Extradição na ordem do dia

[dropcap]E[/dropcap]m Hong Kong esta semana ficou marcada pelas manifestações de protesto contra a proposta de lei de extradição dos condenados em fuga. Na demonstração de 9 de Junho compareceram imensas pessoas. As autoridades adiantaram o número de 153.000 participantes, ao passo que o porta-voz da organização apontava para cerca de um milhão. Mas todos sabemos que estes cálculos nunca são precisos. Durante o desfile, o responsável pelo cálculo do número de participantes tira fotos, conta as pessoas que aparecem na foto e calcula a área que ocupam. Se continuar a fotografar a mesma área a intervalos regulares é possível fazer uma estimativa do número de pessoas presentes. Esta estimativa pode variar conforme a área escolhida. Mas, seja qual for o número apontado, estiveram presentes sem dúvida muitos milhares de pessoas nesta manifestação.

No dia seguinte, segunda-feira, 10 de Junho, a TVB de Hong Kong entrevistou a Chefe do Executivo Carrie Lam. No decurso da entrevista, Lam deixou bastante clara a sua posição sobre o assunto. Em primeiro lugar, admitiu que esta proposta de lei toca questões muito controversas. Estas declarações foram úteis, mas as dúvidas não ficaram eliminadas. Mas Lam também assinalou que, se a oportunidade de rever a lei não for agora aproveitada, não se saberá quando o poderá vir a ser. Além disso resta a dúvida se a próxima proposta de revisão da lei vai ser bem-sucedida. Carrie Lam foi peremptória. Acredita que não vai ser. Por estas declarações podemos deduzir que, se duvidamos que a nova proposta de lei venha a ser bem aceite, então mais vale lidar com o assunto agora do que adiar a sua resolução.
Ainda a entrevista não tinha sido transmitida, quando se deu um motim em Hong Kong. A multidão ocupou as principais vias rápidas da cidade causando o congestionamento do tráfego. Depois da intervenção da polícia a situação começou a normalizar.
As manifestações e marchas realizadas na quarta-feira em Admiralty provocaram ferimentos em manifestantes e em agentes da autoridade. Mas na quinta-feira a situação agravou-se. Os organizadores convocaram as pessoas para as estações de Metro. Multidões precipitaram-se para as entradas do Metro durante a hora de ponta e os comboios não puderam circular normalmemte. O caos instalou-se. As pessoas que queriam chegar ao trabalho a horas não conseguiram.
É inquestionável que este método acabou por envolver nos protestos pessoas que não tinham qualquer intenção de se manifestar contra a proposta de lei de extradição. Se as manifestações são uma forma de expressar a opinião pública, a participação forçada é o seu oposto e, portanto, é uma forma de privar as pessoas dos seus direitos. É absolutamente incorrecto. Como é que podemos considerar pacífica uma manifestação que recorre ao uso de uma série de métodos para impedir o Metro de circular? A legalização das manifestações é um dos valores fundamentais de Hong Kong, bem como permitir que as pessoas expressem os seus desejos e aspirações. Mas é fundamental que não envolvam violência e que pessoas com outros pontos de vista se não vejam envolvidas à força numa luta que não lhes diz respeito.
No sábado, 15 de Junho, Lin declarou suspensa a discussão da proposta de lei de extradição. O Governo estava já preparado para submeter a proposta à discusão no Conselho Legislativo. Em teoria, depois da transmissão da entrevista com Carrie Lam, os ânimos deveriam ter acalmado, mas tal não aconteceu. Durante a tarde, um homem morreu em Admiralty. Manifestações de pesar e de indignção espalharam-se rapidamente através da internet. Este incidente vai marcar o tom da manifestação de domingo, 16 de Junho.
A avaliar pelos noticiários esta manifestação ainda vai ser maior do que a do domingo anterior. Embora no momento em que este artigo foi escrito ainda não houvesse cálculos, nem da parte do Governo nem da dos organizadores, tudo aponta que efectivamente o número de participantes aumentará. Mas, de qualquer forma, ainda vai ser necessário esperar pela contagem oficial.
Às 19.30 de sábado, 16, os manifestantes voltaram a ocupar as vias rápidas de Central e de Sheung Wan, pelo que o trânsito ficou completamente congestionado. Mas, estranhamente, no momento em que escrevo, os condutores fizeram seguir os veículos e começaram a desimpedir as vias.
É preciso continuar a acompanhar o desenrolar da situação. Felizmente hoje ninguém ficou ferido, porque todos amamos a paz.

 

Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau
Professor Associado do Instituto Politécnico de Macau
Blog: http://blog.xuite.net/legalpublications/hkblog
Email: legalpublicationsreaders@yahoo.com.hk

18 Jun 2019

Publicidade enganosa

[dropcap]N[/dropcap]o dia 2 deste mês o jornal de Hong Kong Sing Tao Daily publicou uma notícia sobre a jovem Miss Wong, proveniente de Hong Kong e estudante no Reino Unido. Miss Wong levantou um processo num tribunal londrino contra a Universidade Angelia Ruskin. O artigo não adiantava os motivos de forma muita clara, limitando-se a mencionar “publicidade falsa aos serviços”.

Miss Wong inscreveu-se nesta Universidade em 2011, para fazer uma pós-graduação em administração internacional, um curso com duração de dois anos. A jovem escolheu a Angelia Ruskin devido ao panfleto promocional que garantia “Formação de Alta Qualidade” e “Boas Perspectivas de Emprego”. Estas indicações impressionaram favoravelmente Miss Wong. Mas depois do início do ano lectivo ficou decepcionada. As aulas começavam com atraso e terminavam antes da hora. Os estudantes eram incentivados ao “auto-didactismo”. Por tudo isto, a queixosa acusou a Universidade de fraude, na medida em que estava longe de garantir a “Formação de Alta Qualidade” anunciada no prospecto.

Mesmo assim, terminou a formação em 2013 certa de que tinha assegurado o início de uma sólida carreira profissional. Mas sempre que se candidatava a um emprego era rejeitada. O diploma não era reconhecido no mundo do trabalho.

Portanto, para Miss Wong, o curso não assegurava formação de qualidade nem garantia perspectivas de emprego e, como tal, considerou que o prospecto publicitário era enganador.

Após negociação entre as partes, a Universidade indeminizou a queixosa com o montante de 61.000 libras.

Deste valor, 46.000 libras eram destinadas a custas processuais. O sistema legal britânico é diferente do de Macau. A parte que perde o processo arca com as custas da outra parte. A principal despesa deste bolo são os honorários do advogado, que neste caso foram pagos pela parte acusada.

Em entrevista ao jornal Sunday Telegraph, Miss Wong afirmou sentir-se satisfeita com o resultado do julgamento. Disse ainda estar convencida que de futuro a Universidade iria ter mais cuidado com o que escrevia nos prospectos promocionais. Promessas irrealizáveis não devem estar impressas em panfletos informativos.

Embora este caso não envolva uma notícia de monta, para nós, não deixa de ser motivo de reflexão. Como sabemos, actualmente existem nove Universidades em Macau. Devido à implementação da Lei do Ensino Superior, estamos a entrar numa nova era da educação. Quase todas as Universidades têm de estar certificadas. A certificação atesta o grau de qualidade de cada uma delas. Desta forma, as Universidades devem poder garantir até certo ponto o seu nível de ensino.

No entanto, Miss Wong processou a Universidade por incumprimento das promessas feitas aos estudantes no programa promocional. Segundo a notícia, a queixosa baseou o seu processo na falsidade do prospecto. Se tinha ou não tinha razão, é uma questão que fica em aberto. Mas uma coisa é certa, segundo a lei do Reino Unido, a partir do momento em que os estudantes pagam as propinas e ingressam na Universidade, estes prospectos fazem parte do contrato entre as partes.

A Universidade é responsável por honrar os termos do contrato. Se não o fizer, entra em incumprimento e os estudantes podem processá-la.

Embora a situação em Macau seja significativamente diferente da do Reino Unido, o prospecto é considerado um documento oficial na admissão à Universidade. Se existirem diferenças consideráveis entre o programa apresentado e a experiência que os estudantes vivem posteriormente, existirão naturalmente motivos de descontentamento.

Consequentemente, as Universidades terão de ter muito cuidado com a forma com que redigem estes panfletos. Se as promessas se cumprirem todos ficam satisfeitos, mas se não se cumprirem os problemas hão-de surgir. Este caso acaba por ser um alerta para todas as Universidades, lembrando que devem ser cuidadosas na forma de divulgar os seus programas e responsáveis pelas expectativas que criam aos estudantes.

 

Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau
Professor Associado do Instituto Politécnico de Macau
Blog: http://blog.xuite.net/legalpublications/hkblog
Email: legalpublicationsreaders@yahoo.com.hk

11 Jun 2019

Portas do Cerco em estado de sítio

[dropcap]N[/dropcap]os últimos dias, devido às obras de manutenção e reparação das escadas rolantes, as pessoas que viajavam de Zhuhai e Macau acumularam-se no corredor das partidas das Portas do Cerco. Dia 22 deste mês, a Polícia de Segurança Pública, o Gabinete das Forças de Segurança e o Gabinete de Transportes deram uma conferência de imprensa conjunta para apresentarem o plano de emergência para lidar com a situação. As medidas incluem a abertura de 13 guichets do controlo alfandegário, para que sejam evacuadas 12.000 pessoas num espaço de quatro horas. Na medida em que a entrada do edifício de controlo de fronteiras é estreita e as escadas rolantes estão em manutenção, o risco de acidentes aumenta com a enorme concentração de pessoas. É portanto urgente fazer sair esta multidão. Após a implementação das medidas, as pessoas só esperam cerca de 10 minutos até entrarem no edíficio da alfândega.

Espera-se que abram mais dois guichets durante o fim de semana, passando assim de 13 para 15. O Gabinete de Transportes pediu às companhias transportadoras que os autocarros mudassem de rota, para que os passageiros pudessem sair junto aos portões de embarque. Os autocarros que fazem a volta dos hotéis foram reduzidos para um terço e os passageiros são encorajados a entrar e sair de Macau pela Ponte Hong Kong-Zhuhai-Macau.

A substituição das escadas rolantes do edifício da alfândega das Portas do Cerco causou a concentração de uma multidão, e demonstrou a capacidade de infraestrutura pública de Macau para dar resposta a incidentes. O projecto de manutenção das escadas rolantes surgiu no princípio de 2018, mas o público só foi informado no dia anterior ao início das obras. Muitos dos residentes e turistas só se aperceberam da situação quando chegaram às Portas do Cerco. Esta situação sugere que as autoridades deverão fazer um esforço para publicitar este tipo de ocorrências com maior antecedência e que haja um controlo mais apertado das entradas e saídas em Macau. Fora isso, seria possível que o Governo providenciasse no sentido de serem utilizados outros postos de controlo alfândegário, para libertar a pressão das instalações das Portas do Cerco?

Como o tempo de espera para entrar e sair de Macau está a aumentar, é possível que venha a ser necessário criar condições especiais para idosos, crianças, grávidas e pessoas com incapacidades, para evitar qualquer mal estar causado pelas altas temperaturas que se fazem sentir no Verão.

Mas, pior do que isso, é a possibilidade de transmissão viral, frequente em locais super-lotados. Se uma pessoa estiver doente, facilmente muitas outras serão contagiadas e todos sabemos que se há vírus inofensivos, há infelizmente outros muito perigosos. Também é necessário alertar a população para o uso de máscaras. A presença de médicos no local e o controlo sanitário poderão ser ainda questões a considerar.

As obras de manutenção e reparação das escadas rolantes do átrio das Partidas do edifício alfandegário das Portas do Cerco irão demorar cerca de 60 dias. O público irá sentir os seus transtornos por igual período. As escadas estão montadas paralelamente, em grupos de três.

Devido às restrições de espaço, é possível que passem para grupos de duas, diminuindo grandemente a capacidade de transporte.

Há uns tempos atrás estas escadas causaram muitos acidentes. Alguns turistas do continente forçavam manualmente a paragem das escadas e as pessoas que iam mais abaixo, como não conseguiam aguentar o impacto, perdiam o equilíbrio e caíam, fazendo cair também os que estavam atrás deles. Este foi um dos motivos que levou a separar as escadas em várias secções, de forma a diminuir os danos dos possíveis acidentes. Este aspecto deve de ser considerado na actual remodelação.

 

Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau
Professor Associado do Instituto Politécnico de Macau
Blog: http://blog.xuite.net/legalpublications/hkblog
Email: legalpublicationsreaders@yahoo.com.hk

28 Mai 2019

Direitos dos Animais (II)

[dropcap]A[/dropcap] semana passada falámos sobre duas das alterações à lei de protecção dos animais em Hong Kong. A primeira, reflecte-se na seccção 56 da Lei do Tráfego Rodoviário e prevê que, quem atropele um animal tem de parar, prestar auxílio e notificar a polícia num espaço de 24 horas. A segunda, estipula que os donos são responsáveis pelos seus animais, sendo sua obrigação cuidar e atender às suas necessidades. Esta obrigação constitui o “dever de cuidar”.

Na sequência desta alteração, os tribunais podem privar uma pessoa do direito de possuir um animal para sempre, se este dever for seriamente violado

A Lei de protecção dos animais de Macau não estipula esta condição, mas o parágrafo 1 do artigo 28 enuncia:

Artigo 28.º

Penas acessórias
1. A quem for condenado pela prática dos crimes previstos nos artigos 25.º e 26.º podem ser aplicadas as seguintes penas acessórias:

1) Declaração de perda a favor do IACM do animal do infractor;
2) Proibição de aquisição e criação de animais de todas ou algumas espécies, por um período de 1 a 3 anos;
3) Proibição do exercício de actividades que impliquem o contacto efectivo com animais de todas ou algumas espécies, por um período de 1 a 3 anos;

Como vemos, este artigo estipula que quem violar a lei será privado do seu animal, o qual será entregue ao cuidado do IACM. Isto implica que os animais sujeitos a maus tratos serão imediatamente resgatados. Embora aqui se preveja que quem infligir maus tratos a animais seja proibido de os ter por um período de um a três anos, não é uma interdição para toda a vida, conforme enuncia a emenda à legislação de Hong Kong. As leis da Região Administrativa Especial de Macau foram buscar o modelo da legislação portuguesa. Segundo o Código Penal português, a pena máxima é de 25 anos. Não existe prisão perpétua. Transpondo este princípio para a lei de protecção dos direitos dos animais, faz sentido que não se proíba ninguém de ter um animal para o resto da vida.

Uma das antigas propostas de alteração a esta lei previa a criação de um corpo policial dedicado em exclusivo à protecção animal. Mas a polícia opôs-se argumentando a falta de efectivos. Sem intervenção policial, existirão inevitavelmente bloqueios à implementação da lei, especialmente quando os donos se recusam a colaborar, ou resistem violentamente, os responsáveis ficam incapacitados de agir.

Outra crítica às emendas da lei de Hong Kong prende-se com a falta de uniformização, o que deu origem a dificuldades na compreensão e confusões. Também dificulta o trabalho dos departamentos responsáveis ao tentarem aplicar a lei correctamente. Conforme já foi referido, a legislação de protecção animal em Hong Kong, inicialmente, apenas se destinava a preservar a segurança e a sáude públicas. Actualmente foi alargada aos conceitos de direitos e bem-estar animal. Direitos e bem-estar animal e saúde e segurança públicas são dois binários conceptuais distintos. Misturar conceitos gera confusão, daí que as críticas pareçam ser compreensíveis.

Em oposição, a legislação de protecção animal de Macau é basicamente um conjunto de quatro regulamentos, a Lei No. 4/2016, o Despacho do Chefe do Executivo n.º 335/2016 que – Determina a proibição da aquisição, criação, reprodução ou importação das raças de cães e animais, o Regulamento Administrativo n.º 28/2004 que – Aprova o Regulamento Geral dos Espaços Públicos e o Despacho do Chefe do Executivo n.º 106/2005 que – Aprova o Catálogo das Infracções a que se refere o artigo 37.º, n.º 1, alínea 2, do Regulamento Geral dos Espaços Públicos. Como Macau tem basicamente nesta matéria este conjunto de leis e Despachos, e a legislação sobre protecção animal remonta a 2016, pode afirmar-se que é uma lei recente. Além disso podemos classificar a legislação de Macau como “simples e clara” .

No Génesis, é dito que Deus criou o Homem à sua imagem e semelhança. E Deus ordenou ” Ao homem é dado domínio sobre todas as coisas e ele recebe mandamento de se multiplicar e de encher a Terra.” Embora nem todos acreditem na Bíblia, o princípio sagrado de usar a lei para proteger os direitos dos animais e a promoção do seu bem estar, faz parte de uma sociedade saudável e evoluída. O primeiro passo para que este objectivo seja cumprido é compreender que os animais não são brinquedos, nem podem servir para descarregar frustrações; se assim não for, o agressor despe-se do sentido de moralidade que todo o ser humano deve possuir e será altamente provável que a lei de protecção animal venha a ser violada.

 

Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau
Professor Associado do Instituto Politécnico de Macau
Blog: http://blog.xuite.net/legalpublications/hkblog
Email: legalpublicationsreaders@yahoo.com.hk

21 Mai 2019

Direitos dos animais (I)

[dropcap]S[/dropcap]oube-se há cerca de duas semanas que o Governo de Hong Kong está a preparar uma revisão da legislação sobre protecção aos animais, nomeadamente para combater comportamentos cruéis. Em Macau, a Lei de Protecção dos Animais é relativamente recente. Esta é uma boa oportunidade para analisarmos a legislação das duas cidades e vermos o que cada uma delas pode aprender com a outra.

Em Hong Kong, a “Lei de combate à Raiva” e os “Regulamentos sobre Animais Perigosos” destinam-se a promover a vacinação dos cães e o uso de trela em locais públicos, de forma a evitar que alguém possa ser mordido. O principal objectivo destas leis é garantir que os animais não constituam uma ameaça para a saúde nem para a segurança do público. A salvaguarda dos direitos dos animais não tem sido até agora uma preocupação.

A protecção dos direitos dos animais centrou-se na legislação contra a crueldade. Exemplo disso é a Lei para a Prevenção da Crueldade para com os Animais, publicada em 1935 e elaborada de acordo com o Acto 1911 de Protecção dos Animais, britânico. Esta lei estipula que o tratamento cruel ou negligente, que causa sofrimento desnecessário, é ilegal e pode ser punido com uma multa até $200.000 e pena de prisão até três anos.

Mas, desta vez, o Governo de Hong anunciou que irá introduzir alterações à lei. A primeira irá incidir na secção 56 da Legislação de Circulação Rodoviária. A alteração exige que o condutor que atropele cavalos, vacas, burros, ovelhas, porcos (excepto javalis), cabras, cães ou gatos, deve parar de imediato e comunicar o acidente à polícia num espaço de 24 horas. Se estas medidas forem tomadas, a hipótese de sobrevivência do animal atropelado aumenta significativamente.
Por seu lado, o Parágrafo 1 do artigo 3 do MAPL estipula:

Maus tratos a animais

1. É proibido o tratamento de animais por meios cruéis ou violentos ou por meio de tortura, que lhes inflijam dor e sofrimento.

Embora o artigo condene a crueldade, a violência e a tortura não específica o que considera como tal. Por exemplo, o atropelamento e abandono de um animal pode ser considerado cruel, violento ou uma forma de tortura? Haverá necessidade que a lei seja mais específica e se venha a debruçar sobre a intencionalidade ou a não intencionalidade nestas circunstâncias?

É considerado como crueldade, violência ou tortura, embora não só, pontapear, bater e provocar ferimentos ou mutilações. O Artigo 25 do MAPL estipula:

Artigo 25.º

Crime de crueldade contra animais
Quem, com a intenção de infligir dor e sofrimento a animal, o tratar por meios cruéis ou violentos ou por meio de tortura, que resultem em mutilações graves, perda de órgãos importantes ou morte, é punido com pena de prisão até 1 ano ou com multa até 120 dias.

Embora a lei não enumere os comportamentos específicos que provocam estas consequências, condena todos os actos que as provoquem.

Claro que enumerar comportamentos específicos seria exaustivo. Na sociedade actual, os meios pelos quais a violência, a crueldade e a tortura se exercem são inumeráveis. Embora a lei actual contemple um vasto leque de comportamentos, não quer dizer que esteja preparada para lidar com novos comportamentos crúeis, violentos e perversos que possam surgir no futuro. Os animais não falam e, como tal, não se podem queixar. Por isso, a lei tem de definir muito bem o que são actos de crueldade, violência e tortura, para que possam ser convenientemente punidos. É possível implementar a protecção dos direitos dos animais.

Hoje em dia, nos países dos continentes europeu e americano a legislação de protecção animal já não se limita a condenar os maus tratos e a negligência. A lei estipula o “dever de cuidar” para proteger os direitos dos animais. É disso exemplo o Acto 2006 de Bem-Estar Animal, que foi acrescentado à legislação do Reino Unido em 2006. O “Dever de Cuidar” estipula que os donos têm de dar garantias de possuir os meios necessários para prover às necessidades básicas dos animais ao seu cuidado; além disso garante que os agentes das autoridades possam intervir sempre que um animal é encontrado em situação deficitária, como forma de prevenir tragédias futuras. É precisamente neste ponto que irá incidir a alteração à lei de protecção aos animais em Hong Kong.

Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau
Professor Associado do Instituto Politécnico de Macau
Blog: http://blog.xuite.net/legalpublications/hkblog
Email: legalpublicationsreaders@yahoo.com.hk

14 Mai 2019

Investigação genética sujeita a novas regras

[dropcap]N[/dropcap]o passado dia 20, a Hong Kong TV anunciou que a China continental vai rever o Código Civil. As reformas jurídicas vão ter efeito em múltiplas áreas, nomeadamente na proibição do uso de tecnologia informática para fins que violem a privacidade dos cidadãos. Os órgãos estatais, e os seus funcionários, têm plena consciência da importância da salvaguarda da informação pessoal. Estão obrigados a manter a confidencialidade dos dados, não podendo em circunstância alguma, facultá-los indevidamente a terceiros. As reformas também se farão sentir nas áreas científica, académica e clínica, particularmente no que respeita à regulação dos procedimentos de manipulação de genes e embriões humanos. Estes procedimentos têm de obedecer à lei, aos regulamentos administrativos, não podendo nunca pôr em risco a saúde humana, nem violar princípios morais.

Esta emenda específica do Código Civil teve obviamente em consideração a experência levada a cabo pelo Professor He Jiankui, em 2018. Ao criar uma transformação do genoma nos embriões de duas gémeas, o Professor imunizou-as contra o HIV. É consensual encarar a investigação de He Jiankui como um enorme avanço científico, mas ela constitui também uma violação clara das regras éticas e legais A transformação do genoma é uma caixa de Pandora que, uma vez aberta, pode libertar pesadelos imprevísiveis. Alterar o genoma pode agravar desigualdades entre os seres humanos e o agravamento de desigualdades pode gerar conflitos. A manipulação do genoma constitui uma clara violação da ética humana e, por isso, é totalmente pertinente a regulamentação desta área. A criação de mais leis e regulamentos é indispensável. Em primeiro lugar temos a investigação, depois as questões morais que levanta e finalmente a lei que a governa.

Existem muitas questões nesta área na sociedade actual. A lei não pode limitar-se a regular os estudos genéticos. No último artigo, analisámos o caso de Jan Karbaat, o medico holandês, director do departamento reprodutivo de um Hospital estatal, que trocou o esperma dos dadores autorizados pelo seu, sem o consentimento das receptoras. Calcula-se que tenham sido geradas 60 pessoas com o material genético do médico. Organizadas em grupo, estas pessoas processaram-no, exigindo que fossem recolhidas amostras do seu ADN para comprovar a paternidade .

A manipulação genética e a fertilização assistida representam, sem dúvida, enormes progressos científicos, mas, sem uma regulação com base na ética, podem ter resultados desastrosos e, sobretudo, imprevisíveis. É importantíssimo que a sociedade, através dos seus mecanismos jurídicos, supervisione e controle estes processos. A bem da igualdade de oportunidades e do bem estar social.

A manipulação genética ilegal e a utilização não autorizada de esperma na fertilização assistida, são crimes aos olhos da lei. Pela sua natureza complexa, podem não ser facilmente identificáveis pelo homem comum. A sociedade tem obrigação de legislar e de punir os actos ilegais. Em conformidade, são necessárias mais leis para regularem os actos médicos. À semelhança da legislação que regula os crimes informáticos, as leis que regem os actos médicos serão independentes das leis tradicionais, terão de tomar em linha de conta todo o conjunto de incidentes que possam ter origem em actos médicos, de forma a governar de forma justa esta situação específica.

 

Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau
Professor Associado do Instituto Politécnico de Macau
Blog: http://blog.xuite.net/legalpublications/hkblog
Email: legalpublicationsreaders@yahoo.com.hk

7 Mai 2019

Doutor estranho amor

[dropcap]N[/dropcap]o dia 16 deste mês, a TVB de Hong Kong passou uma estranha notícia. Um médico holandês, o Dr. Jan Karbaat, antigo director do departamento de medicina reprodutiva do Zuider Hospital, terá usado, ao longo de quinze anos, o seu sémen para fertilizar óvulos de pacientes. Não se sabe ao certo quantos bebés terão sido gerados desta forma. O Dr. Karbaat faleceu em 2017.

A Direcção do Zuider Hospital veio a apurar que, entre 1973 e 1978, um total de 659 mulheres foram admitidas para serem submetidas ao processo de inseminação artificial, do qual resultaram 338 bebés. Se são, ou não, todos filhos do Dr. Karbaat, só a investigação em curso poderá dizer.

Depois de deixar este Hospital em 1979, o médico abriu uma clínica reprodutiva, que viria a ser encerrada em 2009, devido a problemas administrativos. Profissionais da área afirmaram que este incidente só foi revelado muitos anos depois, porque antigamente a identidade do doador permanecia secreta, sendo apenas do conhecimento do pessoal clínico. Mas a legislação holandesa mudou em 2004 e a identidade dos doadores passou a ser pública.

O médico foi acusado de usar o seu esperma para fertilizar pacientes, sem o conhecimento das interessadas. Existem suspeitas que tenham sido geradas mais de 60 crianças desta forma.

Um dos membros e porta-voz, do auto-apelidado grupo “Filhos de Jan”, que se parece incrivelmente com o médico, solicitou ao Tribunal autorização para recolher uma amostra genética de Jan Karbaat, para comparar com o ADN dos membros do grupo. Após deferição do pedido, deu-se início a um longo processo de identificação. No seguimento destas investigações Joey, um dos filhos do médico, afirmou:

“Depois de 11 anos de investigações, posso finalmente pôr um ponto final no assunto. Posso seguir em frente. Sinto-me feliz por ter identificado as minhas origens.”

Tim Bueters, o advogado que representou os 49 filhos do médico, também se declarou satisfeito, por terem acabado as incertezas e os interessados terem tido, finalmente, acesso à verdade.

Embora ainda não se saiba ao certo que acusação o Estado Holandês irá formular para estes crimes, pelo quadro apresentado, existem alguns pontos dignos de nota:

1. A lei holandesa estipula que uma pessoa só pode doar esperma por 6 vezes, no máximo, e que o número de mulheres que engravidam com esse esperma não pode ultrapassar as 25. O médico violou claramente estes limites.

2. As crianças nascidas por este método têm direito de saber quem é o seu pai biológico? Esta é uma questão legal, mas também moral, que dependerá da vontade do doador para se identificar. Será que as crianças merecem passar por isto? É claro que é um assunto que pode necessitar de privacidade. Mas se a identidade do doador for revelada, é natural que se pense na posição das mães, o que nos remete para outra área de privacidade.

3. Sem o consentimento das mães, e dos seus parceiros, o médico usou o seu próprio esperma, trocando-o pelo dos doadores “credenciados”. Pode este acto ser considerado uma violação da vontade dos receptores? Além disso, se o casal em causa tivesse conhecimento do sucedido durante a gestação, teria direito a recorrer ao aborto? A questão é complexa, não pode ser facilmente formulada.

1. Na Holanda, antes de 2004, as pessoas geradas com esperma de doadores não tinham direito de saber a identidade do progenitor biológico. Mas, depois de 2004, a situação mudou. No contexto actual, os seus “descendentes” tiveram possibilidade de reclamar a identidade do pai biológico . Jan Karbaat morreu em 2017 e deixou um legado. Naturalmente, os seus filhos têm direito a reclamar a herança. Esta situação é naturalmente desfavorável para a viúva e para os filhos do casamento. Se se confirmarem os 60 filhos, por via da inseminação artificial, então, cada um deles, terá direito a uma fatia – pequena – da herança do médico.

Este é, de uma certa forma, um caso pioneiro. Sem a legislação adequada, teremos de pensar como se irá resolver o assunto e lidar com as lacunas da lei.

Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau
Professor Associado do Instituto Politécnico de Macau
Blog: http://blog.xuite.net/legalpublications/hkblog
Email: legalpublicationsreaders@yahoo.com.hk

23 Abr 2019

Estacionamento inteligente

[dropcap]N[/dropcap]o passado dia 25 de Março, o Departmento de Transportes do Governo de Hong Kong apresentou uma proposta ao Conselho Municipal do Distrito de Sham Shui, para a construção de um parque de estacionamento inteligente, em Sham Shui Po. A área destinada ao parque tem cerca de 3.400 metros quadrados. As instalações terão a forma de uma espiral e os espaços de estacionamentos vão ser circulares. O estacionamento será inteiramente controlado por um sistema informático automatizado que incluirá uma rede de “paletes automáticas”. Este design permite maior facilidade e rapidez de estacionamento. No rés do chão do complexo prevê-se a construção de jardins, parques infantis e ginásios.

Dia 7 deste mês, a Autoridade de Renovação Urbana de Hong Kong fez novas propostas para a construção do primeiro parque inteligente de Hong Kong, administrado por um sistema de estacionamento informatizado, responsável pelo controle das “paletes automáticas”.

As paletes automáticas efectuam o estacionamento dos veículos. Primeiro o condutor pára o carro à entrada do parque e depois faz o seu registo no sistema. Quando este processo está concluído, a palete automática vai buscar o carro, introduzindo-se na parte de baixo do veículo e depois eleva-o para proceder ao transporte. O espaço de estacionamento é detectado automáticamente, bem como a trajectória até ao local. Este mecanismo de transporte está equipado com um sensor que lhe permite desviar-se dos obstáculos e evitar colisões.

A Autoridade de Renovação Urbana alertou para o facto de não existir qualquer tipo de legislação que regule este sistema automatizado. Esta falha vai criar algumas dificuldades à aprovação do projecto por parte do Governo de Hong Kong.

O conceito de parques de estacionamento inteligentes foi importado de Singapura. De forma a evitar o congestionamento do tráfego e as emissões de dióxido de carbono, Singapura tem encorajado o uso de bicicletas. Mas, tal como os carros, as bicicletas também necessitam de locais para estacionar. Se forem deixadas na rua, podem bloquear a circulação e, além disso, podem ser roubadas. Por causa disso, o Governo de Singapura criou um parque inteligente para estacionar bicicletas, com capacidade para albergar 500 unidades. Antes de entrar, o utilizador tem de se registar no sistema informático do parque, recebendo de seguida a password que lhe permite estacionar a bicicleta. O processo de estacionamente automático leva menos de um minuto a efectuar-se. Este sistema de estacionamento inteligente foi inventado no Japão, onde está em funcionamento já há algum tempo. É pois expectável que o novo parque de Hong Kong venha a funcionar às mil maravilhas.

E que lições pode tirar Macau desta experiência? A 17 de Maio de 2018, o Governo da RAEM publicou a “Estratégia para o desenvolvimento da cidade inteligente de Macau e a construção nas áreas principais – Consulta Pública” . As plataformas automáticas de Singapura podem vir a ser tomadas em linha de conta para a implementação deste projecto em Macau.

Macau tem imensos habitantes e, desde há muito tempo, que se sente a falta de parques de estacionamento na cidade. À noite, sobretudo, vêem-se bastantes carros estacionados na estrada. Este estacionamento desordenado provoca o caos, dificultando a circulação de veículos e de peões. Todos sabemos que durante a passagem dos super tufões Hato e Mangkhut em Macau, em 2017 e em 2018, muitos carros estacionados em parques subterrâneos ficaram literalmente desfeitos, devido às cheias. É urgente construir na cidade mais parques de estacionamento, em estruturas acima do solo. Quer do ponto de vista da vida do dia a dia, quer do ponto de vista do desenvolvimento urbano, os parques inteligentes são indispensáveis.

Para estabelecer uma rede de parques inteligentes, são necessárias leis que os regulamentem. Embora exista em Macau muita legislação rodoviária, não existem leis que tenham em consideração as questões levantadas pelos parques inteligentes. Por isso, se quisermos construir parques inteligentes, temos de criar a respectiva legislação e agir antecipadamente.

17 Abr 2019

Corrupção com rédea solta

[dropcap]R[/dropcap]ecentemente, o Comissariado contra a Corrupção (CCAC) publicou o “Relatório de Actividades de 2018 do Comissariado contra a Corrupção de Macau”, cujos conteúdos não deixaram de surpreender os habitantes da cidade. Aparentemente, depois do caso de Ao Man Long e de Ho Chio Meng, existem ainda muitos funcionários do Governo que continuam a transgredir a lei. Pergunto-me quanto tempo será ainda necessário para que o Executivo da RAEM se liberte definitivamente deste problema.

A corrupção existe devido a práticas inquinadas dos sistemas político e económico, bem como a procedimentos perversos, culturalmente enraizados. Alguns empresários afirmam que “pagar luvas” é a melhor forma de tornar eficientes os serviços administrativos, como se pode verificar em certos países e regiões. Em Macau, no tempo da administração portuguesa, e na fase inicial da abertura da China ao processo de reformas, as pessoas consideravam o dinheiro aplicado em “presentes” como um custo normal de produção. Mas, com o passar do tempo e com as inevitáveis mudanças que acarreta, esta pseudo forma de aumentar a eficiência da administração pública deixou de ser tolerável.

No relatório do CCAC, são referidas as declarações da secretária para a Administração e Justiça sobre o ingresso de familiares de funcionários administrativos nos quadros públicos. A secretária afirma que esse ingresso não viola a lei e que, como tal, não pode ser considerado crime, mas desaconselha o procedimento considerando-o impróprio. Familiares de funcionários do Governo estão colocados em diversos departamentos públicos, como é o caso do Centro de Produtividade e Transferência de Tecnologia de Macau e de muitos outros serviços. Se a corrupção e as más práticas não forem erradicadas de vez de todas as instituições, os subordinados continuarão a seguir o exemplo dos seus superiores. A corrupção continua a medrar neste viveiro, e mesmo depois do novo Chefe do Executivo tomar posse, não nos conseguiremos livrar destas práticas malsãs.

Uma das causas primordiais da corrupção reside no abuso do poder, especialmente quando falta supervisão de procedimentos. Aliás, o sistema de verificação e de avaliação de desempenhos, ao nível da actuação do Governo local, tem sido uma preocupação de longa data da China, especialmente quando estão envolvidos muitos interesses e muitos accionistas. É muito difícil conseguir um aperfeiçoamento do sistema, quando faltam pessoas com ideais e quando o sistema jurídico não é suficientemente sólido. As leis são uma das principais ferramentas para governar um país, e a implementação de uma boa aplicação da lei é uma salvaguarda do progresso social.

Embora Macau já tenha regressado ao seio da China mãe há duas décadas, o seu atraso na legislação dura desde essa altura. O primarismo dos legisladores e o fraco exercício do estado de direito fizeram com que Macau ficasse entregue ao “estado das coisas”. Se a Polícia conseguisse utilizar o reconhecimento facial para identificar os peões que não respeitam os semáforos, de forma a poder multá-los, aposto que a fila para pagar as multas ia ser tão longa que ia dar a volta a metade da Península de Macau.

O princípio do estado de direito é a implementação da justiça, da imparcialidade, da transparência e da igualdade de todos os cidadãos aos olhos da lei. Todas as organizações e todos os indivíduos devem respeitar a autoridade da lei e agir dentro dos limites por ela definidos. Não podem existir privilégios nem excepções perante a lei. Olhando para o que se tem passado em Macau nos últimos anos, quem poderá afirmar que a nossa sociedade se rege pela obediência à lei?

O relatório do CCAC traça um quadro geral do problema da corrupção ao nível dos serviços administrativos. O caso “da permuta de terrenos da Fábrica de Panchões Iec Long” e o “projecto de construção do Alto de Coloane” ainda estão para ser avaliados nos próximos dias. Já saber se a atribuição das concessões para exploração de jogos de fortuna ou azar em casinos através de concurso público, se irá realizar de forma justa, imparcial e transparente, só o tempo o poderá dizer. Esta questão será sem dúvida um dos grandes desafios do Governo da RAEM.

Para tornar límpidas as águas do Rio Amarelo, não vale a pena aplicar grandes esforços para filtrar as areias e a lama ao longo das margens, devemos sim concentrarmo-nos na consolidação dos aterros, de forma a evitar que as areias e a lama continuem a ser levadas rio adentro. O relatório do CCAC “mexeu com as águas turvas”, mas ainda é cedo para saber o que vai acontecer aos que foram identificados no relatório.

12 Abr 2019

Crimes, escapadelas e computadores (III)

[dropcap]H[/dropcap]á algumas semanas atrás, falámos sobre um caso ocorrido numa escola primária. Quatro professores divulgaram as perguntas dos exames e foram acusados de “aceder a computadores com intuitos desonestos”, ao abrigo da secção 161(1)(c) da Lei Criminal, de Hong Kong. Esta secção aplica-se a crimes informáticos. Este caso ficou famoso em Hong Kong e foi inicialmente julgado no Tribunal de Magistrados, posteriormente no Tribunal de Primeira Instância e finalmente no Tribunal de Recurso. A sentença desta última instância foi publicada no dia 4 deste mês. O julgamento durou, na totalidade, cinco anos.

Da sentença publicada, destacam-se cinco pontos dignos de análise:

Em primeiro lugar, fica bem claro que uma pessoa que cometa um crime abrangido pela secção 161 (1) (c) terá de usar o computador de outrém para satisfazer o pedido “irregular”. Se aplicarmos este princípio legal, a secção 161 (1) (c) não cobrirá situações em que o faltoso usa o seu próprio computador para actos fraudulentos a pedido de terceiros; ou no caso de usar o seu próprio computador para defraudar outras pessoas. Nestes casos, é problemático para o Governo da RAEHK acusar os responsáveis das infracções. Possivelmente, o Governo terá de analisar caso a caso antes de tomar uma decisão. Podemos apenas afirmar que não existe uma norma que regule todas estas situações.

Em segundo lugar, na sentença nunca é dito que o smartphone é considerado um computador. Como o Tribunal de Recurso não se pronuncia sobre esta matéria, prevalece o parecer do Tribunal de Primeira Instância; ou seja, os smartphones são vistos como computadores.
Relacionando o primeiro e o segundo pontos, não é difícil de concluir que o Governo da RAEHK será levado a legislar de forma a cobrir delitos que ainda não estão abrangidos por leis específicas. Um outro exemplo é o caso das fotos que são tiradas de forma a revelar o que as saias cobrem (muitas vezes sem o consentimento da mulher em questão). Ao abrigo da lei actual, se estas fotos forem tiradas em locais privados, não existe crime. Se não houver uma nova legislação, o fotógrafo pode continuar a cometer este delito sem qualquer punição.

No caso de o Governo da RAEHK promulgar uma nova legislação, esta deverá conter, pelo menos, dois elementos:

1. Fotografar partes intímas deverá ser considerado crime, mesmo que ocorra num espaço privado.

2. A nova lei deve estipular que o smartphone é um computador, ou em que circunstância o smartphone pode ser considerado uma ferramenta criminosa, que permita ao fotógrafo registar, à socapa, imagens de zonas intímas. Este elemento é fundamental, porque estas fotos são sempre tiradas com telemóveis e nunca com computadores.

Em terceiro lugar, a secretária da Justiça propôs que a secção 161 (1) (c) se aplique a estas situações a bem das boas práticas públicas. Como já foi mencionado, se estas fotos forem tiradas em locais privados, não é possível formular acusação. O Tribunal de Recurso não leva estes argumentos em consideração e afirma que a função do Tribunal é interpretar a lei e tomar decisões baseadas nessa interpretação. As boas práticas públicas são um factor com que o Tribunal não tem de lidar.

A maior diferença entre o sistema da common law e o sistema da civil law reside no facto de, no primeiro caso, o Tribunal ter como função a interpretação da lei, ao passo que no segundo não terá. Após o Tribunal ter interpretado a lei, deve tomar a decisão de acordo com o seu próprio entendimento. A interpretação da lei só pode ser feita de acordo com métodos legais e segundo os princípios do estado de direito. Estes métodos não contemplam as boas práticas públicas. A secretária da Justiça apelou às boas práticas públicas por razões de ordem pessoal. Para além de ser representante do Governo da RAEHK, a secretária da Justiça é conselheira jurídica do Executivo. Uma das suas principais funções é a manutenção das boas práticas públicas através da aplicação da lei. No entanto, se o Tribunal de Recurso aceitar que este argumento é válido para recorrer de uma sentença, futuramente poderá usá-lo como critério para tomar decisões. Como as boas práticas públicas não são necessariamente princípios jurídicos, este método de interpretação legal não é, obviamente, compatível com uma interpretação apenas baseada na lei.

Em quarto lugar, alguns casos têm estado pendentes à espera da clarificação do Tribunal de Recurso sobre o alcance da aplicação da secção COFA 161 (1) (c). No momento que que o Tribunal de Recurso publicar o seu Normativo estes casos serão retomados. Em função disso, o Governo da RAEHK pode manter ou rever as acusações. Depois das emendas, parece muito improvável que o Tribunal de Recurso venha a receber o mesmo tipo de apelos.

Em quinto lugar, o caso dos professores que divulgaram os resultados dos exames foi julgado pelo Tribunal de Magistrados em 2014, depois passou ao Tribunal de Primeira Instência e, após recurso dos réus, ao Tribunal de Recurso, tendo ficado concluído só em 2019. Durou cinco anos. Independentemente de se ser, ou não, considerado culpado, é bastante difícil para alguém aceitar que um julgamento se arraste durante cinco anos. A pressão a que os réus ficam sujeitos é um trauma que dura uma vida. Este foi o preço que os professores tiveram de pagar por divulgarem as perguntas dos exames.

Com a democratização da educação, um número cada vez maior de jovens ingressa nas escolas. Estas fugas de informação deveriam acabar, mas acontecem cada vez mais. Talvez o Governo da RAEHK tenha de considerar a possibilidade de legislar sobre esta matéria. Como Hong Kong realiza vários exames públicos, para simplificar, vamos dividi-los em dois tipos: públicos e privados. Antes das provas, as perguntas dos exames das escolas públicas, são consideradas documentos confidenciais do Governo. Mas os exames das escolas privadas são outro caso. Não podem ser considerados da mesma forma. Assim, se alguém divulgar as perguntas dos exames de uma escola privada, não incorre em nenhum crime. No entanto parece impossível que alguém que divulgue perguntas de um exame não venha a ser julgado.

Macau tem a “Lei de Combate ao Crime Informático”. Se o caso da Escola Primária Heep Woh aqui tivesse acontecido, haveria forma de lidar com o assunto. Em breve irão realizar-se exames nas escolas primárias e secundárias e também provas de admissão às Universidades. Haverá necessidade de promulgar legislação especial para punir quem divulgue as perguntas dos exames?

 

Conselheiro Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau
Professor Associado do Instituto Politécnico de Macau
Blog: http://blog.xuite.net/legalpublications/hkblog
Email: legalpublicationsreaders@yahoo.com.hk

9 Abr 2019

Tratado de Extradição III

[dropcap]Q[/dropcap]uem tem vindo a acompanhar os artigos sobre esta matéria, sabe que o pedido de extradição apresentado por Taiwan a Hong Kong esteve relacionado com um crime cometido naquele território por um cidadão de Hong Kong. Após cometer o crime o suspeito fugiu e o Governo de Taiwan apresentou um pedido de extradição ao Governo de Hong Kong.

Este incidente esteve na origem da proposta de emenda à Lei dos Criminosos em Fuga (FOO sigla em inglês), feita após consulta pública. No espaço de dois meses, a sociedade de Hong Kong pronunciou-se através da sua comunidade empresarial e da Ordem dos Advogados, mas também se fizeram ouvir opiniões da American Chamber of Commerce e da União Europeia, que manifestaram diferentes pontos de vista sobre as emendas a introduzir na FOO. As emendas a um conjunto de leis de Hong Kong foram analisadas e comentadas pelos Estados Unidos da América e pela União Europeia, o que é algo com que a maior parte das pessoas não teria ousado sonhar.

A comunidade de Hong Kong manifestou diferentes opiniões a este respeito. Dezanove associações profissionais, como a “Faithful Relief” e a “Xinglin Awakened” emitiram um comunicado conjunto expressando a sua preocupação sobre a possibilidade das emendas deixarem os habitantes de Hong Kong desprotegidos, sem direito a um julgamento justo.

Sublinharam ainda que a comunidade internacional pode vir a encarar o sistema jurídico independente de Hong Kong como parte do sistema jurídico da China continental. Na perspectiva destas associações profissionais o Governo de Hong Kong deverá limitar o alcance das emendas.

Para já, pretende que o Tratado de Extradição se limite a Taiwan, ficando de fora a China continental e Macau.

Além disto, de forma a evitar mais polémica sobre os casos de extradição, que podem inquietar os suspeitos e aumentar as possibilidades de fuga, o Governo de Hong Kong propõe que o Conselho Legislativo suspenda a discussão do assunto. As associações profissionais acreditam que este problema pode ser resolvido pela prisão preventiva do suspeito, antes que o Conselho Legislativo leve a matéria a debate.

Lin Jianyue, membro do Comité Nacional da Conferência Consultiva Política do Povo Chinês, pensa que a emenda não deve abarcar crimes económicos. Lin Jianfeng, membro do Comité Nacional da Conferência Consultiva Política do Povo Chinês, defende que os crimes económicos deve ser tratados separadamente dos crimes violentos.

No passado dia 7, a American Chamber of Commerce declarou junto do Governo de Hong Kong, que nutre “sérias reservas” em relação a estas emendas. A American Chamber of Commerce sublinha que as alterações à lei podem permitir que o Governo da China continental peça a extradição de empresários internacionais, que vivam ou estejam de passagem em Hong Kong, e que tenham sido acusados de crimes económicos no continente. Esta possibilidade iria desvalorizar a imagem de Hong Kong como cidade cosmopolita. A American Chamber of Commerce salientou ainda que, implementar ou não esta emenda, poderá ser um factor decisivo no estabelecimento e manutenção de grandes empresas internacionais em Hong Kong. A competitividade de Hong Kong poderá vir a ser afectada.

No passado dia 23, Kano, Director do Gabinete da União Europeia em Hong Kong, declarou numa entrevista à RTHK, que tinha expressado ao Governo de Hong Kong a sua preocupação sobre o impacto destas alterações à lei nos cidadãos europeus, e que tinha solicitado que o Governo consultasse os estatutos da UE sobre Tratados de Extradição em Hong Kong. Kano propôs também que se dilatasse o período de revisão da legislação.

Shi Shuming, membro executivo da Ordem dos Advogados de Hong Kong, salientou que se o Governo excluir um certo número de crimes em respostas às necessidades de alguns sectores, tornando impossível a extradição de certas pessoas, muita gente ficará demasiado “à vontade”. E nesse caso, porque não ter também em consideração as preocupações de outros sectores? Porque motivo há-de existir um tratamento diferenciado? É óbvio que existirão sempre stuações injustas.

Tang Yingnian, membro do Comité Nacional da Conferência Consultiva Política do Povo Chinês, acredita que o Conselho Legislativo irá discutir em detalhe a questão da repatriação nos casos de crimes não violentos como é o caso dos crimes fiscais e dos crimes económicos. No entanto defende as emendas a esta lei. Hong Kong não pode ser refúgio para quem quer fugir ao braço da lei.

Tan Huizhu afirmou que qualquer assistência jurìdica mútua deve implicar quatro condições:

1. O crime na base do pedido de extradição, deve ser reconhecido nos dois locais;
2. O crime não pode ter, aos olhos da lei, diferenças óbvias entre os dois locais;
3. A existência de prova suficiente;
4. O crime deve ser encarado aos olhos da lei da mesma forma, antes e depois da transferência de soberania,

Tan Huizhu salienta que as pessoas do mundo dos negócios não têm motivo para receios.

Independentemente das várias opiniões, e quer estejamos ou não de acordo com elas, este assunto vai levar algum tempo a discutir até se conseguir um consenso, de forma a que a revisão da lei possa ser bem sucedida. A avaliar pelo estado das coisas, a entrada em vigor da emenda à lei não parece estar para breve.

A função básica de qualquer lei é proporcionar equidade e justiça social. Nesta perspectiva, como lidar com o pedido de extradição de Taiwan para o suspeito da morte da jovem Poon Hiu-wing? A bem da justiça, não deveria a sociedade de Hong Kong pôr de lado as diferenças, concordar com esta extradição a título excepcional e, em seguida, colocar o assunto à discussão?

Mas também podemos depreender pelas discussões que têm ocorrido no seio da comunidade de Hong Kong, que não existe nenhuma preocupação com o sistema jurídico. Será possível conseguir que Hong Kong e Macau assinem um Tratado de Extradição?

 

Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau
Professor Associado do Instituto Politécnico de Macau
Blog: http://blog.xuite.net/legalpublications/hkblog
Email: legalpublicationsreaders@yahoo.com.hk

26 Mar 2019

Lei do investimento estrangeiro

[dropcap]A[/dropcap] agência noticiosa chinesa Xinhua publicou no passado dia 15 uma notícia sobre a aprovação da Lei do Investimento Estrangeiro (sigla em inglês FIL), que teve lugar durante a segunda cimeira do 13º Congresso Nacional do Povo. O Presidente Xi Jinping assinou o Decreto No. 26 e promulgou a FIL.

As reformas económicas na China têm vindo a decorrer ao longo dos últimos 40 anos. Nos finais de 2018, estavam registados 960.000 investidores estrangeiros na China, totalizando o capital investido 2,1 triliões de dólares americanos. Considerando a relevância destes investimentos, é adequado criar uma emenda à lei de forma a facilitar e encorajar a aplicação de capital estrangeiro na China.

A China atribui a maior importância à promulgação desta nova lei. A primeira discussão da proposta da nova lei teve lugar a 23 de Dezembro de 2018, durante o 7º encontro do 13º Comité Permanente do Congresso Nacional do Povo (CPCNP). Em Janeiro de 2019, o CPCNP reviu a proposta de lei. A progressão legislativa da FIL estava obviamente a ser acelerada. A 15 de Março, o CPCNP passou finalmente a lei, demonstrando uma elevada eficácia na resolução deste assunto.

A FIL é composta por seis capítulos e 42 artigos, e vai entrar em vigor a 1 de Janeiro de 2020. O artigo 42 estipula que a implementação desta lei abolirá a “Lei do Empreendimento Conjunto Sino/Estrangeiro” , a “Lei das Empresas com Fundos Estrangeiros” e a “Lei das Empresas Sino/Estrangeiras”. Estas três leis tinham vindo, até à presente data, a regular os investimentos estrangeiros na China.

A FIL vai regular o investimento estrangeiro e abarca os seguintes casos:

  • Investidores estrangeiros que criem, sozinhos ou em parcerias, empresas sediadas na China
  • Investidores estrangeiros que adquiram acções, equidade, propriedade, ou outros direitos semelhantes em empresas chinesas
  • Investidores estrangeiros que apliquem capital, sozinhos ou em parcerias, em novos projectos a realizar na China
  • Legislação administrativa ou outros métodos de investimento prescritos pelo Conselho de Estado

A FIL não se aplica em Hong Kong, Macau ou Taiwan. Desta forma, para os empresários de Hong Kong, Macau e Taiwan o que está em causa é perceber se podem continuar a ser considerados investidores estrangeiros, se quiserem aplicar capital na China. O primeiro-ministro chinês Li Keqiang afirmou que, na medida em que o capital oriundo de Hong Kong e de Macau representa 70% do investimento estrangeiro na China continental, o assunto é considerado da maior importância:

“O investimento vindo de Hong Kong, Macau e Taiwan tem cabimento no quadro da nova lei, hoje aprovada. Alguns dos nossos acordos institucionais de longa data e das nossas práticas governativas, continuarão a ser aplicados. Queremos beneficiar e atrair os investidores de Hong Kong, Macau e Taiwan.”

Li Keqiang sublinhou que o continente vai manter as fronteiras e os free ports de Hong Kong e Macau, e criar condições preferenciais para os empresários de Taiwan que queiram investir na China continental.

Para reforçar as palavras do nosso primeiro-ministro, há que salientar que até agora os empresários de Hong Kong, Macau e Taiwan foram sempre considerados investidores estrangeiros. Esta prática não deverá ser alterada após a implementação da nova lei.

A FIL define os conceitos de “equidade de tratamento” e de “sistema de dispensa”, relativamente aos empresários estrangeiros. “Equidade de tratamento” implica que, perante o mesmo investimento, o tratamento dado aos investidores estrangeiros não poderá ser inferior ao que é dado aos nacionais. O “sistema de dispensa” divide o investimento em três categorias: sem restrição nem proibição, sem restrição, e sem proibição.

  • No primeiro caso, os empresários estrangeiros podem fazer investimentos sem necessidade de qualquer tipo de aprovação.
  • No segundo caso, os empresários estrangeiros têm de obedecer à regulamentação aplicável.
  • No terceiro caso, os empresários estrangeiros não podem investir em projectos relacionados.

Até aqui, os empresários estrangeiros precisavam de obter autorização oficial para fundar uma empresa em solo chinês, que incluia aprovação de contratos, dos estatutos, das actividades corporativas, etc. A seguir precisavam de aprovação do próprio projecto. Finalmente, precisavam de obter uma licença, antes de registarem a empresa. A FIL veio abolir completamente esta longa série de aprovações.

Além disso, a nova lei garante toda uma série de protecções institucionais para investidores estrangeiros, a saber:

  • Criação e aperfeiçoamento de um sistema de apoio ao investimento estrangeiro
  • Garantia que as empresas de capital estrangeiro podem fazer aquisições de forma justa através de OPAs lançadas pelo Governo
  • Garantia de equidade na participação de empresas de capital estrangeiro; providenciar às empresas de capital estrangeiro a oportunidade de participarem na definição dos padrões de participação equitativa
  • Criar um mecanismo de reclamações para as empresas de capital estrangeiro
  • Impedir o uso de mecanismos administrativos para forçar a transferência de tecnologia

A FIL terá efeitos benéficos para a China, Taiwan, Hong Kong e Macau e também para os investidores estrangeiros. No que diz respeito à China, a FIL vem aperfeiçoar a legislação sobre o investimento estrangeiro no país, tornando o contexto empresarial chinês mais legal, internacional e apelativo. Como a FIL prevê a implementação de novas políticas comerciais, depreende-se que esta nova lei é apenas o começo de um novo caminho neste sentido. Em breve, os investidores estrangeiros conhecerão em detalhe que tipo de benefícios poderão obter ao abrigo da FIL e das novas políticas comerciais.

Para os empresários de Taiwan, Hong Kong e Macau, e de outros países, a FIL garante mais benefícios e facilidades. A FIL é uma “lei feliz”.

19 Mar 2019

Sistema Jurídico Integrado II

[dropcap]A[/dropcap] semana passada analisámos alguns dos principais pontos das “Linhas Gerais para o Desenvolvimento de Guangdong, Hong Kong e Macau”. No documento são apontados os vectores de desenvolvimentos das quatro cidades principais, Guangzhou, Shenzhen, Hong Kong e Macau. Hong Kong é o centro financeiro e comercial, centro de exportação e o principal polo de tráfego aéreo da região. Precisa de desenvolver os negócios que fazem movimentar o Renminbi. Deve também aperfeiçoar o funcionamento do Centro Internacional de Gestão de Valores e do Centro de Gestão de Risco, e ainda construir um Centro Internacional de Mediação para a Resolução de Disputas Jurídicas na região Ásia-Pacífico. Desta forma, Hong Kong tornar-se-á uma metrópole competitiva a nível internacional. Macau é um centro internacional de turismo e lazer e uma plataforma para a cooperação comercial entre a China e os países e língua portuguesa. Macau será uma base para o intercâmbio e a cooperação, guiado pelos valores da cultura chinesa, mas num ambiente multi-cultural.

Uma das mais valias de Hong Kong é o Centro Internacional de Resolução de Disputas Jurídicas na região Ásia-Pacífico. Acredita-se que a realização deste ideal de cooperação, será a criação de um escritório de advogados com sócios oriundos de Guangdong, de Hong Kong e de Macau. Até agora, em Hong Kong, um advogado de outra região só pode trabalhar em casos originários da zona onde tem licença para exercer. Ao avançar para um sistema jurídico mais integrado, um advogado que tenha obtido a licença numa destas três cidades pode exercer livremente em qualquer uma das outras, sem qualquer limitação. Por outro lado, a criação de escritórios conjuntos, com sócios vindos das diversas zonas, origina uma complementaridade de competências e uma maior interacção jurídica.

Mas este intercâmbio vai ter implicações ao nível dos impostos. No passado dia 1, no 2º Encontro do Grupo para a Construção do Distrito de Guangdong, Hong Kong e Macau, a Chefe do Executivo de Hong Kong, Carrie Lam, afirmou que os residentes de Hong Kong e de Macau, que trabalhem na Província de Guangdong, podem ser subsidiados por esta Província para o pagamento de impostos. Estes subsídios serão atríbuidos apenas a pessoal altamente especializado, cuja presença na zona seja indispensável.

Além disso, a política praticada em Qianhai e em Hengqin, para subsidiar os trabalhadores altamente especializados, passará a vigorar nas nove cidades que integram a Área da Grande Baía. Esta medida deve-se à vontade do Governo local de atrair talentos, estando por isso disposto a compensar a carga fiscal resultante do trabalho em dois sítios diferentes.

Se um destes profissionais, vindo de Hong Kong, de Macau ou de outra cidade, trabalhar na China continental mais do que 183 dias por ano, precisa de pagar impostos localmente.

As políticas fiscais anunciadas no 2º Encontro do Grupo para a Construção do Distrito de Guangdong, Hong Kong e Macau, vão no sentido de conservar os diferentes sistemas fiscais de cada uma das cidades, mas, para apoiar o desenvolvimento da Área da Grande Baía, serão implementados ajustes nos diferentes sistemas de impostos. Sob esta perspectiva, podemos verificar que a Área da Grande Baía é um plano holístico orquestrado pela China. Este mega Distrito não vai destruir os sistemas de cada província, nem das regiões administrativas especiais. Ao contrário, vai conectar os diversos sistemas e torná-los mais eficazes. É um projecto entusiasmante.

Com a inclusão de Hong Kong e de Macau na Área da Grande Baía, a integração das leis é inevitável. No entanto, é preciso salientar que na China continental vigora um sistema jurídico de cariz socialista, em Hong Kong o sistema da Common Law, e em Macau o sistema da Civil Law. Os sistemas da China continental e de Macau são relativamente semelhantes, mas o de Hong Kong apresenta grandes incompatibilidades. Como é que a integração vai ser possível?

Este mega Distrito, também conhecido como Distrito de Dawan, inclui cidades que não distam entre si mais do que uma hora de viagem. Uma pessoa que trabalhe em Hong Kong, pode viver em Shenzhen ou em Zhongshan. Da mesma forma, alguém que trabalhe em Macau pode morar em Zhongshan. Também vai ser fácil ir de carro, ou de autocarro, de Macau para Hong Kong e vice-versa. O intercâmbio de pessoas trará inevitavelmente a integração da legislação civil e comercial. A legislação civil e comercial inclui a Lei da Família, a Lei da Sucessão, a Lei Comercial, a Lei Empresarial, etc. E estas são, precisamente, as leis mais determinantes na vida do dia a dia. A integração desta legislação vai certamente facilitar a vida e o trabalho na Área da Grande Baía. A integração da legislação civil e comercial é o primeiro passo no sentido da integração jurídica da Área da Grande Baía. Mas, devido às diferenças dos vários sistemas, este passo terá de ser dado através de alguns acordos. Há algum tempo atrás, celebrou-se um CEPA (Closer Economic Partnership Arrangement) para a criação de uma relação comercial de maior proximidade entre a China continental, Hong Kong e Macau. Este tipo de acordo é uma das melhores referências. O CEPA é a melhor forma de implementar futuramente a integração na área de Grande Baía.

É previsível que o segundo passo para a integração passe pela fusão de Lei Criminal. Hong Kong está em processo de revisão da sua lei de extradição. O motivo imediato desta revisão foi o crime praticado em Taiwan por um residente de Hong Kong. As emendas a esta lei permitirão extraditar pessoas entre a China continental, Hong Kong e Macau. Se houver um ajuste na legislação da China continental e de Macau, a extradição entre estes locais vai deixar de ser um problema.

A integração da legislação na Área da Grande Baía é uma questão complexa. Envolve três jurisdições diferentes. Precisamos de apelar à nossa sabedoria jurídica para resolver os problemas.

12 Mar 2019

Sistema Jurídico Integrado I

[dropcap style≠‘circle’]N[/dropcap]o dia 18 do mês passado, o Conselho de Estado da China lançou as “Linhas Gerais do Planeamento para o Desenvolvimento de Guangdong-Hong Kong e Macau”. Guangdong, Hong Kong e Macau, incluem Guangzhou, Shenzhen, Zhuhai, Foshan, as Cidades de Huizhou, Dongguan, Zhongshan, Jiangmen, Zhaoqing, a Região Administrativa Especial de Hong Kong e a Região Administrativa Especial de Macau.

 

As Linhas Gerais são compostas por onze capítulos. As quatro maiores cidades, Guangzhou, Shenzhen, Hong Kong e Macau são encaradas como os centros de desenvolvimento, e a cada uma é dado um papel diferente.

 

Hong Kong é o centro internacional a nível financeiro, de exportação, comércio e tráfico aéreo. Precisa de desenvolver as transacções que, a nível internacional, fazem movimentar o renminbi. Deve também aperfeiçoar o funcionamento do Centro Internacional de Gestão de Valores e do Centro de Gestão de Risco, e ainda construir um Centro Internacional de Mediação para a Resolução de Disputas Jurídicas na região Ásia-Pacífico. Desta forma Hong Kong tornar-se-á uma metrópole competitiva a nível internacional.

 

Macau é um centro internacional de turismo e lazer e uma plataforma para a cooperação comercial entre a China e os países e língua portuguesa. Macau será uma base para o intercâmbio e a cooperação, guiado pelos valores da cultura chinesa, mas num ambiente multi-cultural.

 

Guangzhou deverá ser um centro internacional de negócios, desenvolver as competências como centro integrado de transportes, apostar no desenvolvimento nas áreas da ciência e da tecnologia e da cultura, e tornar-se uma metrópole de dimensão internacional.

Shenzhen deve focar-se no projecto de se tornar uma cidade moderna e internacional, ser inovadora e conquistar influência a nível global.

 

Quanto a Hong Kong, ressalva-se a necessidade da criação de um Centro Internacional de Mediação para a Resolução de Disputas Jurídicas na região Ásia-Pacífico. Como o nome sugere, Hong Kong deve ter o papel de mediador e árbitro, em casos de litigação ou disputas jurídicas. Guangdong, Hong Kong e Macau têm três sistemas jurídicos diferentes. A China continental, Hong Kong e Macau praticam respectivamente, o sistema jurídico socialista , o sistema da Lei Comum e o da Lei Cívil. O papel de mediador e de árbitro de conflitos reduz despesas, faz poupar tempo e evita burocracias, quando os conflitos são inter-regionais,

 

Mediação, arbitragem e litigação são diferentes aos olhos da lei. Na mediação, ambas as partes decidem escolher um“mediador” para ajudar a resolver o conflito. Se a mediação for bem sucedida, os dois lados terão de assinar um acordo. Dependendo da lei da região, este acordo pode asssumir a forma de contrato, ou de um documento que requer a aprovação do Tribunal. Depois da assinatura do acordo, se uma das partes o violar, a outra parte pode accionar um processo em Tribunal e pode pedir uma indemnização. A grande vantagem da mediação é a sua simplicidade e a oportunidade de poupar tempo e dinheiro.

 

A mediação e a arbitragem têm naturezas similares. Os árbitros são versados em casos “controversos” , e têm habitualmente alguma formação jurídica, embora devam ser especialistas na área em debate. Se, por exemplo, as partes em conflitos pertencerem à área da engenharia, o árbitro deve ter formação nesta área. Embora o árbitro não seja advogado, recebe formação jurídica, que se vai acrescentar à sua área de especialidade, neste caso a engenharia. A grande vantagem da arbitragem é a sua capacidade de globalização. Um acordo feito desta forma é reconhecido internacionalmente, enquanto os acordos efectuados através de um mediador apenas têm efeito a nível local. No entanto, é preciso salientar que, em certas regiões, os acordos efectuados através de arbitragem só têm efeito após terem sido reconhecidos em tribunal.

 

A litigação é outra forma de resolver conflitos. Aqui, o caso é levado a tribunal, e competirá ao juiz a decisão final. Este processo tem a desvantagem de ser moroso e dispendioso. Além disso, a maior parte destes processos só tem efeito legal na sua própria área de jurisdição.

 

As sugestões feitas pela Linhas Gerais para o Desenvolvimento são compreensíveis. Em Hong Kong vigora a Lei Comum, pelo que é fácil de entrar em sintonia com outras regiões que usam o mesmo sistema jurídico. O artigo 84 da Lei Básica de Hong Kong estipula que o Tribunal de Última Instância pode considerar precedentes internacionais como referência, durante um julgamento. Este artigo formula claramente que os precedentes internacionais, não são a lei de Hong Kong, mas os tribunais de Hong Kong têm o direito de os referir. Um dos cinco juizes do Tribunal de Última Instância é um juiz não permanente, contratado pela jurisdição geral da Lei Comum e não pelo Governo de Hong Kong. Neste sentido, a lei de Hong Kong é facilmente compatível com as de outras regiões. Além disso, a lei de Hong Kong está escrita em chinês e em inglês, sendo que, actualmente, o inglês é uma língua que não tem fronteiras. O Governo de Hong Kong assinou vários tratados internacionais com outras regiões. Sejam eles tratados de extradição, ou de cooperação civil para assuntos comerciais, estabelecem uma boa base de intercâmbio jurídico. Desta forma, e neste contexto, as Linhas Gerais para o Desenvolvimento focam-se na maximização de uma das presentes mais valias jurídicas de Hong Kong.

 

Mas isto quererá dizer que a mediação e a arbitragem são processos exclusivos de Hong Kong? Não será o caso. Embora Macau não tenha a mesma estrutura jurídica de Hong Kong, é também uma região administrativa especial. O nosso sistema jurídico difere do da China continental e do de Hong Kong. Um profissional que conheça bem a lei de Macau, pode, em caso de necessidade, servir de árbitro ou mediador na resolução de conflitos jurídicos.

 

Em certa medida, a mediação e a arbitragem de conflitos são soluções para resolver disputas inter-regionais. Desde que haja um bom apoio e boa preparação, Macau será certamente capaz de poder dar a sua contribuição nesta área.

 

Na próxima semana continuaremos a analisar esta matéria. Obrigado.

5 Mar 2019

Tratado de extradição II

[dropcap]A[/dropcap]semana passada começámos a analisar a proposta do Gabinete de Segurança do Governo de Hong Kong ao Conselho Legislativo, no sentido de ser criada uma emenda à Ordenança de Assistência Mútua para Assuntos Criminais e também à legislação que regula a situação de criminosos internacionais em fuga. Estas medidas foram desencadeadas pelo homicídio cometido em Taiwan. As emendas são necessárias porque, sem base legal, Hong Kong não pode negociar a extradição em caso de crimes fora das suas fronteiras.

Como a Ordenança de Assistência Mútua para Assuntos Criminais e a Ordenança para Criminosos em Fuga não são aplicáveis na China continental, nem em Macau ou Taiwan, o suspeito da morte da jovem Pan Xiaoying não pôde ser extraditado para ser julgado em Taiwan. As emendas propostas sugerem que o Chefe do Executivo pode vir a emitir um certificado que autorize o pedido de detenção provisória. Seguidamente será solicitada ao Tribunal a emissão de um mandato de prisão preventiva. O Tribunal terá de realizar uma audiência e depois tomará a decisão final. O certificado serve apenas para iniciar o processo, mas não tem poder de extradição. O pedido de extradição terá de ser feito pelo Tribunal. O juiz terá de rever o caso cuidadosamente e verificar se todos os requisitos estão presentes. Se as emendas propostas pelo Gabinete de Segurança passarem no Conselho Legislativo, entrará em vigor a assistência mútua e a ordenança para criminosos em fuga entre Hong Kong, a China continental, Macau e Taiwan. Esta medida estará de acordo com o espírito do artigo 95 da Lei Básica de Hong Kong.

 

Ainda não se sabe quando é que a revisão da lei entrará em vigor, mas é necessário fazê-lo o mais rapidamente possível. O suspeito da morte da jovem Pan Xiaoying foi acusado de roubo e de lavagem de dinheiro em Hong Kong. Se for condenado por estes crimes, receberá uma pena de três anos, no máximo. Como já está em prisão preventiva há cerca de um ano, sairá pouco depois do julgamento. Se esta emenda não entrar em vigor ainda este ano, vai ser mais difícil detê-lo depois de ter sido libertado.

 

Esta revisão da lei não se vai reflectir apenas em Hong Kong, também vai ter impacto em Macau e Taiwan. Taiwan aprovou a Lei de Assistência Jurídica Mútua Internacional em 2018, que prevê a colaboração jurídica entre Taiwan, China, Hong Kong, Macau e a comunidade internacional. Contudo, esta assistência mútua limita-se à troca de provas, não incluí a extradição de suspeitos. Se a revisão da lei for bem sucedida, Hong Kong e Taiwan podem extraditar entre si suspeitos em fuga e condenados. Se Taiwan também proceder à revisão da sua lei, os criminosos em fuga deixarão de poder esconder-se quer num lado quer noutro.

 

Estamos apenas no início deste processo. Os conteúdos propostos para revisão vão ser debatidos e, possivelmente alterados, no Conselho Legislativo. Até agora, tem existido um vazio ao nível da cooperação judicial entre Hong Kong e Taiwan, na verdade, muitos suspeitos à espera de julgamento ou já condenados em Hong Kong, fugiram para Taiwan. É possível que o Conselho Legislativo venha a solicitar que as emendas tenham efeito retroactivo. Se isso vier a acontecer, a lei não terá apenas efeito em casos futuros, mas também em casos passados. Os criminosos que fugiram para Taiwan poderão vir a ser extraditados para Hong Kong.

 

Ao abrigo do mesmo protocolo, o Governo de Macau pode emitir pedidos de extradição de suspeitos que aguardem julgamento no território, ou de condenados, que tenham fugido para Hong Kong, após a entrada em vigor da revisão da lei. Uma das bases legais para os pedidos de extradição é o artigo 93 da Lei Básica de Macau:

 

“A Região Administrativa Especial de Macau pode, após consulta dos órgãos legais de outras partes do país, conduzir contactos judiciais e prestar assistência mútua de acordo com a lei.”

 

O Artigo 93 da Lei Básica de Macau é uma das bases legais para o pedido de extradição de criminosos fugidos para Hong Kong. É também a base legal para a promulgação de leis de extradição e a base legal da extradição em si mesma.

 

Se as emendas propostas pelo Gabinete de Segurança passarem no Conselho Legislativo, quem tenha cometido crimes em Taiwan e na China, já não pode fugir para Hong Kong. A China, Hong Kong, Macau e Taiwan deixarão de ser paraísos para criminosos que tentam fugir às suas responsabilidades, o que até aqui era possível devido a leis diferentes e diferentes sistemas jurídicos.

 

26 Fev 2019

Tratado de extradição I

[dropcap]N[/dropcap]o passado dia 13, o Gabinete de Segurança do Governo de Hong Kong apresentou uma proposta ao Conselho Legislativo no sentido de criar uma emenda à Ordenança de Assistência Jurídica Mútua para Assuntos Criminais e também à legislação que regula a situação de criminosos internacionais em fuga. O documento refere-se especificamente a um caso de assassínio em Taiwan, que ocorreu em Fevereiro do ano passado.

Pan Xiaoying, uma jovem de 20 anos, residente em Hong Kong, viajou para Taiwan a 8 de Fevereiro de 2018. A ideia era ficar alguns dias com o namorado, Chen Tongjia, de 19 anos, para celebrarem o Dia dos Namorados. Entraram em Taiwan por Kaohsiung e registaram-se num Hotel, em Taipei, a 13 de Fevereiro. Durante este período, Chen teve indícios de que a namorada lhe era infiel e que estava grávida de três meses, de outro homem. Suspeita-se que nessa altura tenha morto Pan e escondido o corpo numa mala. As câmaras do hotel mostram que na manhã de 17 de Fevereiro, Chen saiu do hotel com uma grande mala cor de rosa. Apanhou o metro na estação de Zhuyuan, em seguida abandonou o corpo e regressou a Hong Kong. Quando o pai de Pan percebeu que a filha não tinha voltado alertou a Polícia de Hong Kong e de Taiwan. Os agentes de Hong Kong descobriram que o cartão de crédito de Pan tinha sido roubado e prenderam Chen. A 13 de Março, a polícia de Taiwan encontrou o corpo de Pan. A 16 de Março, o Delegado Público do Distrito de Shilin, Taiwan, emitiu um pedido de Assistência Jurídica Mútua, para Hong Kong, para que o suspeito fosse enviado para Taiwan para ser julgado. No entanto, as autoridades de Hong Kong não deram andamento ao pedido.

Qiu Zhihong, porta-voz da Procuradoria do Distrito de Shilin, comunicou em Julho de 2018, que o Departamento Jurídico de Taiwan tinha feito um pedido de extradição:

“Espero que o Governo de Hong Kong envie o suspeito para Taiwan para vir a responder perante a Justiça.”

Qiu Zhihong tem esperança que o Governo de Hong Kong possa vir a criar emendas a esta lei. Embora o suspeito seja natural de Hong Kong, o crime aconteceu em Taiwan e é lá que ficaram as provas. As brechas legais provocadas por crimes de natureza internacional são uma vergonha que afecta todos os povos.

As Leis Básicas de Hong Kong e de Macau regulam sobre a Assistência Jurídica Mútua e sobre a fuga de criminosos internacionais. O Artigo 93 da Lei Básica de Macau estipula:

“A Região Administrativa Especial de Macau pode, após consulta aos orgãos jurídicos de outras partes do País, conduzir contactos judiciais e prestar Assistência Mútua, de acordo com a lei.”

O Artigo 94 estipula:

“Com o apoio e autorização do Governo Central do Povo, a Região Administrativa Especial de Macau pode tomar as medidas apropriadas para prestar Assistência Jurídica Mútua a países estrangeiros.”

Em Hong Kong, a Lei Básica estipula princípios semelhantes nos Artigos 95 e 96.

Para lá do âmbito da Lei Básica, Hong Kong lida principalmente com a extradição de fugitivos estrangeiros ao abrigo da Ordenança para Criminosos em Fuga e da Lei da Assistência Mútua para Assuntos Criminais.

A Ordenança para Criminosos em Fuga entrou em vigor a 25 de Abril de de 1997, e estipula:

1. A extradição é pedida pela Acusação, e / ou
2. Se o sujeito já foi condenado

e será feita para locais fora de Hong Kong com os quais exista acordo de extradição.

A Ordenança de Assistência Mútua para Assuntos Criminais estipula as medidas de Assistência que Hong Kong deve tomar para investigar e levantar processos de acusação a pessoas que se encontrem fora do seu território. A assistência engloba a recolha de provas, investigação, detenção, entrega de materiais, convocação de testemunhas, etc.

Até à presente data, Hong Kong assinou acordos de assistência com 30 jurisdições, assinou acordos de detenção com 19 jurisdições, e acordos de extradição com 15. No entanto, sem um tratado de extradição é impossível a entrega de criminosos internacionais aos países que os reclamam.

Na próxima semana iremos continuar a analisar este tema e a ver como as emendas à lei poderão afectar Macau e Taiwan.

19 Fev 2019

Embriaguez assassina

[dropcap]N[/dropcap]os finais de Dezembro do ano passado, o Macao Daily publicou um artigo sobre a decisão tomada pelo Departamento Jurídico de Taiwan relativa à condução sob os efeitos de álcool. Caso a percentagem de álcool no sangue ultrapasse uma determinada medida, o condutor passará a ser acusado do crime de “homicídio intencional de terceiros”.

Esta proposta de emenda à lei é pertinente porque recentemente tem havido muitos acidentes rodoviários em Taiwan. Num dos casos mais graves, um carro que capotou provocando um choque em cadeia, resultaram dois mortos. A investigação apurou que o condutor estava embriagado e era reincidente.

O mérito desta emenda é a introdução do conceito “intencional”. A partir de uma certa quantidade de álcool no sangue o condutor pode ser acusado de homícidio intencional. Assim, se após um acidente, for sujeito a um teste de alcoolemia, e os valores forem elevados, a possibilidade de ser condenado em Tribunal será bastante alta. O resultado do teste passa a constituir prova de culpabilidade.

Quando falamos de provas, temos de considerar em primeiro lugar a sua função. O Artigo 114 do Código Penal de Macau estipula:

“A avaliação das provas é feita a partir das regras da evidência e é adjudicada à entidade competente, excepto nos casos em que a lei estipule em contrário.”

Ou seja, não existem quaisquer restrições na lei, o juiz pode basear-se na sua própria experiência e conhecimentos para aceitar ou rejeitar uma prova que lhe é apresentada.

As provas podem ter naturezas diversas. Podem ser apresentadas por testemunhas, provas de natureza oral, documental etc. No entanto, esta é apenas a primeira classificação. Em Hong Kong, as provas são classificadas consoante os seus efeitos legais. Existem pelo menos três tipos de provas:

O primeiro é a “Prova Conclusiva”. Se esta prova é aduzida por uma das partes em litígio, a parte contrária fica impossibilitada de arrolar qualquer prova que a refute. Ou seja, a “Prova Conclusiva” possui o máximo efeito legal. É disso exemplo o “Certificado Corporativo” de uma companhia limitada. Uma vez que o registo é efectuado, a empresa cumpre todos os requisitos para funcionar com Comp. Lda. Ninguém pode aduzir prova em sentido contrário.

O segundo tipo é a “Prova Suficiente”. Esta prova, quando aduzida por uma das partes, demonstra de forma suficiente a veracidade dos factos que se pretende provar. Podemos indicar como exemplo, os resultados académicos dos estudantes publicados no final do ano escolar. Os estudantes passam ou chubam. Não é necessária mais nenhuma prova para validar este facto. No entanto, nesta situação, a parte contrária é autorizada a aduzir prova para rebater. Mas, se esta nova prova não for suficientemente forte, será muito difícil convencer o Tribunal da sua validade.

O terceiro e último tipo é a “Prova Prima Facie”. Se esta prova for aduzida por uma das partes, a parte contrária tem forçosamente de arrolar provas que a refutem. Caso contrário, a “Prova Prima Facie” será aceite pelo Tribunal e a vitória é atribuída a quem a apresentar.

À semelhança do que estipula o Código Penal de Macau, em Hong Kong o juiz pode basear-se na sua experiência e conhecimentos para aceitar ou rejeitar uma prova que lhe é apresentada.

Se o Departamento Jurídico de Taiwan criar uma emenda que regule a apresentação de provas e passar a considerar a condução sobre os efeitos excessivos de álcool como “homícidio intencional”, e vier a considerar como “Prova Suficiente” o resultado do teste de alcoolemia, a hipótese de os condutores responsáveis escaparem à justiça passa a ser muito baixa.

No entanto, poder-se-ia perguntar: porque é que o teste de alcoolemia não pode ser usado como “Prova Conclusiva”? A resposta é simples. No caso de homicídio provocado por “condução sob os efeitos de álcool”, a acusação precisa de provar que o condutor consumiu álcool de forma voluntária. Se, por hipótese, o condutor tivesse ingerido uma bebida alcoólica sem o seu conhecimento, a sua responsabilidade não poderia ser a mesma do que se a tivesse ingerido de forma consciente. Por este motivo, utilizar o teste de alcoolemia como Prova Conclusiva, para provar a culpabilidade do condutor, é impróprio e injusto.

A lei define os padrões básicos do comportamento em sociedade. Sempre que uma lei é emendada ou revista, é preciso fazê-lo de forma muito cuidadosa. Se houver alguma falha, pode vir a comprometer-se a ideia original dos legisladores que a criaram.

Consultor Legal da Associação para a Promoção do Jazz em Macau
Professor Associado do Instituto Politécnico de Macau
Blog: http://blog.xuite.net/legalpublications/hkblog
Email: legalpublicationsreaders@yahoo.com.hk

12 Fev 2019

Senhorio, mas pouco… e outras estórias

[dropcap]R[/dropcap]ecentemente um jornal de Macau divulgou a história de um “negócio de imobiliário” menos transparente, feito por um estudante universitário. O jovem, que está a fazer uma pós-graduação, recebeu alojamento dos Serviços Sociais da Universidade, pelo qual lhe foi cobrada, por um período de seis meses, a quantia de 8.700 patacas. Pois o nosso jovem resolveu fazer negócio e alugar o quarto a 350 patacas por dia. Para o efeito colocou um anúncio no site “Airbnb”. O negócio floresceu entre o passado mês de Outubro e Janeiro deste ano. Claro que ao fim de um mês, o “senhorio” já estava a embolsar uma bela quantia. Como a história foi divulgada na imprensa, a Universidade procedeu a uma investigação detalhada e deu ordem de despejo ao desonesto “senhorio”. O estudante deverá vir a enfrentar um processo disciplinar.

Mas já existiram outros problemas relacionados com estudantes alojados na Universidade. No entanto, as histórias vão variando sempre. Em Novembro último, durante uma festa na Baptist University de Hong Kong, alguns estudantes resolveram atirar farinha uns aos outros que, em contacto com as chamas de velas, provocou uma explosão. Do incidente resultaram 12 feridos. A seguir o porta-voz da Universidade prestou declarações, tendo afirmado que os estudantes são sempre alertados para os comportamentos que devem evitar; mas é natural que ninguém se tivesse lembrado de escrever “não atirem farinha uns aos outros.”

Em Setembro, foi a vez de um estudante de Engenharia Mecânica da Universidade Politécnica, irromper pelo dormitório das raparigas, onde a sua namorada pernoitava três dias por semana. O rapaz violou a namorada e as suas duas companheiras de quarto. O homem admitiu ser culpado e foi condenado a 28 meses de prisão. Depois de apelar ao Tribunal de Recurso, a sentença foi reduzida para 18 meses. Veio a apurar-se que é costume nesta Universidade os estudantes deixarem as portas dos quartos abertas, para facilitar a entrada dos amigos.

De todos estes casos o primeiro é o mais grave porque implica abuso de confiança e uso, em proveito próprio, de bens que pertecem à Universidade. Além disso, acabou por introduzir no campus pessoas estranhas, aumentando assim a possibilidade da existência de roubos e de violações. Pôs em risco a segurança dos estudantes, que vivem no campus, e afectou a reputação da Universidade.

Consideremos ainda o hábito de os estudantes não trancarem as portas dos quartos, circunstância que aumenta os perigos a que ficam sujeitos. Os pais que ficavam mais descansados quando os filhos se alojam no recinto da Universidade, percebem agora que estavam equivocados. É obviamente uma ideia ultrapassada nos tempos que correm.

Hoje em dia é inquestionável que os estudantes alojados nos campus universitários se comportam das formas mais extravagantes. Antigamente, a farinha era, só e apenas, um ingrediente culinário. Ninguém se lembrava de a usar como brinquedo. Mas, os tempos mudaram, e esta brincadeira teve consequências desastrosas. Por aqui se vê que os tempos estão a mudar e as mentalidades também, e as mudanças sucedem-se diariamente. Será que estes factores se devem à prosperidade económica e às famílias com filhos únicos? Estes jovens mimados parecem não compreender o impacto que os seus comportamentos têm nas outras pessoas.

Actualmente os jovens universitários parecem comportar-se como crianças da escola primária. É preciso explicar-lhes tudo, mostrar-lhes, a cada passo, que os seus comportamentos podem ter consequências. É preciso explicar-lhes como funciona cada dispositivo, para que o possam usar em segurança. Se esta tendência se mantiver, como será a nossa sociedade dentro de 20 anos?

Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau
Professor Associado do Instituto Politécnico de Macau
Blog: http://blog.xuite.net/legalpublications/hkblog
Email: legalpublicationsreaders@yahoo.com.hk

29 Jan 2019

Pensões ilegais

[dropcap]R[/dropcap]ecentemente, um homem de 68 anos do interior da China, residente numa pensão ilegal, morreu devido a inalação de monóxido de carbono. A causa da morte foi determinada após análise forense.

O homem habitava uma divisão que em tempos tinha sido uma cozinha, e que foi posteriormente convertida num quarto, mas onde ainda estava instalado um esquentador. A filha do falecido declarou que, quando chegou ao local, às 10.00 da manhã, a porta e a janela estavam fechadas. O pai estava deitado na cama, inconsciente. A mulher dirigiu-se de imediato à gerente para pedir socorro. O pai foi levado de ambulância para o hospital, onde o óbito foi confirmado. Posteriormente, os bombeiros foram chamados para analisar as instalações. Aperceberam-se que a porta e as janelas tinham estado fechadas com o esquentador ligado, e, desta forma, o monóxido de carbono foi-se acumulando na divisão. Esta foi, sem dúvida, a causa da morte.

O secretário para a Segurança, Wong Sio Chak, declarou que um grande número de agentes é enviado regularmente para verificar as condições de segurança das pensões ilegais. Os funcionários do Gabinete do Turismo, durante as inspecções a estes locais, são acompanhados por agentes da polícia, para sua protecção.

Este caso chamou a atenção das pessoas para o problema das pensões ilegais. Foram levantadas diversas questões, como por exemplo:

Devido às diárias muitos elevadas dos hóteis credenciados, os turistas procuram alternativas. Por outro lado, os imigrantes ilegais em Macau fazem aumentar a procura de locais baratos para viverem. Estes factores fazem aumentar o crescimento das pensões ilegais.

Deveremos exigir responsabilidade criminal aos donos das pensões? Supondo que sim, teremos capacidade para investigar este tipo de casos? Além disso, é necessário distinguir as funções dos funcionários do Gabinete de Turismo das da polícia, para que não haja duplicação de tarefas. E ainda existe uma outra questão: em relação aos proprietários destas pensões, deverá será abolida a responsabilidade civil, face à existência da responsabildade criminal?

Nesta equação temos ainda a considerar os agentes imobiliários que encaminham as pessoas para estas pensões. Se a responsabilidade criminal for decretada para os proprietários, também deverá ser imposta a estes agentes, na medida em que são fomentadores e cúmplices do processo.

Há ainda quem sugira em alternativa o alojamento local. Este tipo de alojamento é mais barato que um hotel e bastante atractivo. Seria uma forma de controlar o crescimento das pensões ilegais.

Não há dúvida que é uma boa ideia que poderia resolver grande parte deste problema. No entanto, onde é que vamos encontrar alojamento local em número suficiente, para dar resposta à procura dos turistas? Estes locais também têm de obedecer a normas de segurança, nomeadamente protecção contra incêndios, pelo que facilmente se compreende que a maior parte das casas de Macau não será adequada para este fim. Mas, mesmo que o fossem, é preciso não esquecer que a lei do arrendamento foi alterada. Como os contratos passaram a ser de três anos, a maior parte dos senhorios não os quer assinar, porque se vêem privados da possibilidade de aumentar as rendas a cada dois anos. Além disso, para se implementar o alojamento local em Macau, era necessário que os residentes tivessem casas suficientes para viver e ainda um excedente para alugar.

Daqui a menos de um mês, estaremos a celebrar o Ano Novo Chinês. Nessa altura Macau será invadida por turistas. Eles serão os clientes alvo das pensões ilegais. Basta ver os sites das pensões, onde aparecem anúncios deste género,

“Oferecemos ótimas condições de segurança. Somos uma residencial de cinco estrelas.”

Sejam quais forem as decisões que se tomem, o problema das pensões ilegais não vai ser resolvido a tempo. Se ocorrer mais alguma tragédia num destes locais durante as celebrações do Ano Novo, a reputação de Macau será seriamente afectada. Talvez fosse aconselhável, por exemplo, ao nível das autoridades aduaneiras, aconselhar os turistas a não procurarem este tipo de pensões. O Gabinete de Turismo poderá reforçar também as inspecções, para verificar se as normas de segurança estão a ser cumpridas.

Entretanto, o Chefe do Executivo já designou a secretária para a Administração e Justiça para coordenar a revisão da lei que irá regular estes hóteis. Os resultados serão brevemente anunciados.

 

Consultor Jurídico sda Associação para a Promoção do Jazz em Macau
Professor Associado do Instituto Politécnico de Macau
Blog: http://blog.xuite.net/legalpublications/hkblog
Email: legalpublicationsreaders@yahoo.com.hk

22 Jan 2019

Brinquedos perigosos

[dropcap]N[/dropcap]o passado dia 8, durante cerca de hora e meia, o tráfego aéreo foi suspenso em Heathrow, por ter sido avistado um drone a voar nas proximidades do Aeroporto. O porta-voz local declarou que tinha havido um esforço conjunto com a polícia de forma a impedir qualquer tipo de ameaça à segurança operacional do aeroporto. Por esse motivo, os voos foram todos cancelados enquanto decorriam as investigações. O Aerpporto de Heathrow é o aeroporto mais movimentado de toda a Europa, com mais de 210.000 passageiros em trânsito diariamente.

Pouco tempo depois, no dia 19, o incidente repetiu-se no Aeroporto de Geely, obrigando ao encerramento das pistas durante três dias consecutivos. A paralização do aeroporto afectou 140.000 passageiros. As autoridades não conseguiram identificar a pessoa responsável pela operação dos drones, e ninguém assumiu a responsabilidade dos incidentes.

O porta-voz do Aeroporto de Geely declarou ao Times que foram gastas milhões de libras em equipamentos anti-UAVcontra drones, à escala militar, mas não revelou mais detalhes.

A polícia que se encontrava no Aeroporto de Heathrow declarou que os seus elementos estavam equipados com um sistema transmissor em rede, portátil e desenhado especificamente para lidar com situações relacionadas com drones. Este sistema em rede permite capturar os drones que se encontram a voar nas imediações. O sistema defensivo contra a intrusão de drones está montado noutros aeroportos britânicos. Designado por SkyWall 100 defense system, funciona através de um transmissor que se coloca ao ombro que permite paralizar o drone, lançando de seguida um dispositivo munido de uma rede, que o captura. Depois de apanhado na rede, o drone é trazido para baixo com a ajuda de um pequeno pára-quedas, que se abre para amenizar o impacto com o solo.

Os episódios relacionados com drones parecem nunca mais ter fim. A 27 de Outubro, num sábado, celebrava-se a 10ª edição da “Hong Kong Wine and Food Tour”, animada por uma exibição de drones. Mal o espectáculo começou, tinham decorrido apenas 30 segundos, foi suspenso. A assistência estranhou o ocorrido. O sistema informático detectou uma “anomalia” na exibição dos drones. O fornecedor declarou que o sinal apresentava fortes perturbações. Os drones estavam “desobedientes”. Receberam imediatamente ordem de regresso à base.

Nos Estados Unidos, em Agosto, na cidade de Maryland, três homens usaram um drone para tentar introduzir produtos ilegais na prisão de Cresaptown.

Em Julho, também nos EUA, um drone foi usado para transportar droga para dentro dos muros da Mansfield Correctional Institution (uma prisão no Ohio). O pacote foi largado dentro do estabelecimento correccional. No entanto, não foi apanhado pelo destinatário, mas sim por outro recluso. O episódio deu origem a um motim. No final, 200 prisioneiros foram revistados, descobrindo-se que alguns estavam na posse de drogas.

Todas estas histórias demonstram que, se não houver um controlo eficaz dos drones, poderemos enfrentar situações bastante complicadas. O Governo da RAE de Macau emitiu, em Setembro de 2016, a ordem administrativa No. 62/2016, uma emenda ao Regulamento de Navegação Aérea para regular a circulação de drones. É uma norma bastante restritiva ao tráfego de drones, o que é positivo.

No entanto, os drones continuam a voar por cima das nossas cabeças. Para garantir a segurança de todos seria melhor criar ainda maiores restrições. A saber:

O sistema de registo devia ser obrigatório. Qualquer pessoa que compre, venda, dirija, ou seja proprietária de drones, devia estar registada no sistema informático central. Sempre que haja qualquer problema, será fácil descobrir a sua origem.

O operador de drones deve também possuir uma licença. Para tal, será necessário ser submetido a formação e a um exame. Disso pode depender a segurança do público.

O controlo remoto de aparelhos voadores pode sempre ser potencialmente perigoso. Os seguros são uma das melhores ferramentas para cobrir eventuais danos de terceiros. Por isso os utilizadores de drones deviam ser obrigados a ter os aparelhos segurados.

Os eventos que impliquem grande concentração de pessoas, como competições e espectáculos aéreos, deverão ser regulados pela legislação. Em locais onde se junte muita gente deve ser proibida a utilização de drones.

 

Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau
Professor Associado do Instituto Politécnco de Macau
Blog: http://blog.xuite.net/legalpublications/hkblog
Email: legalpublicationsreaders@yahoo.com.hk

15 Jan 2019

Cigarros da discórdia

[dropcap]P[/dropcap]or volta das 23.00h do passado dia 3, três homens do continente, apresentando sinais de alcoolismo, saíram do Diamond Hall do Galaxy Hotel, na Taipa, e vieram fumar junto à porta do edifício. Um polícia, dirigindo-se-lhes em Putonghua, pediu-lhe que apagassem os cigarros. No entanto os homens ignoraram o aviso e, também em Putonghua, partiram para os insultos. O agente insistiu no pedido, mas voltou a ser ignorado. De repente, um dos homens exaltou-se e atacou o polícia. A seguir, os outros dois juntaram-se ao ataque.

Com a situação fora de controle, foram requisitados reforços policiais. Como os homens não paravam de atacar o agente, este viu-se obrigado a puxar do bastão. Os atacantes tentaram agarrar o bastão e o equipamento de comunicação, que acabou por cair ao chão. Nessa altura o polícia sacou da arma e intimou-nos a parar. A desobediência continuou e o agente viu-se obrigado a disparar um tiro para o ar.

Depois dos disparos os homens pararam de atacar, mas continuaram a provocar verbalmente o polícia. Posteriormente os reforços chegaram e os desordeiros foram detidos e levados para a esquadra. O agente ficou ferido no abdómen e nas mãos. Foi levado de ambulância para o hospital, onde foi assistido. Teve alta às 3.00h da manhã do dia 4.

Os três homens, acusados de seis crimes, foram transferidos para a Procuradoria durante a tarde do dia 4, para serem inquiridos. Durante o interrogatório, os acusados identificaram-se como homens de negócios. Foram acusados de roubo, insulto, atentado à integridade física, etc. Negaram todas as acusações, alegando que o que se tinha passado não estava bem clarificado.

Não é a primeira vez que, em Macau, a polícia se vê obrigada a disparar para o ar. No entanto, parece ter sido a primeira vez em que foi necessário recorrer a esta medida, num caso em que, inicialmente, só estava em causa a proibição de fumar no local. Não será certamente um crime comparável a um assalto à mão armada.

O agente também está sob investigação devido aos disparos para o ar. Mas, tendo em conta o comportamento dos três homens, não parece que o agente venham a ter qualquer problema. E este comportamento terá ocorrido devido ao consumo de alcoól? A resposta será encontrada durante a investigação.

Mas vale a pena que Macau reflicta sobre este caso. A polícia disparou para o ar. Ninguém ficou ferido. Mas disparar para o ar também comporta riscos, porque uma bala em queda pode na mesma ser perigosa e atingir inocentes. E é evidente que, num caso destes, o polícia que dispara também não pode ser considerado culpado. O que é que se deve fazer numa situação similar? Será que se deve encontrar uma alternativa aos disparos para o ar? Além disso, se uma pessoa inocente ficar ferida, a quem compete a responsabilidade de garantir a indemnização? E a quanto deverá ascender essa indemnização? Que leis estão em vigor em Macau que regulem este tipo de compensações? Mas o que é mais importante é apurar a responsabilidade de quem obrigou a polícia a disparar. Nestes casos, qual é a responsabilidade legal dos desordeiros?

Saliente-se ainda que este incidente podia ter sido pior se, em vez de agentes da polícia, tivesse envolvido pessoal do Gabinete de Prevenção e Controlo do Tabagismo. Os polícias têm armas para garantir a sua segurança. Mas se alguém deste Gabinete tivesse sido atacado, como é que se teria podido proteger? Existe alguma resposta coordenada entre a polícia e os funcionários da Prevenção e Controlo do Tabagismo para lidar com situações deste tipo?

A causa de toda esta situação não deixa de ser trivial, mas as consequências acabaram por ser sérias. É preciso que os fumadores tomem consciência de que, em Macau, aos poucos, vão sendo tomadas medidas para proibir o fumo em quase todos os locais públicos. Isto não quer dizer que não se possa fumar, no entanto, só será possível em locais próprios. Se os fumadores respeitarem as normas, não se criarão conflitos constantes. É totalmente desnecessário.


Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau
Professor Associado do Instituto Politécnico de Macau

Blog: http://blog.xuite.net/legalpublications/hkblog
Email: legalpublicationsreaders@yahoo.com.hk

8 Jan 2019

Constituição chinesa e leis básicas

[dropcap]N[/dropcap]o início deste mês, a comunicação social de Hong Kong divulgou uma entrevista com o Professor Wang Zhenmin. Professor de Direito da Universidade Tsinghua, Wang Zhenmin afirmou na entrevista que, após o regresso de Hong Kong à soberania chinesa, a Constituição chinesa deverá inevitavelmente vir a ser aplicada com carácter vinculativo. A promulgação da Lei Básica de Hong Kong (LBHK) não teve como objectivo a criação de uma outra “constituição”. A Constituição chinesa aplica-se sempre que na LBHK não exista legislação específica, ou nos casos em que a legislação não seja suficientemente clara. Não houve necessidade de incluir a Constituição chinesa no Anexo III da LBHK, porque esta é, por natureza, aplicável em Hong Kong.

Rao Geping, professor de Direito da Universidade de Pequim, defende que a Constituição chinesa e a LBHK são os alicerces que consolidam o princípio “um País, dois sistemas”. As duas formam um todo e, de forma alguma, se deve sobrepôr a constitução chinesa à LBHK. No entanto, há quem apenas mencione a Lei Básica e ignore a Constituição. Esta é geralmente a atitude daqueles que se lhe opõem, com base numa determinada argumentação. Rao Geping acredita que é preciso estar vigilante. Em relação a Macau, este especialista considera que o trabalho de esclarecimento nesta área, está a ser mais bem feito do que na própria China continental.

Shen Chunyao, Presidente da Comissão dos Assuntos Parlamentares do Comité Permanente do Congresso Nacional do Povo e Presidente do Comité Legislativo de Hong Kong, participou no simpósio dedicado ao “Dia da Constituição Nacional”, realizado no passado dia 4, em Hong Kong. Nessa ocasião, declarou que a Constituição chinesa é o simbolo da China, e que o seu alcance cobre o território nacional, incluindo Hong Kong. A Constituição e a LBHK constituem no seu conjunto a estrutura política e operacional da Região Admnistrativa Especial de Hong Kong (RAEHK). Sendo a Lei Básica de Hong Kong a autoridade máxima do sistema legal da cidade, qualquer lei, incluindo as leis originais de Hong Kong ao abrigo da lei comum, não podem , em circunstância alguma, entrar em conflito com ela.

Shen afirmou ainda que a Constituição Chinesa é a lei fundamental e suprema de toda a China, e que o País tem uma só Constituição, cujo alcance cobre o território de Hong Kong. Após o regresso de Hong Kong à soberania chinesa, foi implementado o princípio “um País, dois sistemas”. Ou seja “dois sistemas” dentro de “um País”, princípio que incorpora a essência do estado de direito na China e dos valores consagrados na sua Constituição. A Constituição chinesa é detentora do supremo estatuto, e da suprema autoridade e supremos efeitos legais. Os povos de todas as nacionalidades, incluindo os habitantes de Hong Kong, terão de respeitar a dignidade da Constituição chinesa e garantir a sua implementação.

Os artigos 31 e 62 da Constituição providenciam a base constitucional para a formulação da Lei Básica de Hong Kong, bem como a implementação das políticas subjacentes ao princípio “Um País, Dois sistemas”. Do ponto de vista legal, existe uma relação hierárquica entre a Constituição e a LBHK. A Constituição é a “lei mãe”; a LBHK derivou dela e estabelece um conjunto de princípios legais que lhe estão subordinados.

Por outras palavras, as declarações destes peritos deixam bem claro que o estatuto da LBHK é inferior ao da Constituição da China. A Constituição prevalece sempre sobre qualquer outra Lei, em qualquer parte do País. Por este motivo, o seu efeito estende-se a Hong Kong, e deverá ser também implementada na RAEHK.
Estas ressalvas legais centraram-se em Hong Kong. Quanto a Macau, a primeira questão centra-se na implementação da Constituição chinesa na cidade e também nas eventuais diferenças que este processo possa vir a ter nas duas RAEs.

Em segundo lugar, se as duas Regiões Administrativas Especiais implementarem a Constituição chinesa, vir-se-ão a deparar com alguma legislação que não é considerada nas suas respectivas Leis Básicas? Esta é provavelmente uma das questões que preocupa um maior número de pessoas. Que tipo de lei é implementada, e como é implementada, é sem dúvida uma questão pertinente. A lei é um padrão que baliza o comportamento das pessoas, e também um fasquia que eleva a responsabilidade de cada um.

O amor à Pátria decorre do sentimento de pertença. Orientadas por uma relação de confiança e de amor mutúos, sob a bandeira da implementação da lei, iremos sem dúvida ver a China e as RAEs tornarem-se cada vez mais harmoniosas, estáveis e prósperas.

Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau
Professor Associado do Instituto Polotécnico de Macau
Blog: http://blog.xuite.net/legalpublications/hkblog
Email: legalpublicationsreaders@yahoo.com.hk

18 Dez 2018

Manipulação genética

[dropcap]N[/dropcap]o dia 26 de Novembro, He Jiankui, Professor Associado da Universidade de Ciência e Tecnologia do Sul de Shenzhen, anunciou que tinha manipulado com sucesso os genes dos embriões de duas gémeas, Lulu e Nana, de forma a torná-las imunes ao vírus da Sida. Esta notícia teve grande impacto a nível mundial, mas também levantou uma onda de indignação.

A Universidade de Ciência e Tecnologia do Sul de Shenzhen emitiu de imediato um comunicado, onde deixou claro que He Jiankui realizou esta investigação sem o conhecimento da Direcção. O comunicado salientava ainda que, a manipulação genética e a sua aplicação a embriões humanos é contrária às normas do Comité Académico do Departamento de Biologia da Universidade. A Direcção da Universidade exige que toda a investigação científica esteja de acordo com as normas e a legislação nacionais. He Jiankui encontra-se suspenso das suas funções desde 1 de Fevereiro de 2018.

Embora a Universidade tenha emitido o comunicado a declarar o seu desconhecimento sobre as experiências do Professor, podemos ver no website de He Jiankui, a cópia de um formulário comprovativo do finaciamento da Universidade de Ciência e Tecnologia do Sul de Shenzhen à sua investigação. O objectivo deste estudo era principalmente produzir imunidade ao HIV. Os casais que participassem na experência receberiam uma soma de 280.000 yuans. Então quem é que está a falar verdade? É preciso aguardar por mais esclarecimentos, para responder a esta pergunta .

É sabido que este é o primeiro caso de manipulação genética de embriões destinados a nascer, em todo o mundo. No entanto a experiência não foi bem recebida, antes pelo contrário foi bastante criticada. E a que se devem as critícas? A resposta está na “eugenia”, ou seja, no conjunto de métodos que visam melhorar o património genético dos grupos humanos. Se permitirmos que os genes humanos sejam alterados para prevenir doenças, então, de futuro, poderemos abrir caminho ao “aperfeiçoamento” da espécie e abrir também uma caixa de Pandora. Os seres humanos “modificados” poderiam entrar em conflito com os seres humanos “originais”, já para não falar no facto de a modificação genética ser uma carta fechada, com consequências imprevisíveis. É portanto um assunto muto problemático. A manipulação genética iria ser fonte de uma série infindável de conflitos.

Mas existe ainda uma outra questão. Se for possível manipular os genes de forma a criar seres humanos “perfeitos”, quem irá resistir à tentação da perfeição? Se os investigadores tiverem possibilidade de prosseguir com este tipo de expeiências, não virão a sentir-se uma espécie de deuses? Continuarão a sentir-se obrigados a obedecer à lei, tendo em conta que este tipo de experimentação infringe a moralidade?

É imperativo promulgar urgentemente legislação que impeça a modificação genética de embriões humanos e as experiências científicas não éticas. Na China, foram promulgadas, em 2003, as “Linhas Mestras para a Investigação às Células Estaminais do Embrião Humano”. Segundo estas directrizes, os cientistas apenas podem fazer experiências em embriões, in vitro, até 14 dias de fertilização.

Em Hong Kong, a secção 16 do Normativo das Tecnologias de Reprodução Humana, Cap. 561, da Lei de Hong Kong, estabelece que estão proibidas todas as trocas comerciais que tenham por finalidade o recurso a tecnologias reprodutivas. A pesquisa embrionária e a sub-rogação estão também interditas.

O que a lei estipula é certamente uma questão, mas o problema mais urgente está, agora, perante os nossos olhos. Como é que vamos lidar com estas crianças geneticamente modificadas e que acabaram de nascer?

Independentemente das mudanças que venham a ocorrer nesta área, devemos prestar atenção ao facto de que o estudo da modificação genética encerrar em si uma grande probabilidade de violação da lei e da moralidade e que, por isso, deve ser tratado com todo o cuidado.

 

Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau
Professor Associado do Instituto Politécnico de Macau
Blog: http://blog.xuite.net/legalpublications/hkblog
Email: legalpublicationsreaders@yahoo.com.hk

4 Dez 2018

Acidente no Grande Prémio

[dropcap]D[/dropcap]urante a 65ª edição do Grande Prémio de Fórmula 3 de Macau ocorreu um grave acidente. A condutora, uma alemã de 17 anos, despitou-se à entrada da curva do Hotel Lisboa. O acidente causou cinco feridos. De imediato a bandeira vermelha foi hasteada e a corrida foi suspensa.

No inicío da quarta volta, a jovem Flörsch perdeu o controlo do carro e chocou com a viatura do japonês Ping Jingxiang. O carro da alemã foi projectado para fora da pista como se de um projéctil se tratasse. O veículo voou por cima da barreira de segurança e aterrou na zona onde se concentravam vários foto-jornalistas. O público não ganhou para o susto. A bandeira vermelha foi imediatamente hasteada e o evento foi interrompido, enquanto as ambulâncias chegavam ao local. A pista foi prontamente reparada. Os feridos foram conduzidos ao Hospital Conde de São Januário. Estavam todos conscientes. A condutora fracturou a coluna, mas não corre perigo de vida. O fotógrafo Chen Yinghong sofreu uma lesão no figado e Ping Jingxiang queixava-se de dores na zona lombar. Um outro fotógrafo também sofreu ferimentos. Um elemento das equipas de apoio fracturou o maxilar e encontra-se hospitalizado para observação.

A jovem condutora informou através da sua conta do Twitter que vai ser submetida a uma cirurgia por causa da lesão na coluna. Sofre ainda de outros ferimentos que são, no entanto, menos preocupantes.

O secretário para os Assuntos Sociais e Cultura de Macau, Alexis Tam, declarou que, embora o acidente tenha provocado vários feridos, a pista é bastante segura. Antes da competição foi inspeccionada de acordo com o regulamento, o que pode ser testemunhado pela FIA. Alexis disse acreditar que os condutores estão conscientes que qualquer corrida comporta riscos. Quando chove os perigos aumentam.

Se analisarmos estas declarações detalhadamente verificaremos que são bastante razoáveis. Felizmente no dia do acidente não choveu, porque teria havido consequências bem mais graves e muitas vidas teriam corrido perigo.

O Grande Prémio de Macau é uma competição internacional, obrigada a cumprir as directrizes da FIA. Qualquer erro pode ser fatal. Macau já organizou muitas edições do Grande Prémio e tem uma vasta experiência na matéria. É muito pouco provável que cometa erros a este nível.

Os condutores têm de compreender que, mesmo que se tomem todas as medidas de segurança, as corridas de velocidade são um desporto perigoso por natureza. Muitos dos acidentes que ocorrem nestas corridas não são da responsabilidade das organizações que as promovem.

É razoável admitir que todos os condutores tenham o seu próprio seguro, independentemente dos que as marcas que representam lhes garantem. Em caso de acidente, os seguros cobrem as despesas de saúde e compensam monetariamente pelos danos causados. No entanto, estes seguros deverão ter um prémio muito mais elevado que o normal, visto que os riscos a que estes profissionais se sujeitam são muito maiores.

Felizmente, não houve feridos entre os espectadores. No entanto, penso que está na altura de tomar medidas para eliminar por completo qualquer possibilidade de risco para os espectadores destes eventos. Se não se deixasse ninguém assistir às corridas seria uma forma eficaz de elimnar o risco, mas isso é impossível.

As pessoas querem ver as corridas e, como é impossível eliminar o risco de acidentes, criar um seguro para os espectadores parece ser uma boa ideia. Se ocorrer uma calamidade, o seguro cobre as despesas de saúde e indemniza o espectador acidentado. Talvez de futuro se devesse aconselhar os espectadores a terem um seguro antes de assistirem às corridas de alta velocidade.

Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau Professor Associado do Instituto Politécnico de Macau
Blog: http://blog.xuite.net/legalpublications/hkblog
Email: legalpublicationsreaders@yahoo.com.hk

27 Nov 2018