociais tornam mais difícil o combate ao terrorismo.
As novas tecnologias podem também, nas palavras do responsável, ajudar os grupos terroristas a coordenar acções, ajudar na divulgação da propaganda e inspirar apoiantes um pouco por todo o mundo. Nessa convicção, há menos de duas semanas, o norte-americano Reynaldo Gonzalez apresentou no Tribunal Federal da Califórnia do Norte uma queixa contra três das principais redes sociais (YouTube, Twitter e Facebook), depois de a sua filha, Nohemi Gonzalez, ter morrido nos atentados de Paris do ano passado.

Com consciência

Na queixa afirma-se que as redes sociais têm apoiado, até de forma consciente, a ascensão do grupo extremista Estado Islâmico, permitindo-lhe perpetrar vários ataques, incluindo o de 13 de Novembro, na capital francesa. E acrescenta-se na queixa que, no fim do ano de 2014, o auto-designado Estado Islâmico tinha 70 mil contas no Twitter, das quais pelo menos “79 oficiais”, e que colocava “pelo menos 90 ‘tweets’ por minuto”.
“O Estado Islâmico utiliza o Google (YouTube) e o Facebook da mesma maneira”, lê-se na queixa, na qual se pede às redes sociais em causa uma indemnização. A primeira audição está marcada para 21 de Setembro, no Tribunal Federal de Oakland. Na verdade, a utilização pelo Estado Islâmico das novas tecnologias e das redes sociais é conhecida. O grupo extremista faz propaganda em várias línguas, incluindo em Português, e, no último número da sua publicação, com 68 páginas, faz ameaças de morte, “sem piedade ou remorso”, aos “não crentes”, lembra os últimos atentados, diz que “Paris foi um aviso, Bruxelas foi um lembrete” e acrescenta: o que está para vir é pior e “mais devastador”.
Nas redes sociais há estudos que indicam que só o Estado Islâmico coloca mais de cem mensagens no Twitter em cada minuto e que através das novas tecnologias conseguiu para a sua causa dezenas de milhar de potenciais terroristas.
Hoje há países onde o Facebook é proibido, ou outros (como Israel, na semana passada) que anunciaram a criação de leis para restringir o seu uso. E hoje, provavelmente, as redes sociais vão de novo ser acusadas na sequência dos ataques no aeroporto de Istambul. Apesar de comemorarem o seu dia.

30 Jun 2016

Função Pública | Funcionários falam de ambiente de medo e pressão

Um ambiente de medo e pressão. É assim que alguns funcionários públicos relatam o seu dia-a-dia. Chefes inflexíveis que só ouvem “amigos” prejudicam um local que deveria ser bom. Com consequências graves, é a estabilidade da família que os faz ouvir e calar

[dropcap style=’circle’]É[/dropcap] inegável. Trabalhar na função pública parece ser bastante bom. “Na nossa cultura é normal querermos ir trabalhar para o Governo. Os nossos pais passam-nos essa ideia, que trabalhar na função pública é mais estável, ganhamos mais dinheiro e não há muitos riscos. Não temos de trabalhar muito”, diz-nos Weng, jovem residente de Macau, que, como tantos outros, anseia o momento da publicação dos resultados da candidatura para a função pública. Tem 23 anos e não quer fazer outra coisa. “Quero trabalhar no Governo”, reforça.
Como ela, “quase todos” os seus amigos seguem-lhe os passos. A própria Weng está a fazer aquilo que muitos outros também fizeram. Mas será assim tão bom trabalhar na função pública? Um salário chorudo, horário fixo e leveza na densidade de trabalho serão motivos suficientes para dizer que este é o melhor emprego do mundo?
“É horrível! As pessoas não imaginam o que é trabalhar nos departamentos do Governo. Basta ir perguntar às pessoas, é normal que ninguém queira falar, mas as famílias, a sociedade sabe: não é bom trabalhar na função pública”, responde Ku, funcionário público há 10 anos, que prefere ocultar o departamento onde trabalha.

Silêncio, por favor

Ku começa por explicar que “nem todos os departamentos são maus” mas a realidade mostra que em “quase todos” os sectores registam casos de “abuso de poder”.
“O que reina, entre os funcionários, é o medo. Não podemos dizer nada, não nos é dada a hipótese de expormos as nossas ideias, darmos as nossa opiniões. Já para não falar das queixas. Se o fazemos sofremos consequências, já todos ouvimos histórias dessas e muitos de nós já sentiram as consequências na pele”, continua, afirmando que o próprio é um exemplo disso.
“O meu trabalho é bastante metódico. Escrevo muitos documentos. O nosso sistema informático é antigo, e não há vontade de actualizar, temos de trabalhar com o que há. Não é raro na escrita as vezes darmos erros, normalmente os softwares dão aviso de erro. O nosso não, portanto torna-se ainda mais comum que os documentos possam ter, por vezes, alguns erros. Aconteceu-me comigo, várias vezes. E com os meus colegas. Éramos constantemente repreendidos por uma coisa que podia ser facilmente resolvida. Resolvi apresentar uma sugestão à direcção para instalar um dicionário no nosso software e resolver o problema”, recorda o funcionário público.
A sugestão não foi bem vista pelas chefias que sem tolerância perante o funcionários decidiram atribuir-lhe um castigo, por este ter admitido que errou outras vezes. “Fui castigado, tiraram-me três dias de vencimento alegando que eu tinha errado. Não ouviram a minha sugestão e continuam a acontecer erros. Isso nota-se, por exemplo, nos comunicados à imprensa, ou em qualquer outro documento interno”, aponta, frisando que “fazer o bem quando se têm um chefe que se acha superior e perfeito não adianta”. “É melhor estar calado e deixar a máquina andar sem condutor”, lamenta.

Pressões e tragédia

Com a equipa do HM estão 10 funcionários públicos. Todos eles com relatos mais ou menos graves. O pior caso é a de uma jovem funcionária pública, contada pela boca de Lao, colega de trabalho da vítima. “É muito vulgar os superiores hierárquicos ralharam de forma indiscriminada. Por tudo e por nada, com ou sem razão. A nossa colega estava grávida e todos os dias era alvo de berros e a fúria do chefe. Todos os dias eram berros e mais berros. Muitas vezes lá ia ela para a casa-de-banho chorar. Um dia depois de uma sessão de berros foi para a casa-de-banho uma vez mais, mas demorou muito. Fomos ver o que se passava, estava desmaiada no chão. Infelizmente perdeu o bebé”, relata.
O silêncio invadiu a sala e as caras não pareceram surpresas. “Há muitas histórias como esta”, remata, Cheong, funcionário público com mais de 30 anos de serviço. Leong acrescenta que “seja homem ou mulher, um dia todos cedem e acabam por chorar, de nervos ou de estar farto”.

Amigos à parte

Leong relata ainda situações em que o chefe se torna “altamente inflexível”. “Nós que trabalhamos no terreno sabemos mais do que eles [chefes] e como vamos dar uma opinião ou uma sugestão se eles são inflexíveis? Não querem ouvir? Só se for amigo da pessoa, ou filho de alguém importante”, aponta.
Uma postura de chefe e nunca de líder, os funcionários descrevem um ambiente de pressão laboral. “Todos os dias vamos para o trabalho com medo. Se erramos vamos ouvir berros, é-nos tirado parte do ordenado”, partilha.
Questionados sobre uma possível mudança de trabalho, olham-nos com ar de surpresa. “Não há ordenados como na função pública. Como vamos alimentar as nossas famílias?”, responde Lao.

O “2 5”

Falar para a comunicação social é sempre “um grande problema” e a participação na vida social e política é melhor manter bem longe. Quase todos tinham marcado presença em pelo menos uma manifestação do 1º de Maio. Recordam o ano em que muitos foram de máscaras. “Sabemos que temos consequências se formos para as manifestações”, frisa Leong. Muitas vezes concordam com o que leva as pessoas à rua, mas é melhor ficar a ver, ao longe, para garantir a renovação do contrato de trabalho.
Pior que é isso é método “espião”, mais conhecido por “dois (2) cinco (5)”. “Ás vezes em jantares de trabalho e convívios há um espião, o dois cinco, enviado pelos chefes para tentar saber coisas. Nós pensamos que estamos num ambiente de amigos e até podemos desabafar sobre qualquer coisa, ou criticar os chefes e o espião vai contar tudo. Temos sempre de ter cuidado. Depois fazem-nos a vida negra”, conta um dos funcionários que preferiu não ser identificar.

Influência chinesa

Questionados sobre as possíveis diferenças entre a governação antes e depois da transferência da soberania, aqueles que trabalharam nos dois sistemas não têm dúvidas: “era muito melhor”.
“Com os portugueses podíamos debater assuntos, dar opiniões, havia estímulo, agora não, é mais estilo chinês, ordem e respeito ao chefe”, apontou um dos funcionários que conta com mais de 32 anos de serviço.
Questionado sobre as acusações António Katchi, ex-funcionário público, jurista e docente de Administração Pública no Instituto Politécnico de Macau (IPM), fundamenta a possível mudança de comportamento.
“Depois da transferência do exercício da soberania, Macau continuou a ter um regime político local formalmente semelhante, mas subordinado agora a um regime político nacional estalinista putrefacto, o qual reforçou aqui o poder da sua velha parceira de negócios, a oligarquia local. Tendo em conta este pano de fundo, creio podermos considerar compreensível – o que não significa “aceitável” – a evolução negativa que se registou, quer na faceta liberal do regime político de Macau – que está permanentemente sob ameaça e sofre frequentes facadas -, quer no ambiente interno da função pública”, afirmou ao HM. [quote_box_right]“Ás vezes em jantares de trabalho e convívios há um espião, o dois cinco, enviado pelos chefes para tentar saber coisas”[/quote_box_right]Com a transição o ensino primário e secundário continuou a ser “esmagadoramente dominado por escolas privadas diversas obediências, qual delas a mais conservadora: escolas católicas, escolas protestantes, escolas pró-Pequim, escolas pró-Taipé. Muitos dos alunos saídos dessas escolas foram estudar para universidades da China continental e de Taiwan (e recordemos que Taiwan vivia sob uma ditadura militar fascista até ao início dos anos 90)”.
“Ora, é deste caldo político-cultural que saíram muitas das pessoas que, a partir dos anos 90, começaram a ser apressadamente içadas para os altos cargos da Administração Pública, no âmbito do processo conhecido como ‘localização de quadros’. Algumas outras eram mesmo oriundas da China continental e, de entre estas, uma ou outra vinha directamente das fileiras ou do submundo do Partido ‘Comunista’ Chinês. Estes novos dirigentes, normalmente muito jovens e cheios de vontade de impor a sua autoridade a pessoas mais velhas, mais experientes e amiúde mais qualificadas, vieram substituir pessoas oriundas de Portugal, de onde vinham imbuídas, em maior ou menor grau, dos valores que se tornaram dominantes em Portugal após a Revolução de 1974. A tudo isto acresceu uma especial admiração do primeiro Chefe do Executivo, Ho Haw Wah, por vários aspectos – em geral, os mais negativos – do regime político e da Administração Pública de Singapura. Essa sua admiração, pelos vistos partilhada pela então Secretária para a Administração e Justiça, inspirou o Governo a iniciar uma política indiscriminada de “formação” de funcionários públicos, sobretudo de pessoal de direcção e chefia, em Singapura. Foi como se o farol da Administração Pública de Macau tivesse passado de Portugal para Singapura”, argumentou.

Para nada

As diferenças são então inegáveis, como por exemplo, no apoio à formação. Cheong conta que ele e os seus colegas são obrigados a frequentar formações que em nada lhes são úteis e, sempre, em horários pós laboral.
Este é também um dos exemplos que António Katchi partilha. “(…) Nos anos 90, [os] dirigentes encaravam muito positivamente a decisão dos trabalhadores de tirarem um curso de licenciatura e faziam o possível, dentro dos limites da lei e tendo em conta as necessidades dos serviços, para lhes facilitarem essa acumulação do trabalho com os estudos. A maioria dos actuais magistrados, quer judiciais, quer do Ministério Público, e muitos dos titulares de altos cargos na Administração Pública, beneficiaram desse encorajamento e dessas facilidades. Após a transferência do exercício da soberania, os novos governantes e muitos dos dirigentes da Administração Pública passaram a tentar barrar a ascensão educacional e profissional dos trabalhadores da Administração Pública: não só deixaram de os encorajar, como passaram a dificultar-lhes o estudo por diversas formas – impondo-lhes a prestação frequente de trabalho extraordinário, obrigando-os a frequentar cursos de “formação” inúteis ou de fraca utilidade para o serviço, impedindo-os de sair do serviço um pouco mais cedo para poderem comer e chegar às aulas a tempo e horas, proibindo-os de estudar no local de trabalho mesmo quando não têm nada para fazer, entre outros – , chegando mesmo ao ponto de violar direitos consagrados na lei, como as faltas para exame”, relata.

Mecanismo a caminho

Em reacção, o director dos Serviços de Administração e Função Pública, Kou Peng Kuan garantiu que “criar um bom ambiente de trabalho para os trabalhadores da função pública foi desde sempre uma preocupação do Governo”, daí o Executivo ter apresentado uma proposta para a criação de um mecanismo de tratamentos de queixas dos trabalhadores.
“Este mecanismo serve para fomentar o diálogo entre os trabalhadores e os serviços, resolver atempadamente os eventuais desentendimentos e conflitos entre as partes, criando, deste modo harmonia no ambiente de trabalho”, continuou.
O director explica ainda que o mecanismo prevê a criação de uma entidade imparcial, uma comissão, que “vai acompanhar o resultado do tratamento dos serviços das questões apresentadas pelos trabalhadores, com o objectivo de garantir a justiça e a imparcialidade no tratamento das queixas, e determinar que o trabalhador não pode ser prejudicado em virtude de ter apresentado queixa”.
Compete aos SAFP a formação de recursos humanos para essa averiguação. “O SAFP vai proporcionar formação e orientações aos trabalhadores dos serviços públicos responsáveis pelo tratamento de queixas assegurando um tratamento adequado das queixas, para que, desta forma, seja implementado o mecanismo de queixas e criado um bom e harmonioso ambiente de trabalho”, explicou o director.
“Quer dizer, é o próprio serviço que está a ser acusado que trata da queixa, ou que pede a alguém para tratar da queixa? Não, isto está errado. Este mecanismo de queixas tem que ser efectuado por outra entidade, uma de confiança. Que garanta a segurança do trabalhador. É preciso justiça. O que tem acontecido em Macau, nos seus serviços públicos, é que muitas vezes, quando há um problema a ser analisado, os directores já sabem o que vai acontecer, qual a decisão. Dizem que estão a avaliar mas não”, reagiu Cheong, trabalhador. [quote_box_left]“O que reina, entre os funcionários, é o medo”[/quote_box_left]
Com ou sem mecanismo, no fim, aponta, os mais prejudicados são os cidadãos. “O medo reina na função pública. Eu admito, se vir alguma coisa a acontecer a um colega de trabalho, nunca serei testemunha dele. Tenho medo de represálias e de perder o emprego. Temos medo, temos medo. Quem sofre mais são os próprios cidadãos. Se nós prestamos mal o serviço, como é que vai chegar à sociedade? Pior! O que acontece é que dados errados e informações incorrectas são atribuídas aos cidadãos por causa de todos estes erros e falhas no sistema”, rematou Cheong.

ATFPM recebe 50 queixas por dia

José Pereira Coutinho, presidente da Associação dos Trabalhadores da Função Pública de Macau (ATFPM), não se mostrou admirado quando confrontado com os casos. “É o prato de cada dia”, afirmou. A associação que dirige, conta, recebe “uma média de 50 casos por dia”. “Os trabalhadores da função pública sofrem muitas pressões desnecessárias, deixou de existir um diálogo honesto de olhos para olhos entre superiores e inferiores. A maioria dos trabalhadores são considerados como máquinas. Isto resulta pelo facto de que as pessoas escolhidas para cargos de direcção, e chefia, terem sido escolhidos sem preparação. Isto porque são, normalmente, amigos de amigos”, acusa. Em reacções ao mecanismo a ser criado, Pereira Coutinho não tem dúvidas: “é inútil”.

17 Jun 2016

Residentes de Macau que emigraram não pensam em voltar

Estão em Taiwan, Portugal, Estados Unidos, Austrália, mas são muitos outros os sítios onde os residentes de Macau optaram por viver e trabalhar. Não há números concretos, mas dizem que não têm intenção de voltar –poucas oportunidades de trabalho, alta densidade populacional, nível cultural baixo. Daqui só querem a residência

[dropcap]G[/dropcap]abriela e Jorge são um jovem casal que está a morar em Lisboa, onde trabalham num escritório de advocacia. Gabriela estudou Direito na Universidade de Macau (UM) e participou num plano da Fundação Macau que financiou a aprendizagem da Língua Portuguesa e depois fez o Mestrado em Portugal. Jorge acabou o seu curso também em Língua Portuguesa e Direito, em Portugal, há três anos. Ambos decidiram trabalhar por lá – não por causa do dinheiro, mas porque querem aprender mais.

“Decidi não voltar para Macau porque quero ter contacto com mais pensamentos europeus, alargando a minha visão, e aproveito a vantagem de ser bilingue para conseguir um desenvolvimento mais diversificado”, começou por contar Jorge ao HM. “Não preciso de ganhar muito dinheiro, já ficamos felizes quando ganhamos dinheiro suficiente para a nossa vida”, continuou Gabriela.

Para o jovem advogado, em Macau as opções comerciais são poucas e existe um monopólio forte, algo que, diz, limita as oportunidades para os jovens se desenvolverem no sector comercial. Como a empresa onde Jorge trabalha também tem negócios na China, o jovem volta a Macau quando tem trabalho e, garante, não está totalmente desligado da sua terra natal.

Já Gabriela considera que há mais competição para trabalhar em Macau: é que em Portugal, diz, existem muito poucas pessoas bilingues que trabalham em advocacia. “Como nós sabemos Chinês e Direito, a empresa dá-nos casos importantes para tratar. Se for em Macau, tem que se ser muito experiente”.

Sem dados

A Direcção dos Serviços de Estatísticas e Censos (DSEC) afirmou ao HM que tem seguido os registos de entrada e saída do território de residentes de Macau, para saber se ficam no território durante seis meses. Contudo, ainda que as estatísticas sobre emigrantes sejam um dos critérios considerados no cálculo das estimativa total da população, não há – como admite a DSEC – qualquer número sobre os residentes de Macau que saíram de vez do território. Algo que tem explicação: quando os residentes de Macau emigram podem não usar a sua identidade de residência de Macau e podem ser portadores de passaporte de Portugal ou de um documento de Taiwan.

A DSEC também diz que consulta os Consulados dos diferentes países sobre os dados de emigrantes de Macau, mas disse ao HM “não ser apropriado fornecer os números”.

Questionado pelo HM, o Consulado-Geral de Portugal em Macau e Hong Kong também diz não dispor de dados sobre os residentes de Macau que estão a residir em Portugal, já que estes não são obrigados a informar o posto consular para este efeito.

Pelos filhos

Tal como Jorge e Gabriela, Lizette Akouri também está fora. É macaense e chegou à Austrália há 40 anos, quando tinha apenas 20 anos. Falou com o HM numa mistura de Chinês, Inglês e Português.

“Actualmente costumo falar Inglês, mas falo com a minha mãe em Português e falo Chinês com os meus amigos chineses em Sydney”, conta-nos.

Trabalha na área financeira há 15 anos e recentemente criou um negócio como consultora de Feng Shui. Lizette emigrou para a Austrália por causa dos pais. “Desde 1966 que os meus pais pensavam em sair de Macau. Primeiro por causa da instabilidade da altura, depois por razões financeiras. Eles não olhavam muito para o futuro em Macau e achavam que sair era melhor para os filhos”.

A família da Lizette Akouri ainda pensou em emigrar para os Estados Unidos ou Brasil, mas escolheu a Austrália porque o pai conseguiu uma posição no Consulado de Portugal no país.

A vida na Austrália parece agradar muito a Lizette e prova disso é o facto de ela só ter voltado a visitar Macau pela primeira vez dez anos depois de daqui ter saído. Veio com o marido, egípcio, e o filho. Desde então, aparece em Macau com mais frequência: assiste a cerimónias de casamento de filhos de amigos e participa nos Encontros das Comunidades Macaenses, de três em três anos.

“Voltei a Macau duas vezes no ano passado, o meu marido gosta também muito de Macau. Tenho muitas memórias com amigos, tenho saudade da comida, como o chong fan, a massa de Wan Tan, pastéis de nata”, diz-nos Lizette, salientando que gosta muito do território, só que não pensa em voltar a residir em Macau.

“Há mais oportunidades na Austrália e penso primeiro nos meus filhos. A qualidade do ar na Austrália é melhor, os espaços e as casas são maiores”, frisa.

Como Lizette, Jorge considera que fora de Macau é melhor. Para ele, também Portugal tem mais oportunidades de trabalho e é tem mais qualidade para viver.

“Portugal é um país adequado para viver, a densidade populacional é baixa, a qualidade do ar é melhor. Tem sol e praia, uma clima confortável, o índice de consumo é mais baixo. Há mais ingredientes na comida e mariscos”.
Ainda que veja surgirem problemas de Portugal, entre vantagens e desvantagens, o casal não pensa voltar a residir em Macau.

“Portugal está a enfrentar o envelhecimento da população, a taxa alta de desemprego, a falta de apoio às indústrias principais. Mas, actualmente, Macau não é o lugar ideal para se viver. Depois da transferência de soberania e do [rápido] desenvolvimento surgiram uma série de problemas, tais como a grande população que veio de fora, o trânsito, a saúde, a educação, e o ambiente, que estão a enfrentar uma grande pressão. E a inflação é alta”.

Jorge assegura que sendo chinês, obter um apartamento em Macau é essencial, mas o dinheiro preciso para tal é demasiado. “A pressão de vida em Macau é grande e a qualidade de vida é baixa.”

O jovem casal já tem um filho que nasceu em Portugal. E seguem um princípio simples: “a qualidade de vida não deve ser influenciada pelo trabalho, a saúde do filho é mais importante”.

Formosa, meu amor

Segundo dados do Departamento de Imigração e Protecção de Fronteiras do País, a China é a segunda maior fonte de emigração nos últimos anos, depois da Índia. Os chineses de Hong Kong, Macau e Taiwan e Mongólia fizeram com que houvesse um aumento na migração da Austrália, ocupando 15,4% da população em 2014 e 16,1% no ano seguinte. Mais uma vez o departamento não mostra o número concreto de migrantes de Macau para o país.

E em Taiwan? Como é a situação? Segundo dados da Agência Nacional de Imigração de Taiwan, até Fevereiro de 2016, 88 pessoas de Macau obtiveram autorização de residência na Formosa, enquanto 17 já conseguiram a residência permanente. Cookie Ho é um desses exemplos, a quem foi autorizada a residência em Taiwan graças ao trabalho.

A jovem começou a sua vida em Taiwan em 2005, quando frequentou o curso de Medicina numa universidade taiwanesa. Os dias passaram e a jovem gosta cada vez mais do estilo de vida lá, daí ter surgido a ideia de trabalhar e viver nesta ilha depois de se graduar. Agora está a viver em Taipei e a trabalhar num hospital.

“Não foi difícil encontrar um trabalho quando acabei o curso, porque ser médica não é difícil em Taiwan”, disse.
Além disso, diz-nos, Cookie deixou gradualmente de gostar do ambiente de Macau. “É muito pequeno, o nível cultural das pessoas é baixo, a atitude nos serviços é pior do que em Taiwan.”

Cookie adora Taiwan porque a maioria de pessoas é bem educada, costuma fazer filas, gosta de proteger o ambiente e o mundo. “Tudo é feito conforme as regras. Quanto mais vivo com este estilo, mais a minha atitude e os meus pensamentos mudaram. Quando em Roma, sou como os romanos”.

Apesar de ter deixado a sua terra natal, Cookie costuma voltar a Macau a cada três a seis meses, porque quer encontrar-se com os pais e familiares e também pela gastronomia única de cá.

Mesmo assim, a jovem prefere constituir família em Taiwan, porque casou-se com uma pessoa de nacionalidade taiwanesa.

“Agora não tenho planos para voltar a viver em Macau, porque já tenho vida e trabalho estáveis em Taiwan e gosto muito”.

Cookie Ho diz que, embora muitas pessoas de Macau estudem em Taiwan, não vê muitos a emigrar para lá. A jovem conhece apenas entre três a cinco residentes de Macau que estão a residir em Taiwan.

Lá fora com ligações

Ainda que estejam lá fora, alguns dos residentes de Macau não se desligam totalmente do território. Lizette continua membro, depois de ter sido presidente, da Casa de Macau na Austrália. Deixou o cargo apenas este ano para se concentrar mais no seu negócio.

No país, a Casa de Macau tem 600 membros – 400 são macaenses, mas apenas 200, ou menos, nasceram em Macau. “A maioria de membros é macaense de Hong Kong e até não foi nem conhece muito Macau”.

A ex-presidente considera que a maioria dos macaenses que emigraram para a Austrália não opta por voltar para Macau por considerar finanças, trabalhos mais estáveis, um ambiente mais seguro e hospitais mais avançados.

Mesmo que os filhos sejam macaenses e egípcios, e se identifiquem como australianos, as influências dos costumes de Macau estão bem marcadas: a família fala Chinês, aprendem a cultura de Macau, celebram o Ano Novo Chinês e todos os festivais. E mesmo que Lizette tenha background português, não tem dúvidas: é asiática e é de Macau.

Também Ng U Kwong, americano de Macau, não se desliga do território: continua a ler jornais de Macau através da internet e a voltar a Macau cada um a dois anos, com o objectivo de visitar os familiares.

Ng U Kwong tem 58 anos e é engenheiro civil do Departamento de Transporte do Hawai, sendo agora cidadão dos Estados Unidos. A vida que tem nos EUA faz com que não pense voltar a trabalhar ou morar em Macau – a profissão lá corre bem e é na ilha que se quer estabelecer com a sua mulher, outra emigrante de Macau, com quem tem duas filhas.

Ng chegou ao Hawai em 1985, depois de tirar curso na Universidade do Texas. De cá, saiu com 19 anos, depois de uma licenciatura em Hong Kong. Os seus irmãos também se espalham por Hong Kong, Macau e Estados Unidos.

“Na altura, muitas pessoas de Macau estudaram fora, pelo que sei. Como eu estudei Engenharia Civil, não houve problema em encontrar trabalhos nos EUA.”

Como residente de Macau, Ng esteve atento à transferência de soberania de Macau, em 1999, mesmo que já estivesse nos EUA. Olha para a China como um país numa boa situação e não desgosta que Macau tenha regressado à China.

Apesar de tanto Ng, como a esposa serem os dois residentes de Macau, as filhas de ambos não receberam qualquer educação especial sobre o território. “Levámo-las para visitarem Macau, explicamos que os avós, tias e tios estão lá. Não falámos especialmente de como é Macau, porque não querem saber muito sobre a cidade”.

O HM tentou saber o número de emigrantes de Macau nos Estados Unidos através do Consulado Geral do país para Hong Kong e Macau, mas até ao fecho da edição não conseguiu resposta.

22 Abr 2016

Reportagem | Homossexualidade, o tabu quase visível

Ser gay ou lésbica em Macau é hoje mais fácil do que há uns anos atrás. Mas a pequenez do território e a forte cultura tradicional chinesa fazem com que ainda seja difícil assumir uma relação em pleno. A homossexualidade continua a ser um tabu tolerado mas não debatido, e nem mesmo na comunidade portuguesa as coisas são mais fáceis

Calvin sabe que gosta de homens mas sente-se obrigado a casar com uma mulher para garantir a descendência familiar. António percebeu, desde o primeiro momento em que viu um tronco nu masculino na televisão, ainda em criança, que o sexo igual ao seu o atraía, mas só contou a uma prima mais próxima. Milo namora com um homem na Holanda e a família sabe de tudo. Miguel vive bem a sua homossexualidade e já não se importa com o que os outros pensam de si. Luciana é bissexual e também vive bem com isso.
Todos eles são chineses nascidos em Macau ou portugueses que fizeram do território a sua casa. Vivem a homossexualidade de maneira diferente mas afirmam: apesar de uma maior abertura, continua a ser um assunto que é reconhecido, mas sobre o qual as famílias, patrões ou colegas não falam. A pequena dimensão do território e os fortes laços da cultura chinesa dificultam uma maior expressão da sua sexualidade. Devido à quase inexistência de espaços “gay friendly” ou de actividades de apoio à comunidade LGBT, as aplicações de telemóvel ou internet acabam por servir de porto de abrigo. Para falarem abertamente do assunto, nenhum entrevistado aceitou ser fotografado ou dizer o nome verdadeiro, muito menos a profissão.
António, chinês nascido em Macau, nunca contou à família porque tem a certeza de que esta nunca aceitaria. “Acredito que a sociedade, no geral, tolera a existência de casais do mesmo sexo a viverem juntos. Contudo, não me sinto confortável a fazer isso ou a ter uma relação de forma aberta porque não quero que a minha família saiba. Uma vez que Macau é um território pequeno, e se me assumir como gay de forma frontal, a minha família vai saber. Sem a minha familia saber considero um dia viver com alguém. Acredito que é mais difícil ser gay em Macau devido ao tamanho do território”, contou ao HM.
A cultura chinesa faz com que seja mais difícil a um homem assumir a homossexualidade, garante António. “O estereótipo da homossexualidade na cultura chinesa tradicional é que todos os homens gay agem de forma feminina e preferem sexo anal. Esse é o estereótipo existente na sociedade chinesa em Macau. Também pensam que estão a rejeitar a sua herança cultural (不孝) porque um dos deveres do homem é reproduzir-se e continuar o nome da família. A geração mais velha também fica preocupada com o facto de ninguém da família se sacrificar por eles no futuro devido à falta de descendência”, aponta.
No caso de Calvin, ainda não contou à família, e provavelmente nunca o irá fazer. “Talvez venha a contar, mas não tenho a certeza quanto a isso”, contou ao HM. “Macau não é uma cidade muito gay friendly. Não há actividades ligadas à comunidade LGBT, nem espaços gay. Os homossexuais ou lésbicas só se podem conhecer através de aplicações de telemóvel. Segundo as velhas e tradicionais crenças chinesas a homossexualidade é uma doença. As famílias chinesas em Macau vão querer sempre que o seu filho ou filha não seja gay”, contou.
Apesar disso, Calvin mostra-se confiante com a evolução de mentalidades. “Não sei quanto tempo vai demorar, mas há uma esperança para os gays em Macau. O facto de dois rapazes darem a mão enquanto passeiam na rua é algo normal na Europa ou na Austrália, e as pessoas olham para eles como se fossem um casal heterossexual normal. Aqui, a história é completamente diferente.”

A excepção à regra

O caso de Milo Cheung será certamente uma excepção à regra: a família é chinesa de Macau e ele há muito que mantém uma relação homossexual aberta no país onde vive, a Holanda. “A minha família está feliz com o facto de eu estar numa relação. Sabem da minha relação, falam com o meu companheiro, mas referem-se ao meu namorado como meu amigo, sem falarem sobre ele. Às vezes perguntam-me quando é que as coisas se tornam mais sérias, quando vou crescer e arranjar uma namorada. É algo contraditório, mas eles encaram a minha relação como sendo fruto de uma “fase rebelde”. Tenho uma prima que tem uma namorada há dez anos, todos na família sabem, ela é bem-vinda em todos os encontros familiares, mas é sempre chamada de amiga e nunca de namorada”, contou ao HM por email.
Apesar disso, Milo Cheung teme expor os afectos quando visita o território. “As gerações mais velhas expandiram um pouco os seus horizontes, estudaram no estrangeiro, viajaram, mas não vejo grandes diferenças no que diz respeito aos direitos dos homossexuais e à sua aceitação, isto falando da sociedade no seu todo. Nunca me passou pela cabeça beijar o meu namorado ou dar-lhe a mão em público. Não iria sentir-me ameaçado, mas observado. Viver com alguém não deve ser um problema, tendo em conta que faz parte da cultura chinesa não interferir nas questões pessoais ou em tudo o que acontece dentro de casa. Para o bom e para o mau”, apontou.

Portugueses fechados

Apesar de em Portugal a sociedade ter mudado a sua postura em relação aos homossexuais, principalmente depois da aprovação do casamento entre pessoas do mesmo sexo, os portugueses não vivem a sua homossexualidade no território de forma aberta, devido à pequena dimensão da comunidade.
Miguel, engenheiro a trabalhar num casino, sente isso na pele, e garante que não existe uma maior abertura face à comunidade chinesa. “Não me parece (que isso aconteça). Vivo de forma tranquila a minha homossexualidade e estou a borrifar-me para o que as pessoas pensam, mas também não ando propriamente com um autocolante na testa.”
“A minha sexualidade não é tema de conversa com os meus amigos de Macau, mas estou convencido de que a maior parte sabe que eu sou gay, mas não é assunto. Nunca ninguém me perguntou se era”, disse ainda o engenheiro.
Luciana é bissexual e trabalha como secretária. Apesar de ter chegado de Portugal há pouco tempo, garante que “isto é muito pequeno e toda a gente se conhece, e ainda mais na comunidade portuguesa. Essa questão deixa-me insegura, numa comunidade tão pequena às vezes pode ser um pouco complicado”.

Lésbicas: maior aceitação

Se em Macau ver dois homens de mão dada ou aos beijos na rua pode gerar reacções, a verdade é que ver duas mulheres juntas é bem mais comum e aceitável.
“Curiosamente é mais comum ver duas raparigas de mão dada, tenho visto muitas mulheres, filipinas acho, e com uma atitude aparentemente tranquila quanto à sua exposição”, apontou Miguel. “Já falei com chineses e eles dizem-me que isso tem novamente tem a ver com a herança cultural chinesa, já que há uma enorme esperança depositada no filho masculino. E, de certa forma, o papel social das mulheres é mais secundarizado. O que os chineses me dizem é que das mulheres não se espera nada. É um bocado indiferente se andam de mão dada na rua com outra mulher ou se se deitam umas com as outras. É um assunto que não se discute”, referiu.
Mas se a pressão familiar acontece no lado masculino, as mulheres lésbicas também sentem na pele a necessidade do casamento. “Conheço um casal de duas raparigas que estavam juntas desde o secundário e uma das raparigas acabou porque decidiu que era altura de casar, por pressão da sociedade e da família”, contou Luciana.
Ignorada ou passada para segundo plano, a homossexualidade é muitas vezes encarada como uma fase passageira. “Tenho quase a certeza que as famílias sabem, só que simplesmente a sociedade vive de forma tão harmoniosa que prefere não falar do assunto. Sabem que os filhos têm estas relações mas não dizem nada e sempre podem ter aquela possibilidade de “um dia, quando isso te passar, arranjas alguém”. No trabalho sabem mas ignoram. Conheço pessoas que trabalham na Função Pública, e simplesmente não comentam. É como se não existisse. Quando há jantares, as pessoas não levam o seu par”, rematou Luciana.

Boom, o bar que pretende mudar mentalidades

“Desde que abrimos o bar nunca tivemos problemas”

Há sete anos Jonathan Chong abriu o primeiro bar gay em Macau, o Candy Bar, mas um ano depois o espaço fechava portas. De regresso ao território e noivo e Piotr Szymczuk, Jonathan abriu o “Boom Bar” há cerca de um mês na Taipa, que promete noites de “speed dating”, shows travestis ou noites só para mulheres. boom bar
“Sentimos que havia potencial, e certamente há um mercado e uma procura junto da comunidade gay em Macau, porque costumam sair para Hong Kong. Foi mais fácil abrir este bar do que aquilo que estava à espera, porque muitas pessoas pensam que é muito difícil para a comunidade chinesa aceitar a homossexualidade. Penso que as novas gerações mudaram muito, então aceitam”, contou ao HM.
“Desde que abrimos que nunca tivemos problemas”, disse Piotr. “Na verdade as pessoas gostam do bar porque criamos um espaço para relaxar, falamos com as pessoas para que se sintam em casa. Criámos um espaço diferente porque podemos, gostamos de conversar com as pessoas.”
Todos podem divertir-se no Boom Bar, que até já tem clientes heterossexuais assíduos. “Quero fazer algo pela comunidade, porque quando percebemos pela primeira vez que somos gay, especialmente em Macau, não há forma de conhecer pessoas. Com a internet e aplicações é mais fácil hoje em dia, mas para mim conhecer alguém cara a cara num bar é diferente”, disse Jonathan.
Piotr, que saiu da Polónia por causa da discriminação, garante que em Macau a homossexualidade não é falada, mas também não origina violência. “A boa coisa dos chineses é que são conservadores, mas não são agressivos. Na Polónia muitas vezes senti medo, porque as pessoas olham directamente para ti e sentes-te ameaçado. Os chineses não são violentos”, contou.
“A sociedade está mais aberta, especialmente as gerações mais novas. Em relação aos mais velhos, tenho amigos que ainda têm medo que as pessoas descubram. Os mais jovens são mais abertos e há muitos deles que já contam às famílias. Os nascidos na década de 70 ainda estão presos e escondem aquilo que são, mas os mais novos são mais abertos em relação à sua sexualidade”, frisou Jonathan.

Anthony Lam, da Associação Arco-Íris

“Há mais pessoas conscientes dos direitos LGBT”

Anthony Lam é desde 2013 o principal rosto da Associação Arco-Íris, a primeira do território a colocar a homossexualidade na agenda política e social. Com apenas mil seguidores no Facebook, a associação continua a não ter membros formais. Anthony Lam garante que a comunidade continua a não querer expor-se demasiado, apesar de uma maior aberta de mentalidades.
“Desde a criação da associação iniciámos uma discussão pública sobre o assunto e há mais pessoas conscientes dos direitos LGBT. Nos últimos anos temos vindo a trabalhar para atrair as atenções do público, mas vemos que os gays continuam a não gostar deste tipo de actividades, preferem coisas mais discretas. Então daqui a um ano ou dois trabalharemos nesse sentido. O debate sobre as questões LGBT ainda não é muito popular, em Macau os hotéis e casinos ainda não proporcionam uma resposta aos casais gay, ao contrário de Las Vegas”, exemplificou.

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“Temos sido bem aceites pelo público em geral, se a situação dos LGBT em Macau se tornar mais aceitável, a associação também o vai ser. Na estrutura familiar chinesa nem o amor é debatido de forma livre, por isso a falta de discussão não é apenas um problema da comunidade LGBT. É uma questão cultural”, rematou Anthony Lam.

1 Fev 2016

Taiwan | Eleições poderão ditar vitória dos democratas

O que esperam os taiwaneses depois de oito anos de Kuomitang? Mais justiça social e uma melhor economia. No próximo dia 16, a Formosa escolhe o seu novo presidente, provavelmente da actual oposição, mas poucos acreditam em sucessos a haver

[dropcap style=’circle’]M[/dropcap]a Ying-jeou conseguiu um feito histórico em oito anos de mandato na República da China, ou Taiwan, mas quase se pode dizer que arruinou a imagem do seu partido – o Partido Nacionalista Chinês, Kuomitang – junto de parte da opinião pública. Sobretudo os jovens, só pensam numa mudança nas próximas eleições presidenciais, agendadas para 16 de Janeiro. O Partido Democrático Progressista (PDP), de Tsai Ing-wen, deverá ser a escolha de muitos para mudar os destinos da Ilha Formosa, dizem as sondagens.
“As gerações mais jovens não estão satisfeitas com as políticas do Kuomitang há muitos anos, especialmente em relação à sua atitude em relação à China e à sua incapacidade para resolver problemas como os baixos salários junto dos mais jovens e os elevados preços das casas”, contou ao HM Íris Li, jornalista taiwanesa de 28 anos a viver em Taipé. “Há mesmo uma frase que diz: ‘Se o Kuomitang não cair, o futuro de Taiwan não vai ser melhor”, acrescentou.
Apesar do seu voto apontar para os democratas, Íris Li não esquece o período em que o DPP esteve no poder com Chen Shui-bian, presidente entre 2000 e 2008 que chegou a ser suspeito de actos de corrupção e abuso de poder. “Não podemos esperar muito do PDP. Mas queremos mesmo uma mudança e estamos, de facto, fartos do Kuomitang. Por isso acho que as pessoas vão escolher Tsai Ing-wen”, disse a jornalista.
A ser eleita, a candidata terá muitos desafios a enfrentar, considera a jovem. “No primeiro ano, Tsai Ing-wen vai enfrentar muitas dificuldades devido à actual situação económica. Num curto prazo após as eleições, penso que não vão existir grandes mudanças em Taiwan. Apenas espero que os pequenos partidos e candidatos decentes possam entrar no parlamento” frisou.
Íris Lei espera que a líder do DPP “possa pôr um fim ao sofrimento da nova geração” e que possa criar “um bom sistema de cuidados de saúde a longo prazo”, dado o envelhecimento da população.

Independência fora da agenda

As eleições presidenciais em Taiwan quase que eram disputadas apenas por duas mulheres, até que Eric Chu Li-iuan ganhou o apoio maioritário do Kuomitang contra Hung Hsiu-chu. Actualmente o partido está em segundo lugar nas sondagens, com 20%. Tsai Ing-wen, dos democratas, lidera com 45% das intenções de voto, enquanto que James Soong, do Primeiro Partido Popular, recebe apenas 10%.
Julie Janai Lin, de Taipei, não apoia directamente nenhum candidato, só espera uma mudança. “Espero que o futuro presidente oiça as vozes das pessoas e consiga reagir a elas. Espero que implemente mais políticas que beneficiem as pessoas a longo prazo, em vez de criar benefícios de curto prazo, e que possa criar mais programas de beneficio social e dedicar-se à diminuição das discrepâncias entre ricos e pobres”, disse ao HM.
Esta jovem taiwanesa também já não vê futuro na continuação do Kuomitang no poder. “As pessoas estavam à espera que o Kuomitang melhorasse a economia, mas a situação não mudou muito. E o partido tem estado demasiado dedicado a construir relações com a China, algo que deixa muitas pessoas preocupadas. Apesar de grupos mais conservadores e das gerações mais velhas continuarem a suportar o Kuomitang, o partido perdeu a confiança das gerações mais jovens”, referiu.
Mas para Julie Janai Lin essa perda de confiança teve aspectos positivos. “Levou muitos jovens a participar em campanhas políticas e novos pequenos partidos começaram a emergir, para estabelecer um equilíbrio entre os grandes partidos políticos”, disse.

Candidato do Kuomitang diz correr pela democracia

Numa entrevista ao jornal de Taiwan Liberty Times, Eric Chu disse estar na corrida presidencial para garantir o sistema democrático na Ilha Formosa. “Sei que a minha decisão me pode levar à infâmia, mas tenho de fazer a minha parte para com os taiwaneses e a democracia”.
Eric Chu assumiu dificuldades advindas do Governo de Ma Ying-jeou e disse que o partido vai reflectir e tentar fazer o melhor e “assumir as responsabilidades” sobre tudo o que seja necessário.
O candidato revelou ter aceite sido candidato pelo Kuomitang por considerar que “deve existir uma escolha para os taiwaneses na eleição presidencial”. O candidato defendeu que poderia ocorrer “a preponderância de um partido” caso o DPP “tivesse uma vitória assimétrica nas eleições legislativas ou presidenciais”, o que resultaria numa “perda de equilíbrio que não seria saudável para a democracia de Taiwan”.
Na mesma entrevista, Eric Chu disse que o Kuomitang “passou por um período de turbulência nos últimos meses”, mostrando-se ainda aberto ao diálogo com a principal concorrente, Tsai Ing-wen, sobre questões como “a identidade nacional, questões económicas, oportunidades de emprego e cuidados para crianças e idosos”.
O candidato do Kuomitang defendeu ainda que a líder do DPP está a preparar-se para assumir o cargo há cinco anos. “Por comparação, tenho estado a focar-me em questões administrativas da governação local, enquanto que Tsai tem estado preocupada para questões para as quais está politicamente orientada”, rematou.

Manter o status quo

Scott Chiang, presidente da Associação Novo Macau (ANM), ainda frequenta o curso de mestrado em Ciência Política na Universidade Nacional de Taiwan e prepara-se para voar até à Ilha Formosa só para acompanhar este acto eleitoral. Ao HM, o jovem activista traça um retrato das reacções que a sociedade taiwanesa tem presenciado.
“Muitas das pessoas que têm vivenciado oito anos de Kuomitang acham que já chega. A maioria concorda que Taiwan não tem estado a progredir e muitos acreditam que uma mudança de partido pode ser o caminho certo para que haja essa progressão. Outros pensam que o PDP não vai ajudar Taiwan e que não há grande escolha para além dos grandes partidos políticos”, referiu.
Para Scott Chiang, a independência de Taiwan não estará na agenda do DPP, caso este se revele o vencedor do dia 16. “A questão da independência de Taiwan não é importante a curto prazo, porque aquilo que o PDP pode fazer é muito pouco. Ma Yieng-jeou tentou no passado integrar Taiwan no circulo económico da China, mas isso ofendeu muitos taiwaneses, que acharam que se estaria a ir rápido demais em termos da sua soberania económica”, apontou.
O presidente da ANM defende que o facto dos democratas terem uma postura diferente “não significa que o DPP vá levar Taiwan à independência, porque isso iria mudar o status quo e ofender os Estados Unidos. Vão tentar mobilizar as pessoas no sentimento anti-chinês, mas não vão pôr a independência na agenda, porque isso não é algo para fazer a curto prazo”.
Scott Chiang coloca algumas dúvidas no desempenho de Tsai Ing-wen caso seja eleita. “Os jovens de Taiwan são ingénuos o suficiente para pensar que, quando Tsai Ing-wen chegar ao poder, a situação económica vai mudar drasticamente. Pensam mesmo que o Kuomitang deve pagar pelo que foi feito nos últimos oito anos.”
O estudante em Taiwan pede políticas para maior justiça social e lembra que Tsai Ing-wen vai ter que trabalhar muito na área laboral. “Os sindicatos estão a criticar o Governo pelo facto das políticas laborais não protegerem todos os trabalhadores. Para já nada a poderá travar de ser eleita, mas quando chegar ao poder terá de fazer escolhas políticas que ou vão contra as pessoas ou contra os empresários. Não sei como vai resolver esse conflito”, rematou.

“Kuomitang passará por tempos difíceis”

Hao Zhidong, director do Centro de Pesquisa sobre a China Contemporânea da UM

Estas eleições acontecem depois do histórico encontro entre Ma Ying-jeou e Xi Jinping. Vão existir alterações significativas depois do dia 16?

Não me parece que o encontro entre Ma Ying-jeou e Xi Jinping faça alguma diferença, porque é muito provável que o Partido Democrático Progressista (DPP em inglês) regresse ao Governo. Segundo as sondagens, Tsai Ing-wen vai vencer as eleições e vai ter as suas próprias políticas que provavelmente não serão muito diferentes das que já foram implementadas no passado, especialmente em termos económicos. Na economia vão continuar a fazer o que têm vindo a fazer, mas em termos políticos não é claro, não vejo uma urgência em fazer algo, a não ser que o DPP queira fazer algo, como uma espécie de acordo de negociação de paz. Mas penso que não vêem urgência nisso. hao zhidong

Porque é que as pessoas estão a optar pelo DPP? Não estão satisfeitas com o Kuomitang (Partido Nacionalista Chinês)?
O Kuomitang tem estado no poder há oito anos e não tem sido muito popular, especialmente devido à forma como o partido tem lidado com as relações com os membros do parlamento. Em termos económicos, a maior parte das pessoas em Taiwan pensa que o partido está demasiado próximo da China e isso pode significar a perda da sua autonomia e identidade. Então estão preocupados com isso e querem manter a distância em relação à China, acreditando que o DPP pode fazer isso.

Quais as alterações económicas e sociais que serão essenciais a Taiwan?
Na área económica penso que têm de se manter as relações com a China, quanto a isso não há dúvidas. É impossível uma separação. Vão continuar a fazer isso para que a autonomia se possa manter de forma sustentável. Mas em termos políticos, não querem entrar na linha da China. Na área social, o DPP já tem o apoio da maioria das pessoas e, além disso, a sociedade civil em Taiwan é muito forte. Por isso, independentemente de quem vai chegar ao poder, a sociedade é estável e não vão existir grandes problemas.

Mas a economia tem vindo a cair.
Na última vez que o DPP esteve no poder, Taiwan tentou aproximar-se de outros países no sudeste asiático, como o Vietname e Tailândia. Mas não foram muito bem sucedidos, então trabalharam mais com a China. Mas actualmente a China também está a enfrentar alguns problemas económicos, talvez haja uma pressão para que invistam mais no sudeste asiático, isso pode vir a acontecer. Mas penso que vão encontrar uma solução, não será algo assim tão problemático. Vão manter as relações com a China, que ainda representa um grande mercado para Taiwan.

O Governo Central vai adoptar uma postura cuidadosa em relação a estas eleições, caso o DPP vença?
Não me parece que isso seja assim tão preocupante. Ainda há muitas questões por resolver e Taiwan não quer a independência já, porque se o fizer haverá consequências. Penso que vão manter o status quo, em vez de provocarem a outra parte.

Os EUA são grandes parceiros comerciais de Taiwan. As relações poderão ficar fortalecidas após as eleições?
Vão manter-se iguais. Taiwan sempre precisou do apoio dos EUA, que sempre foi a figura entre a China e Taiwan. As relações vão manter-se fortes porque Taiwan precisa da protecção militar dos EUA e isso é crítico.

Será mais difícil ao partido Kuomitang regressar ao poder depois destas eleições?
Sim, o partido passará por tempos difíceis. Da última vez venceram as eleições porque o DPP estava muito fraco, muito corrupto. Mas se o DPP melhorar essa área e tornar-se mais capaz de governar… Quando estive em Taiwan em 2002, o partido estava no poder e dizia-se que queria manter-se no poder para sempre. Mas era muito corrupto e teve que dar o poder ao Kuomitang. Ma Ying-jeou surgiu como o símbolo de um Governo transparente. Mas agora não vejo nenhuma crise no DPP, talvez tenham o potencial para manter-se no poder por muito tempo. O DPP tem um grupo de jovens políticos que têm um bom perfil de sucessão. Tudo depende de como o Kuomitang renovar o poder que teve no passado, mas também de como o DPP se mantiver no Governo.

As razões históricas poderão pesar no regresso do Kuomitang ao poder?
A história tem sido uma desvantagem, por causa da fase do ‘terror branco’ (Lei Marcial, que durou entre 1949 e 1987). Têm tentado limpar essa imagem, mas depende de como será o seu desempenho com os políticos locais, como os mayors ou governadores, se conseguirem fazer um bom trabalho a esse nível, talvez possam recuperar o poder nas próximas eleições.

8 Jan 2016

Filho único | Medida positiva e tardia influenciará mentalidades, dizem especialistas

“[dropcap style=’circle’]É[/dropcap] um assunto muito discutível”, começam por defender alguns académicos, economistas e deputados de Macau quando questionados, pelo HM, sobre o fim, oficializado na semana passada, da política do filho único na China Continental.
Depois de 35 anos – implementada em 1980 – a lei que proibia as famílias chinesas de terem mais do que um filho deixou de existir. O Governo Central da China decidiu permitir que os pais em vez de um, possam ter dois filhos. Os problemas demográficos – o constante aumento da taxa de envelhecimento da população – são os argumentos que servem de base para a mudança. Note-se que até ao momento a lei continha algumas excepções, como é o caso das famílias das cidades rurais que poderiam ter mais do que uma criança, caso o primeiro filho fosse uma rapariga, ou caso um dos membros do casal não tivesse filhos.
“Há muito que isto devia ter acontecido”, afirmou Melody Lu, docente de Sociologia da Universidade de Macau. A proibição para a docente não fazia sentido, até porque o Governo nunca conseguiu controlar o nascimento de crianças nas zonas rurais do país.
“Para percebermos as consequências reais desta mudança por parte do Governo Central precisamos de 20 ou 30 anos. Mas é preciso perceber que esta mudança vem influenciar directamente a relação e a visão que a China e todos nós temos da família e das relações parentais”, defendeu, frisando que esta terá um “impacto a longo prazo”.
Para a docente a medida avançada, a curto prazo, pouco se fará sentir nos centros rurais do interior da China. “Desde os anos 80 que estas famílias destas áreas já tinham mais do que um filho. Nas zonas urbanas os dados mostram-nos que as pessoas querem menos filhos, as razões passam por questões monetárias, é caro ter filhos. Portanto há duas zonas e uma medida a implementar de forma diferente para cada uma”, argumenta.
Melody Lu não tem qualquer dúvida quando afirma que esta medida surge de forma atrasada, “muito atrasada”. “O Governo Central começou a perceber as consequências do envelhecimento da população, mas já é tarde. A China foi alertada para este problema demográfico há dez anos. Esperaram até agora para tomar uma decisão. As decisões não se tomam depois das coisas acontecerem”, assina.
Apesar de Macau nunca ter assumido esta política e de forma livre as famílias poderem ter o número de filhos que quiserem as consequências podem não ter sido sentidas de forma directa, tal como a mudança do conceito de família. 15OBOX1-superJumbo
A concordar está Teresa Vong, também docente do mesmo estabelecimento de ensino, que defende uma mudança radical no conceito demográfico chinês que poderá influenciar sempre as regiões vizinhas.
“Foi feito um estudo que indica que apenas 30% da população residente na China quer ter mais que um filho, se assim for, isso não terá qualquer efeito nem Macau. Ainda assim é preciso perceber a mudança que esta alteração vem trazer. As famílias vão crescer, vão tornar-se cada vez mais numerosas. Acredito que a nova geração, a que neste momento está na casa dos 20, irá querer ter mais do que um filho. As minhas alunas sei que sim, que querem dois e três filhos. Há claramente uma tendência tanto na China como em Macau, e agora a ser estimulada, para ter mais filhos”, explicou.

Falamos daqui a 20 anos

Um aumento no agregado familiar trará mudanças obrigatórias, defende a docente. “Acho que os Governos terão que assumir que as novas gerações vão querer ter mais filhos e se isto acontecer as administrações terão de estar preparadas para receber esse aumento”, defende. Questões como a educação, saúde a habitação poderão ser verdadeiros “problemas” caso os Governos não estejam preparados. “É preciso que garantir as condições para as novas gerações”, diz.
A não ter um impacto directo no território a curto prazo, e com diferentes mentalidades em Macau e na China, serão precisos pelo menos dez anos para perceber as tendências demográficas e da sociedade. Para já, a única certeza é que a geração jovem de Macau quer, “e isso é claro”, ter muitos filhos.
Caracterizando-a como uma política desactualizada, Miguel de Senna Fernandes, advogado, explica que esta lei nasceu para controlar uma crise demográfica sentida na altura, mas que há muito que não faz sentido.
“A China é a China, pode decidir isto, e claro, durante décadas controlou esta questão dos filhos únicos. Agora irá surgir uma nova tendência, um novo comportamento”, conta ao HM.

Uma questão política

O Governo de Macau, diz o advogado, terá que reforçar o seu controlo da demografia. A questão da reunificação dos pais [residentes no território] com os filhos que ficaram no continente, sem permissão de entrada, “é um problema que a RAEM terá que resolver”, e claro, estar mais atenta no futuro.
“Não tenho qualquer dúvida que daqui a 15 ou 20 anos esta questão aumentará. O Governo da RAEM terá que resolver isto. Não sei de que forma poderá ser resolvido, mas isto terá que ser feito de uma forma gradual. Não podemos, claro, emitir um decreto que permita a entrada de todos, porque assim teremos sérios problemas cuja resolução será muito mais difícil, muito mais morosa”, argumenta.
O problema demográfico de Macau, actual e no futuro, irá, defende, assumir níveis mais delicados aos quais o Governo terá que estar muito atento e agir com muito cuidado. “O que está em causa, claro que queremos que as famílias estejam juntas, nem se coloca essa questão, mas não podemos olhar esta tendência isoladamente”, diz. Macau é altamente populoso e com mais terrenos e mais famílias “rebentará pelas costuras”. ftgJoséMacedo
A refutar a ideia do advogado está o deputado José Pereira Coutinho. “Não acho que esta nova política tenha um impacto directo nos novos emigrantes que chegam a Macau. Não me parece que vá alterar muito aquilo que já tem vindo acontecer. Não me parece. Neste momento, com a política de emigração da China, de permitir os vistos singulares, acho que são 100 por mês, de permitir a vinda de famílias à Macau”, anota o deputado, reforçando a baixa percentagem.
Também Teresa Vong considera uma taxa muito baixa para se perceber se irá trazer, ou não, mudanças para o território, mas ainda assim é preciso esperar para perceber. “Os Governos devem estar com atenção e perceber os resultados”, nota.

Pelos cofres nossos

As justificações para a decisão por parte do Governo Central são muito claras para Miguel de Senna Fernandes. “Não há dúvidas que esta decisão está directamente relacionada com a distribuição de riqueza e com a distribuição de recursos”, diz. O controlo do número de filhos que cada família pode ter traz, para Miguel de Senna Fernandes, “implicações enormes na sociedade”.
“É preciso ver que quando a China adoptou a política de um único filho estava numa situação de isolamento, era uma situação de um país completamente fechado à economia mundial. Era preciso controlar a distribuição de riqueza que, claro, estava directamente relacionada com o número de pessoas”, esclarece.
Nos tempos actuais a China “é um país completamente diferente”. “O facto de existir uma abertura para mais um filho está directamente relacionada com a vontade de expansão da China. Talvez por uma razão política populacional e demográfica”, reforça.
A mudança na sociedade é inegável, diz, começando pelo comportamento das próprias famílias. “Com a política de um único filho houve muitas famílias que escolhiam os filhos dependendo do sexo, existiam situações macabras, desumanas, relatos impressionantes. Tudo isto porque a população queria ultrapassar esta lei. Agora as coisas são diferentes, e as pessoas vão reagir de forma diferente”, remata.
O economista José Sales Marques acredita que “hoje a China sente-se mais preparada para assumir esta política demográfica porque há um envelhecimento da população, por que a nível social a política do filho único tem, do ponto de vista do crescimento e formação das crianças, até a nível das famílias, um impacto que não é positivo”.
Bastante criticada, a China descalça agora uma bota que lhe trouxe muitos dedos apontados, sejam internacionais ou internos. “Sempre foi uma política muito criticada, mas acredito que neste momento a posição da China relativamente à questão demográfica está a mudar porque o país precisa, por um lado resolver a bem a questão do envelhecimento da população, e por outro, a China tem uma política mais geral do ponto de vista do crescimento da população urbana e da necessidade de fazer crescer o consumo interno”, argumenta.
George Wei, também docente da Universidade de Macau, caracteriza a mudança como “algo muito positivo”, que permitirá combater a tendência do envelhecimento da população. “Mas ainda existe outro problema. A China tem uma falha na força trabalhadora, a classe reformada é bastante elevada e só a classe trabalhadora a poderá sustentar, logo terá que ser reforçada”, remata.
Para já a notícia é recebida de forma positiva, mas “é preciso sempre ter cautela com as consequências”.

9 Nov 2015

Reportagem | Uber: “Mesmo que seja ilegal, apoio o serviço”

Com Flora Fong

[dropcap style=’circle’]O[/dropcap] Governo diz que é ilegal, os taxistas temem uma concorrência que também acusam de ser ilegal. Só os residentes parecem satisfeitos: finalmente têm acesso a um meio de transporte à distância de uma aplicação de telemóvel, nos momentos em que não conseguem apanhar um táxi, ainda que o preço esteja longe de ser o ideal.
Dou Lam, de 30 anos, experimentou a Uber no início desta semana. “Eram nove horas da noite, o meu bebé de um ano estava com febre e queríamos apanhar um táxi para o hospital Kiang Wu. Moro na zona norte e durante meia hora não consegui apanhar nenhum. Assim que procurei a Uber, o condutor chegou ao fim de dez minutos e até me ajudou a colocar a cadeira do bebé. Foi muito simpático”, contou ao HM. Dou Lam elogia a chegada da Uber, por ser um serviço que pode ser usado por mulheres grávidas ou idosos, quando os taxistas se recusam a transportar estes passageiros. Contudo, destaca o elevado preço, bem acima das tarifas cobradas pelos táxis.
Já Íris Chan (nome fictício) é residente em Macau, mas vive em Zhuhai. Na passada quarta-feira, teve de voltar a casa num ápice, tendo chamado a Uber para o transporte entre a Doca dos Pescadores e as Portas do Cerco. Pagou 70 patacas.
“Foi um pouco caro mas vale a pena, porque o transporte é muito confortável e seguro, o condutor até saiu do carro para me abrir a porta. Mesmo que seja ilegal, apoio o serviço. Se os cidadãos de Macau conseguissem apanhar um táxi facilmente, a Uber não teria optado por operar aqui”, disse Íris Chan.
Inês Dias apenas conhece a experiência da irmã com a Uber, que usou a aplicação num momento em que precisava desesperadamente de transporte. “O senhor era muito simpático, falava um Inglês impecável e ela teve direito a uma garrafa de água no fim. Mas de facto chegaram mais tarde do que era suposto. Ela usou o serviço e usaria de novo, mas é bastante mais caro do que os táxis normais”, contou ao HM.
Inês Dias não duvida: num território onde as deslocações são cada vez mais difíceis, a Uber torna-se numa opção a seguir. “Não ando muito de táxi, mas se tivesse alguma aflição, e foi o caso dela, que não conseguia apanhar táxi, aí irei chamar a Uber. Não há táxis, chamamos o serviço e estamos à espera uns 15 minutos, por que não? Mas não seria uma coisa que iria usar sempre, porque parece-me bastante mais caro do que os táxis.”
Em comunicado enviado ao HM, a Uber, através do seu porta-voz, Harold Li, assume que os preços são previamente anunciados aos passageiros. “As tarifas cobradas pela Uber são transparentes e são anunciadas aos passageiros antes de começarem a sua viagem, por forma a eliminar essas incertezas. Se os passageiros tiverem algum tipo de dúvida, o nosso serviço de apoio ao cliente está disponível.”

“Não queremos”

Do lado de quem conduz um táxi diariamente, as reacções em relação à Uber são negativas. Tony Kuok, presidente da Associação de Mútuo Auxílio de Condutores de Táxi, diz que a declaração do Governo sobre o factor ilegalidade faz todo o sentido, defendendo que o Executivo “não deve permitir a sua sobrevivência em Macau”.
“Se a Uber quer ser legalizada, pode-se candidatar às licenças especiais de táxi e acredito que aí os cidadãos dão as boas-vindas. Mas usar o serviço sem a devida autorização pode dar origem a acusações. Se não acontecerem hoje, acontecem amanhã”, apontou Tony Kuok.
O presidente da Associação que representa o maior número de taxistas pede a atenção dos residentes para “não arriscarem” a pagar o serviço com cartão de crédito, sem a devida legalização.
“O Governo de Zhuhai combate os serviços de transporte da Uber e o de Macau também deve combater. O Governo já disse à população que é ilegal, e quando houver problema as pessoas não podem queixar-se ao Governo, devem assumir os seus próprios problemas.” táxis
O HM falou com mais quatro taxistas. Ip, com mais de 50 anos de idade, não sabia que a Uber já estava a operar em Macau, considerando que o serviço não vai sobreviver. “Há muitos engarrafamentos e acho que [os condutores da Uber] não vão querer trabalhar neste ambiente. Mas esperamos que a Uber não ofereça este serviço ilegal, concordo que o Governo combata a [empresa].”
Para Chan, taxista de cerca de 40 anos, o serviço de transporte privado pode afectar o negócio dos taxistas, mas não muito. “Se calhar os residentes de Macau não gostam de pedir transporte dessa forma, estão habituados a chamar táxis na rua.”
A taxista concorda com a medida do Governo contra a Uber. “Em Hong Kong e no interior da China a Uber também é ilegal, esse serviço de transporte privado não deve afectar os serviços de transporte público. É tarde se o Governo só combater [o serviço] quando surgirem problemas.
“A Uber vai prejudicar o nosso negócio, é uma competição”, disse Tse, taxista de 50 anos. “Os táxis são regulamentados pela lei, mas eles não. Os táxis amarelos não conseguem sobreviver, como é que eles conseguem? Os táxis pretos têm também serviço de chamada via telefone, mas também não há sucesso, não conseguimos uma chamada por dia”, acrescentou.
Chan é um taxista bem mais jovem, com 30 anos de idade, mas também ele rejeita a Uber. “Não há regulamentação suficiente para esse serviço porque parece que os automóveis podem transportar clientes à vontade e ganhar dinheiro. Essa aplicação quer legalizar o transporte ilegal.”
Mas Chan não acredita que o serviço da Uber influencie largamente o negócio de taxistas. “Os utentes desse serviço podem ser apenas cidadãos de Macau, os turistas continuam a apanhar táxis na rua”, afirmou.

Parcerias com agências de viagens, multas e mal entendidos

“Ficámos surpreendidos com a polícia”

Para poder operar no território, a Uber recorreu a agências de viagens, cujo serviço de transporte está legalizado e reconhecido pela Direcção dos Serviços de Turismo (DST). Ontem, a Polícia de Segurança Pública (PSP), juntamente com a DST e os Serviços de Tráfego (DSAT), anunciaram três multadas passadas a carros de “transporte ilegal através de chamadas ao serviço ‘pedir transporte’ de aplicações móveis”. Em comunicado enviado ao HM, Harold Li, porta-voz da Uber para Macau, rejeita as acusações.
“Devido ao facto de estarmos a trabalhar com as mesmas agências de viagens e condutores que têm vindo a providenciar transporte aos residentes de Macau e visitantes, bem como aos hotéis e casinos, e uma vez que há disposições legais claras para esses serviços, ficamos surpreendidos e desapontados pela forma como a polícia tem tentado evitar que os condutores providenciem este tipo de serviços. Vamos continuar a trabalhar com conselheiros legais para resolver o que consideramos ser um mal entendido.”
O balanço de quase duas semanas de operações é positivo. “A Uber mantém-se com agências de viagens como parceiras e vamos continuar a trabalhar com elas para providenciar percursos seguros e de confiança para as pessoas de Macau. Estamos estupefactos pela quantidade tremenda de respostas positivas que temos recebido do público de Macau desde o lançamento e vamos continuar a trabalhar arduamente para responder às suas necessidades de transporte”, apontou.
Chon, trabalhador numa agência de viagens, é condutor da Uber há uma semana e confirma a cooperação entre a Uber e as agências de viagens.
“A agência pode ser vista como a empreiteira do serviço da Uber, porque fornece os automóveis e condutores. Mas agora há carência de condutores, a Uber tem apenas quatro automóveis e da nossa parte só há três. Vou precisar de ir conduzir para a Uber dez horas por dia a partir da próxima segunda-feira”, frisou.
Recusando as acusações feitas pela polícia e Governo, Chon explica que os serviços são pagos cara a cara e que os condutores são recrutados pela agência. “A forma é igual à que é utilizada no transporte dos clientes para os hotéis. Só que agora há mais uma aplicação que pode ser usada pelos cidadãos”, defendeu.
Manuel Wu, dono da agência de viagens Macau Explorer, considera que a chegada da Uber a Macau pode ter efeitos positivos. “Pode melhorar o serviço de transportes públicos, porque traz uma competição positiva”, disse o responsável, pedindo ao Executivo que legalize o serviço.
“As leis de Macau devem avançar de acordo com o tempo e o mercado. Não se devem apenas permitir rádio-táxis mas também se deve considerar introduzir o modelo da Uber. Os actuais contratos dos transportes públicos são sempre atrasados e uma cópia [uns dos outros]. O Executivo precisa de pensar mais no ângulo dos candidatos e dos concessionários”, disse Manuel Wu.
Contudo, o responsável defende que “é preciso regulamentar o preço, os condutores e os automóveis. Caso não pertençam a agências de viagens, são totalmente ilegais. O seguro é outro ponto importante”, remata.

Andrew Scott: violência pode acontecer

Optou por não experimentar a Uber por ser presidente da Associação dos Passageiros de Táxi, mas Andrew Scott não deixa de olhar para o serviço com curiosidade. E avisa: a violência entre motoristas de táxi e da Uber pode acontecer, à semelhança do que aconteceu noutros países. “É muito possível. A indústria dos táxis em Macau está muito cimentada e há certos elementos do sector que já mostraram ter tendência para a violência: veja-se os casos no lobby do Venetian contra clientes, situações algo perigosas.”
“Trazer competição ao mercado é bom, fazer o Governo olhar para o sector é bom. O conceito da aplicação é óptimo, já que permite às pessoas terem acesso ao transporte segundo uma solução do século XXI. O Governo tem de encarar a necessidade de aprovar a lei que já foi discutida bastantes vezes. Não diria criar leis para acomodar a Uber no mercado, mas o que o Governo deveria fazer era tentar melhorar o sector dos táxis em Macau, fazendo aprovar a nova lei”, apontou.
Andrew Scott defende ainda a criação de parcerias público-privadas na atribuição das licenças de táxi. “O actual problema é que as tarifas são muito baixas para que haja um bom serviço, criam um mau serviço. E é por isso que eles procuram clientes, dizem que sem isso não conseguem sobreviver. As tarifas deviam aumentar para o dobro ou o triplo.”

Hipótese de legalização “não é grande”

O Secretário para a Segurança, Wong Sio Chak, garantiu ontem que a hipótese de legalizar o serviço da Uber em Macau não é grande. “Mais de metade dos países do mundo não legalizaram o funcionamento da Uber, mas o Executivo vai considerar as opiniões da população e de diferentes sectores. Mas como é difícil regulamentar as tarifas, o que pode fazer com que o abuso das tarifas pelos taxistas se torne mais comum e racional.”

30 Out 2015

Empreendedorismo | PME sofrem com crise chinesa, mas há mais apoios do Governo

[dropcap style=’circle’]H[/dropcap]á mais pequenas e médias empresas (PME) em Macau, mas algumas delas dizem que tem sido cada vez mais complicado expandirem-se além-RAEM. Tal, dizem, é consequência da crise económica da China e da queda das receitas no mercado do Jogo da região. Segundo dados dos Serviços de Economia (DSE) para este ano, foram aprovados pedidos de financiamento a 380 PME só entre Janeiro e Março deste ano, com o Governo a despender mais de cem milhões nesta vertente. O HM entrou em contacto com sete destas empresas. A esmagadora maioria comercializa serviços, não bens. Servem de ponte de distribuição, importação e exportação para produtos internacionais de e para Macau.

Serviços em barda

Exemplo disso é a Batilo Trading, empresa fundada há dez anos por Yuki Huang, empresária nascida em Macau que optou por fazer da importação e exportação a sua vida. A líder faz dinheiro com duas vertentes distintas: a primeira e mais antiga dedica-se à disponibilização de serviços de importação e exportação e a mais recente, criada este ano, foca-se na venda de produtos estrangeiros nesta zona do globo.
Para Yuki, há duas medidas que têm vindo a ajudar à melhoria deste sector: são eles a diminuição dos custos de Alfândega e os apoios públicos. “O negócio das PME está a crescer exponencialmente devido à crescente ajuda do Governo local e pelo facto dos custos alfandegários de exportação para a China estarem a baixar cada vez mais”, começa a empresária por dizer. Batilo
Entre a venda de mel da Tasmânia, vinho de casca de árvore, cereais da Austrália e chá do Nepal, Yuki debate-se com um problema que lamenta ser crescente: “nos últimos dois a três anos, o negócio não tem estado assim tão bom, porque as políticas económicas da China estão a estrangulá-lo”.
No entanto, a sorte calha a alguns e Macau foi uma das regiões sortudas. Segundo a empresária, este é um dos territórios “que mais benefícios tem”, quando comparado com outros locais como Hong Kong, Taiwan ou certas províncias chinesas. Neste momento, Yuki está à procura de distribuidores para expandir a sua rede de venda. Por mês, a sua mais recente empresa lucra entre 50 mil e cem mil patacas e a antiga está em declínio devido “às medidas impostas pela China”. Já encontrou algumas potenciais empresas distribuidoras, de e-commerce, a quem pretende aliar-se para expandir o seu novo negócio.

Dinheiro não chega

Todos os empresários entrevistados pelo HM afirmam que o sector das PME está bastante melhor do que há dez ou cinco anos, quando fundar uma empresa destas levava ao declínio quase certo.
“Os apoios do Governo eram muito menores e quase ninguém os recebia. Talvez por não saberem da sua existência porque também não havia a divulgação de hoje em dia”, explica Kevin Chan. Fundador de uma empresa especializada na concepção de puzzles educativos sobre a cidade, o empresário afirma que o ambiente de negócios “está melhor agora, mas mesmo assim não é o ideal”, atribuindo à queda das receitas do Jogo este problema.
Com dois anos de existência, Chan e a sua funcionária Yammy Cheong fazem o melhor que podem para vender estes puzzles onde podem. “Vendemos em lojas das indústrias criativas, algumas de brinquedos e livrarias”, esclarecem. Neste momento, procuram distribuidores e pontos de venda. A razão é simples: mesmo com apoios do Governo na ordem das 300 mil patacas, é preciso ajuda de quem se importa com o desenvolvimento da empresa.
“O dinheiro só não chega e agora estamos à procura de quem nos ajude a expandir o negócio”, começam por dizer. “O dinheiro do Governo é muito bem-vindo, mas depois de estabelecermos o negócio com a montagem dos materiais, é preciso criarmos parcerias com quem os ponha no mercado”, continuam.
E isso acontece, mas não ao passo que ambos gostavam. “A crise económica da China e do Jogo [em Macau] faz com que as empresas maiores queiram investir menos em negócios mais pequenos”, lamentou Chan.
Esta parece ser a tendência comum para as PME que precisam de quem as ajude a crescer. Trata-se de um ciclo vicioso que começa e acaba lá fora, especificamente na China. A crise económica sentida no país provocou uma onda de ponderação no mundo empresarial asiático, cortando as asas àquilo que poderia ter sido o sucesso de várias empresas. 4D Cityscape
A Fuhong Society dá a entender, como o nome indica, que é uma associação, mas é uma PME como qualquer outra. Ou quase, pelo menos. O intuito do seu fundador é dar a conhecer a cadeias de lojas conhecidas, o conceito especial sobre o qual criou a marca. Mais importante do que vender os brinquedos, carteiras, acessórios de moda e toalhas de banho produzidos, a Fuhong Society preocupa-se em mostrar ao mundo que ajudam pessoas com necessidades especiais. Grande parte dos produtos foi enfeitada com o desenho feito por um jovem residente autista.
“Queremos mostrar que as pessoas portadoras de deficiência também têm criatividade e talento, somos o exemplo disso”, esclareceu uma das funcionárias. Para isso, diz, “é preciso que as grandes lojas disponibilizem espaços e aceitem o conceito da nossa marca com a divulgação” dos produtos da marca. Para a Fuhong, o foco está na divulgação destes trabalhos, que a empresa defende só ser possível se outras maiores ajudarem.

PME ajudam PME

Outras, no entanto, não tiveram ainda tempo para se expandir. É o caso da Great Chance International Group Limited, detida por Ramble Chan. Há três anos, desenvolveu a PME com mais quatro fundadores, onde trabalham sete pessoas. A marca mais recente dá pelo nome de Swim Macao e dedica-se à criação de mapas da cidade feitos à mão que podem ser aplicados de diferentes formas.
“Agora, temos só o mapa, mas também criámos a marca só este ano. No futuro, queremos incluir [no mapa] algumas empresas criativas locais para lhes dar amplitude no mercado”, explicou Ramble Chan ao HM.
Questionado sobre o estado actual do mercado das PME, o fundador lamenta que a queda das receitas esteja a ferir a possível expansão de vários negócios. Ramble Chan confirma, no entanto, que a crise económica pode ter os seus benefícios para as PME: “as grandes empresas, de casinos por exemplo, deixam de encomendar determinados trabalhos ao estrangeiro e passam a escolher PME locais para estes trabalhos”.

Um mar de marcas

“As empresas como a nossa foram criadas enquanto alternativa ao Jogo, como forma de diversificar a economia e o Governo está a apostar cada vez mais nisto”, frisa. Só este ano, o grupo internacional Great Chance recebeu do Executivo 200 mil patacas para a nova marca. As duas outras marcas da empresa dedicam-se ao design gráfico e publicidade e a uma plataforma online para dinamizar o empreendedorismo na Ilha da Montanha. “Fazemos a ponte de comunicação entre empresas-mãe e potenciais compradores no WeChat”, esclarece Chan.
Entre as 143 PME locais presentes na Feira Internacional de Macau (MIF) 2015, contam-se pelos dedos as que se dedicam à exploração das indústrias culturais e criativas. Entre material de cozinha, vinhos gaseificados importados do Japão, produtos alimentares de pastelaria coreanos, marcas de produtos de higiene oral e de aparelhos dedicados à fisioterapia, contam-se pelos dedos aqueles que são realmente locais. MIF2015 2
A grande maioria das PME criadas em Macau funciona para importar e exportar. A Macau Pure Delights tem três pessoas a trabalhar e vende somente produtos de Hong Kong, Coreia do Sul e do Vietname.
“Vendemos produtos que fazem bem à saúde, com características medicinais e a principal razão pela qual são todos estrangeiros é que aqui não é possível criar este tipo de coisas, é muito caro”, justifica um dos funcionários.
Criada há quatro anos, tem vindo a expandir-se a passos de bebé. Agora, procuram quem queira vender produtos que compraram a empresas estrangeiras. “É uma espécie de venda a retalho”, brinca o mesmo funcionário, que preferiu não ser identificado.

Macau não é global

Há dois anos, em meados de 2013, nasceu a Lovelina, pelas mãos da sua criadora de nome quase homónimo, Alina. Questionada sobre o actual estado do sector das PME no cenário geral da região, a fundadora afirma que a crise económica causada pela queda das receitas “provocou uma queda, em simultâneo, da vontade das pessoas arriscarem em novos produtos e compras”, pelo que lamenta que a Lovelina não tenha já aberto asas e voado até outros países.
A casa da empresa será sempre Macau e isso mesmo garante Alina, que se mostra orgulhosa do seu pequeno império de malas totalmente originais. “Em média, fazemos 60 a 80 mil patacas por mês, mas queremos ir mais além, dando a conhecer os nossos produtos ao público, mas a presença da nossa PME aqui [na MIF] surgiu da necessidade em arranjarmos parcerias de co-working”, explica.
É que, acrescenta, estar em Macau “não é internacionalizar a marca”. Mais uma vez, o rodopio de uma marca local pelo mundo passa, essencialmente, pela criação de parcerias no sentido de levar os nomes mais longe, talvez até uns quilómetros além da fronteira.
A ideia de Alina é partilhada por Kevin Chan, que afirma ser difícil ganhar fama se a marca se ficar por terras macaístas. Até porque para o criador de puzzles da cidade, tudo começou nos EUA.
“Estive lá a estudar e foi quando percebi que as pessoas não faziam ideia de onde era Macau. Foi nessa altura que decidi associar-me à empresa internacional 4D Cityscape”. Tal decisão, assegura, pretende colocar Macau “no mapa global”.
O dinheiro é, assim, essencial para o nascimento de qualquer negócio, mas a opinião das PME é unânime: é preciso criar parcerias com empresas internacionais e até mesmo outras locais para que as marcas e produtos voem além-mar. A maioria dedica-se à disponibilização de serviços do mundo para o mundo, passando por Macau. Talvez a região possa realmente transformar-se na plataforma de que tantos milhares hoje falam.

23 Out 2015

Restaurantes da McDonald’s são dormitórios para muitos sem-abrigo

Confundidos com jogadores, turistas ou vítimas de uma noite de copos, muitos são os sem-abrigo que escapam aos olhos de quem não quer ver. O IAS admite não saber dos casos de mais de uma dezena de pessoas que dormem, todos os dias, na rede de restaurantes McDonald’s

[dropcap style=’circle’]“[/dropcap]Eu tenho autorização para estar aqui”. Esta foi a primeira frase que Chan disse ao HM assim que interrompemos o seu sono. Depois de tranquilizada a questão, Chan contou-nos que “há mais de seis meses” que dorme no McDonald’s da Rua do Campo. Aproveitando o facto do mais famoso restaurante de fast food estar aberto durante 24 horas, Chan, de 58 anos, vai para ali dormir.
“Eu pedi ao gerente para estar aqui”, reforçou uma vez mais. Chan não tem trabalho e ainda não tem idade para receber a reforma. Quando questionado sobre se tinha casa, Chan não negou. “Tenho, na zona norte. Mas não consigo dormir lá”, explicou.
Entre momentos de silêncio e fechar de olhos, Chan lançava breves descrições do espaço a que chama de casa. Sem janelas, sem canalização e sem um sistema de ventilação para os dias quentes desta Macau, aquele residente prefere trocar o silêncio de uma zona que muitas vezes parece morta, pelo cheiro de hambúrgueres e batatas fritas. “Às vezes como batatas, são boas”, diz-nos ensonado.
Quando questionado se já tentara pedir ajuda ao Instituto de Acção Social (IAS), Chan conta que recebe “pouco mais de duas mil patacas” por mês. “Não quero que eles saibam onde eu moro”, contou ao HM, indicando que a habitação de legal pouco tem, correspondendo a uma das mais problemáticas situações que o Governo tem para resolver no território.
O dia é passado entre as ruas e os parques desta cidade que nunca dorme. “Não faço nada de especial”, diz, desvalorizando.
Sem querer mais interromper um sono que nos parecia profundo, passámos para a mesa do lado onde dormia um jovem de 20 anos. Ao acordá-lo, o olhar desconfiado tornou-se evidente. “Não quero falar”, disse-nos com um gesto de desagrado. Decisão que pouco durou. Em pouco minutos, Chi Kuan percebeu que não pertencíamos ao Governo, nem à polícia. “Sim, estou a dormir aqui há duas semanas”, avançou. Uma “grande discussão” com a sua família fez com que o jovem desempregado saísse de casa. “Não quero voltar e como não tenho para onde ir, venho dormir para aqui”, contou. Questionado sobre a possibilidade de receber ajuda do IAS, Chi Kuan admitiu não saber que o Governo poderia ser a solução. Ainda desconfiado, o jovem garantiu que iria procurar ajuda, mas até lá, o McDonald’s é a “residência” improvisada. “Dorme aqui sempre muita gente”, tentou justificar.

[quote_box_right]“Não os vamos mandar embora e, se eles gostam de dormir aqui, pelo menos não estão lá fora, à chuva ou ao calor” – Lawrence (nome fictício), funcionário de um dos restaurantes da McDonald’s[/quote_box_right]

Um roteiro negro

Percorrendo o roteiro de quatro restaurantes da cadeia americana, excluindo a Taipa e o Cotai, que estão abertos 24 horas, o segundo ponto de paragem foi a Avenida 24 de Junho, junto ao casino MGM. No restaurante com dois andares, seguimos para o segundo por ser mais recatado.
À nossa direita encontrava-se um casal a degustar a refeição e poucas mesas à frente dois homens a dormir, um sobre a mesa e outro esticado no banco. As tentativas para partilharem a sua história não tiveram o fim pretendido e a observar-nos estava Lorna, a funcionária que preparava o andar para o encerramento.
“Depois da meia-noite fechamos este andar e só fica a funcionar o de baixo”, explica-nos. Lorna é natural das Filipinas e trabalha naquele estabelecimento há quatro anos. “Aqueles”, indicou apontando para os dois homens com quem acabáramos de falar, “não costumam andar por cá. Nunca os tinha visto”, continua. Confrontada com a existência de sem-abrigo, a jovem funcionária não hesita em detalhar. “Sim, eu já os distingo muito bem, percebe-se logo quando são turistas, jogadores ou sem-abrigo, até pelo cheiro”, conta.
Mas há outro factor – talvez o mais importante – que faz separar o turista que apenas ali está umas horas para descansar, do sem abrigo: a frequência.
“Há pelo menos quatro pessoas que dormem cá todos os dias. Alguns chegaram há dois meses e outros estão há mais. E também temos outros que passam aqui dois ou três meses depois desaparecem durante algumas semanas ou até um mês inteiro e voltam”, relata.
O aspecto descuidado, com roupas sujas e repetidas, faz com que a equipa perceba que aquelas pessoas entraram no seu local de trabalho com um objectivo apenas: descansar durante algumas horas.
Os motivos são desconhecidos, até porque os empregados não fazem perguntas. “Não falamos com eles, fingimos que não sabemos o que vêm fazer. Mas deixamos que subam para o segundo andar. Mesmo estando fechado aos clientes e com as luzes desligadas, aqui [no segundo piso] podem dormir e nós continuamos a trabalhar lá em baixo”, explica. IMG_8726
“É completamente ilegal”, frisou o gerente do restaurante, sem querer adiantar mais informações. “Ele não quer problemas e por isso não gosta de falar, ele diz sempre que não podemos deixar que os sem-abrigo ou até turistas durmam nas mesas, mas o que é que vamos fazer? Sabemos que eles não têm outro sítio para ir”, acrescenta Lorna. Questionada sobre a apresentação dos casos aos IAS a resposta foi clara: “não, nunca fizemos isso”.

Histórias antigas

Na outra ponta da cidade, no Fai Chi Kei, numa mesa ao canto direito junto à grande janela que acompanha todo o restaurante, um idoso, “com mais de 60 anos”, dormia entre as folhas de um jornal e cadernos rabiscados.
“Hoje não quero falar, morreu uma pessoa de quem eu gostava muito, hoje estou triste, não quero falar”, disse-nos enquanto desembrulhava um lenço de papel. Foi Man, um funcionário do turno da noite, que partilhou a história do “idoso de cabelo branco”.
“Trabalho aqui há dois anos e todas as noites ele dorme aqui. Chega por volta das 22 horas e vai embora de manhã, escreve muita coisa e depois dorme. Também come, às vezes”, relata.
Pormenores não sabe muitos, até porque “o senhor não fala muito”. Mas sabe que mora na zona. “Ele tinha uma casa, não sei se tem agora. Toma banho e troca sempre de roupa, mas é aqui que dorme, sempre”, acrescenta.
O “senhor de cabelo branco”, conforme é tratado pelos funcionários, não é o único que ali dorme. “Agora, desde há dois meses, vem todas as noite uma mulher. É idosa. Tem mais de 65 anos. Vem tarde e dorme até muito tarde. Uma vez a nossa gerente pediu para ela ir embora, já era meio-dia”, conta.
Ainda poucas informações existem sobre a senhora, mas Man conta que não tem casa e “encontrou aquele restaurante para dormir”.
A viagem faz-nos seguir para a última paragem: o McDonald’s da Areia Preta. Ao contrário do que se esperava, ali passam a noite três pessoas fixas. “Às vezes vêm mais, mas é muito raro. Temos três que todos os dias – e eu já cá trabalho há dois anos – estão aqui. Já tentámos falar com eles, mas os três têm doenças mentais e vivem no mundo deles. Dois dormem, a mulher não, nunca dorme e fala sozinha a noite toda”, explica-nos o funcionário responsável pelo turno da noite, Lawrence (nome fictício).
Para o funcionário “não há forma de resolver a questão” e a equipa também não se importa. “Não os vamos mandar embora e, se eles gostam de dormir aqui, pelo menos não estão lá fora, à chuva ou ao calor”, remata.
Questionado sobre as possibilidades de acolhimento que o IAS oferece, o jovem responde: “estes não são sem-abrigo normais, eles têm deficiências, estão num centro durante o dia, ou andam por aí a vaguear. A senhora troca sempre de roupa e sabemos que ela tem acompanhamento. Mas os dois idosos, e um deles tem mais de 80, nem sempre trocam de roupa. O máximo que podemos fazer é deixá-los estar aqui e mesmo assim já estamos a ir contra as regras”, remata.

[quote_box_left]“Há pelo menos quatro pessoas que dormem cá todos os dias. Alguns chegaram há dois meses e outros estão há mais. E também temos outros que passam aqui dois ou três meses depois desaparecem durante algumas semanas ou até um mês inteiro e voltam” – Lorna, funcionária de um dos restaurantes da McDonald’s[/quote_box_left]

Sem saber, nada a fazer

Confrontado com a existência de pessoas a dormir em restaurantes, neste caso no McDonalds, o IAS explica que sempre que tem conhecimento dos casos “dá seguimento de imediato”, através do encaminhamento dos mesmos pelas autoridades policiais e outros serviços públicos.
Os casos são muitas vezes, indica, alertados pelos próprios cidadãos ou pelo “serviço extensivo ao exterior realizado pelos Centros de Acção Social do IAS e pelas organizações não-governamentais”. Ainda assim, sobre os casos de sem-abrigo nos espaços de fast food, o IAS não confirma se sabe deles.
Números oficiais indicam que neste momento existem nove casos, em todo o território, de pessoas sem-abrigo que estão a ser acompanhadas pelas entidades competentes. É da competência da Casa Corcel a prestação de acolhimento temporário aos sem-abrigo, entidade que é gerida pela Cáritas de Macau que, por sua vez, recebe um subsídio regular atribuído pelo IAS. “[A Casa Corcel] proporciona não só o serviço de acolhimento temporário às pessoas de situações de sem-abrigo, mas também o serviço de aconselhamento extensivo àquelas que dormem na rua” e que, por livre vontade, não querem sair.
Em Fevereiro do presente ano, numa reportagem do HM, Olívia Ip, uma das três assistentes sociais da Casa Corcel, indicou que os problemas económicos, o aumento do custo de vida e, por sua vez, das rendas da habitação estavam a aumentar o número de sem-abrigo.
“Há cada vez mais pedidos de alojamento temporário de pessoas que estão com muitas dificuldades em pagar as suas rendas”, disse ao HM. Na altura a Casa Corcel prestava apoio a 43 sem-abrigo, número que até Junho aumentou para 49. “De acordo com os dados estatísticos recolhidos até Junho de 2015, estão registados 46 utentes que usufruem dos serviços de alojamento na Casa Corcel e três utentes que usufruem do serviço de alimentação por preferirem não estar no referido centro de acolhimento”, indicou. Para além do serviço de acolhimento temporário, o IAS proporciona ainda alimentação, serviços de duches e de lavagem de roupas aos seus utentes.

14 Set 2015

Famílias numerosas, uma realidade cada vez menos visível

[dropcap style=’circle’]S[/dropcap]e Maria mandasse no seu corpo, se os partos não deixassem marcas, se o relógio o permitisse, teria tido seis filhos. Não conseguiu. “Comecei a sentir-me mais fraca assim que tive o terceiro filho, mas por mim teria mais.” É assim que esta residente de Macau, há 22 anos, conta ao HM a sua experiência nas lides da maternidade. Hoje, Maria (nome fictício), funcionária pública, está apenas com o seu filho mais novo, de 14 anos. Em casa. Os outros dois já estão a estudar no Reino Unido e Austrália e seguiram outro rumo.
A família de Maria foge à regra do que se passa com a maioria dos casais em Macau e nos países ditos desenvolvidos: não vão além dos dois filhos e nem querem pensar em ter uma família numerosa. Aqui, há condicionantes próprias: inflação, falta de espaço, incapacidade na compra de uma habitação, falta de vagas nas escolas e creches. familias numerosas
Maira Belati conseguiu contorná-las e teve seis filhos. Casou com António Martinez em 1998 e foi com ele que construiu a sua família. Nascida no Rio de Janeiro, depois de ter vivido em Espanha, Maira vive em Macau há muitos anos e fala de um projecto familiar feito à imagem de Deus.
“Desde que eu e o António nos casámos abrimo-nos à vida e não pomos nenhum obstáculo (meios contraceptivos) à vinda dos filhos. Os filhos vêm como sendo uma bênção nas nossas vidas, como um presente de Deus. Com eles aprendemos a dar-nos, a amar de verdade sem esperar nada em troca”, contou Maira ao HM, por e-mail.
O dia-a-dia profissional de Maira Belati e António Ramirez é também ele feito com crianças, pois dirigem a Maranatha Arts Society, que trabalha com as escolas na organização de actividades extra-curriculares e eventos de animação.
Ao fim de tantos anos em Macau, Maira Belati assume que este “não é um lugar fácil para uma família numerosa”. “Não há ajudas, não está bem visto. Hoje em dia ter uma família numerosa é ir em contra corrente. Mas tenho que reconhecer que a sociedade de Macau sempre nos tratou muito bem, os meus filhos falam chinês, pensam em chinês e amam os chineses que aqui habitam.”
Apesar de em Macau e Hong Kong não existir a política do filho único, como há no continente, Maira Belati considera que muitos não compreendem os casais que procuram ter mais do que um rapaz e rapariga.
“Para a comunidade chinesa, se estás à procura de ter um rapaz porque só tens raparigas, aí compreendem. Mas como no meu caso, que tenho três rapazes e três raparigas, todos do mesmo matrimónio, então é impossível compreenderem”, aponta.

Fila na creche de madrugada

Moon Tin é chinesa, tem 36 anos e é mãe de três filhos. As dificuldades de que fala Maira Belati sentiu-as na pele: chegou a estar numa fila às quatro da manhã para conseguir uma vaga numa creche e até pediu ajuda a 40 amigos de Macau, Hong Kong ou Taiwan para que acedessem ao site de inscrições das creches, por forma a obter um lugar para os filhos.
Moon Tin trabalha numa empresa de relações públicas e, juntamente com o marido, designer de Taiwan, mantém uma loja de vestidos de casamento. Aos domingos têm de fechar o espaço para conseguirem estar em família, mas é um dia de rendimento que perdem.
“O Governo deveria oferecer mais apoios às famílias que têm mais de três filhos”, defende ao HM. “Em Taiwan, ter um bebé dá direito a ganhar dez mil patacas do Governo. Em Macau só recebemos 1100 patacas de subsídio de maternidade, devemos pedir dentro de um ou dois meses e temos de contribuir com um certo montante para o fundo de segurança social. Isso é menos humanitário e não corresponde à inflação.” familia
Junto da comunidade chinesa, ter mais do que um filho também pode representar mais apoio aos pais na velhice. “Devido ao envelhecimento da população, ter pelo menos três filhos ajuda a dividir o encargo da velhice no futuro. Caso contrário, só com um filho, a pressão será grande”, defende Moon Tin.
O sufoco económico existe. Moon Tin conta que sente grandes diferenças em relação ao tempo em que só tinha um filho e acredita que os salários que ganham podem não ser suficientes para sustentar toda a família, pelo que procuram por novas formas de rendimento.

A ajuda da empregada

Para além dos pais e dos avós, que dão uma ajuda a cuidar dos netos, ter uma família numerosa em Macau implica quase sempre pagar uma empregada doméstica.
Moon Tin gasta por mês cinco mil patacas com a sua empregada, incluindo 14 dias de férias e os bilhetes de avião. “Só com boas condições é que conseguimos que uma empregada aceite o trabalho, e ela deve ser de confiança, porque não estamos sempre em casa.”
Apesar de uma empregada doméstica ser uma grande ajuda, nem sempre as mães confiam numa pessoa estranha para cuidar dos seus rebentos. Maria conta que as suas colegas de trabalho têm esse receio.
“Quando criei os meus filhos não tive dificuldades, porque era muito fácil arranjar as creches que nós queríamos. Tive uma empregada quando tive a minha segunda filha. Mas antes de 2002 as coisas não eram tão difíceis. Agora penso que as coisas estão cada vez mais caras, e mesmo com as empregadas, as minhas colegas têm muito receio de deixar os filhos bebés com as empregadas ou com as mães. Há alguma falta de confiança.”
Maria, que sempre trabalhou para o Governo, defende que “os funcionários públicos têm apoios suficientes” para terem mais filhos, mas que o mesmo não se passa no sector privado. “Talvez (pudesse) dar mais tempo na licença de maternidade, porque quem está na privada tem apenas um mês.”
As experiências destas mães poderiam encaixar em qualquer família de classe média, embora nem todos consigam suportar a despesa mensal de uma empregada. Dados fornecidos ao HM pelo Instituto de Acção Social (IAS) mostram uma despesa mensal do Governo em cerca de um milhão de patacas, para 112 famílias com mais de cinco filhos. Criancas
Paul Pun, secretário-geral da Caritas, conhece alguns casos, que acredita estarem a diminuir cada vez mais. “O número de grandes famílias está a diminuir em relação ao passado. Há duas semanas conheci uma família com seis filhos, e o pai tinha acabado de deixar a prisão e tinha uma deficiência. Mas esta família está a receber apoio do IAS e todos os filhos estão felizes. Temos ainda uma família com dez filhos que recebe apoio da Caritas, e estão todos bem. Mas não temos muitos casos com pais que tenham mais de seis filhos.”
Tal como na maioria dos países desenvolvidos, ter uma família numerosa em Macau implica enfrentar muitos olhares cheios de interrogações e estranheza. “A geração mais nova acha um pouco estranho, o que querem agora é gozar mais a vida, coisa que os pais não fizeram. Então o número de filhos condiciona muito. Acham que ter dois filhos é o suficiente e dá-lhes tempo para gozar a vida”, acredita Maria.

*Com Flora Fong

31 Ago 2015

Reportagem | Residentes contam como é trabalhar nos casinos no exterior

Numa altura em que as receitas do Jogo mostram quedas consecutivas, os países asiáticos vizinhos apostam no desenvolvimento do sector. O HM conversou com alguns residentes locais que optaram por voar para outras salas de Jogo. Um crescimento evidente, menos seguro que Macau, mas ainda assim, defendem, há espaço para todos crescerem

[dropcap style=’circle’]É[/dropcap] inegável: as receitas das seis operadoras do Jogo diminuíram de forma contínua nos últimos meses. Em Julho passado a queda atingiu os 34,5%, sendo que as salas VIP foram os espaços mais afectados – com mais de 40% de queda – levando a que pelo menos dez fechassem as portas.
Temendo perder o brilho e o estatuto “Las Vegas de Ásia”, Macau entra assim em concorrência com países como Singapura, Filipinas, Tailândia e Camboja, que, para além de irem ganhando apostadores, vão construindo novos empreendimentos dedicados ao Jogo. Não é novidade também a aposta nestes novos países dos grupos responsáveis pelas salas VIP que fecharam no território.
Relativamente à mão-de-obra do sector existente no território os números ultrapassam os 80 mil trabalhadores. Um número que nos remete para uma questão: se as receitas estão a diminuir em Macau e a crescer noutros países, estarão a ser recrutados trabalhadores locais para os novos empreendimentos? Terão os próprios funcionários interesse em abraçar esse desafio? Quatro residentes do território partilharam com o HM as suas histórias e como é trabalhar no que mais se faz em Macau, mas lá fora.

Técnico para jogos online

Torres Leong tem 24 anos e trabalha como técnico de informática no grupo Suncity, companhia que possui mais de 20 salas VIP no território. Foi com a inauguração, em Fevereiro do presente ano, do “City of Dreams Manila”, empreendimento que custou mais de 1,3 mil milhões de dólares americanos ao grupo Melco Crow, que o interesse do jovem Torres surgiu.
Ao HM, o informático explica que a ideia de tornar Malina numa cidade de Jogo, tal como Macau, é evidente. Em pouco tempo, conta foram abertas quatro salas VIP no City of Dreams Manila e no Resort Solaire. Necessitando de mão-de-obra qualificada para tal, Torres e mais sete colegas seus forem enviados para a cidade filipina, bem como outros funcionários de outros departamentos.
Esta é a primeira experiência de trabalho fora de Macau para o jovens Torres que quando questionado sobre as diferenças não hesita em responder: “é um ambiente muito pobre”. “As instalações têm boas condições, mas só as que se encontram na zona dos casinos, quando saímos dessa áreas, tudo é menos desenvolvido”, retrata.
O trabalho é simples: aplicar o sistema informáticos usado em Macau no casino de Manila. Tudo deve corresponder, como se do mesmo território se tratasse. Assim, conta, será mais fácil para todos os trabalhadores, sobretudo no sistema de videovigilância dos “jogos online”.
“Há uma grande parte dos jogadores que apostam através da rede dos casinos e através de telefonemas. E este sistema permite ver em tempo real o trabalho dos croupiers”, explica.
Para o trabalhador não é difícil trabalhar noutro país, mas o volume de trabalho é muito mais exigente e pesado pois a equipa não é tão grande como em Macau. Questionado sobre o futuro, Torres não esconde a vontade de ir embora. Manila não se tornou uma cidade irresistível e, por isso, quando tiver oportunidade irá voltar para Macau.
“Tenho a minha famílias e todos os meus amigos em Macau, e a verdade é que não gosto muito desta cidade, não é tão desenvolvida”, rematou.

Atraído pelo ritmo da vida

Tem 23 anos e trabalha no mesmo grupo, o Suncity. Meng Lam é um dos trabalhadores do departamento de Relações Públicas, e esta também é a primeira vez que está a trabalhar no estrangeiro. São apenas três meses – segundo as ordens – que Meng e mais 10 colegas terão que trabalhar na capital das Filipinas.
O trabalho esse é bem diferente. Em Manila, conta, Meng Lam está a passar conhecimento e não a coloca-lo em prática. Neste novo posto, o trabalhador assumiu funções como formador dos funcionários locais.
Ao contrário de Torres, Meng gosta de Manila e acredita que esta cidade, com o seu ambiente agradável, pode tornar-se bem melhor que Macau. “Esta cidade tem muito mais vantagens que podem ser desenvolvidas e tornar a oferta bem melhor que Macau. Não é tão menos desenvolvida como achamos que é, quando comparamos com Macau. Por exemplo, aqui há mais do que casinos, temos praias e sítios lindos, algo que não existem em Macau. O custo de vida é também mais baixo”, argumenta.

Phnom Penh's Nagaworld Casino and five-star hotel is one of Cambodia's biggest private employers with more than 3,000 staff catering for a stream of visitors. It functions non-stop 24 hours a day with an inside airconditioned controlled temperature of 21 degrees.It is a 14 storey hotel and entertainment complex, with more than 500 bedrooms, 14 restaurants and bars, 700 slot machines and 200 gambling tables. There is also a spa, karaoke and VIP suites, live bands, and a nightclub. Its monolithic building dominates the skyline at the meeting point of the Mekong and Tonle Sap rivers, in stark contrast to nearby intricate Khmer architecture.///Western gamblers playing poker at Nagaworld
Phnom Penh’s Nagaworld Casino and five-star hotel is one of Cambodia’s biggest private employers with more than 3,000 staff catering for a stream of visitors. It functions non-stop 24 hours a day with an inside airconditioned controlled temperature of 21 degrees.It is a 14 storey hotel and entertainment complex, with more than 500 bedrooms, 14 restaurants and bars, 700 slot machines and 200 gambling tables. There is also a spa, karaoke and VIP suites, live bands, and a nightclub. Its monolithic building dominates the skyline at the meeting point of the Mekong and Tonle Sap rivers, in stark contrast to nearby intricate Khmer architecture.///Western gamblers playing poker at Nagaworld

Segundo o trabalhador as restrições nos casinos, na RAEM, como a proibição do fumo e o combate contra a corrupção do Governo Central, incluindo a proibição do cartão de crédito nos casino, são pontos que não favorecem o sector do Jogo em Macau. “Muitos jogadores não gostam das novas regras que estão a ser implementadas em Macau e por isso preferem vir jogar para Manila que é mais livre dessas restrições”, conta.
Se pudesse escolher, Meng Lam não teria dúvidas: carreira seria em Manila. O ritmo de vida, “muito mais calmo que em Macau”, e as condições são os pontos apresentados pelo funcionário.
“As pessoas da Manila sabem aproveitar a vida, por exemplo, aos fins-de-semana e feriados, o ambiente é muito animado, há fogo de artifício, às sextas-feiras, há sempre festas, algo que nunca encontrei em Macau”, relata, sublinhando a pena que tem em ser apenas uma experiência de três meses.

Vontade de emigrar

Na casa dos 30, Koji Cheong, trabalha no departamento de Marketing do mesmo grupo. Também em Manila foi enviado por três meses, tal como Meng, tempo que já passou e agora o grupo quer estender a experiencia por mais um ano.
Não tão entusiasmado como o seu colega, Koji preferia voltar para Macau, mas a verdade, diz, é que o negócio das salas VIO está a cair, ao contrário do que acontece neste momento em Manila. Para si trabalhar numa economia a crescer é sempre mais entusiasmante do que numa a cair. “O nosso salário está directamente ligado aos lucros do grupo, portanto não quero ser despedido”, afirma.
Os baixos impostos do Governo filipino – 17% em Manila, contra 29% em Macau – são um atractivo para os investidores e para os grupos das salas VIP. Tendo em conta a não inclusão de Manila nas políticas de combate à corrupção do Governo Central é também uma prancha para atrair o desenvolvimento do negócio, argumenta.

Ali ao lado

É no grupo Jimei, que Lien Tam de 29 anos trabalha como Relações Públicas. Um grupo de Hong Kong mas com um casino e sete salas VIP em Macau, tem enviado vários funcionários, por algumas temporadas, para a região vizinha. Lien Tam é uma delas. “Tenho trabalho em várias, em Hong Kong, Manila, Clark e até na capital do Camboja, Phnom Penh”, conta ao HM.
“Quando os nossos clientes querem jogar nos casinos doutros países, precisamos de os acompanhar para ir aos casinos, organizamos os hoteis e as refeições. Às vezes realizamos competições de golf ou concurso de Baccarat” explicou, salientando os momentos como formas de atrair os clientes.
São estas viagens que Lien mais gosta de fazer, mas tudo depende da situação, pois há momentos em que a funcionária fica responsável pela organização de evento e tem de se ausentar muito dias, o que acaba por lhe trazer saudades e vontade de voltar a Macau.

Segurança garantida?

Ao trabalhar no estrangeiro, a segurança pode ser a primeira consideração dos trabalhadores. Torres afirmou que nas zonas dos casinos a segurança é garantida.
“Até ir ao supermercado há um guarda a abrir porta, e a companhia organiza carros para nos levar a sair”, disse, admitindo que poderão existir viagens, se forem mais longe, que os seguranças não acompanhem os funcionários.
Para Meng Lam, a segurança é um problema na cidade filipina. “Na zona dos casinos, a segurança é boa. Quando visitamos outras zonas, vemos que a desigualdade económica entre as pessoas é muito grande. Há muitos sem abrigos, por exemplo. Vemos que há mais crime, mais assaltos. Mesmo assim, os ladrões não têm tanta técnica como os criminosos de Macau”, argumenta.
Apesar de tudo, acha que o grupo Suncity garante a segurança dos empregados, dando-lhes boas condições. Meng vive num quarto duplo com outro colega de um hotel, e não se preocupa com a segurança pois vivem todos muito próximos uns dos outros.
Koji partilhou aindaque “o director executivo do Suncity, Alvin Chau protege muito os seus funcionários.” “Quando cheguei a Manila tinha logo os guarda-costas à nossa espera, para nos acompanhar a qualquer lado, mesmo nas viagens mais pequenas, como ir ao supermercado”, lembra. Segurança que é totalmente dispensada pelo funcionário que agora só requer esse serviço em viagens maiores.
Comparado com Macau, tanto Manila, Clark como Camboja, diz Lien a segurança é pior, e por isso, esta é um dos pontos de preocupação da administração.
“Uma vez, no Camboja, a carteira do nosso cliente foi roubada por um ladrão, mas foi só isso”, disse, afirmando que as pessoas locais são em geral bem educadas, algo que a faz estar mais descontraída nas ruas.

Preponderância de Macau

Para Bill Song, director da Associação de jogo com Responsabilidade de Macau, os trabalhadores de Jogo de Macau têm benefícios quando desenvolvem carreira no estrangeiro, pois têm oportunidade de ver algo crescer, visto que a indústria de Jogo de Macau já é experiente.
“Nos países asiáticos como Filipinas, Tailândia, o sector de Jogo foi criado recentemente, assim os recursos humanos de Macau podem prestar apoio a estes novos casinos. É também uma oportunidade para os trabalhadores de Macau poderem ocupar cargos mais superiores”, explicou ao HM.
No entanto, Bill Song considera que não existem muitos trabalhadores do sector em funções em outros países, apenas os de posição de administradores.

Prejuízo a Macau?

Questionado se Macau está a ser prejudicado, Bill Song, não acredita nessa ideia. Os jogadores, diz, são maioritariamente provenientes da Coreia do Sul, enquanto em Macau são da China continental.
Meng Lam também não acredita que a cidade filipina tenha prejudicado a fonte dos clientes de Macau, mas a verdade, diz, é que os clientes são provenientes de vários países, como Coreia de Sul, Tailândia, Japão entre outros.
Koji Cheong acha que a indústria de Macau não vai afundar. Macau tem as suas vantagem, porque faz parte da China, sendo a língua, as letras, os hábitos iguais às das pessoas da China continental. Considera também que a eficiência dos serviços e a segurança são vantagens do território.
Bill Song acha que em curto prazo não existirão problemas para Macau, justificou que a cultura local tem a vantagem de continuar a atrair clientes da China continental, aqueles que “podem não gostar do ambiente desses países”. O desaparecimento das salas VIP de Macau não é uma hipótese. Existirão, diz, sempre clientes em Macau, mesmo estando o Jogo desenvolvido noutros países.

24 Ago 2015

Pátio do Espinho | Residentes divididos face a reconstrução, mas felizes com o local

No Pátio do Espinho, o tempo parece que não passou pelas paredes de lata de que são feitas algumas das frágeis habitações. Muitos moradores até gostariam de ter uma casa melhor, mas recusam-se a abandonar o espaço que sempre conheceram. Quem tem um pedaço de terra, nem quer ouvir falar da possível intervenção do Governo. Outros até concordariam

Patio espinho[dropcap style=’circle’]N[/dropcap]as ruas do Pátio do Espinho, há latas e arames a montar casas que parecem de faz de conta, mas que têm gente dentro. Umas têm idosos, outras têm famílias inteiras: a matriarca, o filho que veio da China depois de décadas de ausência e a mulher grávida. Outras têm filipinas que descansam num ambiente mais acolhedor depois de limparem as casas de outros. Lavam os tachos conforme podem no meio da rua, com parcas condições de higiene, e vivem o calor infernal sem ar condicionado. Uns compraram a casa há décadas, outros pagam rendas muito baixas.

Três da tarde, um sol abrasador. Ao descer as escadas do Pátio do Espinho damos de caras com Chio Kit. Tem 80 anos e mora ali desde os 16. É vizinho de mais 18 pessoas, só na sua rua, e fala com o HM enquanto a sua vizinha ouve um programa de música chinesa em alto e bom som.

“Na altura não tínhamos dinheiro e só conseguíamos construir uma casa assim, com latas. Vivo aqui com a minha mulher, antes trabalhava numa pastelaria, a fazer bolos”, recorda.

Chio Kit conta, sentado numa das raras sombras que por ali existem, que se reformou há 19 anos. Hoje vive com uma magra reforma, mas que dá para viver, já que não paga renda. A filha há muito que se mudou para outras paragens, trabalhando actualmente na Função Pública.

Chio Kit mora no Pátio do Espinho há tanto tempo que ainda se lembra da época em que ficava escuro mais depressa. Os candeeiros com iluminação pública só chegaram depois do chamado “Motim 1,2,3”, em 1966. “Depois disso passámos a ter melhores condições aqui na rua, as pessoas começaram a viver melhor”, recorda.

Chio Kit mostra-se conformado com o cantinho que construiu. Tem uma casa de banho, sala e cozinha, que já só partilha com a mulher. “Não queria sair daqui e também não consigo arranjar dinheiro para outra casa, estou habituado. Já pus um ar condicionado, uma ventoinha e estou melhor”, refere.

Um passeio pelo Pátio do Espinho, localizado atrás das famosas Ruínas de São Paulo, permite compreender um espaço cheio de história e, sobretudo, desigual. Há casas renovadas com gaiolas nas janelas e casas degradadas de tijolos e arames. Há entulho por todos os lados, ao lado de passeios improvisados com cimento.

As tentativas para arranjar o que é velho já foram muitas. Chio Kit lembra-se bem do primeiro encontro entre Governo e proprietários, há 19 anos. “Chegou-se a falar que o Governo e um consultor queriam reconstruir isto, mas tinha de pagar 160 mil patacas para comprar uma casa pública na Areia Preta e não tinha dinheiro. O Governo apresentou-me um papel para assinar se concordava ou não [com a renovação], e eu não concordei. Mas gostava que estas casas fossem reconstruídas.”

Fong Pak, desempregado, oriundo da China, vive uns metros abaixo da casa de Chio Kit e lembra-se da segunda tentativa de reconstrução. “Aí há quatro ou cinco anos vi no jornal que o Governo queria recuperar isto, mas na altura os preços das casas eram mais baixos. O Governo chegou a discutir com os donos das casas com melhores condições, mas estes tinham de ser indemnizados. Só que depois os preços das casas aumentaram e o Governo já não quis indemnizar e a conversa deve ter ficado por ali.”

Se os arrendatários e mais velhos até gostavam de ter melhores condições nas suas habitações, quem é proprietário prefere ficar no conforto que já conseguiu. É o caso de Dixon, trabalhador na área da informática, e a mãe, a senhora Wu.

“Se o Governo apresentar um plano de renovação não vou concordar, porque nós somos os donos do terreno. Nunca aceitaremos a proposta e queremos que fique tudo como está”, aponta Dixon. “Nunca ouvi o Governo dizer que tem um plano de renovação, mas se tiver não vou concordar, porque os edifícios novos, se forem reconstruídos, não devem ficar maiores ou melhores que este. Como está, está bom”, disse a senhora Wu.

A balada dos filhos maiores

Fong Pak nunca teve uma casinha só sua. Aquela onde vive com a mulher, de cor verde, está degradada e só tem janelas baixas com arames, cheia de sacos velhos. O ar condicionado não existe, as ligações de luz e água foram feitas através de um vizinho. Paga mil patacas de renda.

Chio Kit é morador do Pátio do Espinho
Chio Kit é morador do Pátio do Espinho

“Vivo aqui há mais de dez anos e tenho problemas de saúde, então estou aqui para descansar”, conta Fong Pak, enquanto arranja umas fichas eléctricas para depois vender. Está desempregado há cerca de um ano e ganha um subsídio de deficiência por ter problemas de saúde nas costas e numa perna. Mas garante que não é suficiente. Antes disso trabalhou na construção civil e foi talhante no mercado. Ainda foi segurança em prédios, mas já não conseguia trabalhar. A mulher lava pratos num restaurante e traz para casa o único sustento.

“Moramos num T1, com uma sala e um quarto pequeno. No Verão fica muito calor e não consigo montar o ar condicionado, porque o ar sai todo por esta janela”, conta.

Fong Pak é um dos muitos que pedem o regresso dos chamados filhos maiores. Os seus estão quase a obter autorização. Daqui a um ou dois anos poderão morar com ele naquele cubículo ou numa habitação social, caso o seu processo fique concluído.

Choi I, mais velha do que Fong Pak, pode-se considerar com mais sorte: o filho há muito que veio da China e com ele trouxe a nora grávida. Falam com o HM à hora de jantar enquanto põem legumes cozidos numa mesa na rua. Ouve-se a água a correr lá dentro e só vemos escuro. Convidam-nos a sentar na sala de jantar improvisada.

“Vivo aqui há mais de 20 anos, mas desde 1993 que sou dona da casa, porque o dono decidiu vender. Tenho BIR, mas os meus filhos nasceram na China e só agora é que eles conseguiram vir para Macau. Esta é a minha nora”, conta, sorridente.

Choi I lavou casas e arranjou os jardins públicos do território. Já tem reforma e o filho trabalha como croupier, mas não encaram a curto prazo uma saída do Pátio do

[quote_box_left]“Não queria sair daqui e também não consigo arranjar dinheiro para outra casa, estou habituado. Já pus um ar condicionado, uma ventoinha e estou melhor” – Chio Kit, morador[/quote_box_left]

“Gosto de viver aqui, mas não tenho ar condicionado e está sempre muito quente lá dentro. O Governo não me deixou reconstruir a casa. Mas prefiro que seja o Governo a recuperar o terreno e que me ofereça outra habitação, para ter uma casa melhor. Tenho um filho em Macau que prefere viver melhor, porque aqui não tem condições. A minha nora está aqui, mas se os meus outros filhos vierem da China para Macau, então não vou ter espaço para eles”, conta a idosa.

Choi I não tem dúvidas. “Gostava que o bairro fosse renovado, porque já tenho mais de 60 anos e quando os meus filhos me vêm visitar, não há espaço para que fiquem mais dias.” O filho pára de lavar a loiça e diz-nos: “Acho que vai ser sempre difícil renovar tudo, porque há muitas pessoas que não querem. É melhor ser o Governo a decidir.”

A chegada dos não residentes

Além dos nascidos em Macau e daqueles que vieram da China há largas décadas, o Pátio do Espinho começou a ser habitado nos últimos anos por não residentes que ali encontram a possibilidade de pagar pouco de renda. Se olharmos pelas janelas e portas meio abertas, é comum verem-se beliches amontoados que servem de quartos.

Choi I tem, numa casa logo ali ao lado, vizinhas filipinas que vivem num espaço que consideram como casa. Iva fala com o HM no final do dia de trabalho e convida-nos a entrar no seu espacinho. Divide a casa com amigas há cinco anos e juntas pagam três mil patacas. Não há ar condicionado, as divisões amontoam-se, cheias de pertences, mas ao menos Iva tem um quarto só para si.

“Mudei-me para aqui porque sempre vivi fora das casas dos meus patrões. Trabalho como empregada doméstica e como eles não têm casa para mim, então encontrei esta casa, que é barata. Quando cheguei só pagávamos 1200 patacas”, recorda a não-residente, moradora em Macau desde 1990.

Apesar de viver paredes meias com latas e portões velhos, Iva não se queixa e acha-se até uma privilegiada em relação às condições de vida das suas conterrâneas.

“Esta casa é melhor do que outras casas onde as filipinas vivem, porque essas normalmente só têm três quatros. Aqui é melhor, mas quando fica calor, fica mesmo calor, porque não temos ar condicionado, e quando é frio, é mesmo frio. Mas ao menos tenho privacidade aqui.”

Também ali no Pátio do Espinho tudo o resto é diferente: não há barulho, não há bares, não há turistas, não há luzes dos casinos. As ruas são de terra batida e não há sequer sinais de criminalidade. Às sete horas é tempo de recolher para muitos. As portas estão abertas e a convivência entre vizinhos acontece, como se de uma aldeia se tratasse.

“Ela (Choi I, vizinha da frente) é minha amiga. Aqui é tudo mais calmo. Há muitos lugares em que as pessoas bebem e falam alto durante a noite e aqui não, é tudo muito mais tranquilo. Então é melhor viver aqui. É um sítio seguro e muitas vezes nem abrimos a porta, porque está muito calor”, conta Iva.

Iva não quer opinar sobre o que poderá acontecer ao Pátio do Espinho no futuro, caso o Governo intervenha. “Normalmente aqui não falamos sobre isso. Se a casa fosse minha talvez apoiasse a renovação, porque quando há tempestades as casas não são muito fortes, talvez as condições fossem melhores…Vemos que muitas das casas apenas têm três pessoas e muitas delas já não têm ninguém, porque os mais velhos morreram e os filhos vivem noutros sítios, ou em Hong Kong. Por exemplo, aquele meu vizinho, só vem aqui de vez em quando. Mas penso que muitos gostavam de ter casas melhores”, conta, apontando o dedo para a direita. unnamed-13

“Não sei quem iria beneficiar das novas casas aqui. Talvez as pessoas prefiram as casas como estão, talvez o Governo quando renovar faça prédios maiores…não sei. Eu prefiro viver desta maneira em vez de estar naqueles prédios altos, com muitas pessoas”, acrescenta Iva.

No Pátio do Espinho as infra-estruturas permanecem de parca qualidade, os bons saneamentos só existem para alguns e muitas casas já estão vazias, cheias de cartas e contas que nunca serão pagas. É comum ver-se espaços cheios de ervas daninhas que permanecem por limpar. Em Junho deste ano, os Serviços de Saúde (SS) deixaram mesmo um aviso de que existe perigo de ratos por aquelas bandas. Mas, logo ali ao lado, apenas a senhora Wu se queixa da falta de acção do Instituto para os Assuntos Cívicos e Municipais (IACM). Mas é o único queixume: todos parecem viver felizes num espaço de memórias e, sobretudo, de convivências.


IC promete “concentrar-se” sobre o espaço

No início do ano Ung Vai Meng, presidente do Instituto Cultural (IC), disse ao Ou Mun que o Pátio do Espinho é um sítio com interesse histórico e que deve ser alvo de protecção. Seis meses depois, não há detalhes novos sobre uma possível intervenção. Ao HM, o organismo referiu que “irá concentrar-se continuamente sobre a situação da zona referida, protegendo activamente e sustentadamente os preciosos recursos culturais de Macau”, uma vez que o Pátio do Espinho “é uma parte importante daquela zona, o qual está integrado na zona de protecção, sendo abrangido pela Lei de Salvaguarda do Património Cultural”. “O Pátio, além de estar na zona próxima às Ruínas de São Paulo – Ruínas do Colégio de S. Paulo, constitui um espaço histórico e distintivo”.

O IC garante que o grupo interdepartamental “procede ao estudo e planeamento sobre o núcleo do Centro Histórico de Macau e posiciona o mesmo como zona de preservação histórica e cultural, no sentido da sua protecção e revitalização, de modo a expandir a área turística da zona das Ruínas de São Paulo e a optimizar a atmosfera cultural da mesma”. Francisco Vizeu Pinheiro, arquitecto, pede maior transparência no processo. “Deve-se contar com a participação da comunidade em relação a uma intervenção. No Governo tem de haver arte de negociação e não uma espécie de imposição de ditadura, como infelizmente acontece muitas vezes. O diálogo é sempre possível”, disse ao HM o arquitecto, que considera existir “falta de transparência”, pois “não se sabe qual é o critério de intervenção, se é uma decisão subjectiva, caso a caso”.

O HM tentou ainda contactar a DSSOPT no sentido de perceber mais detalhes sobre os terrenos e possíveis negociações, mas até ao fecho desta reportagem não foi possível obter um esclarecimento.

3 Jul 2015

Pesca em Macau | Até que a morte os identifique

[dropcap style=’circle’]N[/dropcap]ascer a bordo de um barco e nunca ter sido registado faz deles, à luz das leis, imigrantes ilegais, pessoas sem certidão de nascimento, passaporte ou sequer terra natal. Muitos dos pescadores que atracam barcos nos cais do Porto Interior tiveram uma vida difícil, sendo forçados, pela vida, a trabalhar desde muito novos, quando a maioria brincava no parque e aprendia as regras da Matemática e dos caracteres chineses. Ká che é apenas uma de entre centenas de pescadores que passaram por esta experiência, apenas descrita como “uma de tantas outras”. Agora, na casa dos 60 anos, a actual gestora do cais “Hip Lei” – ou Ponte 30 – conta com a ajuda de mais meia dúzia de sexagenários para a confecção das refeições diárias e mais uns quantos ajudantes que facilitam a aproximação e estacionamento dos barcos junto ao cais.
Macau foi, desde o início, uma cidade particularmente virada para o mar. A pesca insere-se no sector primário, juntamente com a agricultura. Uma vez que a cidade era rodeada pelo rio, os habitantes fizeram por usufruir disso mesmo. No início do século XX, cerca de 1/3 da população local vivia nos barcos, ainda que muitos se ficassem pelos cais e não estivessem no mar a tempo inteiro. Actualmente, o sector tem vindo a perder adeptos, tanto no caso de trabalhadores, como de compradores. A grande maioria do peixe aqui consumido provém do continente e das águas do território vizinho, sendo também pescado por embarcações destes locais. No entanto, o Governo tem vindo a desenvolver uma série de projectos de apoio ao sector, de forma a ressuscitar a pesca em Macau.

É tudo uma questão de peixe

Ká gere aquele local, cobrando uma taxa diária aos barcos que por ali quiserem atracar. “cada dia de atra- cagem neste cais custa 120 patacas por barco e há espaço para seis”, ilustra a pescadora reformada, que conseguiu a residência permanente em Macau devido a um acordo entre o sector e o Governo, que data já das décadas de 40 e 50, quando a grande maioria dos pescadores nascia no mar, mas tinha família de Macau.

[pull_quote_right]Existem mais de dez pessoas [na nossa família] que nasceram no mar e o meu pai é residente de Macau, mas a minha mãe não e por isso não tem identidade. – ‘Ká che, ex-pescadora actual gestora do cais “Hip Lei”’ [/pull_quote_right]

A vida destas pessoas é feita nos barcos e alguns têm mais de 70 anos, mas não têm coragem de sair para as ruas por causa dessa falta de identidade.[/quote]A agora idosa passa os seus dias entre ferro-velho, redes de pesca usadas e peixes em processo de seca, aguardando pela chegada dos seus dois irmãos, ambos dedicados ao mar. No entanto, Ká che não esquece a sua história, já que hoje em dia o tempo é muito e as memórias infinitas. “A vida no mar é muito difícil e eu comecei a trabalhar com 10 anos de idade”, começa por contar. Ao HM confessa ainda que o horário de trabalho nunca é definido, já que só acaba quando o mar assim dita. Entre explicações e ensinamentos, Che deixa fugir uma confissão: “eu também nasci no mar”. No entanto e ao contrário de vários dos seus sobrinhos, a ges- tora do cais Lei Hip conseguiu, ao falta de identidade”, confessa a antiga profissional de pesca. A esperança é, alegadamente, a única a morrer, mas Che conta que, devido à falta de conheci- mentos de leitura e escrita destes pescadores, é pouco provável que o Executivo lhes forneça permissão de residência.

TNR que estão lá para ajudar

“Este negócio já tinha desaparecido se não fosse pelos TNR da China que trabalham nos barcos”, confessou Fung Hee. O presidente da Associação de Auxílio Mútuo dos Pescadores de Macau abre a porta da sede a todos os curiosos da profissão. unnamed-2
Naquele primeiro andar ou- vem-se peças de majong a ser baralhadas e o cenário é logo ali imaginado: um grupo de homens a passar o tempo livre enquanto o mar não chama por eles. “Em média, há seis ou sete TNR em cada barco e neste momento há em circulação cerca de 160 barcos, o que contrasta com os 600 que havia na década de 80”, explica o dirigente. No total, cada embarcação não leva mais de dez pessoas, dois deles sendo frequentemente o casal proprietário do transporte.

Longe da poluição

Neste momento, as águas preferidas dos pescadores locais estão perto de Hong Kong e a norte da China. Há ainda quem opte por se ficar por Hainão, uma ilha bastante mais longe do território. É o caso da família de Sze Lam, residente em Macau e filha de pescadores. “O meu pai tem um barco juntamente com dois irmãos e passa a maioria do tempo em alto-mar”, começa a jovem por explicar. Hoje em dia, algumas coisas parecem ter sido facilitadas, como são os regressos do pai e dos tios ao território em ocasião de festivi- dades como o Ano Novo Chinês. “Quando há datas importantes, eles vêm muitas vezes de avião porque é mais barato do que voltar no barco”, conta. Sze nunca teve uma relação próxima com o mar nem trabalhou na embarcação da família, mas a sua voz denota felicidade quando refere que hoje em dia vê o seu pai mais vezes, em termos anuais, do que há uma década. Na associação e nos cais, as tardes vão-se enchendo de jogos chineses, conversas de café e bafos de cigarro, enquanto o enjoo de estar em terra não assola o estômago dos mais sensíveis. Hee, o presidente da associação, também já foi pescador.

“Dantes gostava muito do que fazia, mas hoje reconheço que a água está muito mais poluída, o que implica mais tempo de viagem para encontrar peixe”, refere. A poluição obriga a mais gastos de combustível, algo que Sze diz influenciar bastante o lucro de todos os meses. O pai da jovem tem 50 anos e percorre rio e mar durante vários meses, na esperança de dar à sua família um nível de vida aceitável. Shantou – zona do Mar da China do Sul – é outras das áreas preferidas para a actividade piscatória.

Emprestar para suprir a escassez

Vida de pescador é, como referido, passada entre mar e terra, ondu- lação e chão firme. Este método faz com que apenas seis meses do ano potenciem lucros, deixando a restante metade à mercê da sorte, dependente do número de peixe vendido. Para tentar minorar esta dificuldade, a Direcção de Serviços para os Assuntos Marítimos e de Água (DSAMA) desenvolveu uma série de ajudas destinadas ao sector piscatório. “Dantes gostava muito do que fazia, mas hoje reconheço que a água está muito mais poluída, o que implica mais tempo de viagem para encontrar peixe”, disse Hee.

Normalmente acordava de madrugada, perto das quatro. O almoço faz-se às oito da manhã e o jantar às quatro da tarde. — Fung Hee Presidente da Associação de Auxílio Mútuo dos Pescadores de Macau
Um dos mecanismos dá pelo nome de “plano de formação para pescadores durante o período de defeso da pesca” e pretender ajudar estes profissionais durante o período “morto” da profissão. “Este programa pretende reduzir as dificuldades económicas dos pescadores que não têm ordenado durante a interregno da actividade, bem como ajudá-los a elevar as competências e dominar outras técnicas”, refere a DSAMA em resposta ao HM. De acordo com a entidade, foram mais de 400 pessoas as que integraram o programa do ano passado. Há ainda o Fundo de Desenvolvimento e Apoio à Pesca, que distribui dinheiro ao sector. A DSAMA explica que foram investidas mais de 50 milhões de patacas desde a sua criação, em 2007. A justificação para a existên- cia deste fundo é, de acordo com o Governo, “a importância do sector piscatório” para Macau. Já no ano passado, foram aprovados apenas dez casos com um investimento de 5,7 milhões de patacas. Ao todo, a DSAMA diz ter aprovado e investido em 159 casos desde a criação desde fundo.

À parte dos dois modelos referidos, Hee conta que há ainda a possibilidade de pedir emprésti- mos ao Executivo, podendo estes chegar às 800 mil patacas. “Além do empréstimo, que é fácil de pedir e obter, também temos isenção de imposto”, revela o presidente da associação. No entanto, há que lembrar o caso já referido, de pescadores sem identidade nem passaporte, que por não saberem ler nem escrever, são forçados a permanecer anónimos, presos pelo vergonha de sair à rua.

O ferry de hoje foi o peixe de ontem

Fung Hee conta como se faz a vida lá fora, até porque se há coisa que não falha é a memória. “Normal- mente acordava de madrugada, perto das quatro. O almoço faz-se às oito da manhã e o jantar às quatro da tarde”, começa por explicar. A cama recebe os pescadores perto das seis da tarde, hora em que descansam os braços e a redes, apenas para recomeçar as lides algumas horas depois. Se, por um lado, algumas profissões foram facilitadas pelo tecnologia, a pesca não parece ter sido uma delas. As queixas são várias e entre elas está a necessidade de percorrer mais quilómetros para encontrar peixe de qualidade e, consequentemente, um maior gasto de combustível. “Dantes, havia muito peixe naquela que hoje é a rota do ferry entre Macau e Hong Kong”, diz Hee. Os tipos de peixe, esses, são variados, mas no caso de Hee, eram enguias e Peixe Dourado que mais caíam na sua rede. As ruas do Porto Interior, onde estamos, não são tão barulhentos como a zona que lhe antecede, do Patane. O Rio das Pérolas não cheira ao Tejo e o céu não é o de Lisboa, mas é precisamente isso que faz daquele local único, um dos mais marcantes da cidade e que melhor a define.

2 Abr 2015