David Chan Macau Visto de Hong Kong VozesO incêndio de Pat Sin Leng No passado dia 10, soube-se através da comunicação social de Hong Kong que uma criança de oito anos tinha feito três chamadas para a polícia alegando que havia um fogo em Pat Sin Leng, Tai Po, e que 25 professores e alunos estavam presos na montanha. Depois do alerta, a polícia, juntamente com o departamento de Agricultura e Pescas e o Corpo de Bombeiros, chegaram ao local e verificaram que não havia qualquer incêndio. O rapaz foi posteriormente localizado, admitiu que tinha mentido e recebeu uma admoestação verbal. Embora este incidente não passe de um assunto trivial, que dificilmente suscita preocupação pública, não deixa de despertar memórias dolorosas. A frase “há um fogo em Pat Sin Leng” evoca memórias do acidente ocorrido há 30 anos. A 10 de Fevereiro de 1996, quatro professores da Fung Yiu King Memorial School de Hong Kong, acompanhavam um grupo de alunos do 7.º e 8.º anos numa caminhada em Pat Sin Leng. Suspeita-se que o fogo tenha deflagrado porque alguém atirou um cigarro a arder para o mato. O fogo alastrou pela montanha e o caminho para baixo ficou bloqueado obrigando toda a gente a subir. Devido às dificuldades do terreno, tiveram de escalar o rochedo “Maliu Cliff” para escapar. Dois professores ficaram para trás para ajudar os alunos a subir o penhasco. Trinta e dois conseguiram regressar ao ponto de partida para procurar ajuda. Depois de terem ajudado a maior parte dos jovens, os dois professores não conseguiram escalar o penhasco e morreram no incêndio juntamente com dois alunos. Neste incidente morreram os dois professores e três alunos e treze ficaram feridos. Um outro caminhante, que tinha ajudado a resgatar algumas das vítimas do incêndio, imolou-se mais tarde, possivelmente devido a sofrer de stress pós-traumático. Em 1996, o Tribunal decidiu que a causa do acidente foi “indubitavelmente humana”, mas não estava claro se se terá devido a um cigarro mal apagado ou a uma fogueira que possa ter sido acesa por brincadeira. Para homenagear o sacrifício dos dois professores, o Governo de Hong Kong mandou erguer um pavilhão em sua memória em Pat Sin Leng, chamado “Spring Breeze Pavilion,” o que significa “bons professores” em chinês.” Dentro do pavilhão, inscrições bilíngues em chinês e inglês relatam todo o incidente. Foram plantados dois pinheiros-budistas em frente ao pavilhão, em homenagem aos dois professores. Uma placa comemorativa do Pavilhão Spring Breeze está colocada na entrada da Fung Yiu King Memorial School. São realizados anualmente serviços memoriais para compartilhar os acontecimentos com os estudantes. A Fung Yiu King Memorial School fez uma parceria com a Universidade Chinesa de Chinese Hong Kong para criar uma bolsa de estudos em memória dos dois professores que recebeu os seus nomes. A mentira do rapaz reacendeu indubitavelmente memórias dolorosas. Estas memórias deveriam ir desaparecendo com o tempo ao contrário de permanecerem na memória das pessoas. Esperemos que as mentiras acabem aqui e que nunca mais ressurjam. Que as memórias dolorosas sejam levadas pelo vento. O espírito dos dois professores que se sacrificaram pelos outros continua vivo na sociedade de Hong Kong e é celebrado por todos. Precisamos de perguntar: porque celebramos o altruísmo? Será porque temos apenas uma vida, por isso, quando alguém se sacrifica pelos outros merece respeito? A resposta não é assim tão simples. Temos só uma vida e depois da morte não existe mais nada. O motivo para celebrarmos o auto-sacrifício em prol de outros é uma forma de celebrarmos o facto de que alguém capaz deste acto é completamente destituído de egoísmo, alguém que só deseja o bem alheio. Isto é uma manifestação pura de amor pela humanidade. Se aqueles que foram salvos puderem continuar a transmitir este amor, o egoísmo vai diminuir e a amizade genuína vai aumentar. Com este tipo de amor unificador, não haverá naturalmente hostilidade, porque o amor congrega. Neste sentido, o amor pode promover uma sociedade mais pacífica e harmoniosa e todos serão felizes. Na sociedade complexa dos nossos dias, os corações humanos são imprevisíveis. Mesmo que queiramos levar o nosso amor aos outros, ele nem sempre é aceite. Esta é sem dúvida uma dura realidade. Os estudantes que ficaram feridos em Pat Sin Leng, e que enfrentaram muitas provações, devem certamente ter deixado esses momentos maus para trás, esforçaram-se para viver as suas vidas e para dar início a um novo capítulo, mas simultaneamente devem ter recordado os dois professores que os salvaram. A sua capacidade de sacrifício em prol dos estudantes não só é merecedora de ser imitada, mas é uma lição que deve ser aprendida e transmitida. Só o amor pode unir-nos a todos de forma altruísta. Já passaram trinta anos desde o incêndio de Pat Sin Leng, mas o tempo não irá desvanecer a memória do amor sincero e altruísta que estes dois professores deram aos seus alunos. Através das notícias de hoje, prestemos-lhes mais uma vez silenciosamente homenagem. Que possam viver felizes no Além, e que o amor que tinham pelos seus alunos possa para sempre continuar a ser transmitido. Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau Professor Associado da Faculdade de Ciências de Gestão da Universidade Politécnica de Macau Email: cbchan@mpu.edu.mo
David Chan Macau Visto de Hong Kong VozesO pecado da incúria Nos passados dias 23 e 24 de Setembro, o Tufão Ragatsa atingiu a Província de Guangdong, na China continental, e também Hong Kong e Macau, duas regiões administrativas especiais da China. Este super tufão causou alguns estragos nestas três zonas. Felizmente, todos estavam preparados e os danos foram mínimos. As ocorrências mais sérias foram ferimentos provocados em algumas pessoas. Em Hong Kong, uma família decidiu ir para a o molhe observar os ventos e as ondas. Infelizmente a mãe e o filho caíram ao mar. O pai saltou logo para os salvar deixando para trás a filha de 9 anos, sozinha e a chorar. Outras pessoas que aí se encontravam tentaram salvá-los de imediato, mas não conseguiram. Por sorte, um barco de pesca estava a passar e o marinheiro e o filho foram em socorro das vítimas. A mãe e o filho estavam inconscientes e o pai embora consciente estava ligeiramente ferido. Posteriormente, o secretário para a Segurança de Hong Kong, Chris Tang, afirmou que embora a “perseguição de ventos e ondas” (追風逐浪) não fosse criminalizada em Hong Kong, levar crianças para o meio da tempestade durante a passagem de um tufão pode constituir “negligência infantil” (疏忽照顧兒童) e disse ainda que o Governo de Hong Kong irá investigar mais aprofundadamente esta matéria. Isto significa que a “perseguição de ventos e ondas ” pode vir a ser criminalizada. Há algumas semanas, mencionámos nesta coluna o processo movido em Shenzhen contra pessoas que escalaram a montanha durante uma tempestade. Actualmente, Hong Kong só tem legislação que pune a entrada em praias vedadas pelo Governo Hong Kong, com uma multa máxima de 2.000 HKD e 14 dias de prisão. No entanto, apenas é criminalizada a “entrada em zonas proibidas” e não a “perseguição de ventos e ondas” durante uma tempestade. Em última análise, em Hong Kong, a “perseguição de ventos e ondas” não é crime. Para impedir completamente as tragédias causadas pela “perseguição de ventos e ondas” durante a passagem de tufões, é necessário a implementação de legislação que a criminalize. Como mencionámos na coluna anterior, o acto de “perseguir ventos e ondas” é difícil de definir e de regular. Se o facto de ficar na praia durante uma tempestade for considerado um delito de “perseguição de ventos e ondas”, muitas pessoas serão acusadas. A lei tem de ser clara e detalhada e o seu âmbito deve ser limitado. Caso contrário, cria-se uma lei que será quebrada por muitas pessoas, o que não será certamente a intenção do legislador. Além disso, a actual agência de fiscalização é composta por funcionários do Departamento de Serviços Culturais e de Lazer (LCSD) do Governo de Hong Kong, e não da polícia. Se houver resistência às indicações dos funcionários, a situação será ainda mais caótica. Outra consideração na legislação penal é a questão da prova. Como é que se pode provar que este grupo de pessoas estava a “perseguir ventos” na costa durante uma tempestade? Os funcionários do LCSD, embora estejam de serviço, também põem as suas vidas em risco durante as intempéries e têm simultaneamente de fazer cumprir a lei. O ambiente adverso em matéria de aplicação da lei exige uma atenção especial. Por outras palavras, num ambiente de alto risco, como podemos garantir que a equipa do LCSD está a aplicar a lei em segurança? Talvez Hong Kong pudesse considerar a utilização de drones para patrulhar a costa durante as tempestades. Se fosse detectada qualquer actividade de “perseguição de ventos e ondas”, podia ser emitida de imediato uma mensagem sonora apelando à retirada do local. Como este delito ficava registado em filme, se os infractores se recusassem a sair o Governo de Hong Kong teria naturalmente provas para os processar. O sucesso desta legislação dependeria da atitude futura da sociedade de Hong Kong, pelo que para já é difícil de prever. No entanto, o Governo de Hong Kong deverá certamente vir a considerar a possibilidade de obrigar os infractores a pagar as despesas das operações de salvamento. Durante uma tempestade, as equipas de resgate arriscam a vida para salvar quem “persegue ventos e ondas,” e o equipamento usado é muito caro. Não é despropositado pedir a estes “aventureiros” que suportem os custos. A legislação para regular a “perseguição de ventos e ondas” passa mais pela prevenção do que pela acusação. Estas leis destinam-se a dissuadir estes comportamentos. As acções penais só são iniciadas após avisos repetidos. Mesmo com a legislação em vigor, a sua aplicação está repleta de dificuldades. Por último, devemos prestar homenagem àqueles que permanecem de serviço durante os tufões ou que realizam operações de salvamento. Sem eles, a segurança seria muito menor durante os tufões. A respeito do caso da família que caiu ao mar em Hong Kong, devemos prestar homenagem a todos os socorristas. A sua coragem e abnegação no salvamento de três pessoas durante uma tempestade foram admiráveis. Macau tem actualmente um “sistema jurídico de defesa civil” (民防法律制度) e implementou uma série de medidas para serem aplicadas durante as tempestades, como o destacamento preventivo, a evacuação de residentes de zonas ribeirinhas e a garantia de abastecimento para as necessidades diárias. Muitas pessoas foram evacuadas, demonstrando a robustez do sistema de defesa civil de Macau. Além disso, não houve registo de incidentes de “perseguição de ventos e ondas” na costa, prova do excelente trabalho do Governo de Macau na protecção da vida e da propriedade dos residentes. Os residentes de Macau levam muito a sério a sua segurança pessoal. Por conseguinte, embora em Macau a “perseguição de ventos e ondas” não esteja criminalizada, as pessoas são cuidadosas. Actualmente, com condições meteorológicas invulgares e tufões frequentes e particularmente poderosos, a sociedade de Macau deve priorizar a consciencialização e a educação para garantir que as pessoas compreendam o que deve ser feito para protegerem as suas vidas e os seus bens durante uma tempestade. Só quando todos prestarem atenção à segurança é que o impacto dos tufões poderá ser minimizado. Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau Professor Associado da Faculdade de Ciências de Gestão da Universidade Politécnica de Macau Email: cbchan@mpu.edu.mo
David Chan Macau Visto de Hong Kong VozesInteligência artificial ao serviço do suicídio (II) A semana passada, falámos sobre um casal californiano que processou a empresa de tecnologia OpenAI e o seu director executivo, Sam Altman, por ter o chatbot gerador de inteligência artificial, ChatGPT, fornecido informação e incentivado o seu filho Ryan, de 16 anos, a cometer suicídio. Este caso não é complexo, mas as questões jurídicas, éticas e tecnológicas que levanta são dignas de reflexão alargada. Embora os pais de Ryan tenham movido uma acção contra a OpenAI e e contra o seu director executivo, Sam Altman, estamos perante um processo cível e não um processo crime. A razão é simples: é uma tecnologia recente e actualmente carece de regulamentação legal. Se o incentivo ao suicídio é um crime, então deve ser condenado. No entanto, não existe actualmente nenhuma lei que prevejan a possibilidade deste incentivo partir de plataformas de Inteligência Artificial, impossibilitando assim acções criminais. A situação é semelhante para os processos cíveis. Como não há uma lei que estipule que o suicídio induzido por IA é ilegal, os pais de Ryan só puderam mover uma ação judicial de “responsabilidade pelo produto” com base na alegação de “produto defeituoso”. O sucesso d processo dependerá de os tribunais da Califórnia aceitarem a argumentação legal. Do ponto de vista ético, Altman declarou que a OpenAI estava a tentar encontrar formas de notificar as agências governamentais competentes se de futuro um menor discutisse seriamente com o ChatGPT questões relacionadas com suicídio e a empresa não conseguisse contactar os pais. No entanto, este método não deve avançar porque vai contra a política da empresa de protecção da privacidade. Afirmou ainda que o ChatGPT não deve apoiar nem contestar nada, o que significa que não deve tomar posição. Do ponto de vista tecnológico, a IA é incapaz de compreender as complexidades do pensamento humano. Por exemplo, se uma pessoa diz para outra ; Da próxima vez que nos encontrarmos, tomamos um chá; a IA apenas interpreta como; De futuro, num momento qualquer, duas pessoas vão tomar chá. No entanto, se estas palavras forem apenas um acto de cortesia, e na verdade aquele que as escreveu não tiver intenção de rever o outro, existe aqui uma complexidade psicológica que está fora do alcance da actual tecnologia de IA. Quando a IA não consegue compreender o verdadeiro significado de uma frase, como é que os utilizadores podem interpretar as suas respostas? Depois de considerar as questões legais, éticas e tecnológicas, que medidas podemos efectivamente tomar para resolver os problemas levantados pela IA? O ChatGPT, originário dos Estado Unidos, deverá ser regido pela lei norte-americana. Em resposta ao caso Ryan, esperamos que este país considere a rápida adopção de leis que regulem a responsabilidade cível e criminal de quem usa a IA para fins ilegais. Os utilizadores do ChatGPT estão espalhados por todo o mundo. Ao implementar leis que regulem o sector, os EUA devem permitir que utilizadores de outros países possam recorrer aos tribunais americanos para pedir indemnizações ou para mover acções semelhantes à dos pais de Ryan. Imaginemos um utilizador britânico que se confronta com uma situação similar. Se o Reino Unido não tiver legislação específica, os pais do menor não têm outra opção senão mover o processo nos EUA. Só com protecção legal adequada poderão os utilizadores de todo o mundo continuar a aceder com confiança ao ChatGPT. Se uma empresa que gere o ChatGPT descobre que um menor está a morbidamente interessado no suicídio e não consegue contactar os seus pais, mas não liga à polícia por motivos de protecção de privacidade, isso significa que a privacidade tem mais valor do que a vida? Em que termos é que pode a empresa escolher entre proteger a privacidade e salvar uma vida? Deve violar a privacidade para salvar uma vida, ou deve fechar os olhos perante um potencial suicídio e proteger a privacidade? As questões éticas são mesmo assim; nenhuma escolha é fácil. Se o direito à privacidade e o direito à vida forem incompatíveis, poderá o ChatGPT ignorar certas perguntas limitando-se a não dar resposta? Ou poderá dar uma resposta que seja simplesmente, “Esta questão poderá ser ilegal, por isso recuso-me a responder. O utilizador deve consultar um advogado antes de decidir se deve prosseguir.” O caso Ryan é apenas o começo dos problemas com a IA. Quanto mais implantada estiver esta tecnologia, mais questões surgirão. Coisas mais inesperadas e bizarras serão reveladas de futuro. Para além de desenvolver a tecnologia e aperfeiçoar a qualidade da IA, os fabricantes também deve envidar esforços para lembrar constantemente os funcionários das suas responsabilidades sociais, da importância da ética empresarial e da necessidade de os produtos cumprirem os padrões de segurança. As empresas de IA podem tomar a iniciativa de realizar “auditorias de éticas”, com auditores externos, durante as auditorias financeiras anuais para avaliar se os empregados estão à altura dos padrões éticos empresariais e se a consciência ética da empresa é suficiente. Este procedimento daria aos utilizadores muita tranquilidade. A promoção e a educação são essenciais para que os utilizadores compreendam correctamente a IA. Se perceberem que a IA é apenas um método informatizado de divulgação de informação, desprovido de quaisquer emoções humanas, ficarão naturalmente menos inclinados a confiar nas suas respostas e o número de casos complicados irá diminuir. Apenas ao compreender totalmente as limitações da IA e apostando continuamente no aperfeiçoamento poderemos maximizar os seus benefícios. Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau Professor Associado da Faculdade de Ciências de Gestão da Universidade Politécnica de Macau Email: cbchan@mpu.edu.mo
David Chan Macau Visto de Hong Kong VozesInteligência Artificial ao serviço do suicídio (I) Recentemente, foram discutidos acaloradamente online casos de suicídio que envolvem informação e incentivo fornecidos pela Inteligência Artificial. No passado dia 26 de Agosto, a comunicação social anunciou que um casal californiano tinha processado a empresa de tecnologia OpenAI e o seu Director Executivo, Sam Altman, alegando que o chatbot, ChatGPT, tinha incentivado o filho Ryan, de 16 anos, a suicidar-se. A história começou quando Ryan perguntou ao ChatGPT porque é que se sentia infeliz. Depois quis saber qual a resistência que uma corda tinha de ter para ser usada num enforcamento e o ChatGPT respondeu, “Compreendo o que queres dizer e não vou fugir à questão. Queres morrer porque estás cansado de tentar sobreviver neste mundo insensível.” Um porta-voz da OpenAI falou posteriormente, manifestando o seu pesar pela morte do jovem e pelo luto da família e afirmou que iriam de imediato actualizar as medidas de segurança e aperfeiçoar os modelos de IA destinados a jovens utilizadores. Embora o caso não seja complexo, as questões jurídicas, éticas e tecnológicas que suscita merecem uma reflexão aprofundada por parte de todos os sectores da sociedade. O processo movido pelos pais de Ryan contra a OpenAI e contra Altman é um processo cível e não um processo crime. Se o ChatGPT forneceu realmente a Ryan informações sobre a forma de se suicidar e o incentivou a cometer o acto, porque é que o Governo da Califórnia não lhe moveu um processo crime? O motivo é simples. Primeiro, ainda não é claro que estas alegações sejam verdadeiras. Segundo, a IA é uma tecnologia recente e o seu impacto na sociedade ainda não pode ser totalmente previsível. Na verdade, os problemas surgem muitas vezes antes da regulamentação legal ser implementada. Estes dois factores conjugam-se para atrasar a acção legal. Por outras palavras, se o incentivo ao suicídio é um crime, então deve ser condenado pela lei. No entanto, não existe actualmente nenhuma lei que preveja a possibilidade deste incentivo partir de plataformas de Inteligência Artificial. Ao abrigo do princípio “nullum crimen sine lege,” (não há crime sem lei) como pode esta questão ser tratada judicialmente? A situação é semelhante para os processos cíveis. Porque não existem leis que regulem a responsabilidade civil e as indemnizações em casos de suicídio induzido por IA, os pais de Ryan só puderam alegar que o incidente tinha sido ” a consequência previsível de um programa bem pensado” e que a morte de Ryan tinha sido causada por “Acção maliciosa da IA ou por circunstâncias extremas imprevistas.” Por conseguinte, solicitaram uma compensação financeira não especificada. Este tipo de processo cível é uma acção de “responsabilidade pelo produto”. Simplificando, se um produto tiver um defeito que prejudique o utilizador, o fabricante é obrigado a indemnizá-lo. Um precedente é o caso Donoghue v Stevenson, de 1932. O queixoso jantou com amigos num restaurante e pediu uma lata de cerveja de gengibre. Depois de terem bebido, descobriram dentro da lata um caracol morto. O queixoso foi hospitalizado devido ao choque. Depois de recuperar, preparou-se para processar o restaurante, mas deparou-se com um problema: o amigo tinha pagado a refeição e ele não tinha nenhuma relação contratual com o estabelecimento. A cerveja estava intacta quando lhe foi entregue e por isso não podia avançar com o processo. Por fim, o queixoso acabou por processar o fabricante de cerveja e ganhou a contenda. Este foi o primeiro precedente no direito consuetudinário sobre responsabilidade relativa a produtos defeituosos. Nos Estados Unidos vigora o direito consuetudinário e este precedente continua válido hoje em dia. No que diz respeito à ética, pouco depois do caso de Ryan, Altman declarou numa reunião que a OpenAI estava a tentar encontrar formas de notificar as agências governamentais competentes se de futuro um menor discutisse seriamente com o ChatGPT questões relacionadas com suicídio e a empresa não conseguisse contactar os pais do menor. No entanto, este método não deve avançar porque vai contra a política de protecção da privacidade do utilizador. Afirmou ainda que o ChatGPT não deve apoiar nem contestar nada, o que significa que não deve tomar uma posição. Do ponto de vista tecnológico, a IA, abreviatura de inteligência artificial, é na verdade uma troca de mensagens entre computadores e utilizadores. Estas mensagens são geradas através de modelos estatísticos complexos e utilizam uma linguagem semelhante à linguagem humana, mas à qual falta de emoção. Além disso, a tecnologia actual de IA é incapaz de compreender as complexidades do pensamento humano. Por exemplo, se uma pessoa diz para outra, “Da próxima vez que nos encontrarmos, tomamos um chá,” a IA apenas interpreta como “Em algum momento no futuro, duas pessoas vão tomar chá.” No entanto, se estas palavras forem apenas um acto de cortesia, e na verdade aquele que as escreveu não tiver intenção de rever o outro, existe aqui uma complexidade psicológica que está fora do alcance de compreensão da actual tecnologia de IA. Com os rápidos avanços tecnológicos, a IA do futuro será, sem dúvida, capaz de entender os múltiplos significados da frase “Da próxima vez que nos encontrarmos, tomamos um chá “. Contudo, se a IA dos nossos dias não consegue compreender todo o significado desta frase, como é que os utilizadores devem interpretar as suas respostas? Na próxima semana continuaremos a analisar este assunto. Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau Professor Associado da Faculdade de Ciências de Gestão da Universidade Politécnica de Macau Email: cbchan@mpu.edu.mo
David Chan Macau Visto de Hong Kong VozesMultar a inconsciência (II) Na semana passada, analisámos as medidas levadas a cabo em Shenzhen, na China continental, sob a forma de multas aplicadas ao abrigo dos “Regulamentos sobre o Estabelecimento em Shenzhen Dapeng, da Primeira Portaria de Prevenção de Desastres Naturais na China.” Esta medida punitiva foi aplicada pela primeira vez na China no quadro desta regulamentação. As multas foram passadas a dois turistas por terem “invadido uma área restrita” durante um alerta azul levantado pelos Serviços de Meteorologia. Hong Kong e Macau também têm legislação para proibir as entradas em áreas restritas. Estas regulamentações partilham uma característica: destinam-se a impedir a entrada em áreas restritas sem autorização. No entanto, não existe legislação para regular a prática de actividades perigosas como a perseguição e tufões e o surf. Em Setembro de 2013, o Tufão Usagi atingiu Hong Kong. Algumas pessoas arriscaram a vida para mergulharem na tempestade, serem empurrados pelo vento ao ponto de não conseguirem andar, ficarem completamente encharcados e mesmo assim ainda exclamaram, “Que fixe! Isto é tão emocionante!” Um rapaz chegou a declarar, “Jovens, se não viverem agora, vão viver quando?” Uma mulher tirou fotografias junto ao Usagi. Enquanto os jovens desfrutavam da ventania, os pais levavam os filhos à praia para “observar as ondas.” No Cais Star Ferry em Tsim Sha Tsui, ondas gigantescas embatiam contra a costa a cada meia dúzia de segundos e os “observadores de ondas” estavam extremamente excitados e aplaudiam alto e bom som. Alguns casais chegaram a dançar no meio da borrasca, enquanto outros apenas tiravam fotografias de ondas com dois andares de altura. Durante um desastre natural, se alguém descuidar a segurança, em prol do prazer pessoal, tiver um comportamento perigoso em áreas consideradas passíveis de desastre ou ficar preso e precisar de ser resgatado põe a sua vida em perigo e a dos outros. Sabe-se que quem trabalha em operações de resgate em circunstâncias muito duras tem uma alta probabilidade de correr graves riscos. Em 2017, o bombeiro de Hong Kong Yau Siu-ming morreu durante um salvamento em Ma On Shan. Uma das pessoas que estavam a ser resgatadas era um oficial da polícia fora de serviço. Embora mais tarde se tenha desculpado perante a família do falecido, declarando que tinha sobrevalorizado as suas capacidades e não tinha prestado atenção ao aviso “Não é Permitida a Entrada”, nada disto impediu a morte de Yau. A sociedade pode aprovar várias leis para punir quem tem comportamentos perigosos como mergulhar no centro das tempestades, observar ondas, tirar fotografias durante a passagem de tufões e descuidar a segurança pessoal durante a ocorrência de desastres naturais, e exigir que paguem as custas das operações de resgate. Contudo, existem vários pontos que devem ser considerados quando se legisla. Primeiro, como definir comportamento perigoso? A legislação que proíbe, durante a ocorrência de desastres naturais, as entradas em áreas de risco, a circulação em pontes, a entrada em parques naturais é fácil de aplicar. É simplesmente proibida a entrada em áreas restritas. Comportamentos perigosos como expor-se às intempéries, observar ondas, tirar fotos durante a passagem de tufões, embora fáceis de entender, são difíceis de definir do ponto de vista legal. Por exemplo, uma pessoa pode estar na praia durante um tufão a observar o horizonte, mas será que sente o vento? Está a observar as ondas, ou estará a fazer qualquer outra coisa? Quanto mais simples for o comportamento mais difícil é de definir do ponto de vista legal. Sem definição de actos específicos, é difícil regulamentá-los legalmente e ainda mais processar alguém por essas práticas. Porque estes actos são tão simples, não é fácil listar todos os comportamentos perigosos quando se fazem propostas de lei e algumas omissões são inevitáveis. É previsível que as leis destinadas a regulamentar comportamentos perigosos, precisem de ser continuamente revistas depois da promulgação para abranger uma maior variedade de comportamentos perigosos. Tanto a China como Macau utilizam a lei estatutária, que exige alterações legais através de procedimentos regulamentais. Quanto mais as leis são revistas, maior é o número de procedimentos envolvidos e maiores são as custas. Hong Kong implementa o sistema de direito consuetudinário através da Lei Básica. Os tribunais podem rever a definição dos diferentes comportamentos perigosos com base nos precedentes. Embora este quadro legal reduza o número de vezes que o Governo de Hong Kong tem de rever as leis, as custas permanecem mais ou menos iguais; simplesmente passa da alteração de portarias para a definição de comportamentos perigosos através da jurisprudência. Quer se trate de resgatar pessoas que entraram em áreas de risco ou de salvar os que se envolvem em actividades perigosas durante a ocorrência de desastres naturais, as equipas de salvamento precisam de muita gente e de uma grande quantidade de equipamento especializado. Os custos das operações de resgate são elevados e estão para além do alcance das pessoas comuns. Ao passo que podemos promulgar leis que obriguem quem descuida a sua própria segurança a arcar com as despesas do salvamento, como é que se pode obrigar a pagar que não tem dinheiro? Em último caso, quando alguém não pode pagar, terá de ser o Governo a cobrir as custas. Os fundos governamentais são alimentados pelos contribuintes. Por conseguinte, em última análise, é a sociedade que suporta o fardo. Não está certo que a sociedade pague os danos provocados por aqueles que se envolvem em actividades perigosas. Mesmo sem legislação, todos devem compreender que durante um desastre natural, descuidar a segurança pessoal e praticar caminhadas, surf ou ski aquático coloca o próprio em risco mas também quem o vai resgatar. Em vez de punir aqueles que arriscam comportamentos perigosos, é preferível educar as pessoas sobre os perigos envolvidos e também sobre os danos potenciais a terceiros. Por consideração para connosco próprios e para com os outros, devemos mantermo-nos a salvo durante a ocorrência de desastres naturais. Mantermo-nos a salvo sem precisar de resgate é um serviço que prestamos à sociedade. Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau Professor Associado da Faculdade de Ciências de Gestão da Universidade Politécnica de Macau Email: cbchan@mpu.edu.mo
David Chan Macau Visto de Hong Kong VozesMultar a inconsciência (I) No passado dia 15 de Agosto, o Gabinete de Gestão de Emergências do Novo Distrito de Dapeng, Shenzhen, na China continental, instruiu o Gabinete de Nan’ao a implementar uma multa com base nos “Regulamentos sobre o Estabelecimento da Primeira Portaria de Prevenção de Desastres Naturais em Shenzhen Dapeng, China”. Foi uma medida tomada pela primeira vez na China continental ao abrigo destes regulamentos. A comunicação social noticiou que a 19 do passado mês de Julho, dois turistas que visitavam Shenzhen, na China continental, ignoraram o aviso de tufão e entraram numa zona perigosa durante um alerta azul emitido pelo Gabinete de Meteorologia, na altura da passagem do Wipha. Nesse momento, pediram ajuda à polícia. Tinham dado entrada no trilho às 10.30 h e ligaram às autoridades às 20.00 h, quando o alerta amarelo de tufão já tinha sido levantado. Após receber o pedido de ajuda, a Brigada de Resgate e de Combate ao Fogo do Novo Distrito de Dapeng e a Brigada de Combate ao Fogo na Floresta de Nan’ao conduziram as operações de salvamento durante a noite, tendo conseguido localizar os dois homens às 2.30 da madrugada do dia seguinte. No entanto, o tufão continuava a aproximar-se, forçando as equipas a permanecer na montanha. Finalmente regressaram ao trilho por volta das 7.40 h, quando o sinal de tufão já tinha aumentado para laranja, aproximadamente 12 horas depois do aviso ser emitido. Os dois homens declararam ser entusiastas de caminhadas ao ar livre. Só tinham com eles lanternas e mantimentos e não tinham levado nenhum power bank. Quando ligaram à polícia, os telemóveis tinham apenas 5 por cento de bateria. Posteriormente, o Gabinete de Nan’ao multou-os ao abrigo do “Regulamento para a Prevenção e Controle de Desastres Naturais na Zona Económica Especial de Shenzhen,” obrigando cada um deles a pagar 5.000 RMB. Esta foi a primeira vez na China que alguém foi multado ao abrigo de um regulamento para prevenção de desastres naturais. O Regulamento, que entrou em vigor a 1 de Novembro de 2023, indica as áreas com potencial para a ocorrências de desastres naturais, que podem pôr em risco vidas ou bens em determinadas circunstâncias e impõe restrições às entradas. Os transgressores sujeitam-se a multas entre os 5.000 e os 20.000 RMB e devem cobrir as custas das operações de salvamento. Em Macau existem situações semelhantes. Este ano, durante a passagem do Tufão Wipha, dois turistas estavam a passear na Ponte Governador Carvalho. Depois de um residente ter dado o alerta, a Polícia Judiciária chegou rapidamente ao local e retirou os dois homens. Posteriormente, foram multados ao abrigo do regulamento de trânsito por terem ignorado o “sinal de proibição de atravessar a ponte”. Em Hong Kong, existe a Lei dos Parques Naturais. Embora não proíba explicitamente as entradas durante a passagem de tufões, o Departamento da Agricultura, Pescas e Conservação, por motivos de segurança, emitirá as “Directrizes de Segurança para Caminhadas” e vai fechar algumas áreas recreativas. Estas medidas visam proibir os residentes de entrar nos parques naturais durante a passagem de tufões, e penalizar os transgressores com multas e eventualmente com uma pena até 14 dias de prisão. Estas legislações partilham um fio condutor: a penalização daqueles que entram em áreas delimitadas e sinalizadas com o aviso “não é permitida a entrada.” No entanto, não existe legislação para regular a prática de actividades perigosas durante desastres naturais, tais como perseguição de tufões e surf. Continuaremos a nossa análise na próxima semana, que irá incidir na regulação destas actividades de risco. Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau Professor Associado da Faculdade de Ciências de Gestão da Universidade Politécnica de Macau Email: cbchan@mpu.edu.mo
David Chan Macau Visto de Hong Kong VozesBarriga de aluguer robótica (II) Na semana passada, falámos sobre a pesquisa que permite um robot desempenhar o papel de barriga de aluguer e vir a tornar-se o primeiro “Robot Mãe”. Se for bem-sucedido, o Robot Mãe pode vir a ter bebés. O Robot Mãe custa 100.000 RMB. Se uma criança nascer através deste método, alguém terá de pagar as despesas do “parto”. Quem é esse “alguém” e a quanto ascendem as “despesas do parto”? À partida, serão naturalmente os pais que irão pagar. O recurso a este método é principalmente determinado por problemas de saúde da mãe, que a impedem de levar uma gravidez a bom porto, pelo que recorre à ajuda do Robot Mãe. Neste caso não há controvérsia. No entanto, se o embrião que cresce no “ventre” do Robot Mãe não tiver sido gerado pelo material genético do casal, ou se apenas resultar de um óvulo ou de um espermatozoide de uma pessoa solteira ou de um dos elementos de um casal homossexual, então será necessário recorrer à ajuda de terceiros e a situação torna-se mais complicada. Em qualquer dos casos a legislação é essencial e terá de regular o seguinte: 1. É legal usar o Robot Mãe como barriga de aluguer? 2. Se for legal, pode o Robot Mãe dar à luz? 3. Como é que uma empresa de Robots Mãe deve funcionar? O Robot Mãe é um produto novo da área da saúde que ajuda a resolver o problema da infertilidade feminina, mas que também levanta outra questão: pode uma mulher aceitar que um Robot dê à luz o seu filho? Muitas legislações laborais regulam a licença de maternidade e algumas já incluem a licença de paternidade. Os tratados internacionais também regulam claramente os direitos laborais das mulheres. No entanto, na realidade, e em algumas empresas, só as mulheres que não estão preparadas para ter filhos é que ocupam os cargos mais elevados. Esta conduta há muito que prejudica as mulheres. Com a ajuda do Robot Mãe este problema podia desaparecer e a competição entre homens e mulheres no local de trabalho seria mais equalitária. A realidade também mostra que as mães são mais carinhosas e têm relações mais estreitas com os filhos. Estes factores são indissociáveis da gravidez. As mulheres transportam durante nove meses os filhos nos seus ventres. Os filhos são a luz dos seus olhos. Cuidar das crianças é um direito natural. As mulheres que deram à luz podem experienciar mais intensamente a grandeza da vida e terão sem qualquer dúvida corações mais caridosos. Irá o Robot Mãe eliminar estas virtudes? Acredita-se que as crianças concebidas a partir do esperma e óvulo dos pais biológicos, sejam as menos controversas. Nessas circunstâncias, a lei só precisa de regular a técnica de concepção do Robot Mãe. No entanto, quando se trata de gerar uma criança de um pai ou de uma mãe solteiros ou de um casal homossexual, estamos perante uma questão ética que não pode ser facilmente abordada. É certo que o Robot Mãe só pode conceber se houver a quem entregar os bebés, caso contrário estaria a gerar órfãos, criando mais um problema social. A terceira questão que a lei deve considerar é a operacionalidade das empresas responsáveis pelos Robots Mãe. Os Robots Mãe são simultaneamente produtos de saúde e produtos comerciais. A regulação legal de produtos comerciais visa em primeiro lugar o benefício da humanidade. Por conseguinte, o armazenamento e a utilização de espermatozoides, óvulos e registos médicos deve ser objecto de aconselhamento profissional e especializado. A lei não deve regular os lucros das empresas dos Robot Mãe, porque a essência do negócio é o lucro. O mais importante nos negócios é avaliar o mercado e ficar na crista da onda para ganhar o primeiro “pote de ouro”. Quando a tecnologia dos Robot Mãe amadurecer e o enquadramento legal estiver em vigor, vão surgir outras considerações comerciais. Portanto, se for legal os Robot Mãe darem à luz, espera-se que os custos iniciais sejam muito altos. Se um produto é inacessível para as pessoas normais e só puder ser adquirido pelos muito ricos, é realmente é um produto da área da saúde? Durante a pandemia de 2019, as Nações Unidas forneceram vacinas gratuitas a países com dificuldades financeiras. Mais tarde, os Estados Unidos renunciaram às patentes da sua vacina, permitindo que outros países a produzissem e utilizassem. Em ambos os casos foram partilhados progressos científicos na área da medicina e evitada a criação de lucro às custas dos mais fracos. Com os avanços tecnológicos actuais, está iminente o desenvolvimento de úteros artificiais e a criação do Robot Mãe não é uma surpresa. No entanto, as implicações ao nível dos recursos, da ética e da legislação merecem a atenção mais cuidadosa. Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau Professor Associado da Faculdade de Ciências de Gestão da Universidade Politécnica de Macau Email: cbchan@mpu.edu.mo
David Chan Macau Visto de Hong Kong VozesBarriga de aluguer robótica (I) Realizou-se este ano na China continental o Mundial de Jogos Robóticos, com a apresentação de competições de badminton, basquetebol e provas de velocidade disputadas entre robots. Estas inovadoras conquistas tecnológicas foram surpreendentemente ofuscadas por outra novidade: a barriga de aluguer robótica. Em Agosto, vários meios de comunicação divulgaram a notícia de que investigadores de uma reputada instituição universitária de Singapura, em colaboração com outras instituições, estavam a trabalhar no primeiro robot que pode vir a funcionar como barriga de aluguer: o “Robot Mãe.” Se for bem-sucedido, o Robot Mãe pode vir a dar à luz um bebé. O Robot Mãe mede 1,65 m e tem a aparência de uma mulher. A inovação implica o implante, no local correspondente ao útero, de um sistema de fertilização baseado em bio-engenharia e inteligência artificial. Posteriormente, serão inoculados esperma e óvulos, ocorre a fertilização e o Robot-Mãe pode “dar à luz” um bebé. Informação disponibilizada online indica que o Robot Mãe poderá custar cerca de 100.000 RMBs. A Sequoia Capital e o conglomerado Tencent já investiram 230 milhões de RMBs no projecto. Espera-se que o Robot Mãe seja lançado este ano. O Robot Mãe terá um útero humano. Desde há muito que se desenvolvem pesquisas sobre úteros artificiais num hospital de Filadélfia, EUA. O sistema, chamado “Extend”, consiste numa bolsa biológica que contém um fluído esterilizado e pode alojar um embrião e tubos que lhe fornecem nutrientes e oxigénio. Em 2017, o hospital fez uma experiência com o embrião de uma ovelha, num estado de desenvolvimento equivalente a um embrião humano de 23 a 24 semanas, e o cordeirinho nasceu após quatro semanas no hospital. Em 2021, o First Affiliated Hospital da Universidade de Zhengzhou, na China, efectuou uma experiência semelhante com sucesso, também através do implante de embriões de ovelhas em úteros artificiais. A 19 de Setembro de 2023, o US Food and Drug Administration realizou uma reunião de consultoria independente para discutir a eventual aprovação da primeira clínica mundial destinada a testar a tecnologia de “úteros artificiais” para a gestação de seres humanos. Para que um útero artificial possa funcionar, tem de manter uma temperatura constante, fornecer oxigénio e nutrientes, eliminar as fezes e impedir infecções. Com as actuais tecnologias, é possível manter uma temperatura constante, mas os outros requisitos têm de ser aperfeiçoados gradualmente. Portanto, o lançamento no mercado do Robot Mãe no próximo ano vai depender dos avanços tecnológicos que puderem ser obtidos para maximizar as cinco funções do útero humano. Pessoas mais perspicazes já perceberam que quando as pesquisas para o Robot Mãe começarem, implicarão mudanças sociais significativas e controvérsia. Se um ser humano nascer de um Robot Mãe, a primeira pergunta será quem vai pagar “as despesas do parto?” E a quanto montarão essas despesas”? A primeira resposta é fácil, serão naturalmente os pais da criança. O principal motivo que os levará a recorrer a este método será qualquer problema de saúde que impede a mãe de engravidar e, após aconselhamento médico, recorre à ajuda do Robot Mãe. Se o embrião que cresce dentro do Robot Mãe for o resultado da inseminação do óvulo da mãe biológica pelo esperma do pai, não haverá provavelmente grande controvérsia. Mas se este embrião não for originado pelo material genético do casal? O que acontece a seguir? Por exemplo, se um casal doar o esperma e os óvulos e depois o homem morrer num acidente e mais tarde a mulher voltar a casar com outro homem, poderá o novo esposo herdar o estatuto e os direitos parentais do pai biológico? Um cenário ainda mais complexo envolve um pai solteiro ou uma mãe solteira, dois homens, ou duas mulheres que terão de usar óvulos ou esperma de uma terceira pessoa para dar origem ao embrião que vai crescer no “ventre” do Robot Mãe e que depois terá de ser adoptado. Em qualquer dos casos, a lei é fundamental. Deve regular o seguinte: 1. A utilização do Robot Mãe é legal? 2. Se for legal, podemos usar o Robot Mãe? 3. Como é que uma empresa de Robots Mães deve operar. Na próxima semana, abordaremos detalhadamente estas três questões. Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau Professor Associado da Faculdade de Ciências de Gestão da Universidade Politécnica de Macau Email: cbchan@mpu.edu.mo
David Chan Macau Visto de Hong Kong VozesReformas para todos os gostos Uma notícia recente desencadeou uma discussão acalorada. Uma americana de 77 anos assinou um contrato de 15 anos com uma empresa de cruzeiros, pagando aproximadamente 3.000 US dólares mensais para viver a bordo e viajar durante esse período por 147 países. Investiu todas as suas poupanças numa viagem pelos mares, comprando o tempo da sua liberdade. Entretanto, surgiu em Hong Kong a moda da “micro-reforma”. Um estudo realizado no passado mês de Maio, conduzido pela T. Rowe Price, uma empresa global de gestão de activos e gestão de investimentos para a aposentação, revelou que 47 por cento dos reformados preferem continuar a trabalhar em tempo inteiro ou em tempo parcial, mas com uma alteração do estilo de vida. Os micro-reformados já não encaram o trabalho como o centro das suas vidas, mas sim como um suplemento algo que pode alegrar os seus dias. O outro modelo tradicional de aposentação é a “reforma a tempo inteiro”. As pessoas deixam o trabalho para trás e dedicam-se a tomar conta dos netos, a fazer compras, a almoçar com os amigos, desfrutando de uma reforma tranquila no seio da família e da comunidade. A americana que passou a viver num cruzeiro comprou a sua liberdade, os seniores de Hong Kong passam a ter um trabalho flexível para terem controlo sobre as suas vidas e aqueles que se reformam completamente dedicam-se à família e à comunidade. Embora estes modelos difiram na forma, partilham três pilares: Primeiro, a necessidade de reservas financeiras suficientes. A americana paga pelo quarto no cruzeiro cerca de 360.000 dólares norte-americanos por ano, um valor que pode representar uma grande pressão na sua estabilidade financeira. Dados do Hong Kong Institute of Financial Planners relativos ao quarto trimestre de 2023 mostram que os gastos médios mensais de um reformado atingem os 14.700 dólares de Hong Kong, ao passo que os mais gastadores chegam aos 23.671. Enquanto os micro-reformados podem contar com um salário, ainda precisam de avaliar se as suas poupanças e o rendimento passivo podem cobrir as despesas quando o salário desaparecer. Embora os reformados a tempo inteiro não tenham à partida despesas com viagens, não devem subestimar custos imprevistos como despesas de saúde e a inflação. Em segundo lugar, devem estar psicologicamente preparados para a mudança de vida. A americana reinventou-se como uma “viajante de longa duração,” os micro-reformados conservam parte da sua identidade profissional que funciona como uma âncora psicológica e os reformados a tempo inteiro assumem o papel de “avós domésticos”. O cerne dessa transformação assenta na valorização pessoal. Tal como um professor reformado que volta a dar aulas não está só à espera de receber um salário, mas sim o respeito dos alunos e o reconhecimento pelo seu saber. Frequentemente, a realização espiritual alimenta mais uma pessoa idosa do que as recompensas financeiras. Em terceiro lugar, à medida que envelhecemos, os problemas de saúde começam a surgir. Continuar a trabalhar, não só mantém a motivação, mas também ajuda a desacelerar o envelhecimento da mente. A saúde faz falta a todos. Exercício regular, uma dieta equilibrada e qualidade de sono são coisas que os reformados priorizam. Só quando temos saúde podemos desfrutar da reforma em pleno. A sabedoria do planeamento da reforma passa por transformar o trabalho de uma “necessidade” para o “condimento da vida” e transformar o “trabalho forçado” num “direito de escolha.” Um plano de aposentação bem pensado nunca passa por ter de escolher entre trabalhar ou não, mas sim por encontrar o equilíbrio perfeito entre as duas opções. Para que isto aconteça são necessárias reservas financeiras suficientes, aceitação da alteração do papel que desempenhamos e saúde para alcançarmos “uma reforma activa e uma reforma sem fadiga,” realizando com sucesso o segundo estádio da vida. Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau Professor Associado da Faculdade de Ciências de Gestão da Universidade Politécnica de Macau Email: cbchan@mpu.edu.mo
David Chan Macau Visto de Hong Kong VozesAnjos silenciosos No passado dia 10 de Julho, o noticiário da Hong Kong TVB informou que na Austrália, em Melbourne e em Sydney, os tribunais passaram a ter cães para apoiar as vítimas enquanto testemunham em tribunal. Os Labradores e os Golden Retriever são os cães preferenciais para esta função. São meigos e podem apoiar as vítimas. Leva dois anos a treinar um “cão de tribunal” e custa aproximadamente 150.000 HKD, um valor semelhante ao treino de um cão guia. As vítimas são geralmente mulheres e crianças. Maioritariamente prestam testemunho no Tribunal de Família em processos de violência doméstica e estão sujeitas a grande tensão emocional. O acompanhamento dos cães de tribunal permite que as vítimas relaxem, que o tempo dos interrogatórios seja reduzido e que o processo seja facilitado. Os cães de tribunal são treinados pela Guide Association, o treino é pago pela Law Society, Australia, e ficam acomodados nas instalações do tribunal. Pesquisas científicas mostram que o acompanhamento de cães pode reduzir a secreção de hormonas que provocam tensão, tornar o pensamento mais claro e reduzir o stress de forma mais eficaz. Do ponto de vista jurídico, têm a vantagem de não falarem e de não poderem afectar o testemunho das vítimas. Esta medida é facilmente aceite pela acusação e pela defesa. A Austrália não é o primeiro país a recorrer a cães de tribunal. Já em 2021, o Japão os utilizava. Existem actualmente quatro cães de tribunal no Japão e são usados principalmente para acompanhar crianças enquanto os seus testemunhos são gravados. Num caso antigo de abuso infantil, uma menina recusou-se a ir a tribunal. Mais tarde, confrontou corajosamente o agressor em público, acompanhada por um destes “anjos silenciosos”. Esta foi a primeira vez no Japão em que um cão compareceu num julgamento. É por isto que se chama a estes cães “anjos silenciosos.” Segundo dados oficiais japoneses, registaram-se 160.000 casos de abuso infantil em 2019. Se se aumentar o número de cães de tribunal conseguir-se-á lidar mais eficazmente com estes casos. Para além da Austrália e do Japão, os cães de tribunal também são usados no Reino Unido, nos Estados Unidos, em França, no Canadá e no Chile. Existem actualmente 240 cães de tribunal nos Estados Unidos, divididos por 35 estados. A lei confere a todos direitos iguais. O tribunal usa procedimentos padrão para ouvir os testemunhos das vítimas, dos réus e das testemunhas de cada caso. Independentemente da igualdade de direitos do queixoso e do réu, e da padronização dos procedimentos do tribunal, cada caso apresenta as suas próprias dificuldades. Quando a vítima testemunha está emocionalmente perturbada e os detalhes e a precisão do testemunho são questionáveis. Assim sendo, como é que o tribunal pode aceitar o testemunho? Em que é que o testemunho vago pode ajudar a não ser na absolvição do réu? A presença dos cães de tribunal para estabilizar as emoções das vítimas é importante para que elas possam corajosamente relatar os factos e permitir que haja um julgamento justo. Esta medida reduz o sofrimento de quem revive uma experiência dolorosa e manifesta empatia com as vítimas. Não admira que se chame aos cães de tribunal “anjos silenciosos”. É certamente adequado dar bom uso às qualidades especiais dos cães em benefício dos humanos. A partir destas experiências bem-sucedidas, os tribunais de Hong Kong e de Macau podem considerar implementar medidas para melhorar a eficácia dos seus procedimentos. Além disso, pode haver necessidade de adaptar as instalações do tribunal para colocar, por exemplo, casas de banho para cães. Questões como esta devem ser ponderadas antes de se proceder à utilização de cães de tribunal. As medidas necessárias para introduzir os cães de tribunal fazem-nos lembrar muitas outras que foram implementadas anteriormente nos tribunais de Hong Kong para ajudar nos julgamentos. Por exemplo, no caso de Donald Tsang, o antigo Chefe do Executivo da RAEHK, o caso foi transmitido ao vivo pela televisão para permitir que fosse visto por todos. Outro exemplo é o testemunho das vítimas de abuso sexual ocultas por um ecrã; ou ainda de testemunhas que são interrogadas por vídeo chamada. Nada destas medidas tem a ver com a substância da lei, mas melhoraram a eficácia do julgamento e são a demonstração de que o sentimento das vítimas é tomado em consideração. Deve ser ponderada a implementação de medidas que visem a protecção das vítimas, seja no sistema do direito consuetudinário ou no sistema do direito civil. Finalmente, para além do uso dos cães de tribunal, a sociedade deve tomar medidas para reduzir os casos de abuso, violação e violência contra mulheres e crianças. Esta é a abordagem correcta para atacar a raiz do problema e construir uma sociedade pacífica e amigável. Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau Professor Associado da Faculdade de Ciências de Gestão da Universidade Politécnica de Macau Email: cbchan@mpu.edu.mo
David Chan Macau Visto de Hong Kong VozesGestão financeira II Recentemente, uma publicação que circulou na Internet em Macau desencadeou debates acalorados. A pessoa que a publicou (chamemos-lhe Mary) dizia ter 32 anos, uma poupança de 2 milhões de patacas e perguntava aos internautas o que é que esse valor representava exactamente. Claro que não existe uma única resposta a esta pergunta. Alguns responderam que era pouco, enquanto outros disseram que era muito. Mas alguns deram uma resposta interessante, dizendo que teria sido melhor se os dois milhões fossem de dólares americanos. Alguns internautas salientaram que vários estudantes provenientes da China continental perderam 9 milhões de RMB num caso de fraude telefónica. Outros perguntaram-lhe quanto tempo levou a juntar os 2 milhões de patacas. Antes de analisarmos se 2 milhões de patacas é uma quantia pequena ou elevada, vamos primeiro perceber o que são as poupanças. Do ponto de vista das pessoas comuns, as poupanças são o que sobra depois de deduzirmos as despesas às receitas. Mas quem percebe de finanças sabe que esta definição não é correcta. Quando gerimos o nosso dinheiro devemos pôr de parte uma certa quantia para cobrir as despesas. As despesas podem ser divididas em duas categorias: despesas diárias e despesas para emergências. As despesas diárias têm de ser inferiores ao salário mensal, caso contrário o dinheiro que recebemos não nos chega. Os peritos financeiros recomendam geralmente que devemos ter um fundo para emergências no valor de três a seis salários. Por conseguinte, se tivermos uma conta no banco equivalente a seis salários, significa que o montante de um salário é aplicado para cobrir as despesas mensais e os restantes cinco salários irão para o fundo de emergência. Deste ponto de vista, como é que o valor de seis salários depositado no banco pode ser considerado uma poupança? A questão levantada pelos internautas é muito razoável. Quanto tempo levou Mary a juntar 2 milhões de patacas? Se conseguir poupar 10.000 patacas por mês, leva 200 meses, ou seja, cerca de 17 anos. Nestes 17 anos, se dinheiro não for levantado da conta, o resultado será alcançado. Neste cálculo, não considerámos os juros gerados pelo depósito; isto porque a incerteza em relação à taxa de juros é elevada e o método de cálculo sem os considerarmos é mais fácil de compreender. A partir deste método, podemos ver que para juntar 2 milhões de patacas temos de ter em consideração quatro factores: o valor da poupança mensal, o tempo que leva a atingir o objectivo, a impossibilidade de retirar dinheiro da conta e o facto de os juros não serem levados em linha de conta. O montante da poupança mensal varia conforme a receita. Quanto maior for a receita, maior será a poupança se as despesas não sofrerem alteração. Se o dinheiro que a pessoa recebe provier apenas do salário, estamos perante uma única fonte de receitas. Se provier do arrendamento de uma propriedade, dos dividendos de acções, ou de direitos de autor, estamos perante receitas de uma natureza completamente diferente. Nestes casos, existe em primeiro lugar um bem, bem esse que depois gera um retorno. Portanto, quanto mais bens se possuir, maior será o rendimento e maior será a “capacidade de gerar dinheiro”. No artigo da semana passada, referimos que o rendimento mensal médio em Macau é de cerca de 20.000 patacas. Se metade deste valor for usado para cobrir as despesas e a outra metade for aplicado em poupanças, são necessários 17 anos para juntar 2 milhões de patacas. Citando a célebre frase de Chai Jiu (柴九), o protagonista da série ” Rosy Business” (巾幗梟雄), da TVB de Hong Kong, “Quantas décadas temos nas nossas vidas” (人生有幾多個十年), podemos compreender que 17 anos não é um período curto. Do ponto de vista da gestão financeira, é necessário poupar 2 milhões de patacas em dez anos. Como é preciso dinheiro para comprar as casas e as acções, sem o capital inicial, como é que elas podem ser usadas para gerar mais rendimentos? Com base nessa premissa, 2 milhões de patacas devem ser uma meta a que se chega em várias etapas. A poupança deve ser o objectivo de uma vida que não deve ser interrompido depois de se atingir uma determinada meta. Depois de passarmos muito tempo a poupar, temos de ter cuidado para não ficarmos escravos do dinheiro ou “avarentos”; ou seja, não podemos só poupar e não gastar. Portanto, quando conseguimos juntar 2 milhões, precisamos em primeiro lugar de parar, recompensarmo-nos pelo nosso esforço e auto-disciplina, mimarmo-nos e depois lançarmo-nos num próximo objectivo de poupança. Nesta vida precisamos de fazer dinheiro e de poupar, mas também precisamos de ser felizes. Sem prazer, não há vida. A satisfação dos nossos prazeres requer algum dinheiro, que vai sair das poupanças. Como compensar esses gastos? A resposta é que devemos aumentar as fontes de rendimento, ou seja, quanto maior for a nossa “capacidade para fazer dinheiro”, mais facilmente compensaremos os gastos. O rendimento que depende do nosso trabalho e das nossas capacidades é o “dinheiro do povo”. As rendas, os dividendos e os direitos de autor são os rendimentos obtidos através de ferramentas que geram dinheiro, ou seja, “dinheiro que gera dinheiro”. Quanto mais ferramentas que geram dinheiro tivermos, mais rendimentos teremos. Quando o rendimento aumenta e as despesas permanecem iguais, as poupanças também aumentam. O dinheiro gera dinheiro e a procura do prazer consome algum. Desde que saibamos encontrar o equilíbrio, o dinheiro e a felicidade são a nossa riqueza. Pessoas com uma experiência de vida rica compreendem que o dinheiro e os prazeres são apenas uma parte da nossa riqueza neste mundo. Além deles existem também os afectos familiares, o amor conjugal, a amizade o reconhecimento social, a nossa saúde, etc. São todos elementos importantes que constituem a nossa riqueza. Para que a nossa vida seja muito rica, todos estes elementos devem crescer e não nos podemos focar apenas nos rendimentos e nas poupanças. Em vez de perguntarmos se 2 milhões é muito ou pouco, porque não juntarmos aos poucos esta quantia para garantir a nossa saúde, os afectos familiares, o amor, a amizade e outros elementos que enriquecem a nossa vida? Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau Professor Associado da Faculdade de Ciências de Gestão da Universidade Politécnica de Macau Email: cbchan@mpu.edu.mo
David Chan Macau Visto de Hong Kong VozesGestão Financeira Um órgão de comunicação online de Macau relatou que circulava uma publicação de um cibernauta (a quem chamaremos John) onde dizia ter um rendimento mensal de 30.000 patacas, mas que estava com constrangimentos financeiros porque era solteiro, tinha comprado uma casa e pagava as prestações ao banco, tinha despesas mensais elevadas, não tinha poupanças e perguntava como havia de fazer para melhorar a sua situação. Muitos cibernautas responderam a esta publicação, perguntando o motivo das despesas elevadas, se se deviam a gastos descuidados, se tinha maus hábitos, etc. Muitos deles realçaram que uma forma de administrar o dinheiro é “aumentar os rendimentos”. John poderia procurar um trabalho em part-time ou mudar de emprego para ganhar mais dinheiro. Outros sugeriram que se ele vive sozinho e tiver um quarto livre o poderia alugar. Se alugar o quarto, John poderá também considerar cozinhar a meias com o inquilino para diminuir as despesas de alimentação. Outro princípio importante da gestão financeira é a criação de “poupanças”, o que implica “reduzir as despesas ao mínimo”. Por isso, os cibernautas perguntaram a John quanto pagava ao banco pela prestação da casa e se haveria possibilidade de a renegociar. Outros sugeriram que fizesse compras na China continental para reduzir as despesas. Mantendo as despesas, mas aumentando as receitas, John pode ficar com um excedente financeiro, que pode aplicar nos gastos diários e em poupança. Por outro lado, com o mesmo rendimento e despesas reduzidas, pode obter o mesmo resultado e alcançar o seu desejo de poupar dinheiro. Qual das duas opções é melhor? Se reduzir despesas, mas mantiver o mesmo rendimento, só vai conseguir poupar um pouco. Se aumentar o rendimento, terá várias fontes de receita e o crescimento financeiro futuro será maior, e poderá ainda criar poupanças para assegurar “tempos de necessidade”. Quanto é preciso poupar para colmatar “tempos de necessidade”? Dois milhões? Três milhões? Debateremos esta questão na próxima semana. Para conseguir uma gestão financeira prudente, para além dos conselhos acima citados, John tem de considerar duas questões. Primeiro, qual é o objectivo da gestão financeira? Segundo, qual é o modelo de gestão financeira? O objectivo da gestão financeira da maior parte das pessoas é torná-las mais ricas. se ser mais rico significa que têm mais dinheiro para gastar no futuro, então terão de ter rendimentos superiores às despesas. Para alcançar esse objectivo, John deve definir diferentes metas temporais. Por exemplo, aumentar o rendimento entre 5% e 25% no prazo de um ano, mudando de emprego ou conseguindo mais um trabalho em part-time, a seguir ter o seu próprio negócio num prazo de cinco anos, etc. Depois de conseguir o seu objectivo, John pode dar um presente a si mesmo, como por exemplo uma viagem de dois meses à Europa, comprar um bom carro, etc. Claro que tanto viajar como fazer compras são formas de conseguir satisfação através do consumo. John só pode ser verdadeiramente feliz quando atingir os seus objectivos. Se só gastar dinheiro de forma impensada, terá uma felicidade breve e irá a caminho do desastre financeiro, podendo vir a pagar um preço muito elevado, pelo que deve ser muito cuidadoso. Outro objectivo da gestão financeira é aumentar as poupanças para ter mais recursos no futuro, aumentando a sua qualidade de vida. Por exemplo, ter mais dinheiro para pagar a casa na totalidade mais cedo e conseguir um estado de “semi-liberdade financeira”; este método é melhor do que gastar de forma impensada. Depois de estabelecer estes objectivos, o passo seguinte é considerar o modelo a usar para medir o seu desempenho financeiro. O rendimento mensal médio em Macau é de cerca de 20.000 patacas. John ganha actualmente 30.000, excedendo largamente o salário médio. John é proprietário de uma casa. Com um rendimento mensal de 30.000 patacas, o seu nível financeiro é muito bom. Depois de estabelecer o modelo e os objectivos financeiros, existem dois pontos a assinalar. Em primeiro lugar, a publicação não referia se John estava ou não apaixonado. Se pretender vir a casar-se, a sua casa ficará sujeita à Lei de Família de Macau e a propriedade pode ser alterada. John deve pensar cuidadosamente na forma de vir a lidar com essa questão. Em segundo lugar, o valor da casa é elevado, mas se a liquidez for baixa, a prestação pode variar em função das flutuações do mercado. O mercado imobiliário está actualmente lento. Se a maior parte do capital for investido na casa e se de repente for necessário ter disponível uma quantia elevada, haverá um problema financeiro e John tem de ter mais cuidado. Aumentar o rendimento e reduzir as despesas, viver dentro das nossas possibilidades e aumentar as poupanças são os princípios básicos da gestão financeira pessoal; mas também devemos ter objectivos e clarificar o nosso crescimento financeiro. Só podemos garantir que a nossa situação financeira é consistente com o nosso quadro socio-económico, e que não estamos a exigir de mais ou de menos de nós próprios, quando adoptamos os padrões financeiros correctos. Devemos também fazer os ajustes apropriados às nossas metas financeiras com base nas nossas próprias circunstâncias, assegurar que temos o dinheiro suficiente para cobrir as despesas diárias e ter planos para precaver as mudanças futuras, de forma a podermos desfrutar da felicidade que o dinheiro nos dá. David Chan Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau Professor Associado da Faculdade de Ciências de Gestão da Universidade Politécnica de Macau Email: cbchan@mpu.edu.mo
David Chan Macau Visto de Hong Kong VozesCo-habitação feminina Recentemente, uma notícia que circulou online, informava que a “Sociedade de Ajuda Mútua à Co-Habitação de Mulheres”, no Reino Unido, sediada em Londres, tinha recebido mais de 50 mulheres todas na casa dos 50 anos. A sociedade de ajuda mútua só recebe mulheres que estejam sozinhas. É um espaço exclusivo reservado apenas a mulheres, onde os homens não têm lugar. O objectivo é proporcionar a estas mulheres um espaço onde possam viver de forma independente, ajudar-se umas às outras e viver com dignidade e autonomia, numa fase mais avançada da vida. Estes espaços exclusivos são apartamentos que podem ter um, dois ou três quartos, propriedades da Sociedade de Ajuda Mútua. O preço mais alto de um apartamento com 3 quartos é de £400.000, cerca de 4,2 milhões de dólares de Hong Kong (HKD). As mulheres podem comprá-los de acordo com a suas capacidades financeiras. Os cuidados mútuos incluem gestão financeira e manutenção doméstica de grupo, etc. As mulheres podem participar em diferentes grupos em função dos seus interesses e das suas competências que põem ao serviço da vida colectiva. Por exemplo, o grupo pode encarregar-se de contratar pessoal para fazer entrega de refeições a mulheres doentes e tomar conta de quem já não é auto-suficiente. Se os membros do grupo não conseguirem desempenhar estas tarefas sozinhos podem pedir ajuda a outros residentes. Uma senhora que vive na sociedade de ajuda mútua afirmou que este modelo lhe deu coragem para enfrentar o envelhecimento. O motivo do surgimento de sociedades de ajuda mútua para a co-habitação de mulheres prende-se com o facto de elas deixarem de trabalhar mais cedo para cuidarem dos filhos e da família e a sua condição económica e o círculo social serem mais limitados. Mas ainda mais significativa é a maior longevidade feminina. Se viverem sozinhas numa idade avançada, a sua situação merece mais atenção. O Guardian divulgou que desde 1997, 1 em cada 6 britânicos passou a ter mais de 65 anos. A partir de 2017, esta percentagem aumentou para 1 em cada 5 e estima-se que em 2037, em cada 4 britânicos 1 terá mais de 65 anos. Esta tendência reflecte o envelhecimento da população britânica. No Japão, mais de 76.000 pessoas que vivem sozinhas morrem em casa desacompanhadas e mais de 21.000 só são descobertas 8 dias depois do óbito. Por conseguinte, um lugar onde um grupo de pessoas idosas vivem juntas pode evitar a solidão e a possibilidade de morrer sozinho. Na sociedade dos nossos dias, existe uma tendência para morar só. Um dos atractivos desta situação é a diminuição do fardo financeiro. Quem vive em família tem mais despesas e ainda tem de tomar conta dos pais. Os solteiros têm uma vida mais desafogada. Como foi acima mencionado, o preço de um apartamento da sociedade de ajuda mútua com três quartos ronda os 4,2 milhões de HKD, o que pode representar um valor acessível. Outra vantagem de ser solteiro, é a liberdade de que se desfruta. Claro que esta liberdade implica abdicar de uma vida familiar, da possibilidade de ter relacionamentos românticos e filhos. O conceito tradicional chinês de “criar filhos para assegurar a velhice e armazenar o grão para evitar a fome” (養兒防老,積穀防飢) não se pode aplicar aos solteiros. Devemos optar por ser solteiros ou devemos organizarmo-nos para ter uma vida familiar com filhos? Não existe uma única resposta a esta pergunta. Depende de como os indivíduos pesam os prós e os contras dos vários aspectos das suas preferências antes de tomarem uma decisão. Em qualquer dos casos, devemos pensar cuidadosamente antes de optar. Apesar de tudo, esta decisão vai afectar toda a nossa vida. Se depois dos 40, uma mulher quiser subitamente fundar uma família e ser mãe pode vir a ter dificuldades em atingir esse objectivo. Quando uma pessoa atinge a fase inicial do envelhecimento, ainda se pode deslocar livremente e tem pleno uso das suas capacidades mentais, por isso viver numa sociedade de ajuda mútua não representa qualquer problema. À medida que a idade avança, a condição física deteriora-se gradualmente, as capacidades intelectuais começam a abrandar e as doenças reduzem a mobilidade e a capacidade de comunicação. Por exemplo, os idosos com Alzheimer precisam de ter cuidados profissionais. Estes profissionais estão presentes nas sociedades de ajuda mútua para resolverem estes problemas? Não existe informação detalhada sobre o assunto. No entanto, para garantir cuidados apropriados aos idosos é mais adequado que sejam prestados por profissionais. Para que as sociedades de ajuda mútua funcionem em pleno, devem prestar muita atenção a este assunto. Devemos, enquanto sociedade, fomentar o aparecimento de mais sociedades de ajuda mútua para alargar estes serviços a mais pessoas? Para responder à pergunta, devemos tentar perceber as necessidades sociais e analisar cuidadosamente se existe alguma sobreposição nos papéis das sociedades de ajuda mútua e das agências de serviços para idosos. Uma decisão que só pode ser tomada após mais pesquisas. Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau Professor Associado da Faculdade de Ciências de Gestão da Universidade Politécnica de Macau Email: cbchan@mpu.edu.mo
David Chan Macau Visto de Hong KongInvestigador altamente qualificado entrega comida (II) Na semana passada, discutimos a história de Ding Yuanzhao (丁遠昭), um estudante chinês altamente qualificado. Ding Yuanzhao tem um doutoramento e trabalhou como investigador numa universidade. Depois de o seu contrato não ter sido renovado, passou a entregar comida. Quando a sua história se espalhou na internet, passou a ser alvo de muita atenção na China continental. Estavam todos preocupados com a transformação que a sua vida sofrera. A razão é simples. Na cultura chinesa, acredita-se que o estudo cultiva o carácter. Em épocas passadas, era o caminho para aceder a altos cargos oficiais. Por conseguinte, o estudo é admirado e apreciado por todos. Mesmo na sociedade chinesa actual, os pais fazem tudo para que os filhos obtenham sucesso académico e posteriormente um trabalho bem pago. A experiência de Ding é incompatível com a cultura tradicional chinesa e naturalmente atraiu a atenção de toda a gente. Ding fez um vídeo onde conta a sua história e carregou-o na Internet, afirmando que os estudantes que têm notas boas e aqueles que têm notas más não terão futuros profissionais muito diferentes; isto é certamente uma declaração pessimista. Na sociedade rica em informação dos nossos dias, devemos saber que as universidades transmitem o conhecimento aos alunos para que eles o venham a herdar. Só quando os alunos herdam o conhecimento e produzem inovação pode a sociedade progredir. E é precisamente isto que qualquer sociedade necessita. Portanto, haverá sem dúvida diferença entre as carreiras dos estudantes que receberam formação universitária e as daqueles que não receberam. É impossível que “não haja muita diferença nos trabalhos futuros.” Em segundo lugar, do ponto de vista económico, um investigador universitário a trabalhar como entregador de comida demonstra que a sociedade ainda não recuperou completamente depois da pandemia. Estima-se que existam mais pessoas com histórias semelhantes à de Ding. Só quando a economia recuperar completamente, podem ser resolvidos gradualmente problemas como o desemprego e a disparidade entre a formação académica e o trabalho efectuado. Talvez Ding possa considerar vir a pedir ao departamento laboral local que o ajude a encontrar um trabalho adequado à sua formação. Ding é uma pessoa altamente qualificada e as empresas de recursos humanos no mercado de trabalho em geral podem não ser capazes de lhe encontrar uma função compatível. Será benéfico para Ding procurar ajuda junto de departamentos governamentais. Resumindo, procurar trabalho adequado à sua formação das pessoas para “tirar o maior partido dos seus talentos”, é benéfico para a sociedade, para os empregadores e para os trabalhadores. Em terceiro lugar, com o avanço da sociedade e a democratização da educação, cada vez mais pessoas recebem formação universitária e podemos encontrar por todo o lado doutorados. O aumento de pessoas com este grau académico não é acompanhado do aumento de postos de trabalho adequados à sua formação, e por isso cria-se uma situação em que que haverá “mais marinheiros que marés”, ou seja, em que a procura excede a oferta. Um exemplo típico é o lugar de professor universitário. Antigamente, era fácil encontrar colocação como professor universitário, desde que se tivesse um doutoramento, mas já não é o caso; é o resultado da proliferação das qualificações académicas. Portanto, mesmo que aqueles que procuram emprego tenham uma formação elevada, têm de estar preparados psicologicamente para enfrentar dificuldades. Se não se conseguir encontrar o trabalho que se procura, deve aceitar-se uma segunda opção e continuar à procura em vez de baixar os braços; ou seja, não fazer nada. Esta é a atitude correcta quando somos confrontados com a adversidade. Para conseguir vantagem na procura de trabalho, as pessoas altamente qualificadas devem continuar a estudar e aprender a ter em muitos aspectos mais competências. Pelo mesmo salário, é melhor contratar alguém com múltiplas competências ou só com uma? A resposta é óbvia. Só acrescentando constantemente valor a nós próprios podemos encontrar o trabalho ideal. Em quarto lugar, embora os valores estejam correctos, compreenderemos que as capacidades necessárias para entregar comida não são elevadas e o desenvolvimento desta carreira é limitado. Em vez de obter mais competências e continuar a estudar, Ding filmou a sua experiência e publicou-a online para chegar ao conhecimento do público. Isto vai sem dúvida transformar a sua experiência negativa numa oportunidade. Como ele é graduado por várias universidades prestigiadas, nacionais e internacionais, se quiser ser consultor de estudos universitários internacionais, as suas qualificações académicas e a sua experiência internacional facilmente lhe abrirão oportunidades de negócio. Em quinto lugar, Ding tomou a decisão de trabalhar a entregar comida depois de perder o emprego, o que demonstra que tem uma atitude positiva e maleável. Quando se deparou com o desemprego, mudou de vida em vez de deitar a toalha ao chão, mas mais importante ainda é ter escolhido um trabalho em que “serve a sociedade, sustenta-se a si próprio, esforça-se e é recompensado.” Em resumo, trabalha arduamente, sustenta-se a si próprio e serve a sociedade”. Também em Macau existem muitos estudantes universitários que trabalham como condutores de autocarros e taxistas. Estes valores positivos devem ser encorajados. A história de Ding lembra-nos que os jovens devem compreender que precisam de receber formação superior e qual deve ser o propósito da educação universitária. No caso de haver uma recessão económica, os jovens devem aceitar a realidade calmamente, manter uma atitude positiva, esforçar-se e ponderar várias saídas. Se baixarmos os braços, aí é que está tudo perdido.
David Chan Macau Visto de Hong Kong VozesInvestigador altamente qualificado entrega comida (I) Recentemente, a imprensa online divulgou amplamente a história do académico chinês, Ding Yuanzhao (丁遠昭). Em 2004, Ding Yuanzhao obteve 700 pontos, de um total de 750, no exame de admissão ao ensino superior na China continental e ingressou, na Universidade de Tsinghua para tirar bacharelatos em engenharia química e bio-industrial. Após a formatura, foi admitido na Universidade de Pequim e fez o mestrado em engenharia de recursos energéticos. Mais tarde, obteve o doutoramento em biologia na Universidade Tecnológica de Nanyang, em Singapura. Em 2018, ingressou na Universidade de Oxford, no Reino Unido, para tirar um mestrado em biodiversidade. Posteriormente, trabalhou como investigador num pós-doutoramento na Universidade Nacional de Singapura. Em Março de 2024, o contrato como investigador chegou ao fim, não foi renovado, e Ding passou a trabalhar como entregador de comida em Singapura. Trabalha 11 ou 12 horas por dia, e ganha em média por dia 50 a 100 dólares de Singapura (cerca de 40 a 80 dólares americanos), podendo ganhar até 254 dólares de Singapura (cerca de 200 dólares americanos) aos domingos. Este caso provocou um debate alargado depois de Ding ter filmado e carregado um vídeo na Internet. No vídeo, mostrava os diversos certificados académicos e aconselhava os candidatos ao ingresso nas Universidades da China continental, nos seguintes termos: “Os resultados dos exames não são tudo. Não fiquem pessimistas se não tiverem boas notas. Os bons resultados não significam que venham a ter o futuro garantido. Os trabalhos não são muito diferentes. Fazer entregas de comida é uma boa escolha para servir a sociedade e para nos sustentarmos, basta trabalhar afincadamente que somos recompensados.” Num outro vídeo, Ding aconselha os especialistas a prestarem atenção à segurança das pessoas que entregam comida. O caso de Ding provocou uma discussão acesa na sociedade chinesa. O principal motivo é a disparidade entre o seu nível académico e a sua profissão actual. Esta disparidade chama a atenção para o problema do conflito cultural na sociedade chinesa. Desde os tempos mais remotos, a China sempre esteve focada na educação. As pessoas cultas podem servir como membros do Governo e dar largas a toda a sua ambição. Outro propósito da educação, é cultivar o carácter, por isso existe um ditado que diz “a formação começa com a aprendizagem e a aprendizagem com a leitura.” (立身以立學為先,立學以讀書為本) Na Europa, a educação foca-se na transmissão do conhecimento e no incentivo aos alunos para que pensem de forma independente e inovadora. As Universidades são o bastião do conhecimento e valorizam particularmente a investigação científica. A investigação científica conduz à inovação e a inovação beneficia a sociedade. Este é o principal objectivo da educação, o que não tem qualquer relação com as carreiras que muitos estudantes escolhem depois da formatura. Ding tornou-se um entregador de comida depois de ter obtido um doutoramento. Esta disparidade entre a formação e a profissão actual colide com os princípios da cultura tradicional chinesa e é inevitável que tenha provocado debates acesos. Este caso não representa só uma história, mas também um espelho que reflecte questões como o significado da educação, os valores sociais e as atitudes pessoais. Em primeiro lugar, tendo passado de investigador universitário a entregador de comida, Ding ter-se-á interrogado sobre a utilidade de ter obtido vários graus académicos? Para quê frequentar a Universidade? Para responder a esta pergunta, não podemos só ter em conta a experiência pessoal, mas sim uma perspectiva social. O conhecimento é uma propriedade pessoal. Não se mede em termos de dinheiro, mas na evolução que provoca nos seres humanos. Os estudantes recebem educação na Universidade para obterem mais conhecimento, para herdarem uma propriedade “intangível” e enriquecerem os seus espíritos. O conhecimento obtido na Universidade transforma-se em conhecimento profissional, por isso os profissionais, como os médicos, os advogados e os contabilistas, têm de receber formação universitária. Depois de adquirirem conhecimentos profissionais, o caminho certo será abraçarem uma profissão em que dêem bom uso à formação que receberam. Só com pessoas talentosas e especializadas pode existir desenvolvimento social, e só com investigadores talentosos e especializados podem surgir novas invenções, o que é também muito necessário em todas as sociedades. Por conseguinte, os estudantes que receberam formação universitária devem seguir carreiras diferentes daqueles que não a receberam e é impossível que os “trabalhos futuros não sejam assim tão diferentes.” Ding tem um doutoramento e é uma pessoa com um alto grau de educação. Trabalhar como entregador de comida é obviamente o resultado de um desajuste entre a sua formação e a sua profissão actual; este desajuste resulta no desperdício de pessoas talentosas e a sociedade perde com isso. A dificuldade que Ding teve em encontrar um trabalho compatível com as suas qualificações académicas foi uma questão de falta de oportunidades e fez parte do seu percurso de vida. Quando no futuro encontrar um trabalho digno da sua formação, pode voltar a usar os seus conhecimentos e aprender a torná-los úteis. Portanto, não é correcto confundir o objectivo da educação com as circunstâncias da vida. Na próxima semana, continuaremos a aprofundar esta história. Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau Professor Associado da Faculdade de Ciências de Gestão da Universidade Politécnica de Macau
David Chan Macau Visto de Hong Kong VozesO concerto de Jacky Cheung Jacky Cheung (張學友), o famoso cantor de Hong Kong apresentou um concerto em Macau que recebeu óptimas críticas das quais se destacam em particular dois comentários. Primeiro, o concerto fez aumentar as receitas do casino. Em média, a receita diária do jogo em Maio foi de 684 milhões de patacas, mas nos primeiros 22 dias de Junho, atingiu os 14,8 mil milhões, com uma média diária de jogo de 670 milhões. Junho é infelizmente um período de época baixa para o turismo, mas as receitas diárias do jogo foram comparáveis às de Maio, o que prova que o concerto atraiu muitos fãs de Jacky Cheung para Macau e ajudou a economia da cidade. Jacky Cheung fará seis concertos em Macau entre Junho e Julho. O Citibank emitiu um relatório onde se afirma que os concertos de Jacky Cheung impulsionaram o desenvolvimento económico de Macau, tendo as receitas do jogo em Junho subido dos esperados 19 mil milhões para os 19,75 mil milhões. O HSBC também emitiu um relatório onde é dito que as receitas do jogo em Junho podem atingir valores entre os 19,7 e os 20,4 mil milhões. Um cantor internacional tem capacidade de trazer um lucro adicional de 700 milhões a Macau. Isto mostra como Jacky Cheung é querido dos seus fãs e a dimensão do seu carisma. Jacky Cheung estreou-se nos anos 80 e está no activo há quase 40 anos. Os seus fãs cresceram com ele e são representantes de todas as faixas etárias, jovens, gente de meia-idade e também pessoas da idade de Cheung. Com uma base de fãs muito alargada, não surpreende que os seus concertos estejam sempre esgotados. Se Macau pretender desenvolver a economia atraindo para os seus palcos cantores internacionais, deve tomar em linha de conta as suas bases de fãs. Quanto maior ela for, maior será o número de pessoas que se desloca a Macau para ver o concerto e maiores serão os benefícios económicos para a cidade. Para atingir este objectivo, Macau pode considerar a possibilidade de oferecer descontos a estes artistas no aluguer das salas e fornecer aos fãs facilidades de transporte para facilitar as viagens de e para os seus locais de origem; também pode organizar transportes para que os fãs visitem as áreas mais frequentadas pelos habitantes locais e os sectores não turísticos possam beneficiar do afluxo de consumidores. Macau também pode aproveitar esta oportunidade para desenvolver sectores de actividade para lá da indústria do jogo, o que trará centenas de benefícios e nenhum prejuízo. O segundo foco do concerto é a utilização do cantonês e do mandarim. Durante o concerto, os fãs oriundos da China continental pediram a Jacky Cheung que falasse mandarim, ao que ele respondeu: “Peço desculpa, mas não falo mandarim.” Perguntaram então a Jacky Cheung: “Quantas pessoas falam cantonês?” Os fãs que falavam cantonês gritaram imediatamente “uau”. Depois, Jacky Cheung disse em mandarim: “Desculpem, mas não dá. Vá lá, aprendam cantonês.” Os gritos de “uau” dos fãs mostraram que a maior parte falava cantonês. Mesmo assim, Jacky Cheung cantou algumas canções em mandarim e os fãs da China continental ficaram muito felizes. Além disso, a frase de Jacky Cheung, “Não falo mandarim, vá lá, aprendam cantonês”, foi aclamada pelos cibernautas, que lhe chamaram “Embaixador da Promoção do Cantonês” e que o elogiaram pela sua grande inteligência emocional. Os concertos são parte da indústria do entretenimento. Desde que os fãs fiquem felizes, que diferença faz se se usa o mandarim ou o cantonês? As pessoas que vão assistir a um concerto deveriam esquecer a barreira da língua, mergulharem no espectáculo, desfrutarem de cada momento, integrarem-se na atmosfera festiva e fazerem tudo para proporcionar a si próprios a maior felicidade possível. É para isto que serve assistir a um concerto. A música é a linguagem comum da humanidade e pode eliminar barreiras entre as pessoas. Pensem nisto, sempre que ouvem música, só podemos apreciar canções cantadas na vossa própria língua? Para além de canções em cantonês, também ouvimos canções em mandarim, em inglês, em coreano, em japonês, etc. Ao compreender isto, podemos quebrar a barreira e língua e divertirmo-nos todos. Nos últimos anos, o poder da China aumentou muito, a economia desenvolveu-se rapidamente e o investimento estrangeiro também aumentou. Baseados no princípio que orienta as transações comerciais “os interesses económicos em primeiro lugar”, começa a ser comum os homens de negócio estrangeiros usarem o mandarim para comunicar com os seus parceiros chineses. Em 1972, as Nações Unidas classificaram os “caracteres chineses simplificados” como uma das seis “línguas comerciais” a par do inglês, do francês, do russo, do árabe e do espanhol. Todos os documentos oficiais das Nações Unidas são escritos nestas seis línguas, e o dia 20 de Abril foi escolhido como o “Dia da Língua Chinesa das Nações Unidas”. Actualmente, cerca de 1,5 mil milhões de pessoas falam chinês em todo o mundo e a importância desta língua é evidente. “Comunicação negocial” e “necessário para os assuntos de estado” demonstram que a partir de uma perspectiva política e económica, a procura global pela aprendizagem do mandarim cresce de dia para dia. De futuro, as pessoas que falam mandarim terão vantagem quando negoceiam com chineses. Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau Professor Associado da Faculdade de Ciências de Gestão da Universidade Politécnica de Macau
David Chan Macau Visto de Hong Kong VozesMichael Hui (III) Nas passadas duas semanas, analisámos os factores do sucesso dos filmes do Doutor Honoris Causa Michael Koon-Man. Michael é uma estrela do cinema e da televisão dos últimos 50 anos. Uma pessoa que dedica 50 anos a uma carreira tem de ter dedicação e paixão pelo seu trabalho. Com um tacto apurado, distingue claramente as diferenças entre o pensamento da geração mais antiga e o da mais recente e usa muito bem essas diferenças para divertir as audiências. Michael sabe que muita gente vai ao cinema e que os filmes têm um profundo impacto no público e que por isso têm responsabilidade social. Para que um filme tenha sucesso, tem de ser inovador e a inovação é importante em todos os sectores de actividade. Se uma empresa não se inovar e os seus competidores o fizerem, acaba por ficar para trás. Hoje, faremos uma última análise dos factores de sucesso dos filmes de Michael Koon-Man. A reflexão sobre o trabalho é um de muitos factores que determinam o sucesso de um filme. “The Last Dance” inspirou Michael e fê-lo compreender que só temos uma vida. Na jornada que fazemos, todos devemos aprender a apreciar as dádivas que recebemos ao longo do caminho. Estas dádivas incluem as pessoas que amamos, os nossos amigos e mesmo os nossos inimigos. Apreciar as pessoas que amamos e os nossos amigos significa que temos de aprender a dar-nos bem com eles. Quando somos defrontados com os nossos inimigos, vencê-los e destruí-los não é a única possibilidade. Também podemos aprender a aceitá-los, perdoá-los, esquecê-los, etc.; seja qual for a decisão tomada, ela vai mudar-nos e também aos outros. Só reflectindo sobre o trabalho podemos investir, progredir e melhorar no futuro. Muitas pessoas vivem apenas no presente e acham que se viverem bem agora isso é suficiente. Mas a visão de Michael vai claramente além da atitude de “viver apenas no presente”, porque viver no presente implica que não aceitamos os nossos inimigos. Não se trata apenas de nos mudarmos a nós próprios, mas trata-se também de podermos mudar os nossos inimigos. Passar do confronto a fazer as pazes e ao aperto de mão, ou até mesmo a fazer amizade, não é algo que duas pessoas que estão zangadas façam facilmente. Se chegarmos ao fim da vida sem inimigos, significa que tivemos uma vida feliz. Aqui chegados, podemos compreender que as conquistas de Michael no mundo do cinema foram criando sucessivamente mitos porque ele é um observador nato, um trabalhador esforçado, tem um espírito voltado para o futuro e põe em cada filme todo o seu entusiasmo. Estes factores devem estar sempre presentes em todos os trabalhos que fazemos, sejam eles quais forem. No processo criativo, é preciso inovar e lutar pela mudança. E devemos compreender que os filmes têm uma responsabilidade social. A inovação e a responsabilidade social são elementos indispensáveis nas empresas modernas. Combinar estes elementos pessoais com elementos empresariais, independentemente do que venhamos a fazer no futuro, só pode resultar num final feliz. Quando Michael compareceu à cerimónia de atribuição do seu doutoramento honoris, ia acompanhado pela mulher e pelo neto. Um homem de 82 anos pôde assistir a mais um momento glorioso da sua vida acompanhado pela família. O que mais pode alguém pedir? É realmente apropriado afirmar que Michael tem uma vida familiar realizada, fama, fortuna e muita felicidade. Os factores que determinaram o seu sucesso na indústria cinematográfica merecem ser considerados para a nossa aprendizagem e devem ser divulgados. Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau Professor Associado da Faculdade de Ciências de Gestão da Universidade Politécnica de Macau Email: cbchan@mpu.edu.mo
David Chan Macau Visto de Hong Kong VozesMichael Hui (II) A semana passada, analisámos os factores determinantes no sucesso dos filmes de Michael Koon-Man’s (許冠文). Michael tem sido uma estrela do cinema dos últimos 50 anos. desde 1977. Uma pessoa que dedica 50 anos a uma carreira, demonstra dedicação, entusiasmo e reconhecimento pela sua profissão. Michael também compreende a diferença entre o pensamento da geração mais antiga e da geração mais recente e usou esse conhecimento para divertir as audiências. O diálogo sobre o amor no “Talk Show 2005″ é disso um exemplo. Hoje, vamos continuar a explorar os factores do sucesso dos filmes de Michael Koon-Man. Depois da cerimónia de entrega do seu doutoramento honoris causa, Michael aceitou dar uma entrevista. Assinalou que tinha estudado sociologia na universidade, o que lhe permitiu compreender mais profundamente a influência que os filmes têm nos espectadores. Os bons filmes são uma boa influência e esta é a responsabilidade social do cinema. Os filmes têm de ter uma influência benéfica na sociedade. Como trabalhador da indústria cinematográfica acredita que as películas não servem só para o beneficiar financeiramente, mas também para favorecer a sociedade. Como é que ele podia não se sair bem? Se uma pessoa quiser obter sucesso na sua profissão é indispensável que tenha visão. Michael dá o exemplo de uma refeição para ilustrar o mercado do cinema actual em Hong Kong. Se um restaurante servir uma óptima refeição, as pessoas da cidade gastam de boa vontade o seu dinheiro para a saborear; da mesma forma, gastam o seu dinheiro para ver um bom filme e, este último,”The Last Dance”, é certamente um bom exemplo. Mas se o filme tiver um travo vulgar, as audiências não vão gastar o seu dinheiro para o ver. Como é que se faz um bom filme? Uma das chaves para o sucesso é a descoberta de novos temas. É necessário ter coragem para optar por tratar um assunto que nunca foi abordado e transformá-lo no argumento de um filme. O tema de “The Last Dance ” é um funeral. Uma mãe que perdeu o filho acredita que ele pode ser ressuscitado e contrata um agente funerário para embrulhar o corpo e escondê-lo na morgue. Este comportamento leva as pessoas a pensar que esta mãe está louca de dor pela perda do filho, mas também mostra às audiências que ela está a violar as tradições chinesas; que defendem que as pessoas devem ser enterradas em paz. Num outro momento do filme, o agente funerário que preside à cerimónia distribui pelos familiares e amigos presentes, bonecos feitos à semelhança do falecido e miniaturas dos carros desportivos da sua preferência, para aliviar a atmosfera pesada do funeral. Poucos filmes até à data abordaram este tema, o que faz com que seja uma novidade. O protagonista “Hello Man” (Hello文) de “The Last Dance” é uma personagem irritante, mas Michael afirmou sem rodeios que a personagem faz as pessoas terem saudades da geração anterior, especialmente da figura do “pai” chinês tradicional. Hello Man é um taoísta (道教傳人) e ensinou ao filho todas as práticas e rituais taoístas (道家) que devem ser realizadas num funeral. O filho disfarçou a sua relutância de seguir as pisadas do pai e vir a tornar-se um monge taoísta (道士), mas porque o seu filho (o neto de Hello Man) queria frequentar uma escola católica, foi baptizado e tornou-se católico. Depois disso, deixou Hello Man, que tinha ficado paralisado devido a um AVC em Hong Kong e emigrou para a Austrália com a família, pedindo à irmã que tomasse conta do pai sozinha. No filme, Hello Man representa a antiga geração que valorizava mais os filhos do que as filhas e que não aceita religiões oriundas de fora da China. Esta é uma mentalidade que a nova geração não aceita. O argumento do filme ilustra o conflito entre duas gerações de forma simples e fácil de compreender, conquistando assim o reconhecimento de todos e indo ao encontro das várias sensibilidades das audiências. As audiências só podem ser atraídas por filmes com prestígio e nos quais se reconheçam. Só os filmes que tenham sucesso em Hong Kong têm oportunidade de chegar ao mercado internacional e só então o mundo poderá ver o cinema que é feito em Hong Kong. Na próxima semana, vamos continuar a analisar os elementos que determinaram o sucesso dos filmes de Michael Koon-Man. Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau Professor Associado da Faculdade de Ciências de Gestão da Universidade Politécnica de Macau Email: cbchan@mpu.edu.mo
David Chan Macau Visto de Hong Kong VozesMichael Hui (I) Depois da estrela de cinema Tony Leung Chiu-Wai (梁朝偉) ter recebido dois doutoramentos honoris causa o ano passado, outro artista foi agraciado com a mesma distinção este ano. Desta vez, a honra coube a Michael Hui Koon-Man (許冠文), conhecido como “Poker-Faced Comedian” (冷面笑匠). Michael Hui Koon-Man nasceu na Província de Guangdong (廣東省) em 1942 contando com 82 anos de idade. Em 1977, começou a trabalhar para a Hong Kong Television Broadcasts Limited (TVB) apresentando o programa “Hui Brothers Show” (雙星報喜) em parceria com o seu irmão, o famoso cantor Sam Hui (許冠傑). Posteriormente, Michael foi descoberto pelo realizador Li Han-Hsiang (李翰祥) que o convidou para interpretar o protagonista do filme “The Warlord” (大軍閥), ingressando assim na indústria cinematográfica. Entre 1974 e 1981, Michael escreveu, dirigiu e actuou em cinco filmes: “Games Gamblers Play” (鬼馬雙星), “The Last Message” (天才與白痴), “The Private Eyes” (半斤八兩), “The Contract” (賣身契) e “The Security Unlimited” (摩登保鏢), todos eles enormes êxitos de bilheteira, à época. Estes feitos conferiram a Michael uma posição de relevo na indústria do cinema. Posteriormente, Michael continuou a conquistar prémios. Em 2022, recebeu o Prémio de Carreira na 40.ª edição dos Prémios de Cinema de Hong Kong. Em 2023, recebeu o Prémio de melhor Actor Secundário na 41.ª edição daquele evento. Mais tarde, em 2024, foi-lhe entregue o Prémio do Sindicato dos Realizadores de Hong Kong. Recentemente, o filme “The Last Dance” (破地獄) obteve uma receita de mais de 100 milhões de dólares, voltando a catapultá-lo para os píncaros da fama e da fortuna. Michael recebeu muitos prémios, o que significa que merece ser distinguido com um doutoramento honoris causa. Por que é que obteve tanto sucesso na indústria cinematográfica? Procuremos a resposta no seu trabalho. Michael Hui Koon-Man é uma vedeta do cinema e da televisão desde 1977, ou seja, há cerca de 50 anos. Quando uma pessoa dedica 50 anos da sua vida a uma carreira, demonstra dedicação, entusiasmo e reconhecimento pela profissão. O entusiasmo não pode apenas existir no presente, tem também de se projectar no futuro. Michael diz que se tivesse uma segunda vida, quereria passá-la nos estúdios de cinema. No discurso proferido por Tony Leung Chiu-wai quando ganhou um prémio no ano passado, lembremo-nos que ele disse acreditar plenamente que o entusiasmo é um factor importante para o sucesso. Na era que precedeu os telemóveis, Michael tinha sempre consigo uma caneta e um caderno, no qual tomava nota de todas as situações anedóticas que presenciava e que depois passavam a fazer parte do material que usava nos filmes. Quando revia os apontamentos, decidia quais as situações que fariam o público rir e as que não fariam. O facto espantoso é que Michael não se ria. Por isso, tinha a alcunha de “Poker-Faced Comedian” (Comediante da Cara de Pau). Os seus filmes também reflectiam a atenção que prestava à evolução da sociedade. Ele conhecia a diferença entre as mentalidades da geração mais antiga e da mais recente e utilizava esse conhecimento para proporcionar alegria às audiências. No “Talk Show 2005”, encontramos alguns diálogos sobre o amor como estes que transcrevo: “Antigamente, todas as cantigas de amor eram assim: “Os nossos corações estão ligados um ao outro, mesmo separados por milhares de quilómetros, o nosso amor nunca muda” (心兩牽, 萬里阻隔相思愛莫變), “Penso em ti todas as noites e chamo o teu nome gentilmente” (夜夜念奴嬌, 輕輕把名叫), Mas, actualmente, nas canções românticas parece faltar o amor: “Olhando para trás, nunca fui feliz contigo” (回頭望, 伴你走, 從來未曾幸福過), “Ser um gato, ser um cão, não ser um amante, ser um animal de estimação pode ser encantador.” (做隻貓, 做隻狗, 不做情人, 做隻寵物可會迷人) Estas observações certeiras trouxeram a Michael uma infinidade de aplausos. Os aplausos do público demonstram o reconhecimento da sociedade pelos pontos de vista e pelas análises de Michael Hui Koon-Man. Na próxima semana, continuaremos a analisar os factores que determinaram o sucesso dos seus filmes. Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau Professor Associado da Faculdade de Ciências de Gestão da Universidade Politécnica de Macau Email: cbchan@mpu.edu.mo
David Chan Macau Visto de Hong Kong VozesRiqueza O “Relatório da Riqueza Global para 2024” da UBS destaca que os suíços são o povo mais rico do mundo, com um activo médio de 709. 600 US dólares. Em segundo lugar, vêm os luxemburgueses, com um activo médio de 607.500 dólares. Os Hong Kongers estão em terceiro lugar, com um activo médio de 582.000 US dólares, equivalentes a cerca de 4.54 milhões de dólares de Hong Kong. A “Riqueza” inclui os rendimentos pessoais e outros activos depois de deduzidas as dívidas, também designada por “valor líquido”. O relatório também assinala que a percentagem de milionários em Hong Kong é de cerca de 10 por cento, ou seja, em cada dez residentes adultos de Hong Kong um é milionário. O relatório prevê que Hong Kong em 2028 venha a ter 17,3 por cento de milionários. No “Ranking das Regiões Mais Ricas do Mundo em 2024”, outro relatório publicado pela revista financeira “Forbes”, o Luxemburgo surge em primeiro lugar com um PIB de 143.740 US dólares, Macau ocupa o segundo lugar com um PIB de a 134.140 US dólares e Hong Kong classifica-se em 15.º lugar com um PIB de 75.130 US dólares. Dois relatórios financeiros diferentes mostram a situação financeira de Hong Kong e de Macau e existem vários pontos que vale a pena salientar: Primeiro, os milionários de Hong Kong representam cerca de 10 por cento da população e o PIB de Macau surge como o segundo mais alto do mundo. Estes dados indicam a pujança das duas regiões administrativas e as suas impressionantes conquistas sob o princípio “um país, dois sistemas”. Segundo, Macau apresenta um PIB per capita de 134.140 USD. Como todos sabemos, a principal fonte de receitas de Macau provém do jogo e este número reflecte a contribuição do sector para a economia da cidade. O sector do jogo traz rendimentos consideráveis para Macau, mas também comporta perigos escondidos. Embora a pandemia já tenha terminado, a economia não recuperou totalmente e as receitas do jogo diminuíram, o que afecta inevitavelmente a subsistência das pessoas. A economia de Macau dever ser diversificada moderadamente e a sua dependência do sector do jogo deve diminuir de forma a melhorar a vida de todos. Terceiro, o PIB per capita de Hong Kong é de 75.130 USD. Ao contrário de Macau, Hong Kong não tem indústrias que gerem grandes receitas. Se Hong Kong quiser melhorar a sua classificação, tem de criar indústrias que tragam mais receitas para a cidade. Quarto, os activos médios dos milionários de Hong Kong são de cerca de 582.000 USD. É sabido que os activos mais valiosos de Hong Kong estão relacionados com o imobiliário. Se os activos de um milionário incluírem uma casa, mas se essa casa for a sua habitação, então essa propriedade representa apenas um valor facial. Se a casa for vendida, recebe muito dinheiro, mas precisa de comprar outra casa para viver. Por conseguinte, o efeito financeiro deste tipo de activos é limitado. A riqueza traz segurança e é motivo de orgulho para todos. Ambos os relatórios financeiros demonstram a estabilidade financeira das duas regiões administrativas especiais. No entanto, como a economia ainda não recuperou totalmente depois da pandemia, as pessoas devem ter mais cuidado na gestão das suas finanças e dar o seu melhor para desfrutar do prazer que a riqueza traz. Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau Professor Associado da Faculdade de Ciências de Gestão da Universidade Politécnica de Macau
David Chan Macau Visto de Hong Kong VozesPrincess Mononoke 520 (II) A semana passada, analisámos os pontos de vista sobre o amor patentes na obra “Princess Mononoke” (“幽灵公主”) do mestre japonês de manga Hayao Miyazaki e também na recente série de televisão chinesa ” A História do Meu Melhor Amigo” (“流金歲月”)”. Em primeiro lugar, ambos os trabalhos sublinham que o amor verdadeiro deseja a felicidade do outro e que isso nos torna felizes a nós próprios. Quando o outro está triste, nós também entristecemos e desejamos sinceramente o melhor à pessoa amada. Em segundo lugar, o amor verdadeiro é livre. Os amantes verdadeiros não sequestram nem restringem o outro em nome do amor, porque esse tipo de amor não é verdadeiro, mas sim a manifestação de uma espécie de controlo para satisfação pessoal. Esse amor acaba por aprisionar ambas as partes numa jaula. Por conseguinte, a deixa mais importante da Princess Mononoke é “Virei ver-te quando tiveres saudades minhas.” Se num casamento houver falta de companheirismo, cuidado e apego, não existe amor e a certidão de casamento é apenas um contrato de servidão. O casal vive numa espécie de jaula, impossibilitado de escapar, mas tendo de viver obrigatoriamente um com o outro. Já que numa relação o que é preciso é existir amor, não há muita diferença se existe uma certidão de casamento ou não, certo? A resposta é “não é bem assim”. Um casal compra uma casa em conjunto para aí residir. Depois de se casarem, têm um bebé. Os pais do marido chamam ao bebé “neto”, bem como os pais da mulher. Duas famílias que antes não se conheciam ligaram-se por causa de uma certidão de casamento. A partir desse momento, o homem tem a responsabilidade de tomar conta dos pais da mulher e a mulher tem a responsabilidade de tomar conta dos pais do marido. O casal também tem de criar os filhos em conjunto. Este exemplo fala sobre cuidar dos pais e dos filhos, a custódia dos ancestrais e dos descendentes e da herança de bens. Existem tanto questões práticas como questões legais que só podem ser protegidas pela lei se a relação do casal for confirmada por uma certidão de casamento. Se quisermos ligar-nos à outra pessoa convenientemente, então o companheirismo, o cuidado e o apego que atrás mencionámos não chegam. Como é que podemos falar sobre “envelhecer juntos, tomar conta dos filhos e dos pais e direitos sucessórios”? Como vamos viver futuramente? Claro que o amor entre duas pessoas é o centro de tudo. O centro deve ser estável antes de considerarmos questões como “envelhecer juntos, tomar conta dos filhos e dos pais e direitos sucessórios.” Estas questões podem afectar o amor entre o casal, mas também são afectadas pelas condições de cada dupla. Suponhamos que um homem na casa dos 50 pede a mão de uma mulher divorciada de 38 anos com uma filha e ela aceita. Para este casal, o núcleo do amor – companheirismo, cuidado e apego – continua a ser válido, mas ainda é importante tomar conta dos pais? A resposta é, não necessariamente. Uma vez que o homem já está na casa dos 50, os pais já podem ter partido há muito, por isso a responsabilidade de tomar conta dos pais fica muito reduzida, e a questão da integração familiar é relativamente simples. Como a mulher já tem uma filha, decidiram não ter mais crianças e focar-se na que já existe. Portanto, o impacto destas questões num casamento pode ser mais limitado ou mais complexo. Se me perguntarem se concordo com os pontos de vista da Princess Mononoke sobre o amor, digo-vos que quero perguntar ao meu amor o que pensa. Posso não aceitar todos, mas também não nego todos em definitivo. Respeito a minha amada e quero estar com ela. Questões como tomar conta dos pais, direitos sucessórios e integração familiar não são importantes para nenhum de nós, mas questões como companheirismo, cuidado, apego e envelhecer juntos implicam um empenhamento a dois, não é algo que se faça sozinho. Amo-te, Princess Mononoke, podes vir ver-me quando tiveres saudades minhas. Talvez isto queira dizer, “Quando pensas em mim, ainda me amas tão profundamente como me amavas ontem.” Se não quiseres parar, se não quiseres ficar num certo sítio, então a minha forma de te amar é “caminhar contigo”, vás para onde fores, quer seja no fim do mundo ou num recanto do mar, ou para lá de centenas de rios e de montanhas, continuarei a caminhar contigo, porque quero segurar a tua mão com força quando caminhas ao meu lado. Se eu puder sussurrar ao teu ouvido todas as noites, “sinto a tua falta todos os dias”, e também espero que “seja Verão ou Inverno, vou amar-te cada vez mais”. Vou escrever-te um artigo e declarar o meu amor por ti, todos os anos a 20 de Maio. Se chegarmos ao topo do mundo, já não poderemos seguir em frente, por favor voa comigo e eu estarei sempre contigo. Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau Professor Associado da Faculdade de Ciências de Gestão da Universidade Politécnica de Macau Email: cbchan@mpu.edu.mo
David Chan Macau Visto de Hong Kong VozesPrincess Mononoke 520 (I) Na última cena do filme “Princess Mononoke” (“幽灵公主”),realizado pelo animador japonês Hayao Miyazaki, San escolhe ficar na floresta e Ashitaka decide voltar para a aldeia. Embora se amem, a moral da história é o respeito mútuo e a libertação do outro para que possa viver livremente as suas escolhas. O final desta relação lembra-me uma série de televisão transmitida na China continental que se chamava “A História do Meu Melhor Amigo” (“流金歲月”). O protagonista é ´um bem-sucedido homem de negócios de meia-idade e a protagonista é uma estudante universitária que acabou de se formar. Um encontro casual provocou uma história de amor. Devido à diferença de idades, o herói acaba por deixar a heroína ir livremente atrás dos seus sonhos. Mais tarde, a heroína casou-se e teve um filho. Quando o negócio do marido estava à beira de falir, o herói tomou a iniciativa de abandonar o seu próprio negócio e ofereceu-se para trabalhar com Director Executivo para o marido da sua amada e salvar a empresa. Também prometeu dar formação ao marido para que ele se tornasse um excelente patrão em três anos. No final, a heroína divorciou-se, mas o herói continuou a não querer casar-se com ela. Mais uma vez, deixou-a partir em liberdade. A heroína acabou por partir sozinha para Pequim para investir na sua carreira e a história acabou aqui. A Princess Mononoke e a História do Meu Melhor Amigo exprimem coincidentemente dois pontos de vista sobre o amor. Em primeiro lugar, amar verdadeiramente significa ser feliz com a felicidade do outro. Quando ele está triste, nós também entristecemos, e desejamos sinceramente o melhor ao nosso amado. Em segundo lugar, o amor verdadeiro é livre. Os amantes não se sequestram nem se restringem uns aos outros em nome do amor, porque esse tipo de amor não é verdadeiro, mas uma espécie de controlo para satisfazer o amor-próprio. Esse tipo de amor acaba por aprisionar o outro numa jaula. Por conseguinte, a deixa famosa da Princess Mononoke é “Venho ver-te quando tiveres saudades minhas.” O amor implica companheirismo mútuo, cuidado e apego. Companheirismo significa que os dois estão juntos e que se acompanham mutuamente. Cuidado significa que estamos disponíveis para o outro sempre que precisa de nós. Apego é lealdade ao amor. Companheirismo e cuidado requerem tempo e viver em comunhão é um bom alicerce. Só cuidamos e acompanhamos as pessoas que nos são queridas, não fazemos isso pelo outro. Isto é apego. Companheirismo mútuo, cuidado e apego são elementos importantes que constituem o amor. A partir do momento em que estes elementos são estabelecidos, passam a integrar a vida dos amantes. Quando adoecemos, o outro cuida de nós incondicionalmente. Isto é cuidado. Se a doença for prolongada e o teu amor continuar a tomar conta de ti incondicionalmente, isso é companheirismo. Não te abandona quando estás doente. Isso é apego. Os amantes precisam de tempo para obter estes três elementos. Hoje podes andar e falar, não estás doente nem em sofrimento, por isso não podes compreender a importância destes três elementos. Quando é que as pessoas ficam mais susceptíveis à doença? A resposta, claro está, é quando envelhecem, com a idade vamos contraindo vários problemas de saúde. Nos dias que correm, quantos casais ficam juntos desta forma? Só com verdadeiro companheirismo, cuidado e apego, choramos e rimos juntos e desejamos o bem um do outro. Como mencionámos no artigo da semana passada, uma das frases emblemáticas de Sean Lau Ching Wan (劉青雲) sobre o amor é: “um dia vais perceber que não queres viver um amor apaixonado, mas sim ter alguém que nunca desista nem nunca te abandone.” Na próxima semana continuaremos a analisar as mensagens da Princess Mononoke e da História do Meu Melhor Amigo. Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau Professor Associado da Faculdade de Ciências de Gestão da Universidade Politécnica de Macau Email: cbchan@mpu.edu.mo
David Chan Macau Visto de Hong Kong VozesOs cábulas do Hong Kong Queen’s College No passado mês de Abril, durante a realização do teste unificado de História da China no Queen’s College de Hong Kong, vários alunos de uma das turmas copiaram. Gritavam uns para os outros as respostas, consultavam os livros e os iPads. O vigilante tentou várias vezes detê-los, mas não conseguiu. A direcção do Colégio afirmou que só vai castigar os alunos prevaricadores de acordo com as regras internas. O Colégio também notificou os pais sobre este incidente, dizendo que como só falta um mês para os exames finais e, para evitar pressões desnecessárias sobre os estudantes, não se irá repetir o teste. Os resultados do teste unificado de História da China desta turma serão cancelados e a classificação a esta disciplina vai depender do exame final. Para as outras turmas, a classificação à disciplina de História da China tomará em conta os resultados do teste unificado e do exame final. Acontece frequentemente os estudantes copiarem nos testes. Com as novas tecnologias, as ferramentas que lhes permitem “fazer batota” mudam todos os dias. Das tradicionais cábulas em papel até aos dispositivos inteligentes, a evolução destas ferramentas reflecte a erosão da integridade académica através do abuso da tecnologia. Antigamente, os estudantes escreviam as respostas em pedaços de papel, comumente conhecidos por cábulas, e levavam-nos para a sala de exame; ou então pediam para ir à casa de banho e assim consultavam os materiais. Com a popularização dos relógios inteligentes, as funções dissimuladas de comunicação em tempo real permitem cabular remotamente online. Se o vigilante não estiver atento, os estudantes podem usar os relógios inteligentes para este fim, enquanto estão sentados nos seus lugares. Recentemente, apareceram óculos equipados com funções de tradução em tempo real que podem converter directamente os textos de inglês para chinês. A constante evolução destas ferramentas torna o trabalho dos vigilantes cada vez mais difícil. Para apanhar um ladrão, precisamos de provas. Para apanhar um aluno que faz batota, também é preciso ter provas. No entanto, para os vigilantes, é sempre muito difícil obter essas provas; se não conseguirem provar que o aluno copiou, é complicado acusá-lo. No caso da ” cábula em papel “, o estudante pode engoli-la ou escondê-la no momento em que está a ser exposto, ou então discutir com o vigilante e recusar-se a entregar a cábula. Os professores não são agentes da polícia e não têm direito de revistar os alunos, pelo que vários “batoteiros” escapam impunes por falta de provas e naturalmente não podem ser acusados. Estes casos, até certo ponto, levam outros estudantes a arriscar. Não existe certamente falta de alunos diligentes, estudiosos e trabalhadores numa sala de exames. Quando estes alunos descobrem as trafulhices dos colegas, podem escolher denunciá-los, mas se o fizerem o mais provável é virem a ser ostracizados e sujeitos a intimidação. Além disso, o ambiente de exames altamente stressante faz com que a maior parte dos estudantes se foque nas suas próprias respostas, e que não tenha tempo nem energia para observar os outros. Por conseguinte, as denúncias dos colegas representam uma pequena percentagem e a exposição destes casos depende de os vigilantes serem empenhados e quererem descobrir os infractores. Copiar, usar certificados falsos e plagiar são todas violações académica da mesma natureza – desonestidade e más práticas. Nos últimos anos, não é difícil encontrar estes casos nas notícias. Ter ocorrido este incidente num dos mais antigos colégios de elite de Hong Kong, reflecte não só o desvio moral dos estudantes, mas também a distorção dos valores da aprendizagem. Quanto mais os estudantes fazem batota, maior será a alteração de valores e menos estudarão com afinco. O grupo de “elite” criado por falsas conquistas pode parecer conhecedor, mas de facto é desprovido de valor e acabará por expor a sua falta de conhecimento nas respectivas áreas no futuro. Basta pensar: Um médico sem competências pode tratar um doente? Um advogado pode defender o cliente sem conhecer a lei? Este perigo escondido é como uma bomba relógio. O seu poder destrutivo continua a manifestar-se na próxima década ou mesmo mais tarde e, por fim, toda a sociedade pagará o seu preço. Temos de travar este problema. As escolas têm de tomar as medidas adequadas, prescrever o remédio certo, aperfeiçoar as situações que lhe dão azo e cultivar os valores correctos nos estudantes. Conter a batota requer esforços multi-dimensionais. Em primeiro lugar, os estudantes que copiam devem ser severamente punidos e esse comportamento não pode ser tolerado. As escolas devem ter regras para lidar com comportamentos fora do comum. Por exemplo, se pelo menos dois vigilantes virem um estudante a engolir papéis, deve ser desqualificado do exame. Depois do castigo devem ser reeducados. As escolas devem ter disciplinas que versem a integridade académica e cursos obrigatórios que moldem os valores da aprendizagem. É preciso fazer com que os estudantes compreendam que uma nota de 60 não é vergonhosa, mas é vital que percebam que um falso 100 tem de ser punido. Uma vez que esta ideia pedagógica se torne consensual, a sociedade deixará de julgar os heróis pelas suas notas, os estudantes poderão manter os seus valores morais e o espírito empreendedor de “conhecer a vergonha e depois aprender a ser valente” irá reaparecer. Só depois de se salientar a importância de identificar o “real valor” dos estudantes pode a educação voltar ao seu propósito original de “ensinar e partilhar conhecimentos”, os motivos que levam a fazer batota podem diminuir e a promoção de pessoas talentosas deixará de ser um jogo em que se compara número grandes e pequenos. Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau Professor Associado da Faculdade de Ciências de Gestão da Universidade Politécnica de Macau Email: cbchan@mpu.edu.mo
David Chan Macau Visto de Hong Kong VozesDia de São Valentim na República Checa Em Macau, muitas pessoas sabem que o 1.º de Maio é o Dia do Trabalhador e é um feriado oficial. O mesmo se passa na China continental, marcando o 1.º de Maio o início de um longo feriado. No entanto, poucos sabem que na República Checa o 1º de Maio é o “Dia de São Valentim”. No Dia de São Valentim, os amantes checos seguem a tradição e beijam-se sob as cerejeiras, entoando cânticos ao amor. E o beijo porquê? De acordo com o folclore checo, se uma rapariga não for beijada sob uma cerejeira no Dia de São Valentim, irá “murchar” no próximo ano, perdendo “a juventude e o encanto.” Por isso, um beijo significa “protecção e bênçãos”. E o que é a “protecção no amor”? Em meados de 2015, Sean Lau, o vencedor do Prémio de Melhor Actor do Festival de Cinema de Hong Kong, pelo seu trabalho no filme “Overheard 3”, apresentou a “teoria da nave espacial”. Usou uma frase simples para mostrar como a sua mulher Amy Kwok o protegia: “Quando entro numa nave espacial e viajo para qualquer lugar no Universo, tu encontras sempre uma maneira de me trazer de volta à Terra em segurança.” O significado desta frase é simples e claro. Esteja eu onde estiver, enfrente o que enfrentar, tu trazes-me sempre de volta em segurança. Estás sempre ao meu lado, fazendo-me sentir amado, quente, feliz e em paz. Para além da “teoria da nave espacial”, existe outra frase de Sean Lau que faz parte das “Citações Apaixonadas para a Minha Mulher”: “Um dia, já não vais querer um amor apaixonado, queres apenas alguém que não te abandone.” Será que o verdadeiro amor requer que duas pessoas fiquem juntas? Em Março de 2025, foi divulgada uma notícia em Taiwan, China, dizendo que uma mulher tinha publicado um artigo online, onde contava que tinha um namorado há seis anos, mas acabou por descobrir que ele se ia casar com outra. E isto aconteceu porque o namorado a amava demais e não queria que ela passasse pelo sofrimento causado pela relação com a sogra, por isso decidiu casar-se com uma mulher de quem os pais gostavam, mas que ele não gostava e assegurou à namorada que a sua “relação” não seria afectada. Depois de se casar com outra mulher, namoraria para sempre com a sua amada. O amor implica “protecção e bênçãos”. É a favor da “teoria da nave espacial” ou da “teoria da relação nora/sogra”? O que são “bênçãos”? Em Taiwan, China, a apresentadora do programa de televisão “Yu Meiren”, (Yu Yunjie) não teve contacto com os sogros durante muito tempo. Certa vez foi a tribunal devido a um desentendimento entre a mãe e o marido. Por fim, o juiz declarou que o seu casamento de 16 anos, tinha chegado ao fim. Posteriormente, Yu Meiren perdeu muito peso, mas agora está mais bonita do que antes e a sua disposição mudou. Ela declarou: “Os franceses acreditam que no amor ‘devemos aceitar os que vêm e não devemos reter os que querem partir’. Quando o amor acontece, devemos ser nós próprios, seguir o nosso coração e agir sem esquemas. Quando o amor acaba, devemos respeitar o outro e não tentar prendê-lo ou forçá-lo, o que significa que “deixar partir é a melhor das bênçãos”.” Concorda com a frase “Deixar partir é a melhor das bênçãos, a bênção é o melhor alívio”? A estrela do cinema de Hong Kong Cecilia Cheung expressou certa vez alguma desilusão depois do divórcio: “No amor só há uma coisa que nos pode magoar, é a falta de vontade. Quando não conseguimos viver connosco próprios, infligimo-nos dor.” Talvez que “protecção e bênçãos” tenham significados diferentes para cada pessoa, mas para mim, “Tenho de dizer isto apenas uma vez. Depois de todos estes anos, ainda te amo.” Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau Professor Associado da Faculdade de Ciências de Gestão da Universidade Politécnica de Macau Email: cbchan@mpu.edu.mo