Lei anti-máscaras considerada inconstitucional

[dropcap]N[/dropcap]o passado dia 18, O Tribunal de Primeira Instância de Hong Kong deliberou que a “Lei Anti-Máscaras”, promulgada pelo Governo da cidade ao abrigo do estado de emergência, viola a Lei Básica de Hong Kong. Desta forma, a “Lei Anti-Máscaras” deverá ser abolida.

O Governo local não aceitou a ordem de abolição desta lei. A população sabe que a promulgação da lei teve origem nos incidentes violentos desencadeados por pessoas que se manifestavam contra a revisão da Lei de Extradição, com os rostos cobertos por máscaras negras. Estes incidentes violentos resultaram na destruição de edifícios, linhas de metro, fogo posto, etc. O rosto tapado torna impossível identificar os autores dos delitos, sendo portanto impossível imputar a responsabilidade criminal a desconhecidos por estes actos. Se a lei tivesse sido aprovada, os elementos responsáveis poderiam ter sido julgados. Teria sido uma forma de garantir a responsabilização criminal dos autores dos delitos e uma forma de acabar com as atrocidades. Mas o Tribunal de Primeira Instância declarou a inconstitucionalidade da lei, por considerar que ia contra a Lei Básica de Hong Kong e que teria de ser revogada. Foi uma notícia recebida com apreço pelos manifestantes e com desagrado pelo Governo.

O Governo de Hong Kong apelou de imediato para que a revogação fosse suspensa. No passado dia 22, o Supremo Tribunal da cidade aprovou a suspensão. A suspensão é válida até dia 29 deste mês, para que o Governo tenha tempo de formalizar o apelo.

A aprovação da suspensão traz um raio de esperança ao Governo. O Executivo deve aproveitar esta oportunidade para pedir ao Tribunal que considere a lei anti-máscaras constitucional, visto ter sido promulgada no âmbito do estado de emergência. A questão aqui não é o Governo ter perdido na Primeira Instância. O que é importante é que o Tribunal declare que o Governo de Hong Kong tem poderes suficientes para promulgar leis de excepção sempre que o estado de emergência seja declarado, medidas tendentes a acabar com as atrocidades e restaurar a paz social. Por agora, a população de Hong Kong aguarda ansiosamente a decisão do Tribunal.

O Comité Jurídico do Congresso Nacional do Povo (CJCNP), declarou que a decisão do Tribunal de Primeira Instância enfraqueceu seriamente o poder do Chefe do Executivo e do Governo de Hong Kong. Considera também que esta decisão é inconsistente com a Lei Básica e com a decisão do Comité Permanente do Congresso Nacional do Povo (CPCNP). Saliente-se que, antes da reunificação de Hong Kong, o CPCNP considerava que a declaração de estado de emergência estava em conformidade com a Lei Básica da cidade.

Como tal, após a reunificação, a declaração do estado de emergência é legal em Hong Kong. É regulada por um conjunto de leis que integram o Artigo 160 da Lei Básica. A declaração do estado de emergência foi uma decisão do CPCNP. Enquanto tribunal local, o Tribunal de Primeira Instância de Hong Kong não tem qualquer poder para declarar inconsistente uma decisão do CPCNP .

Em resposta às declarações do CJCNP, Andrew Li Guoneng, antigo Secretário da Justiça de Hong Kong, salientou que, desde 1997, os Tribunais locais têm poder para decidir se as leis promulgadas em Hong Kong estão ou não de acordo com a Lei Básica. Em 1999, ou um pouco depois, quando o CPCNP analisou a Lei Básica, não se opôs a este princípio. A interpretação deste pilar da legislação da cidade pelo CPCNP é também uma das suas partes integrantes. Os Tribunais de Hong Kong devem deliberar de acordo com a interpretação da Lei Básica feita pelo CPCNP.

Andrew Li Guoneng também salientou que o CPCNP pode apenas ter pretendido mostrar que a interpretação do Comité Permanente vincula os Tribunais de Hong Kong. No entanto, o Comité Permanente só se deve pronunciar sobre a Lei Básica em circunstâncias extraordinárias. Esta posição deve ser comunicada antes da deliberação dos Tribunais. Caso contrário pode ter consequências negativas na independência jurídica de Hong Kong.

Como antigo Secretário da Justiça da Região Administrativa Especial de Hong Kong, não é surpreendente que Andrew Li tenha um certo peso e represente alguns pontos de vista dos profissionais da área jurídica. Na verdade, o CJCNP pronunciou-se após a decisão do tribunal de Primeira Instância, e as declarações de Andrew Li sobre o impacto negativo na independência jurídica de Hong Kong foram feitas nessa sequência. A preocupação sobre a independência jurídica dos Tribunais de Hong Kong para interpretar a Lei Básica advém desse poder ser conferido pelo CJCNP. A posição deste Comité Jurídico Nacional quanto ao poder dos Tribunais locais decidirem sobre a constitucionalidade ou inconstitucionalidade das leis à luz da Lei Básica, pode criar nestes organismos a sensação de estarem a ser sujeitos às críticas de autoridades superiores, e a pressão naturalmente faz-se sentir.

Embora Andrew Li tenha levantado a questão do impacto negativo na independência jurídica da cidade, neste caso particular, não me parece ser relevante. Como a declaração de estado de emergência foi revista e confirmada pelo CPCNP antes da reunificação de Hong Kong, está de acordo com a Lei Básica. Esta disposição foi feita quase 20 anos antes da actual decisão do Tribunal de Primeira Instância. Em que é que esta situação pode afectar a independência jurídica?

No apelo do Governo de Hong Kong, é altamente provável que tenha sido dado ênfase ao facto de a declaração de estado de emergência estar prevista e de acordo com a Lei Básica. À luz da jurisprudência, não parece possível haver qualquer argumentação que refute esta posição.

Do ponto de vista dos residentes comuns, a abolição da Lei Anti-Máscara significa que dispõem de menos uma ferramenta para controlar os motins e a violência. A segurança da população deve ser uma preocupação. Felizmente, o Supremo Tribunal emitiu uma ordem de suspensão da abolição da lei. Desde que o Governo de Hong Kong ganhe o recurso, acredito que este problema ficará completamente resolvido, quer a nível legal quer ao nível da comunidade.

 

Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau
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26 Nov 2019

Conceitos de violação (II)

[dropcap]A[/dropcap] semana passada falámos sobre o caso de uma rapariga de 14 anos, violada por cinco homens, durante uma festa que decorreu em Manesa, Barcelona. Como, no momento da agressão, estava embriagada e drogada não ofereceu resistência. O Tribunal deliberou que o crime, por não ter havido violência física nem intimidação, não podia ser considerado violação, mas sim abuso sexual. A decisão desencadeou vários protestos. Os manifestantes saíram à rua para exigir a revisão da lei, que consideram desactualizada.

A lei espanhola estipula que, para haver violação, a vítima tem de ter sido submetida a violência ou intimidação. Na sua ausência, os crimes enquadram noutra moldura legal. Se a vítima tiver ficado inconsciente não pode acusar o agressor de violação. Este facto deverá preocupar as mulheres espanholas.

A forma mais eficaz de acalmar a indignação da população é rever a lei e aceitar que o estado de inconsciência é um factor de que o agressor se pode aproveitar para violar a vítima, de forma a que as mulheres possam ser inteiramente protegidas pela lei e se sintam confiantes.

A violação pode efectivamente implicar agressão física. A introdução de objectos na vagina ou no ânus pode também ser vista como violação? O segundo parágrafo do Artigo 157 do Código Penal de Macau não é muito claro quanto a esta questão. Estipula apenas que a pena a aplicar nestes casos é igual à pena pelo crime de violação, ou seja, três a doze anos de prisão.

Pessoalmente, acredito que estes casos, que excedem uma relação sexual forçada, deveriam ser tratados como “atentado grave à integridade física” mais do que como “violação”.

Se o Governo espanhol considerar a revisão da lei, deve, em primeiro lugar, aceitar que o facto de a vítima estar inconsciente e não oferecer por isso resistência, não impede que o crime de abuso sexual seja considerado violação, para que casos como os desta jovem não possam vir a repetir-se . Além disso, a lei deverá estipular de forma clara que só não existe violação quando a mulher tem relações sexuais de livre vontade e plenamente consciente. Se essa vontade não for claramente expressa, ou porque está a ser físicamente pressionada ou porque está inconsciente, tem direito a ser protegida pela lei e, se o quiser fazer, apelar à lei para que se faça justiça.

Depois de ficarem bem estabelecidas as circunstâncias susceptíveis de serem consideradas crime de violação, o passo seguinte é determinar se a introdução de objectos na vagina, no ânus ou na boca deverá ser considerada violação ou atentado grave à integridade física.

Por fim, determinar quem pode ser considerado violador:

Quem pode ser responsabilizado por este crime? Homens? Mulheres? Recordemos o caso de Jesamine Hearsum, mencionado a semana passada. Se a lei não distinguir claramente as circunstâncias em que a vítima é violada por um homem daquelas em que existe uma agressão feminina, como julgar casos em que a violadora é uma mulher?

E será que um homem pode ser violado por uma mulher? Poderá o marido da mulher coreana ser encarado como uma vítima?

Deverá a lei proporcionar maior protecção? Sendo a violação um crime que implica uma relação sexual forçada, quase sempre com recurso à violência, não deverá ser também tratado como um crime de atentado grave à integridade física? Pela mesma ordem de ideias, recorrer a drogas ou a alcoól para induzir na vítima um estado de inconsciência, a fim de se aproveitar dela sexualmente, deverá implicar uma acusação de violação? Neste último caso, estamos perante um crime de violação simples, ou de um crime de violação agravada, pelo facto de a vítima ter sido forçada ao consumo de drogas?

Como punir um violador? Além de condená-lo a prisão, dever-se-á ainda recorrer à medida a que foi submetida Jesamin Hearsum, ou seja, proibição de manter qualquer contacto com a vítima por um certo período de tempo?

Espero que estas reflexões ajudem Espanha a rever a lei de agressão sexual para proporcionar às mulheres mais e melhor protecção.

 

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19 Nov 2019

Conceitos de violação (I)

[dropcap]R[/dropcap]ecentemente, em Barcelona, cinco homens foram absolvidos do crime de violação de uma rapariga de 14 anos, embora tenham sido condenados por abuso sexual. A decisão do juiz foi muito contestada e deu origem a várias manifestações de protesto. Terá sido uma deliberação errada? Não se terá feito justiça? Será adequada a lei que regula os casos de violação em Espanha?

A comunicação social de Hong Kong divulgou o caso no início deste mês. A jovem, que tem actualmente 14 anos, foi agredida em 2016, por cinco homens durante uma festa. No momento da agressão a menina estava inconsciente devido à ingestão de álcool e consumo de drogas. Por este motivo, o Tribunal deliberou que não se tinha tratado de violação. Segundo a lei espanhola, para haver violação tem de haver recurso à violência ou à intimidação. Neste caso, devido à inconsciência da jovem, os agressores não tiveram de recorrer a esses meios. A decisão do juiz desencadeou uma onda de protestos e os manifestantes exigiram a revisão da lei.

O abuso foi no entanto provado. Um dos homens comandou as operações, estabelecendo que cada um deles a usaria durante quinze minutos.

A decisão do Tribunal de Barcelona, ouvida a 31 de Outubro, baseou-se na lei. Devido ao estado de inconsciência da vítima, os agressores não precisaram de recorrer à violência nem à intimidação. Logo, perante a lei espanhola, não houve violação. Por este motivo, ficou provado o crime de abuso sexual e não o de violação. Os réus foram condenados a penas de prisão entre os 10 e os 12 anos. A vítima recebeu uma indemnização de 12.000 euros.

Durante os protestos, os manifestantes exibiram cartazes onde se podia ler “Não é abuso sexual, é violação”. Exigem a revisão da lei porque a consideram antiquada e incapaz de proteger as vítimas.

Este caso levanta algumas questões dignas de reflexão. O entendimento geral de violação implica que alguém (regra geral um homem) obrigue outrém (regra geral uma mulher) a ter relações sexuais sem o seu consentimento. Este caso é disso um exemplo.

Mas um homem também pode violar outro homem. Em Taiwan, em Agosto deste ano, um indivíduo chamado Fu hospedou-se num hotel em Chiayi. Partilhou o quarto com outro homem pelo qual se sentiu atraído. Fu saiu do hotel e foi à rua comprar leite de soja e depois passou numa farmácia onde adquiriu duas seringas e um hipnótico. Depois de ter dissolvido o produto em água quente, injectou a mistuta no leite de soja com uma das seringas e deu-o a beber ao outro homem. A vítima entrou em coma e foi violada repetidas vezes durante a noite.

Mas, por mais estranho que pareça, as mulheres também podem violar homens. Em Maio de 2015, uma mulher coreana amarrou as mãos e os pés do marido num hotel em Seúl, forçando-o a ter relações sexuais; a mulher foi acusada de “violação familiar”.

E o mais chocante é terem-se já registado casos de mulheres que violam outras mulheres. Em 2014 Jesamine Hearsum, uma mulher britânica, levou para casa uma rapariga que conheceu num bar. Jesamine tentou fazer sexo com a jovem mas esta recusou-se. Nessa altura Jesamine espancou-a e ameaçou-a com uma faca. Acabou por ser condenada a uma pena suspensa de dois anos e foi proibida de estabelecer contacto com a vítima durante três anos.

No entanto, este crime costuma ser encarado como uma agressão que os homens praticam contra as mulheres.

Se efectivamente o agressor for um homem e a vítima uma mulher, o crime de violação será consumado se houver penetração vaginal, contra a vontade da vítima. Não existe necessidade de provar qualquer tipo de detalhes. Basta ter havido penetração contra vontade para se determinar que houve violação.

O facto de não haver consentimento, implica geralmente que, de uma forma ou de outra, teve de haver violência. O uso da violência física é o mais comum, mas também pode haver outras situações que impliquem o recurso a drogas e álcool para induzir na vítima um estado de inconsciência. O segundo caso continua a ser considerado violação.

A jovem de Barcelona estava alcoolizada e drogada e os cinco agressores aproveitaram a situação sem necessitarem de recorrer à violência física. A lei espanhola só considera violação se o acto envolver violência. Por causa disso, as pessoas têm saído à rua a pedir a alteração da lei, considerando-a desactualizada.

A definição de violação encontra-se presente no nosso Código Penal. Segundo o Artigo 157, violação significa:

a. Obrigar alguém a práticas sexuais – penetração vaginal, anal ou oral – com o próprio ou com uma terceira pessoa, através do recurso à violência; ou
b. Forçar outros a terem relações sexuais entre si -penetração vaginal, anal ou oral -; ou
c. Após induzir um estado de inconsciência em alguém, praticar com essa pessoa actos sexuais – penetração vaginal, anal ou oral.

Um violador pode ser condenado entre três a doze anos de prisão.

Continua na próxima semana.

 

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12 Nov 2019

Liberdade condicional

[dropcap]S[/dropcap]oube-se através da comunicação social que no passado dia 28 de Outubro, Tony Maycon Munoz-Mendez, detido na Rogers State Prison, em Ritzville, Georgia, tinha sido foi libertado por engano do estabelecimento prisional, às 11:30 do dia 25.

Munoz-Mendez foi condenado a prisão perpétua em Abril de 2015, acusado de duas violações e de um crime de abuso de menores agravado.

A direcção da cadeia não explicou as circunstâncias do erro, nem porque é que o comunicado só foi feito três dias após o ocorrido.

Não é a primeira vez em que se dá uma libertação deste género numa prisão da Georgia. Em Abril do ano passado, Paul Serdula foi libertado por engano de uma prisão deste Estado, facto que muito chocou a opinião pública. Paul Serdula, enfermeiro na Marietta Dental Clinic, tinha sido condenado a prisão perpétua por ter violado uma paciente. Surpreendentemente, pouco tempo depois, Serdula entregou-se de livre vontade e regressou à prisão.

As pessoas são presas porque cometem crimes e esses crimes ficam provados em Tribunal. Se o tempo de cadeia for cumprido ajustam as suas contas com a sociedade.

Uma fuga da prisão pode acontecer por iniciativa individual, ou com a ajuda de terceiros. As diferentes legislações têm diferentes definições de “fuga da prisão”. A libertação de um prisioneiro por falha da direcção da cadeia pode ser ou não considerada fuga, consoante a legislação aplicada no Estado, não é igual em todo o lado. Da mesma forma, a fuga da prisão não é julgada da mesma forma em todos os Estados. De um modo geral, por causa deste crime o prisioneiro será julgado e sofrerá um agravamento da pena anterior.

Neste caso, sejam quais forem as circunstâncias a pena não será agravada. Munoz-Mendez já tinha sido condenado a prisão perpétua pelos crimes anteriormente cometidos. Se se entregar enfrenta uma vida no cárcere, se fugir e for apanhado sofre a mesma pena. Se voltar a fugir, para desfrutar um pouco de liberdade, quando regressar não pode receber um castigo maior.

Se o prisioneiro encarar as coisas desta forma é possível que esteja enganado. Todos sabemos que o espaço das prisões é limitado. Com o aumento do número de detidos, as cadeias tendem a ficar superlotadas. Além disso levanta-se a questão do comportamento, Alguém condenado a prisão perpétua não tem esperança de vir a sair e por isso não tem motivação para obedecer aos regulamentos. Começa a criar problemas dia após dia. Para evitar estas situações, existe a “liberdade condicional”, que se aplica se o detido:

Estiver encarcerado há muito tempo; e
se tiver bom comportamento; e
se mostrar arrependimento pelos crimes cometidos; e
se for ao encontro de outros requisitos jurídicos,

Nesse caso pode pedir liberdade condicional e, se for atendido, pode sair da prisão mais cedo.

Quem sai da prisão em liberdade condicional, continua a ser seguido e tem de respeitar um conjunto de condições. A forma mais comum de liberdade condicional permite ao prisioneiro sair durante o dia para trabalhar em instituições que têm acordos com o sistema, recolhendo à noite a um dormitório supervisionado. Embora seja uma liberdade condicionada, é muito preferível a ficar na prisão entre quatro paredes.

Fugir da prisão constitui um crime grave e faz perder a oportunidade de liberdade condicional. Se for o caso, depois de ser capturado, o fugitivo tem de voltar a aceitar o castigo, ou seja, a prisão perpétua, do qual não poderá escapar, porque perderá para sempre a possibilidade de vir a beneficiar de liberdade condicional.

 

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5 Nov 2019

Táxis voadores e outros prodígios

[dropcap]R[/dropcap]ecentemente realizou-se em Singapura a 26ª edição do “Congresso Mundial de Sistemas Inteligentes de Transporte”. No dia 22, a empresa alemã Volocopter fez uma demonstração do seu “táxi voador”, que sobrevoou durante três minutos a Marina Bay. É um pequeno prodígio. Mas não vamos ficar por aqui. Embora este modelo fosse dirigido por um ser humano, espera-se que de futuro os táxis áereos venham a ser pilotados automaticamente. Após o sucesso do teste, o Governo de Singapura espera que uma frota de “táxis voadores” venha a estar no activo dentro de dois anos.

Uma das preocupações da futura clientela é o preço deste serviço. Para já, o que se sabe é que de início será muito elevado, mas, à medida que o serviço se for desenvolvendo, os preços irão baixar.

Quando estiverem a funcionar em pleno, o custo será equivalente ao de um táxi de luxo.
Além dos táxis voadores, Singapura vai ter, a partir de 2022, carrinhas dirigidas automaticamente.
A principal característica destes autocarros é proporcinarem serviços “por medida”. Os passageiros podem requisitar este serviço através de uma aplicação instalada no telemóvel. Na fase inicial, as carrinhas com piloto automático só poderão circular em zonas pouco movimentadas.

A tecnologia que permite a condução automatizada pode facilitar o transporte de pessoas idosas, famílias com crianças e pessoas com deficiência.

Singapura tem também máquinas de venda de comida e restaurantes automatizados. Os restaurantes chegam a encontrar-se em localidades remotas e possuem um menu com mais de 30 opções; estas medidas estão a ser tomadas para dar resposta às necessidades de uma população cada vez mais envelhecida.

Em Singapura a taxa de natalidade é de 0.82, mais baixa que as de Hong Kong (1.19), da Coreia do Sul (1.21) e do Japão (1.41). O Governo prevê que, com o aumento da longevidade e a baixa taxa de natalidade, virá de futuro a haver déficit de trabalhadores na área de serviços.

Este problema poderá ser resolvido com a contratação de trabalhadores estrangeiros. No entanto, existe em certos sectores de Singapura um sentimento contra os trabalhadores emigrantes. Os empregados da indústria da restauração são disso exemplo. Este trabalho é mal pago e cansativo, não é uma área em que que as pessoas queiram trabalhar. Devido à falta de mão de obra, as máquinas de venda de comida e os restaurantes automatizados proliferaram. A falta de mão de obra pode levar ao aumento dos salários do pessoal especializado.

É evidente que os táxis aéreos e as carrinhas automatizadas facilitarão a vida das pessoas, mas também trarão consigo vários problemas legais. Pelo que se sabe até ao momento, ainda não foi divulgado nenhum tipo de regulamentação destes serviços, mas acredito que virá a haver legislação independente para regular os táxis aéreos e as carrinhas automatizadas. Entre outras matérias, a regulamentação terá de estipular quem virá a ser indemnizado e o método de cálculo das indemnizações, em caso de acidente.

As máquinas de venda de comida existem há muitos anos, e a legislação nesta área já é antiga. Aqui não deve vir a haver qualquer problema. No entanto, os restaurantes automatizados são um conceito relativamente recente e os conteúdos da sua regulamentação ainda estão em estudo.

Independentemente da legislação que o Governo resolva criar para estes serviços, uma coisa é certa: Hong Kong e Macau, à semelhança de Singapura, carecem de espaço urbano. Além disso, em Hong Kong, existem vários sectores que se opõem à vinda de trabalhadores estrangeiros. Em Macau, é frequente depararmo-nos com falta de mão de obra. Os táxis aéreos poderão vir a solucionar o problema da falta de espaço e do congestionamento do trânsito. As carrinhas automatizadas, as máquinas de venda de comida e os restaurantes automatizadas podem resolver o problema da falta de mão de obra. Tendo em vista a criação de cidades inteligentes e o desenvolvimento da inteligência artificial, podemos encarar estes serviços como medidas adequadas?

 

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29 Out 2019

Redução de pena

[dropcap]R[/dropcap]ecentemente foi publicada uma notícia importante. O protagonista do caso que desencadeou a proposta de revisão da Lei de Extradição dos Condenados em Fuga, Chan Tong Kai, vai sair da prisão na próxima quarta-Feira. O artigo afirma que Chan vai ficar junto da família alguns dias e depois viajará para Taiwan para se entregar às autoridades.

Chan e a namorada foram a Taiwan celebrar o Dia dos Namorados. Mais tarde, ele veio a ser considerado suspeito da morte da jovem. Roubou-lhe o cartão de crédito, tendo ainda ficado provado que o usou para levantar dinheiro. Finalmente foi preso em Hong Kong, condenado pelo roubo e uso do cartão. Mas, quanto ao homícidio, os tribunais de the Hong Kong não tinham poder para o julgar, visto o crime ter ocorrido fora da sua jurisdição. A acreditar na notícia, quando chegar a Taiwan, Chen vai ser julgado por homícidio.

A principal razão que levará Chan a entregar-se às autoridades é a expectativa de redução da pena. Quando o suspeito se entrega voluntariamente é muito pouco provável que tribunal venha a aplicar a pena máxima, neste caso a pena de morte, se a responsabilidade do crime se vier a provar.

Eventualmente existirão também motivos de ordem moral e necessidade de expiação da culpa. Se for o caso, demonstra que Chen se mostra responsável ao decidir arcar com as consequências das suas acções.

Já em relação aos familiares e amigos da vítima esta notícia poderá tê-los deixado simultaneamente felizes e preocupados. Felizes porque vêem a possibilidade de se poder fazer justiça brevemente.

Preocupados, porque em geral as pessoas próximas das vítimas sentem que os criminosos deverão ser condenados à morte, nos sistemas legais em que tal é possível. Quando não existe pena de morte, espera-se que sejam condenados a prisão perpétua. No presente caso, se o tribunal reconhecer a culpa do suspeito, a pena de morte será possivelmente reduzida para prisão perpétua, por se ter apresentado voluntariamente. Se tiver bom comportamento na prisão, de acordo com as condições que proporcionam liberdade condicional, existem muitas probabilidades de ser libertado mais cedo. Se tal acontecer, beneficiará de uma segunda redução de pena. Estas possíveis reduções de pena podem constituir motivos de preocupação para os familiares e amigos da vítima.

A liberdade condicional é uma forma de se poder controlar o comportamento dos prisioneiros. Para quem é condenado a prisão perpétua ou a muitos anos de encarceramento, a possibilidade de sair mais cedo por bom comportamento é um incentivo. Sem este estímulo poderiam ter comportamentos muito complicados na prisão. Por pior que agissem, mais castigados do que já estão não podem vir a estar, donde não terem nada a perder. A desobediência nas prisões provoca o caos e origina graves problemas sociais.

Desta forma, a liberdade condicional funciona para os prisioneiros como um encorajamento à obediência e ao bom comportamento. Do ponto de vista da sociedade em geral, a liberdade condicional permite a saída antecipada dos prisioneiros e uma consequente redução de custos.

Se o prisioneiro, que beneficiou da liberdade condicional, não voltar a reincidir, todos ficam a ganhar com esta medida.

Embora a liberdade condicional tenha todos estes aspectos positivos, reduz a pena que os prisioneiros deveriam cumprir. Na medida em que “a pena deverá ser proporcional ao crime cometido”, os familiares e amigos das vítimas opõem-se-lhe em geral. Mas como a lei proíbe que se faça “justiça pelas próprias mãos”, só lhes resta aceitar esta medida e tentar viver em paz .

A instituição da liberdade condicional é uma medida imperfeita, com lados positivos e lados negativos. Há quem seja a favor e quem seja contra. Em qualquer dos casos, se Chan se entregar à justiça de Taiwan, demonstrará coragem para enfrentar as consequências dos seus actos. Será uma forma de ficar em paz consigo próprio e ajudará a sarar a sociedade de Hong Kong.

Depois da rendição de Chen, a sociedade de Hong Kong deixará de ter necessidade de continuar a discutir a questão da revisão da Lei de Extradição dos Condenados em Fuga, pode por algum tempo esquecer estes incidentes. Esperamos que as manifestações e a violência vão gradualmente diminuindo após a entrega de Chan às autoridades de Taiwan.

 

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22 Out 2019

Caem as máscaras

[dropcap]C[/dropcap]omo a comunidade internacional já esperava, a 4 de Outubro, o Governo de Hong Kong promulgou finalmente a Lei Anti-Máscaras, uma Portaria de Regulamentação de Emergência que entrou em vigor a 5 de Outubro. A Portaria é simples e contempla apenas duas infracções.

Em primeiro lugar, em qualquer concentração de mais de 50 pessoas, ou numa marcha de mais de 30, autorizados ou não pela polícia, os participantes não podem usar máscaras. Os infractores incorrem numa pena de prisão até 12 meses e numa multa de HK$25.000.

Em segundo lugar, em presença de alguém que tenha o rosto coberto num local público, a polícia está autorizada a exigir-lhe que se descubra. Os infractores incorrem numa pena de prisão até seis meses e numa multa de HK$10.000.

A Lei Anti-Máscara proíbe o uso de máscaras, propriamente ditas, de pinturas faciais ou de qualquer adereço que esconda o rosto, total ou parcialmente.

Esta lei só pode ser quebrada por alguém que possua permissão legal ou em caso de existir motivo de força maior. A Portaria enuncia três motivos de força maior, a saber, motivos religiosos, de saúde, ou por exigência da profissão, por exemplo agentes de autoridade destacados para manifestações públicas. No último caso o uso de máscara destina-se a garantir a segurança pessoal dos agentes. Estão também abrangidos por esta isenção os profissionais de saúde, obrigados ao uso de máscara por motivos sanitários.

A Portaria também estipula que o Governo de Hong Kong deverá formular acusação no prazo máximo de um ano, a contar da data da infracção.

O Gabinete para os Assuntos de Hong Kong e Macau apoiou o Governo da RAEHK na promulgação desta Portaria porque acredita que ajuda a combater os crimes violentos e a restaurar a ordem social.

Segundo o editorial do “Global Times”, esta lei não afecta o direito da população a manifestar-se pacificamente e a expressar as suas opiniões, mas ajudará a reduzir a violência e a manter o estado de direito em Hong Kong.

No entanto, se olharmos para o exemplo de outros países, verificamos que as leis anti-máscara não surtem grande efeito. A 21 de Novembro de 2013, na Ucrânia, devido à recusa do Presidente Viktor Yanukovych de assinar um tratado comercial com a União Europeia, a população de Kiev manifestou-se na Praça da Liberdade (Maidan Nezalezhnosti). Em Janeiro de 2014, o Governo promulgou uma medida contra o uso de máscaras e de capacetes. A lei foi aprovada, mas os manifestantes desobedeceram-lhe. A lei foi retirada 12 dias após a sua promulgação e o Primeiro Ministro Mykola Azarov demitiu-se.

Em França, em Novembro de 2018, irrompeu o movimento dos coletes amarelos. O Parlamento aprovou em Maio de 2019, uma lei que proíbia o uso de máscaras durante a manifestações. A lei continua em vigor.

Contas feitas, esta Portaria é uma medida legal que vai acabar com a violência social ou que, pelo contrário, vai deitar mais achas para a fogueira? Como a lei foi promulgada há poucos dias, é impossível fazer para já uma avaliação correcta. No entanto, a comunidade de Hong Kong deverá reflectir na possibilidade de criar uma outra lei que possa efecivamente erradicar a violência das ruas se, por via desta Portaria, tal não vier a acontecer. Mas temos de esperar para ver se a lei vai ou não atingir os seus objectivos.

Mas uma coisa é certa. Os transgressores desta lei incorrem em penas de prisão e no pagamento de multas. No entanto, a legislação de Hong Kong, prevê a pena máxima. O que quer dizer que não terão de cumprir a pena de prisão e pagar a multa em simultâneo. Se os Tribunais condenarem os infractores apenas ao pagamento das multas, será esta Portaria suficiente para acabar com a violência na cidade?

Mas, independentemente do resultado, os comentários do editorial do Global Times e do Gabinete para os Assuntos de Hong Kong e Macau estão certos. Esta lei não afecta o direito da população a manifestar-se pacificamente e a expressar as suas opiniões. No entanto, se a violência não puder ser combatida eficazmente, Hong Kong não vai poder restabelecer a ordem social. Em última análise, Hong Kong seria a maior vítima da violència.

 

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15 Out 2019

O rugido do leão (II)

[dropcap]O[/dropcap]s anos 70 foram marcados em Hong Kong pela canção “Under the Lion Rock”. Na década de 90, esse papel coube a uma outra canção, “In the Same Boat”, composta por Xu Guanjie. A canção apelava às pessoas para não sairem do território. Era preciso ficar e reunir esforços para reconstruir Hong Kong. A letra desta canção erguia bem alto o espírito de “Under the Lion Rock”. Aqui fica um excerto:

“Sigo convosco neste barco,
As vagas cruéis fustigam-no,
O vento sopra, o horizonte não se alcança,
Por todo o lado reina o caos.
Não sabemos o que nos espera.

Decidi seguir neste barco,
e com coragem evitar os danos,
Desafio-me e enfrento o perigo,
para que o navio nunca afunde.”

Nessa época, respirava-se em Hong Kong uma atmosfesra de pessimismo, toda a gente sentia que tinha um longo e árduo caminho a percorrer. A letra da canção representava metafóricamente “Hong Kong” como um barco. O vento e as vagas, as dificuldades que a cidade enfrentava na altura. Mas a canção encorajava as pessoas a enfrentar os problemas com bravura, para que o o navio/Hong Kong não se viesse a afundar.

E a seguir vinham palavras de esperança:

“O espelho quebrado vai voltar a reflectir-nos,
Tudo vai melhorar.
A luta será compensada ,
O navio nunca irá afundar.”

Desde que se mantenha acesa a luz da esperança, depois de ultrapassadas as maiores tormentas, o navio Hong Kong não afundará e há-de manter os seus passageiros confortáveis e em segurança.
As ideias que as canções “Under the Lion Rock” e “In the Same Boat” tentam passar são basicamente idênticas. Ambas encorajam os hongkongers a manter-se unidos, ter fé no futuro e a construirem Hong Kong em conjunto.

Em 2013, Hong Kong conheceu outro sucesso musical, “Love in the same boat”, que manteve a tradição das que a precederam. Apelava ao fim da discórdia e à manutenção da harmonia. A letra era mais ou menos assim:

“A vida reluz e fluta,
lá em baixo, junto ao porto,
O amor passeia nas ruelas da cidade antiga,
Depois das provações, o sofrimento foi esquecido
o que importa agora é estar aqui,
contigo ao meu lado”

Aqui o que ressalta é o sentimento de proximidade, o amor e o companheirismo. No entanto, nessa altura ainda havia muitos motivos de preocupação, porque Hong Kong tinha vários problemas. Por isso era preciso esquecer as mágoas para continuar a viver.

Estas canções épicas que marcaram várias décadas, exemplificavam de uma maneira ou de outra “o espírito of Lion Rock, Hong Kong”. Foram gradualmente mudando, com a mudança dos tempos. No entanto, preservaram o essencial. O sentimento de unidade, a luta contra o preconceito, o respeito mútuo, a solidariedade e a esperança, e a construção permanente de Hong Kong. Infelizmente, hoje em dia, o mesmo se poderá dizer daqueles que subiram a Lion Rock para se manifestarem? Poderão eles ignorar os preconceitos e respeitar os demais? E, sobretudo, estarão ainda esperançados e dispostos a continuar a construção de Hong Kong?

Estou em crer que ninguém pode ver na destruição de edifícios do Governo, nem na destruição de estações de metro, sinais da construção de Hong Kong. As pessoas acreditarão verdadeiramente que ao usarem cocktails molotov e lasers nas manifestações, estão a dar mostras de civismo e de respeito pelo próximo? “O espírito de Lion Rock, Hong Kong” busca a unidade e a tolerância. O que importa acima de tudo é não ser dogmático, aceitar as opiniões dos outros, tendo em vista o bem-estar geral. Ter esperança e trabalhar em conjunto, com os olhos postos no futuro. Fazer cordões humanos ao longo do monte Lion Rock, em protesto, e considerar essa acção uma manifestação do espírito de Lion Rock é um erro. Apenas mostra que estas pessoas não fazem ideia do verdadeiro significado do “espírito de Lion Rock”.

O que é realmente aterrador é pensar que as novas gerações nunca irão compreender o essencial do significado do “espírito de Lion Rock” e, por isso, não vão poder mantê-lo vivo. Desta forma , que futuro espera Hong Kong?

 

Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau
Professor Associado do Instituto Politécnico de Macau
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24 Set 2019

O rugido do leão (I)

[dropcap]N[/dropcap]a noite que marca o início do Festival de Outono, 13 de Setembro, centenas de pessoas envolvidas nos protestos contra a lei de extradição, responderam a uma convocatária online e fizeram uma cadeia humana no cimo do monte Lion Rock, em Hong Kong. Esta cadeia humana iluminou-se subitamente com a luz de telemóveis e de canetas laser. Alguns dos manifestantes, que usavam máscaras e lanternas, gritavam slogans como “Cinco reivindicações, já!”. A escolha do local foi determinada pela tradição. É precisamente no topo do monte Lion Rock que as pessoas costumam celebrar a chegada do Outono. Festejam e admiram a Lua, um ritual chinês muito antigo de boas vindas a esta estação do ano. Mas existiu outro motivo que presidiu à escolha dos manifestantes. Lion Rock é mais do que um miradouro sobre a cidade, é o símbolo da unidade e da identidade de Hong Kong.

Mas será Lion Rock apenas a materialização do espírito de Hong Kong?

Esta pergunta não tem resposta fácil. Por isso, vou recorrer às letras de canções muito famosas e que marcaram uma época para tentar explicar o significado do “espírito de Lion Rock e de Hong Kong”.

Os hongkongers têm desde sempre vivido no sopé do monte Lion Rock, por isso ele passou a ser o símbolo da sua identidade. Nos anos 70, os célebres compositores Huang Wei e Gu Jiahui criaram a canção, “Under the Lion Rock”. Desde essa altura, este tema tem sido o estandarte do “espírito de Lion Rock e de Hong Kong”.

Nos anos 60 e 70, Hong Kong estava mergulhada em corrupção, violência, pornografia, jogo e droga. A polícia tinha uma ligação com o sub-mundo. Era voz corrente que as autoridades controlavam indirectamente estes negócios. Não é difícil imaginar o descrédito em que tinham caído as forças da ordem. Nessa altura, Hong Kong era uma colónia britânica. Para dialogar com o Governo era necessário falar inglês. No entanto, na época, o ensino superior estava reservado às elites e poucas pessoas falavam inglês fluentemente.

A economia estava sub-desenvolvida e a vida das pessoas era muito difícil. Neste período, o Governo de Hong Kong homologou a “Lei do Trabalho” que garantia aos empregados uma certa protecção, o que era melhor que nada. A famosa canção “Workers”, de Xu Guanjie, falava do problema social e laboral da época.

Além da questão das relações sociais e laborais, as pessoas trabalhavam em espaços sem condições. Devido a um sistema de abastecimento deficitário, Hong Kong ficava frequentemente sem água. Numa determinada altura a cidade só tinha fornecimento de água um em cada quatro dias. Mais uma vez a música veio dar voz ao descontentamento popular. Desta feita foi através da canção “The Water Song”, de Xu Gongjie, que o desagrado se fez ouvir.

Foi um período de pobreza e de dificuldades em Hong Kong. As pessoas só podiam contar umas com as outras, porque todos estavam a passar um mau bocado. Havia pouco dinheiro, poucas condições, mas muita solidariedade. Foi precisamente nesta altura que Roman Tam, interpretou a emblemática canção “Under the Lion Rock”:

“A vida é muito dura,
tanta preocupação,
Sob a Lion Rock, navegamos juntos
e damos as mãos,
esquecemos as diferenças, buscamos a união.”

Como vemos, desde os primórdios, o espírito de Hong Kong, materializado em Lion Rock, é o espírito de união e de inter-ajuda. Ponhamos de parte o preconceito e tentemos compreender o ambiente social que se vivia na altura. Continuemos a escutar a canção:

“Esquece o que divide os nossos corações,
Lembra-te dos ideais que nos movem,
Navegamos no mesmo barco,
Seguimos juntos, sem medo”

Os hongkongers seguem no mesmo barco. Será que já avistam terra?

“Aqui, na curva do cabo,
Unam as mãos, enfrentem as altas vagas,
Eu sou cada um de vós,
Sofro para deixar escrito
o lema da imortal Xiangjiang (Hong Kong)”

É o espírito de união face à adversidade que aqui é louvado. Embora o caminho seja difícil, podemos imortalizar o nome de Hong Kong.

A intenção do poema “Under the Lion Rock” é muito clara. Apela à inter-ajuda, à superação das dificuldades e dos preconceitos e à construção conjunta de Hong Kong.
Continua na próxima semana.

Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau
Professor Associado do Instituto Politécnico de Macau
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17 Set 2019

Oficialmente afastada

[dropcap]N[/dropcap]o passado dia 4, Carrie Lam, Chefe do Executivo da Região Administrativa Especial de Hong Kong, anunciou oficialmente que a proposta de emenda à Lei de Extradição de Condenados em Fuga seria retirada. O afastamento da proposta será apresentado pelo secretário da Segurança no Conselho Legislativo, assim que os trabalhos do plenário sejam retomados. O afastamento da revisão da lei de extradição não está dependente da votação dos deputados. A proposta de emenda à lei foi apresentada e elaborada pelo Governo. De acordo com a lógica do processo legislativo, o anúncio do afastamento da proposta de emenda à lei, a ser feito pelo secretário da Segurança, em nome do Governo, é o suficiente para que se venha a dar o assunto por encerrado.

Tendo em conta a situação que se vive actualmente em Hong Kong, este anúncio representa um passo muito positivo. Em primeiro lugar, vai dissipar as dúvidas da maioria dos manifestantes. A partir do momento em que o secretário da Segurança declare a retirada oficial da proposta de lei, deixará de existir o perigo de ela vir a ser debatida no Conselho Legislativo. Desta forma, a situação fica mais clara do que quando existia apenas a “suspensão da revisão da lei”.

Em segundo lugar, esta decisão vem ao encontro das reivindicações que os manifestantes têm vindo a fazer ao longo dos últimos dois ou três meses. Uma vez satisfeita esta condição, a agitação irá diminuir. Se com esta decisão se conseguir acabar com os protestos em Hong Hong, será efectivamente algo fantástico.

Esta decisão já provocou diversos comentários positivos e negativos. Em geral, as pessoas congratulam-se com esta medida, no entanto criticam-na por ter sido tomada demasiado tarde, só depois de ter havido imensas manifestações e protestos violentos. Se esta resolução tivesse sido apresentada antes de todos estes distúrbios, muitos dos problemas teriam sido evitados.

Agora, depois de toda esta explosão de violência, será esta decisão suficiente para acalmar os ânimos? Esta questão tem suscitado muitas reservas.

Mas, independentemente de todas as reticências, podemos ter a certeza que a declaração de que a proposta de lei não vai avançar, vai ajudar a aliviar a atmosfera de tensão que se respira em Hong Kong. Algum impacto positivo terá.

Além do anúncio do cancelamento da proposta de revisão, o Governo de Hong Kong também propôs que não fosse criada nenhuma comissão independente para averiguar os incidentes sociais. Essa medida será substituída, pelo ingresso de mais dois membros no IPCC (Conselho Independente de Reclamações Policiais). O IPCC vai contratar cinco peritos estrangeiros na qualidade de conselheiros. Esta decisão já provocou algum descontentamento na cidade. É do conhecimento geral que o IPCC só tem capacidade para investigar a acção da polícia no decurso dos incidentes. Os motivos que desencadearam os conflitos, o seu impacto, a sua evolução e os efeitos que provocaram na comunidade, não podem ser averiguadas pelo IPCC, porque este organismo não tem autoridade para conduzir esse tipo de investigação. Assim sendo, o IPCC não pode substituir uma comissão de inquérito independente.

A terceira proposta do Governo visa promover a compreensão das necessidades da população, através do diálogo directo entre os responsáveis governamentais e o povo, para que, em futuras acções administrativas, se possa agir de forma mais adequada e que vá mais ao encontro dos anseios populares.

A última proposta centra-se na contratação de peritos para ajudarem a estudar os diversos aspectos da sociedade de Hong Kong. Por agora, é impossível saber ao certo que assuntos específicos vão ser analisados, nem que recomendações esses peritos irão fazer. À partida, se estes estudos forem bem sucedidos, irão ajudar a encontrar formas de aliviar os antagonismos que se vivem em Hong Kong. Pelo menos, a disparidade que existe entre pobres e ricos é um problema que deveria ser resolvido imediatamente.

Embora as decisões do Governo de Hong Kong possam não vir a corresponder às reivindicações de todas as pessoas envolvidas nos protestos, vão sem dúvida ajudar a aliviar as tensões actuais e, além disso, algumas das exigências foram efectivamente satisfeitas.

Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau
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10 Set 2019

A urgência da paz

[dropcap]N[/dropcap]o dia 30 de Agosto, seis líderes religiosos de Hong Kong pediram publicamente aos beligerantes que fizessem um período de tréguas de dois meses. A pausa destinar-se-ia à reflexão e à procura de consensos.

Este grupo de religiosos era composto pelo Presidente da Associação Budista de Hong Kong, pelo Grande Mestre da Associação Budista de Hong Kong, por John Tong Hon, Cardeal da Diocese Católica de Hong Kong, por Tang Enjia, Deão do Instituto Confúcio, por Sa Zhisheng, Presidente da Sociedade Muçulmana Chinesa, por Su Chengyi, Presidente da Associação Cristã de Hong Kong, e por Dao Dehua, líder da Assoiação Taoísta.

Estes homens, como todos os habitantes de Hong Kong, foram testemunhas de uma série de episódios violentos desencadeados pela revisão da Lei de Extradição. Estes distúrbios causaram sérios transtornos em todos os sectores da comunidade. O pedido de tréguas, endereçado ao Governo e aos manifestantes, prevê, para já, um período de dois meses de “paz”, tendo em vista o bem-estar da sociedade de Hong Kong, no seu todo. Este período também deverá destinar-se à reflexão e à procura de consensos. Todos aqueles que consideram Hong Kong como o seu lar deverão dar ouvidos a este apelo.

Na verdade, a proposta é altamente exequível. Na situação que Hong Kong atravessa actualmente, se não se encontrarem soluções compatíveis com os interesses dos principais sectores da sociedade, a violência só terá tendência para escalar. A manutenção da violência vai continuar a desgastar Hong Kong a cada dia que passa. A declaração de um período de tréguas seria extremamente benéfica para a cidade. A reflexão proposta pelos religiosos, e a procura de consensos, também parece ser uma boa sugestão.

A avaliar pelos últimos acontecimentos, se todos os fins de semana se registarem situações violentas, Hong Kong acabará por ser destruída. A continuidade da violência vai esgotar as forças da ordem. É difícil calcular o número de pessoas envolvidas nos desacatos, mas a força policial de Hong Kong conta apenas com 30.000 efectivos. Pensar que com este número de agentes se pode acabar com a violência é irrealista.

É imperativo que as pessoas compreendam que a violência não é a solução para as divergências. Nenhum Governo pode ceder a este tipo de pressão, porque se cede uma vez terá de ceder muito mais vezes, e a violência não parará de aumentar. É um trunfo que não se pode dar a multidões enraivecidas. Se através do terror se puder impôr reivindicações de natureza política o terror não terá fim.

O apelo dos religiosos é simples e fácil de compreender. É totalmente bem intencionado. No entanto, poderá ser um pouco irrealista. Pedir a pessoas enfurecidas que parem de lutar, é talvez um pouco ilusório. Além disso, esta multidão revoltosa não fala a uma única voz. Não defendem todos a mesma estratégia. Mesmo que alguns aceitem as tréguas a maioria não o fará e, infelizmente, este ambicionado período de pacificação não passará de mais um slogan politico, muito difícil de levar à prática.

Nunca ouvi dizer que a destruição de uma família torne o seu futuro melhor, mas parece que actualmente há muita gente em Hong Kong que defende esta ideia perversa.

 

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3 Set 2019

Todos no mesmo barco (II)

[dropcap]C[/dropcap]omo vimos na semana passada, criou-se um movimento na internet apelando aos cidadãos de Hong Kong que retirassem o dinheiro dos Bancos, para pressionar as instituições, diminuir a confiança que as pessoas nelas depositam, afectando directamente o estatuto de Hong Kong como centro financeiro e, muito provavelmente, prejudicando também outros locais. Além das consequências que se podem constatar directamente, este tipo de comportamento destrói completamente as conquistas consagradas na canção “Under the Lion Rock” que os hongkongers tanto trabalharam para alcançar. Estes comportamentos e a filosofia de “arrasar tudo e morrer unidos”, destruirá completamente o espírito nuclear e os ideais da Hong Kong do passado. Este movimento advoga um ideário divisionista e a divisão empurrará a cidade para um abismo sem retorno. Se assim for, Hong Kong deixará de ter qualquer futuro.

Vai ser impossível preservar a imagem do território, mesmo que seja apenas para manter o status quo. Tudo isto trará danos irreparáveis a Hong Kong.

Xu Guanjie, o deus da música de Hong Kong compôs a canção “Together in the same boat” nos anos 90. A intenção do poema era incentivar as pessoas a não emigrarem e permanecerem na cidade. A letra tem muitos pontos de contacto com a de “Under the Lion Rock”:

“Sigo contigo neste barco, por ondas impiedosas fustigado,
No horizonte, só vento e chuva nunca vistos, tudo se afigura caótico.
Não sei o que nos espera.
Mas decidimos continuar a navegar
e tornar o nosso barco inquebrável,
Luta para enfrentar as dificuldades e os desafios,
Assim o barco nunca se afundará.”

Aqueles que querem recorrer à violência para destruir Hong Kong, ou que incentivam as pessoas a tirar as suas poupanças dos Bancos, para criar o pânico financeiro, deveriam compreender que, enquanto viverem em Hong Kong, precisam de unir esforços para melhorar a cidade, essa é a sua obrigação. Qualquer forma de destruição só fará as coisas irem de mal a pior. Estas acções não irão ter qualquer tipo de reconhecimento. Só quando todos se puderem inter-ajudar e se mantiver acesa a chama e o espírito de Under the Lion Rock, Hong Kong poderá vir a ter um futuro grandioso.

Na situação actual, é impossível solucionar os problemas com uma panaceia. Dado que toda a gente reconhece que esta é uma situação impossível, que caminho seguir? Em resposta, continuo a citar a letra da canção de Xu Guanjie, “Together in the same boat”:

“Sigamos confiantes e reforcemos as fundações.
Se cada um fizer a sua parte, abriremos caminho através da escuridão. ”

“O espelho quebrado amanhã estará intacto e tudo irá melhorar.
Com esperança, comecemos de novo,
Conservemos para sempre o nosso barco aquecido. ”

Desde que os hongkongers estejam confiantes, vão sempre esforçar-se por conseguir o melhor e trabalharão com afinco para criarem segundas oportunidades brilhantes. Juntos, sob o espírito de “Under the Lion Rock” – encorajamento, ajuda e entusiasmo mútuos, a população de Hong Kong vai fazer prevalecer a sua opinião. Os problemas que não puderem ser resolvidos hoje, se-lo-ão amanhã. Se cada facção se agarrar ao seu ponto de vista, excluindo o compromisso, puser de lado a cooperação, ou partir simplesmente para a destruição, o futuro de Hong Kong vai descrever-se apenas numa única palavra – “escuridão”.

 

Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau
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27 Ago 2019

Todos no mesmo barco (I)

[dropcap]N[/dropcap]o passado dia 16, alguns hongkongers lançaram através da internet um apelo designado “816 Withdrawal Day”, instando todos os residentes da cidade a levantar o dinheiro do Banco e, de preferência, a trocá-lo por dólares americanos. Este movimento pretende pressionar o sistema financeiro de Hong Kong e forçar o Governo a dar resposta ao cinco pontos da agenda dos manifestantes contra a Lei de Extradição dos Condenados em Fuga.

Até ao momento, os Bancos da cidade não registaram qualquer movimentação fora do normal.
Hong Kong começou a implementar o sistema indexado de câmbio a 17 de Outubro de 1983. Os três Bancos emissores de moeda em Hong Kong, o Bank of China, o HSBC e o Standard Chartered Bank, precisam de ter em depósito dólares americanos para cobrirem a emissão da moeda local, emissão que é feita sob a supervisão da Autoridade Monetária de Hong Kong. A taxa de conversão é fixa; 1US dólar equivale a 7,8 HK dólares. Até ao momento, o sistema indexado de câmbio tem funcionado bem, sem quaisquer efeitos adversos.

A grande vantagem deste sistema é a paridade entre as duas moedas em termos de confiança. Quem confia na moeda americana, confia na moeda de Hong Kong.
Os Bancos emissores de moeda em Macau, o BNU e o Banco da China (Filial de Macau) emitem moeda, contra a entrega na Autoridade Monetária de HK dólares. A taxa de câmbio é fixa; 1,03 pataca equivale a 1 HK dólar.

No sistema indexado de câmbio, o dólar americano representa a reserva financeira do dólar de Hong Kong, pela mesma lógica, o HK dólar é a reserva financeira na emissão da moeda em Macau, ao abrigo do sistema indexado câmbio desta cidade. Acreditar no valor da pataca significa acreditar no valor do HK dólar e do dólar americano.

A confiança é o valor mais importante de qualquer moeda. Quem não confia na moeda, prefere apostar noutros bens, como por exemplo imobiliária, ouro, jóias, etc.

E agora há quem queira lançar uma campanha para retirar o dinheiro dos bancos, para criar de forma maliciosa tensões financeiras, caos e mesmo o pânico em Hong Kong. Este movimento tende a afectar directamente o estatuto de Hong Kong como centro financeiro. Estas pessoas procuram lutar pelos seus objectivos destruindo Hong Kong. Contudo, ao destruirem Hong Kong, também vão afectar Macau. Tudo isto é totalmente desnecessário. Até ao momento, não há notícias de qualquer prejuízo causado em Macau. É sem dúvida algo de positivo. A série de incidentes, desencadeada em Hong Kong pela revisão da Lei de Extradição, não afectou, nem irá afectar Macau.

Hong Kong tornou-se um centro financeiro a nível mundial devido aos esforços que desenvolveu ao longo de vários anos. Não é um objectivo que se possa atingir de um dia para o outro. O factor mais importante em qualquer sistema financeiro é a confiança que as pessoas nele depositam.

Uma vez que essa confiança se perde, todos os sistemas financeiros colapsam. Se Hong Kong vier a ter problemas de ordem financeira e perder o seu estatuto de centro financeiro mundial, que mais valia lhe vai restar? Hong Kong não tem recursos naturais, as conquistas que alcançou foram obtidas com muito esforço, durante muitos anos. Os hongkongers alcançaram estas metas porque durante muito tempo possuiram espírito de inter-ajuda, encorajamento mutúo e, depois, colheram juntos os frutos do seu suor. Os hongkongers também preferem “navegar no mesmo barco”. Nos anos 70, acreditavam que quem trabalhasse com afinco, teria um futuro brilhante. Por isso, a partir dessa altura Hong Kong desenvolveu o espírito consagrado na canção “Under the Lion Rock”. A letra desta canção, interpretada pelo famoso cantor “Luo Wen”, já falecido, dizia o seguinte:

“Evitem os conflitos e persigam juntos os vossos ideais
Estamos no mesmo barco, jurámos não ter medo e permanecer unidos
Deste lado do Cabo, demos as mãos e enfrentemos as intempéries,
Trabalhamos com afinco e escrevemos a história
da Imortal Hong Kong”

 

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20 Ago 2019

Lazer ofensivo

[dropcap]N[/dropcap]o passado dia 6, a polícia de Hong Kong prendeu Fang Zhongxian, Presidente da Associação de Estudantes da Baptist University de Hong Kong. A detenção deveu-se alegadamente à posse de armas ofensivas, melhor dizendo, “armas laser”. Fang Zhongxian declarou que apenas disparava estas armas para observar o céu nocturno, foram compradas para lhe permitir “ver as estrelas.” Quando a notícia da prisão foi divulgada, um grande número de pessoas reuniu-se em frente à esquadra de Sham Shui, exigindo explicações. Um dos elementos do grupo dirigiu-se a um agente nos seguintes termos:

“Gostaria de lhe perguntar quantas flashlights tem em sua casa? Tem pelo menos uma? Ter uma flashlight em casa é crime?”

O agente replicou: “Não respondo a essa pergunta.”

No cruzamento da Qinzhou Street com a Apex Street, Deng Yunan, o advogado da Baptist University of Hong Kong, dirigiu-se aos manifestantes, com estas palavras:

“Por favor dispersem o mais rapidamente possível, especialmente os estudantes da Baptist University. O Presidente da Associação de estudantes está de momento hospitalizado, por isso não têm de ficar aqui. A polícia pode intervir e obrigar-vos a sair à força.”

E realmente foi o que aconteceu, de manhã, a polícia acabou por actuar e lançar gás lacrimógeneo. Algumas pessoas foram presas. Posteriormente, Fang Zhongxian foi libertado.

Será que as armas laser são armas ofensivas?

A expressão “em posse de armas ofensivas” tem três elementos, “posse”, “armas” e “ofensivas”. Neste caso, não existem dúvidas quanto ao primeiro elemento “posse”, porque Fang Zhongxian tinha consigo dez armas laser quando foi detido pela polícia.

O segundo elemento “armas”, significa literalmente um objecto que pode ser usado para atacar terceiros, bem como para defesa pessoal. Uma faca e um garfo não são, à partida, armas ofensivas. No entanto, se forem usados para atacar outras pessoas, serão considerados armas.

O terceiro elemento, “ofensivas,” significa que têm capacidade para causar danos a terceiros, ferimentos ou mesmo a morte. Voltando ao exemplo acima citado, a faca e o garfo, utensílios usados para comer, podem ser considerados ofensivos se houver intenção de lhes dar esse uso.

Desta forma, quando se apreende um objecto por ser considerado uma potencial arma ofensiva, não quer dizer que, à partida, seja esse o seu propósito. Mais tarde será verificado se existia intenção de o utilizar com fins agressivos. Um objecto é considerado arma ofensiva quando é potencialmente perigoso e é usado para atacar terceiros.

Nas manifestações foram usadas armas laser para atear incêndios. Se for usada com este fim pode causar danos físicos e materiais. Nessas mesmas manifestações, alguns agentes da polícia foram feridos com armas laser. Por aqui se vê que estes objectos podem ser perigosos e utilizados como arma ofensiva, mas não se pode afirmar que a pessoa que possui uma arma laser tenha intenção de agredir, porque pode tê-la apenas para actividades de lazer.

Mas, voltando ao exemplo acima citado, se um objecto tem várias finalidades, sendo que uma delas poderá ser a agressão, excluir todas as outras e fixarmo-nos apenas nos propósitos ofensivos, só terá impactos sociais negativos e servirá para fomentar a discórdia.

Ao reflectirmos sobre esta questão, também devemos considerar a posição da polícia Hong Kong. Em várias, das recentes manifestações, houve efectivamente pessoas que usaram armas para agredir a polícia. Vários agentes ficaram feridos, sendo que a maior parte dos manifestantes eram jovens. Nestas circunstâncias, a prisão de Fang Zhongxian faz sentido.

Do ponto de vista da manutenção da ordem e da segurança públicas, é razoável deter Fang Zhongxian e pedir-lhe que coopere em futuras investigações. No entanto, se acreditarmos que um objecto que serve para iluminar o céu e permitir ver as estrelas é uma arma ofensiva, será difícil convencermo-nos do contrário.

13 Ago 2019

A quimera do ouro

[dropcap]N[/dropcap]o passado dia 23, a Radio Television Hong Kong anunciou a reunião entre os representantes do New People’s Party e o Secretário das Finanças, Paul Chan. Na reunião foi discutido o próximo Orçamento e foram apresentadas propostas. Este partido sugeriu que todos os residentes permanentes de Hong Kong, com idade superior a 18 anos, deveriam passar a receber uma verba do Governo de HK$8.000. O New People’s Party acredita que a entrega desta verba trará mais benefícios do que o reembolso dos impostos. As pessoas ficarão felizes por receberem esta quantia.

O New People’s Party propôs também a atribuição de um subsídio de maternidade no valor HK$20.000. Este montante ajudará a aliviar os encargos financeiros dos jovens casais e aumentará os rendimentos da população de Hong Kong.

Esta distribuição de dinheiro pela população concretiza-se em Macau através da atribuição de cheques pecuniários. Este ano, os residentes permanentes receberam 10.000 patacas. Entre 2014 e 2018, recebiam 8.000 patacas anuais.

O subsídio atribuído por cada recém-nascido, proposto pelo New People’s Party, é o subsídio de maternidade de Macau. Nesta cidade, ambos os pais podem solicitar o subsídio. O valor de cada contribuição é de 5.260 patacas. Se o pai e a a mãe se candidatarem, podem receber um total de 10.520 patacas.

Em 2011, o Governo de Hong Kong implementou a atribuição anual de HK$6.000 aos residentes permanentes maiores de 18 anos. Este foi um período dourado, de grande crescimento económico.

No entanto esta decisão sofreu alguma contestação. Algumas pessoas consideraram esta verba muito baixa e que faria pouca diferença na melhoria da qualidade de vida da população. A mina de ouro não estava a beneficiar toda a gente.

Em 2018, o Governo de Hong Kong voltou a instituir o plano de pagamentos. Desta vez, foram distribuidos HK$4.000 per capita, através do sistema “Caring and Sharing Scheme.” Qualquer pessoa, com bilhete de identidade de Hong Kong e residência permanente na cidade, estava em condições de receber esta verba. Hongkongers com residência noutros locais e residentes não permanentes não tinham acesso a este benefício.

Mas este plano de pagamentos foi também bastante criticado. Aqui, em Macau, não se conhece ninguém que pense que os cheques pecuniários são uma má medida. Talvez Hong Kong precise de se aproximar do modelo de Macau, onde, tanto os residentes permanentes como os não permanentes recebem verbas anuais. Talvez toda a gente fique satisfeita se receber uma fatia do bolo.

É um facto indiscutível que, nos dias que correm, os Hongkongers precisam de algo que os façam sorrir. Recentemente a Faculdade de Medicina e a Universidade de Hong Kong levaram a cabo um estudo, não relacionado com os deploráveis incidentes violentos que tiveram lugar na cidade. Mais de 1.200 adultos foram entrevistados por telefone e cerca de 9.1% foram considerados vítimas de depressão. Além disso, no grupo etário acima dos 50 anos, esse valor aumentava. A cerca de 4.6% foram diagnosticadas ideias suicidas. Estes números indicam que 108 pessoas em 1.200, sofrem de depressão. Não há dúvida de que é uma percentagem muito alta.

Durante os dois últimos meses, a comunidade de Hong Kong experienciou diversos incidentes relacionados com a contestação à revisão da Lei de Extradição dos Condenados em Fuga. Este estudo indica que muitas pessoas em Hong Kong sofrem de depressão, mas não provam que exista qualquer relação entre as duas situações. Em todo o caso, os números provam que a sociedade de Hong Kong tem de enfrentar esta doença.

O sonho é um tratamento eficaz contra a depressão. Se o Governo de Hong Kong distribuir dinheiro por todos, no quadro do próximo Orçamento, pode fazer toda a gente sorrir e sonhar. Espero que este sorriso possa trazer uma nova esperança a todos os habitantes de Hong Kong.

Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau
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30 Jul 2019

Imposto digital

[dropcap]A[/dropcap] última cimeira do G20 aprovou a implementação do imposto digital, para ser aplicado a empresas que fornecem serviços digitais (as DPC sigla em inglês). Das empresas deste ramo destacam-se o Facebook, o Google, a Apple e a Amazon, conhecidas em todo o mundo.

No universo online, onde vivemos actualmente, as DPC vendem e-books, publicidade e colocam os seus motores de busca ao nosso dispor, para nos permitir procurar todo o tipo de informação. Os consumidores pagam estes serviços. Estes pagamentos geram os lucros das DPC. Sem um imposto digital não há forma de taxar as DPC e, ao contrário das empresas tradicionais, as DPC pagam impostos baixos.

Quando na cimeira do G20 foi estabelecida a necessidade de cobrar o imposto digital, foram avançados dois princípios. O primeiro consistiu na regulação das taxas. Debateu-se se os impostos deveriam ser cobrados nos países onde os serviços são prestados ou nos locais onde as empresas estão sediadas. Mas, como as DPC não são empresas físicas, nem estão registadas num determinado país, estabeleceu-se que as taxas seriam cobradas pelos países onde os serviços são prestados.

Serão, pois, os Governos dos países consumidores destes serviços a cobrar o imposto. Nestas questões a justiça fiscal é importante. Se os países não tiverem implementado o imposto digital, por mais dinheiro que as DPC ganhem, os governos não o podem cobrar. Para a economia desses países também é injusto que empresas que facturam milhões não contribuam com uma parte dos seus lucros.

Em segundo lugar, a cimeira decidiu que se estabeleceria uma taxa mínima para esta contribuição fiscal. Este princípio é bom, mas encerra alguns problemas. A Irlanda e o Luxemburgo já têm imposto digital, cobrado a uma percentagem relativamente baixa. Para evitar pagar mais, as DPC têm-se estabelecido nos países que cobram taxas baixas. Nos países que cobram imposto mais alto, as DPC só têm fornecido os seus serviços. Se for criada uma percentagem global para o imposto digital, as vantagens que os países como a Irlanda e o Luxemburgo oferecem vão ser significativamente reduzidas; por isso estes países têm-se oposto à percentagem global. Se esta questão não for resolvida, vai ser difícil o G20 estabelecer uma regulamentação global até 2020.

Singapura já tinha anunciado a implementação do registo de fornecedores estrangeiros para 2020. Neste regime DPCs com uma receita anual superior a 1 milhão de dólares, e uma facturação local superior a 100.000 dólares, deverá pagar este imposto.

O Japão reviu os impostos ao consumo em 2015 e expandiu a taxação a empresas estrangeiras que vendam produtos digitais em solo japonês. Desde que a transacção ocorra no Japão, o fornecedor tem de pagar imposto ao Governo nipónico. A definição do local da transacção foi alterada de “localização do fornecedor do serviço” para “morada do consumidor do serviço”.

Estamos, pois, perante a eclosão de um novo imposto global. De que forma deverão Hong Kong e Macau lidar com esta situação? Se Hong Kong continuar a manter o seu sistema fiscal, ou seja, omitindo o imposto digital, pode vir a atrair para o seu território muitas DPCs. Mas se isto se verificar, o Governo de Hong Kong vai perder uma fonte de rendimento fiscal. Actualmente, a maior parte dos dividendos do Governo de Hong Kong são obtidos através da venda de terras. É uma receita instável. Para além disso, existem poucos impostos em Hong Kong. Do ponto de vista dos cofres da cidade, seria uma boa decisão a implementação do imposto digital

Saliente-se ainda que a comunidade internacional defende a criação deste imposto num futuro próximo e, para se manter alinhado com o resto do mundo, Hong Kong também o deveria implementar.

A receita do Governo de Macau provém sobretudo dos casinos. Após a reunificação da China, os casinos são fonte de enormes lucros e a receita do Governo também tem vindo a subir. Para já, em Macau o imposto digital não parece ser uma prioridade. Outra vantagem possível da não implementação deste imposto é o encorajamento ao crescimento do comércio online na cidade. Pode vir a atrair DPCs estrangeiras para aqui se estabelecerem.

De qualquer forma, continuemos a acompanhar os desenvolvimentos da implementação do imposto digital e depois tiraremos mais conclusões.

 

Legal consultant of Macau Jazz Promotion Association
Associate Professor, Macao Polytechnic Institute
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23 Jul 2019

A crise em Hong Kong

[dropcap]N[/dropcap]o dia 1 deste mês, fiquei no Hospital da Universidade de Ciência e Tecnologia de Macau a acompanhar um familiar e, por isso, não pude ir a Hong Kong assistir à manifestação de 1 de Julho, como costumo fazer. Só consegui testemunhar as dramáticas mudanças que estão a acontecer na cidade através da televisão. Fiquei esgotado, fisíca e psicologicamente, ao ponto de não ter conseguido escrever o artigo dessa semana, pelo que apresento as minhas desculpas.

Os confrontos entre os manifestantes e a polícia que então se verificaram não diminuíram de intensidade, antes pelo contrário aumentaram nos dias seguintes. Os distúrbios irromperam em vários distritos e a animosidade entre manifestantes e a polícia foi subindo de tom. Quando as questões políticas não se resolvem nos locais próprios, o divisionismo no seio da sociedade de Hong Kong aumenta de dia para dia. Se o princípio da responsabilização dos funcionários superiores fosse observado, a Chefe do Executivo, Carrie Lam, assumiria a culpa e demitir-se-ia, porque ela é a responsável pela crise social que se vive na cidade. As suas afirmações sobre a “morte” da revisão da lei, não significam que a revisão seja definitivamente “abolida”. Por outro lado, sem a criação de uma comissão de inquérito independente ao comportamento da polícia os conflitos sociais não irão diminuir. No entanto, o Governo de Hong Kong não deu qualquer resposta positiva a esta questão tão clara com a qual poderia ter aliviado as tensões sociais.

Se Carrie Lam tivesse anunciado oficialmente a abolição da revisão da Lei de Extradição, tivesse criado uma “comissão de inquérito independente” e tivesse designado o antigo Secretário da Justiça Andrew Kwok-nang Li, do Supremo Tribunal, para chefe da comissão, acredito que a tensão começaria imediatamente a diminuir e haveria boas hipóteses de cura das feridas causadas por toda esta divisão social. Até agora, quem é que mostrou não ter vontade de resolver a crise de Hong Kong? Quem é que está a transformar Hong Kong num palco de luta de gladiadores? Quem é que está a arrastar Hong Kong para uma crise política, pondo em causa o conceito “um país, dois sistemas”?

A política é uma arte, embora não seja uma arte marcial e, como tal, não se determina quem perde e quem ganha através do uso da violência. Os chineses têm um ditado que diz “é possível chegar ao poder através da violência, mas não se pode usar a violência para governar um país”.

Não se pode negar a competência a a eficácia administrativa de Carrie Lam, mas ela deixa-se muitas vezes cegar pela “arrogância e pelo preconceito” ao ponto de não conseguir aceitar as opiniões das outras pessoas. Sempre que discursa, ou faz declarações públicas, as suas palavras produzem o efeito oposto do esperado. Este facto demonstra que ela se encontra num estado de confusão e que deixa transparecer as suas emoções secretas por entre as frases que pronuncia. Não serve de nada continuar a pedir-lhe que resolva os problemas que foram criados.

Os rumores recentes sobre a possibilidade da declaração da “lei marcial” em certos distritos de Hong Kong não são infundamentados. Se a situação se deteriorar, sera possível vir a declara a lei marcial na cidade inteira, que é a última coisa que as pessoas esperam. A questão que se coloca é porque é que não foi avançada até agora nenhuma solução para resolver a crise? As acções do Governo e da polícia dão frequentemente a sensação de que não sabem como sair deste dilema.

A forma de sair da crise deveria ter sido pensada a partir da identificação atempada dos seus sinais, lidando com as questões e resolvendo-as, ao invés de ter permitido a criação de uma bola de neve impossível de ser travada. A análise das medidas de contigência tomadas pela polícia na manifestação de 1 de Julho, quando os manifestantes irromperam pelo edifício do Conselho Legislativo, e das acções da polícia no New Town Plaza Mall, em Sha Tin, a 14 de Julho, levou algumas pessoas a suspeitar de que há quem pretenda colocar os manifestantes e os agentes numa posição difícil, de forma a deixar tudo fora de controle.

Deng Xiaoping propôs o conceito de “um país, dois sistemas” aquando da transferância de soberania de Hong Kong e Macau, para também vir a ser aplicado em Taiwan, com o objectivo de conseguir uma reunificação pacífica da China. Em Macau, a aplicação deste conceito trouxe prosperidade económica através da liberalização dos direitos do jogo e da política de “turismo de visto individual”. O “Plano de Comparticipação Pecuniária no Desenvolvimento Económico” de Macau pode silenciar temporariamente a insatisfação, mas esta “gaiola dourada” não é uma opção para os habitantes de Hong Kong. Quando as reformas constitucionais falharam em Hong Kong, em 2014, as autoridades competentes não se aproveitaram do rescaldo do “Movimento dos Chapéus de Chuva” para apresentarem uma nova proposta reformista. A arrogância daqueles que detêm o poder e a ineficácia de quem os rodeia são responsáveis pela actual situação de Hong Kong. Se a aplicação do conceito “um país, dois sistemas” falhar completamente em Hong Kong”, vai ser muito difícil a sua implementação em Taiwan.

Se a crise de Hong Kong se continuar a agravar, os habitantes de Hong Kong e o conceito “um país, dois sistemas” vão sofrer sérios danos. Lucrarão com esta crise serão aqueles que por ela foram responsáveis.

19 Jul 2019

Somos campeões

[dropcap]P[/dropcap]ara todos os estudantes do ensino secundário de Hong Kong o dia 10 de Julho é um marco importante, porque é nesse dia que são anunciados os resultados dos exames finais de curso, designados por HKDSE. Deste resultado depende o futuro dos estudantes. Os que passarem continuam rumo à Universidade, os que não passarem rumam em direcção ao mundo do trabalho.

Dos exames deste ano destacaram-se 12 campeões. Os ditos campeões são alunos que ficam classificados em primeiro lugar em pelo menos sete disciplinas. Ao contrário dos anos anteriores, dois destes campeões não vieram das escolas tradicionalmente mais importantes. Esta mudança demonstra que os resultados dependem em muito do empenho dos estudantes. Quem trabalha com afinco tem necessariamente boas notas. Às escolas, aos colegas e aos pais cabe o papel de formação e encorajamento, o papel de apoio aos candidatos. Mas o mais importante é o esforço de cada um. Esperemos que esta mudança sirva para que os estudantes, que não frequentam as escolas mais afamadas, compreendam a importância do empenhamento pessoal. Esta é a grande verdade.

O HKDSE é um exame público. Os enunciados são criados pela Autoridade de Examinação de Hong Kong. As grandes vantagens do exame público são a objectividade e a equidade. É muito difícil haver fugas dos conteúdos destes enunciados. Usar os mesmo critérios de avaliação para todos, faz com que a credibilidade dos exames seja bastante elevada.

Em Macau, para acesso às quatro Universidades, existe apenas um exame conjunto. Futuramente o exame de acesso à universidade irá fundir-se com o exame final do secundário e terá a sua importância acrescida.

Este ano, apresentaram-se 56.000 candidatos ao HKDSE. Nos anos 80, apenas existia o Exame de Certificação Educativa de Hong Kong (HKCEE – sigla em inglês). O exame actual, o HKDSE, ainda não tinha surgido. Todos os anos, cerca de 130.000 candidatos participavam no HKCEE. Nesta época, quando o candidato falhava o exame, tinha de repeti-lo no ano seguinte ou ingressar directamente no mundo do trabalho. Hoje em dia a situação é muito diferente. Actualmente, quando o estudante não tem resultados satisfatórios, embora não possa ingressar directamente na Universidade, tem a possibilidade de aceder a um programa de equivalências onde pode obter um bacharelato e futuramente uma formatura universitária.

À medida que o tempo passa o sistema educativo muda. Quanto mais facilitado for o acesso às universidades, menos valor terão os cursos superiores. Nos anos 80 um curso superior dava acesso imediato a uma posição bem remunerada, os licenciados passavam a pertencer à classe média e construíam uma vida confortável. Podiam comprar casa, carro e criar uma família. Mas hoje em dia, quer seja em Macau ou em Hong Kong, quem é que pode atingir esse nível de vida quando acaba a Universidade?

A popularização do ensino superior provocou a sua própria desvalorização e os estudantes deixaram de acreditar que o curso lhes vá proporcionar um bom futuro. Esta situação acaba por desencorajá-los e isso ressente-se nos estudos. Não se aplicam o suficiente porque não acreditam que o seu esforço vá verdadeiramente dar frutos e acabam por sair da Universidade mal preparados. Se uma geração com poucos conhecimentos vier a ocupar lugares de destaque, que tipo de sociedade nos espera?

O principal objectivo da Universidade é a formação de pessoas especializadas de forma a permitir o bom funcionamento da sociedade no seu todo. A conjuntura social não pode ser controlada pela Universidade, mas os factores que a condicionam afectam directamente o desempenho académico dos estudantes. Se as condicionantes actuais se mantiverem, é pouco provável que o desempenho académico em termos globais melhore e, em última análise, a vítima da situação será a sociedade em geral.

Cumprimentemos os campeões que obtiveram as melhores notas nos exames; no entanto, e ao mesmo tempo, devemos reflectir sobre os resultados académicos em termos globais.

 

Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau
Professor Associado do Instituto Politécnico de Macau
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16 Jul 2019

Jurisdição além fronteiras

[dropcap]A[/dropcap]pós o anúncio oficial da suspensão da revisão da lei dos condenados em fuga por parte da Chefe do Executivo, este processo chegou ao fim. Embora nos últimos dias ainda se tenham efectuado pequenas manifestações em Hong Kong, têm sido em geral demonstrações pacíficas. No entanto houve uma excepção, a invasão e vandalização do edifício do Conselho Legislativo. Na sociedade actual as pessoas têm a obrigação de se manifestar de forma pacífica, independentemente das causas que defendem. Ninguém pode apoiar manifestações que degeneram em motins e dão origem a violência física e a danos materiais.

Uma sociedade evoluída permite que as pessoas manifestem as suas opiniões de forma pacífica e dá espaço para os diferentes pontos de vista. No entanto, não se pode aceitar o recurso à violência como forma de imposição das ideias de um determinado grupo de pessoas. É um comportamento que nos vemos forçados a condenar.

Na sequência do ataque ao Parlamento, ficou a saber-se que o edifício não tinha seguro. Não se sabe se este lapso se deveu a uma recusa da companhia seguradora ou a um simples esquecimento por parte do Governo. Seja qual for o caso, este problema tem de ser resolvido. Claro que pôr trancas à porta depois da casa arrombada não é a melhor ideia e, neste caso, não sabemos que companhia seguradora irá estar interessada no negócio depois da vandalização do edíficio. Estamos sem dúvida perante um problema. Se não houver forma de fazer um seguro, será que podemos contar com uma alternativa?

A questão central que desencadeou a vontade de rever a lei de extradição dos condenados em fuga foi o alegado crime perpetrado em Taiwan por um residente de Hong Kong. A revisão da lei foi suspensa. Não restam dúvidas que este suspeito vai beneficiar da suspensão revisão da lei. Já não vai ser julgado em Taiwan; significando que não irá responder pelas suas acções perante o Tribunal.

No passado dia 28, o jornal Sing Tao Daily anunciou que Yang Yueqiao, deputado do Conselho Legislativo, escreveu à Chefe do Executivo manifestando vontade de ver aprovada a jurisdição extraterritorial do Tribunal de Hong Kong. Do ponto de vista legal, em princípio, um tribunal local só tem capacidade de julgar casos ocorridos no seu território; nas situações que se verificam fora de Hong Kong a legislação local não se aplica. As leis de Hong Kong não podem ser usadas como padrão em julgamentos de crimes praticados além fronteiras. No entanto, se for aplicada a jurisdição extraterritorial, as leis de Hong Kong podem passar a ser aplicadas a casos ocorridos fora do território. Desta forma o suspeito do homicídio de Taiwan poderia vir a ser julgado em Hong Kong.

Mas esta possibilidade levanta dois problemas óbvios. Em primeiro lugar, estender a jurisdição local a um caso ocorrido além fronteiras é alargar o seu poder a território estrangeiro. Se as autoridades da outra região discordarem, que consequências poderão daí advir? Ou seja, se as autoridades de Taiwan não concordarem que o suspeito venha a ser julgado em Hong Kong e, por isso, não quiserem entregar as provas comprometedoras, o julgamento não se poderá efectuar.

Em segundo lugar, o Governo de Hong Kon é um governo local. Estender a jurisdição da RAEHK a outras regiões está completamente para lá dos limites da Lei Básica da cidade. Sem o consentimento do Governo Central tal nunca será permitido.

A possibilidade da jurisdição extraterritorial depende de vários factores, não parece fácil implementá-la para levar o suspeito do crime de Taiwan a comparecer perante a justiça.

Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau
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9 Jul 2019

Desvalorização da educação

[dropcap]N[/dropcap]a sexta-feira da semana passada os jornais de Hong Kong publicaram a notícia do suicídio de uma jovem universitária. No bilhete que deixou, apelava à manutenção da luta contra o projecto de lei de extradição dos condenados em fuga. Lembrava que os esforços empreendidos por dois milhões de pessoas não podiam ser desperdiçados. A notícia também adiantava que a jovem tinha rompido com o namorado.

Durante o período de luta contra a lei de extradição já morreram duas pessoas. A primeira foi o homem que se suicidou em Admiralty e agora esta rapariga. Dois suicídios merecem alguma reflexão. Porque é que os jovens são actualmente tão frágeis? Porque é que encaram o suicídio como saída?

É compreensível que o suicídio possa ser visto como uma forma de fugir dos problema, mas não os resolve de forma alguma. Os adultos devem enfrentar as dificuldades e lidar com elas com calma. O suicídio, para além de ser uma forma de fuga, provoca grande sofrimento aos familiares. Praticar suicídio por causa da lei de extradição provoca sofrimento à sociedade em geral. Se estes suicídios provocarem problemas sociais desnecessários, então serão ainda mais inaceitáveis.

Muitas das pessoas envolvidas nas manifestações contra a lei de extradição são universitários e estudantes do secundário. Existirá um problema no sistema educativo que leve os estudantes a sair para a rua e defenderem as suas opiniões? Penso que a resposta a esta pergunta é muito complexa e não pode ser dada sucintamente. No entanto, uma coisa é certa. Hong Kong era relativamente pobre nos anos 60 e 70. Apenas uma percentagem mínima podia aceder ao ensino superior. Nos anos 80, Hong Kong começou a enriquecer. A pessoas compreenderam que a educação proporciona um futuro melhor. Por isso, nesta altura, houve uma corrida às Universidades, toda a gente queria ter um doutoramento. Pensavam que não teriam de se preocupar com o futuro nunca mais; a entrada na Universidade era um feito glorioso.

Nos anos 90, viveu-se a febre do investimento. Imensa gente investiu dinheiro na Bolsa e em vários negócios. Além disso o Governo criou mais cursos superiores para compensar a saída de especialistas para o estrangeiro. Em comparação com os anos 70 e 80, a cotação do ensino superior começou a baixar. Além disso tinha deixado de ser necessário um grau universitário para ganhar dinheiro.

Hoje em dia o preço das casas em Hong Kong e em Macau é altíssimo. Alguém que tenha acabado de se formar não consegue comprar um apartamento. A educação superior já não pode proporcionar um futuro radioso. Os jovens começam a desvalorizar o ensino universitário, e interrogam-se se vale a pena perder tempo a frequentar uma Faculdade. Trabalham apenas para a nota que garante passarem. Tudo o que vai para além disso é excessivo.

Como não concentram as suas energias nos estudos, aplicam-nas noutras coisas. Coisas essas que podem ser, por exemplo, lutas sociais. Questões de ordem social geram naturalmente problemas sociais. A participação dos estudantes nas manifestações está intimamente ligada à sua atitude perante o estudo.

Portanto, se não se ultrapassarem os problemas económicos e de qualidade de vida, será muito difícil Hong Kong voltar a ser uma sociedade harmoniosa e inclusiva.

 

Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau
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5 Jul 2019

Lei de extradição continua na ordem do dia

[dropcap]E[/dropcap]m Hong Kong, os últimos domingos foram assinalados por duas enormes manifestações contra a revisão da lei de extradição dos condenados em fuga. De acordo com os dados da organização, na primeira manifestação participou cerca de um milhão de pessoas e na segunda participaram cerca de dois milhões. Um dos manifestantes morreu em Admiralty ao cair de um edifício. Segundo os dados do Governo de Hong Kong o número de participantes foi muito inferior. De qualquer forma, esta questão não é muito relevante. A segunda manifestação, que começou às 14.40, congregou tantas pessoas que só se pôde ver o seu final pelas 23.00. A participação massiva nestas manifestações confirma que o Governo de Hong Kong tem um problema sério entre mãos.

Em primeiro lugar, as manifestações revelam que os habitantes de Hong Kong estão muito preocupados com a revisão da lei e que querem suavizar as alterações.

Em segundo lugar, o aperfeiçoamento em termos de organização que se verificou da primeira para a segunda manifestação, muitíssimo bem organizada, colocou o Governo da cidade perante um difícil dilema. Por um lado, os manifestantes tinham um objectivo muito bem definido e transmitiram as suas exigências de forma pacífica, sem necessidade de recorrer a qualquer tipo de violência. De certa forma obrigaram o Governo a aceitar os seus pontos de vista. O que se passou desta vez em Hong Kong, nada teve a ver com o que por vezes acontece noutros locais do globo, que degenera em tumultos incontroláveis. A forma pacífica das pessoas se manifestarem impediu a polícia de intervir. Efectivamente, nesta segunda demonstração, a polícia limitou-se a abrir caminho para os manifestantes passarem e a velar para que a ordem se mantivesse. Se de futuro os hong kongers passarem a demonstrar desta forma as suas insatisfações o Governo vai ficar numa posição difícil.

Em terceiro lugar, a Chefe do Executivo de Hong Kong anunciou a suspensão da revisão da lei de extradição dos condenados em fuga e não a abolição da revisão. Estas palavras “suspensão” e “abolição” deram o mote para algumas pequenas manifestações, que se realizaram depois da segunda grande manifestação. A questão estava precisamente no facto de suspender ou abolir a revisão da lei. Claro que a suspensão implica o regresso do projecto de lei ao Conselho Legislativo, enquanto a abolição implica a morte imediata deste projecto.

No entanto, algumas pessoas próximas dos círculos governamentais têm salientado que, se o Governo não tiver forma de lidar com as exigências deste número esmagador de manifestantes, será impossível reiniciar o processo de revisão da lei. Desta forma, a “suspensão” de Carrie Lam talvez venha a ser sinónimo de “abolição”.

É evidente que no seio da sociedade de Hong Kong se encontram apoiantes da “suspensão” e da “abolição”. Mas independentemente das diferentes opiniões, o facto que salta à vista é que o Governo não está em posição de resolver esta disputa e que será melhor não levar para a frente a revisão da lei.

No decurso das duas manifestações massivas as exigências dos habitantes de Hong Kong foram expressas de forma inequívoca e o Governo da cidade anunciou a “suspensão” da revisão. As pessoas devem reflectir sobre estes dois factos. Será que ainda é necessário continuarem as manifestações para exigir a “abolição” da revisão? Se continuarmos a escalpelizar este assunto que consequências podem daí advir?

Rowan Tam, um antigo cantor de Hong Kong, tinha uma canção,”Under the Lion Rock”, que dizia mais ou menos o seguinte:

“Navegamos no mesmo barco sob a Lion Rock, devemos ajudarmo-nos uns aos outros, esquecer as diferenças e procurar as semelhanças.”

Quer sejamos a favor ou contra a revisão da lei de extradição, Hong Kong tem de seguir em frente, olhar para o futuro e deixar o passado para trás. Unamos esforços para que Hong Kong possa vir a ter um futuro brilhante. Este deverá ser o desejo de todos nós.

 

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25 Jun 2019

Extradição na ordem do dia

[dropcap]E[/dropcap]m Hong Kong esta semana ficou marcada pelas manifestações de protesto contra a proposta de lei de extradição dos condenados em fuga. Na demonstração de 9 de Junho compareceram imensas pessoas. As autoridades adiantaram o número de 153.000 participantes, ao passo que o porta-voz da organização apontava para cerca de um milhão. Mas todos sabemos que estes cálculos nunca são precisos. Durante o desfile, o responsável pelo cálculo do número de participantes tira fotos, conta as pessoas que aparecem na foto e calcula a área que ocupam. Se continuar a fotografar a mesma área a intervalos regulares é possível fazer uma estimativa do número de pessoas presentes. Esta estimativa pode variar conforme a área escolhida. Mas, seja qual for o número apontado, estiveram presentes sem dúvida muitos milhares de pessoas nesta manifestação.

No dia seguinte, segunda-feira, 10 de Junho, a TVB de Hong Kong entrevistou a Chefe do Executivo Carrie Lam. No decurso da entrevista, Lam deixou bastante clara a sua posição sobre o assunto. Em primeiro lugar, admitiu que esta proposta de lei toca questões muito controversas. Estas declarações foram úteis, mas as dúvidas não ficaram eliminadas. Mas Lam também assinalou que, se a oportunidade de rever a lei não for agora aproveitada, não se saberá quando o poderá vir a ser. Além disso resta a dúvida se a próxima proposta de revisão da lei vai ser bem-sucedida. Carrie Lam foi peremptória. Acredita que não vai ser. Por estas declarações podemos deduzir que, se duvidamos que a nova proposta de lei venha a ser bem aceite, então mais vale lidar com o assunto agora do que adiar a sua resolução.
Ainda a entrevista não tinha sido transmitida, quando se deu um motim em Hong Kong. A multidão ocupou as principais vias rápidas da cidade causando o congestionamento do tráfego. Depois da intervenção da polícia a situação começou a normalizar.
As manifestações e marchas realizadas na quarta-feira em Admiralty provocaram ferimentos em manifestantes e em agentes da autoridade. Mas na quinta-feira a situação agravou-se. Os organizadores convocaram as pessoas para as estações de Metro. Multidões precipitaram-se para as entradas do Metro durante a hora de ponta e os comboios não puderam circular normalmemte. O caos instalou-se. As pessoas que queriam chegar ao trabalho a horas não conseguiram.
É inquestionável que este método acabou por envolver nos protestos pessoas que não tinham qualquer intenção de se manifestar contra a proposta de lei de extradição. Se as manifestações são uma forma de expressar a opinião pública, a participação forçada é o seu oposto e, portanto, é uma forma de privar as pessoas dos seus direitos. É absolutamente incorrecto. Como é que podemos considerar pacífica uma manifestação que recorre ao uso de uma série de métodos para impedir o Metro de circular? A legalização das manifestações é um dos valores fundamentais de Hong Kong, bem como permitir que as pessoas expressem os seus desejos e aspirações. Mas é fundamental que não envolvam violência e que pessoas com outros pontos de vista se não vejam envolvidas à força numa luta que não lhes diz respeito.
No sábado, 15 de Junho, Lin declarou suspensa a discussão da proposta de lei de extradição. O Governo estava já preparado para submeter a proposta à discusão no Conselho Legislativo. Em teoria, depois da transmissão da entrevista com Carrie Lam, os ânimos deveriam ter acalmado, mas tal não aconteceu. Durante a tarde, um homem morreu em Admiralty. Manifestações de pesar e de indignção espalharam-se rapidamente através da internet. Este incidente vai marcar o tom da manifestação de domingo, 16 de Junho.
A avaliar pelos noticiários esta manifestação ainda vai ser maior do que a do domingo anterior. Embora no momento em que este artigo foi escrito ainda não houvesse cálculos, nem da parte do Governo nem da dos organizadores, tudo aponta que efectivamente o número de participantes aumentará. Mas, de qualquer forma, ainda vai ser necessário esperar pela contagem oficial.
Às 19.30 de sábado, 16, os manifestantes voltaram a ocupar as vias rápidas de Central e de Sheung Wan, pelo que o trânsito ficou completamente congestionado. Mas, estranhamente, no momento em que escrevo, os condutores fizeram seguir os veículos e começaram a desimpedir as vias.
É preciso continuar a acompanhar o desenrolar da situação. Felizmente hoje ninguém ficou ferido, porque todos amamos a paz.

 

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18 Jun 2019

Publicidade enganosa

[dropcap]N[/dropcap]o dia 2 deste mês o jornal de Hong Kong Sing Tao Daily publicou uma notícia sobre a jovem Miss Wong, proveniente de Hong Kong e estudante no Reino Unido. Miss Wong levantou um processo num tribunal londrino contra a Universidade Angelia Ruskin. O artigo não adiantava os motivos de forma muita clara, limitando-se a mencionar “publicidade falsa aos serviços”.

Miss Wong inscreveu-se nesta Universidade em 2011, para fazer uma pós-graduação em administração internacional, um curso com duração de dois anos. A jovem escolheu a Angelia Ruskin devido ao panfleto promocional que garantia “Formação de Alta Qualidade” e “Boas Perspectivas de Emprego”. Estas indicações impressionaram favoravelmente Miss Wong. Mas depois do início do ano lectivo ficou decepcionada. As aulas começavam com atraso e terminavam antes da hora. Os estudantes eram incentivados ao “auto-didactismo”. Por tudo isto, a queixosa acusou a Universidade de fraude, na medida em que estava longe de garantir a “Formação de Alta Qualidade” anunciada no prospecto.

Mesmo assim, terminou a formação em 2013 certa de que tinha assegurado o início de uma sólida carreira profissional. Mas sempre que se candidatava a um emprego era rejeitada. O diploma não era reconhecido no mundo do trabalho.

Portanto, para Miss Wong, o curso não assegurava formação de qualidade nem garantia perspectivas de emprego e, como tal, considerou que o prospecto publicitário era enganador.

Após negociação entre as partes, a Universidade indeminizou a queixosa com o montante de 61.000 libras.

Deste valor, 46.000 libras eram destinadas a custas processuais. O sistema legal britânico é diferente do de Macau. A parte que perde o processo arca com as custas da outra parte. A principal despesa deste bolo são os honorários do advogado, que neste caso foram pagos pela parte acusada.

Em entrevista ao jornal Sunday Telegraph, Miss Wong afirmou sentir-se satisfeita com o resultado do julgamento. Disse ainda estar convencida que de futuro a Universidade iria ter mais cuidado com o que escrevia nos prospectos promocionais. Promessas irrealizáveis não devem estar impressas em panfletos informativos.

Embora este caso não envolva uma notícia de monta, para nós, não deixa de ser motivo de reflexão. Como sabemos, actualmente existem nove Universidades em Macau. Devido à implementação da Lei do Ensino Superior, estamos a entrar numa nova era da educação. Quase todas as Universidades têm de estar certificadas. A certificação atesta o grau de qualidade de cada uma delas. Desta forma, as Universidades devem poder garantir até certo ponto o seu nível de ensino.

No entanto, Miss Wong processou a Universidade por incumprimento das promessas feitas aos estudantes no programa promocional. Segundo a notícia, a queixosa baseou o seu processo na falsidade do prospecto. Se tinha ou não tinha razão, é uma questão que fica em aberto. Mas uma coisa é certa, segundo a lei do Reino Unido, a partir do momento em que os estudantes pagam as propinas e ingressam na Universidade, estes prospectos fazem parte do contrato entre as partes.

A Universidade é responsável por honrar os termos do contrato. Se não o fizer, entra em incumprimento e os estudantes podem processá-la.

Embora a situação em Macau seja significativamente diferente da do Reino Unido, o prospecto é considerado um documento oficial na admissão à Universidade. Se existirem diferenças consideráveis entre o programa apresentado e a experiência que os estudantes vivem posteriormente, existirão naturalmente motivos de descontentamento.

Consequentemente, as Universidades terão de ter muito cuidado com a forma com que redigem estes panfletos. Se as promessas se cumprirem todos ficam satisfeitos, mas se não se cumprirem os problemas hão-de surgir. Este caso acaba por ser um alerta para todas as Universidades, lembrando que devem ser cuidadosas na forma de divulgar os seus programas e responsáveis pelas expectativas que criam aos estudantes.

 

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11 Jun 2019

Portas do Cerco em estado de sítio

[dropcap]N[/dropcap]os últimos dias, devido às obras de manutenção e reparação das escadas rolantes, as pessoas que viajavam de Zhuhai e Macau acumularam-se no corredor das partidas das Portas do Cerco. Dia 22 deste mês, a Polícia de Segurança Pública, o Gabinete das Forças de Segurança e o Gabinete de Transportes deram uma conferência de imprensa conjunta para apresentarem o plano de emergência para lidar com a situação. As medidas incluem a abertura de 13 guichets do controlo alfandegário, para que sejam evacuadas 12.000 pessoas num espaço de quatro horas. Na medida em que a entrada do edifício de controlo de fronteiras é estreita e as escadas rolantes estão em manutenção, o risco de acidentes aumenta com a enorme concentração de pessoas. É portanto urgente fazer sair esta multidão. Após a implementação das medidas, as pessoas só esperam cerca de 10 minutos até entrarem no edíficio da alfândega.

Espera-se que abram mais dois guichets durante o fim de semana, passando assim de 13 para 15. O Gabinete de Transportes pediu às companhias transportadoras que os autocarros mudassem de rota, para que os passageiros pudessem sair junto aos portões de embarque. Os autocarros que fazem a volta dos hotéis foram reduzidos para um terço e os passageiros são encorajados a entrar e sair de Macau pela Ponte Hong Kong-Zhuhai-Macau.

A substituição das escadas rolantes do edifício da alfândega das Portas do Cerco causou a concentração de uma multidão, e demonstrou a capacidade de infraestrutura pública de Macau para dar resposta a incidentes. O projecto de manutenção das escadas rolantes surgiu no princípio de 2018, mas o público só foi informado no dia anterior ao início das obras. Muitos dos residentes e turistas só se aperceberam da situação quando chegaram às Portas do Cerco. Esta situação sugere que as autoridades deverão fazer um esforço para publicitar este tipo de ocorrências com maior antecedência e que haja um controlo mais apertado das entradas e saídas em Macau. Fora isso, seria possível que o Governo providenciasse no sentido de serem utilizados outros postos de controlo alfândegário, para libertar a pressão das instalações das Portas do Cerco?

Como o tempo de espera para entrar e sair de Macau está a aumentar, é possível que venha a ser necessário criar condições especiais para idosos, crianças, grávidas e pessoas com incapacidades, para evitar qualquer mal estar causado pelas altas temperaturas que se fazem sentir no Verão.

Mas, pior do que isso, é a possibilidade de transmissão viral, frequente em locais super-lotados. Se uma pessoa estiver doente, facilmente muitas outras serão contagiadas e todos sabemos que se há vírus inofensivos, há infelizmente outros muito perigosos. Também é necessário alertar a população para o uso de máscaras. A presença de médicos no local e o controlo sanitário poderão ser ainda questões a considerar.

As obras de manutenção e reparação das escadas rolantes do átrio das Partidas do edifício alfandegário das Portas do Cerco irão demorar cerca de 60 dias. O público irá sentir os seus transtornos por igual período. As escadas estão montadas paralelamente, em grupos de três.

Devido às restrições de espaço, é possível que passem para grupos de duas, diminuindo grandemente a capacidade de transporte.

Há uns tempos atrás estas escadas causaram muitos acidentes. Alguns turistas do continente forçavam manualmente a paragem das escadas e as pessoas que iam mais abaixo, como não conseguiam aguentar o impacto, perdiam o equilíbrio e caíam, fazendo cair também os que estavam atrás deles. Este foi um dos motivos que levou a separar as escadas em várias secções, de forma a diminuir os danos dos possíveis acidentes. Este aspecto deve de ser considerado na actual remodelação.

 

Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau
Professor Associado do Instituto Politécnico de Macau
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28 Mai 2019