AL | Governo vai amanhã responder a perguntas dos deputados

Tem lugar amanhã um plenário dedicado a responder a perguntas dos deputados que, num raro momento, vai ter em discussão temas que não estão relacionados com habitação e terrenos. A sobrecarga de infra-estruturas, os desperdícios do erário público e lacunas nas leis são as questões que imperam

[dropcap style=’circle’]O[/dropcap]Executivo vai amanhã à Assembleia Legislativa (AL) para responder a diversas interpelações dos deputados. Segurança e ampliação de infra-estruturas são temas em destaque, num hemiciclo que vai versar ainda sobre construções em Coloane e políticas monetárias.
Poderá ser desta que os representantes do Governo vão indicar quando vão avançar as obras da Estação de Tratamento das Águas Residuais (ETAR) de Macau, que está sobrecarregada desde 2009. Como relembra Ella Lei, que interpelará os responsáveis sobre a questão, esta situação já levou a que, em 2014, “cerca de 85 mil metros cúbicos de água fossem lançados directamente ao mar sem passar pelo processo normal de tratamento biológico” e apenas passando por um processo de purificação simples.
“Esta água ultrapassa gravemente os parâmetros e vai levar ao agravamento da poluição das águas costeiras de Macau”, atira a deputada, que quer ver respondida a questão de quando é que vai ser concluída a negociação entre Governo e empresa vencedora do concurso público para obras de ampliação em 2011. De resíduos vai falar também Leong Veng Chai, que quer ouvir da boca da Direcção dos Serviços de Protecção Ambiental quando é que vão ser implementadas medidas que diminuam o desperdício de alimentos e transformem os resíduos alimentares em diferentes recursos.
Mas, a questão da ampliação de infra-estruturas não passa apenas pela ETAR, mas também pela pressão nas fronteiras, assunto a ser levado ao hemiciclo por Mak Soi Kun. O deputado quer saber quais as medidas do Executivo para acabar com as intermináveis filas de espera nas fronteiras, especialmente nas Portas do Cerco, para quem passa de carro.
Wong Kit Cheng também se debruça sobre o alargamento de espaços, este direccionado às instalações desportivas públicas.
A segurança nos templos vai ser tema desencadeado por Kwan Tsui Hang que, depois do incêndio em Na Tcha, quer saber se há possibilidade de se implementar uma administração centralizada em todos os espaços de culto de Macau. Algo que foi já contestado pelos administradores dos templos, que são, neste momento, dirigidos por diferentes associações.
Já Kou Hoi In e José Chui Sai Peng vão questionar os representantes do Executivo sobre o problema da falta de electricidade nos bairros antigos, depois da Companhia de Electricidade de Macau ter prometido a entrada em funcionamento de novas subestações eléctricas e, até agora, “isso não ter acontecido”.

Dinheiro é problema

O desperdício do erário público e as medidas de apoio aos residentes são também temas que os deputados querem ver melhor esclarecidos na sessão de amanhã com representantes do Governo. Em tempos de contracção na economia, Ho Ion Sang leva ao hemiciclo os gastos com a aquisição de bens e serviços, muitos deles desnecessários como aponta um relatório do Comissariado de Auditoria. O deputado quer perceber quem vai, afinal, ser responsabilizado por estas adjudicações e “o que vai ser feito para reforçar a gestão das receitas e despesas do Governo”. O mesmo tema, que deverá ser respondido pelos serviços da tutela de Lionel Leong ou pelo próprio Secretário para a Economia e Finanças, vai também ser levantado por Song Pek Kei.
No âmbito da economia, destaque ainda para as interpelações de Si Ka Lon – sobre o “plano de incentivo à aposentação antecipada” – e de Melinda Chan, que versa sobre o montante das atribuições para a segurança social, tema que não viu ainda uma conclusão apesar de estar em discussão no seio do Conselho de Concertação Social há anos.
As leis e questões políticas não vão também faltar no plenário marcado para as 15h00, com Ng Kuok Cheong, por exemplo, a trazer ao hemiciclo a questão da criação de órgãos municipais. Se o Governo vai avançar com a consulta pública sobre isto é uma das questões que o deputado da bancada pró-democrata quer ver respondidas.
Da mesma bancada, mas de Au Kam San, partem questões sobre construções em Coloane, a área verde de Macau, e do vice-presidente da AL, Lam Heong Sang, vão ser feitas perguntas sobre o motivo que levou o Governo a não ter ainda criado um regulamento administrativo previsto na Lei de Contratação de Trabalhadores Não-Residentes, em vigor há seis anos, e que diz respeito ao limite de contratação de locais.

29 Mar 2016

Macau Legend | David Chow pôs Landmark à venda

A Doca dos Pescadores vai ser o espaço primordial para a Macau Legend, que quer ver-se livre do hotel Landmark. A quebra nas receitas deu o mote para a venda da propriedade e o dinheiro arrecadado já tem objectivo: a expansão na península, no Sudeste Asiático e nos PLP

[dropcap style=’circle’]D[/dropcap]avid Chow quer vender o Landmark, na Avenida da Amizade, depois de ter visto quebras de 20,7% nas receitas da Macau Legend. Num comunicado à Bolsa de Valores de Hong Kong, o director-executivo e co-presidente da empresa diz que a venda do hotel, que sofreu obras recentemente, será “uma importante transacção”.
“O ano passado provou ter sido desafiante. A combinação da situação económica da China, o aumento da capacidade dos novos hotéis e casinos de Macau e a mudança no perfil dos visitantes de Macau foram factores que tiveram um impacto negativo nos negócios do Jogo e extra-Jogo”, começa por dizer Chow no comunicado ao Heng Seng Index. “É importante, durante este período, que [a Macau Legend] gira de melhor forma os seus recursos, para assegurar liquidação e continuar a tirar proveito das oportunidades de expandir o negócio no estrangeiro. Acho que esta estratégia [de vender o hotel] é do melhor interesse dos accionistas.”
A performance de operação do Landmark “decresceu”, como admite a Macau Legend, que diz, contudo, ter-se notado o oposto no Harbourview Hotel, o mais recente da companhia. O foco da empresa está, agora, na Doca dos Pescadores, onde vai nascer o Legend Palace Hotel, e em Cabo Verde.
“O Harbourview contribui para receitas de 115,2 milhões de dólares de HK, no âmbito extra-Jogo, e o negócio continua a crescer desde a abertura do hotel. Quando completarmos o segundo novo hotel, que vai integrar um espaço de cinco estrelas com casino, vamos acrescentar mais lojas, restauração, hotel e jogo à península de Macau e isto permitirá ao grupo ser mais competitivo no mercado do jogo VIP e de massas.”
A construção do Legend deverá estar concluída em Junho, sendo que este deverá ser aberto no final do ano. A este segue-se o Legendale Macau, também construído no mesmo local.

Focos traçados

As receitas da Macau Legend ascenderam a 1,43 mil milhões de dólares de HK, um decréscimo de 20,7% face ao ano anterior. A maior queda foi nas receitas do Jogo, que diminuíram quase 30%. Já o relacionado com extra-jogo viu um aumento de 1,4%, para 538 milhões de patacas.
Além de Cabo Verde, onde Chow constrói um hotel na ilha de Santa Maria, a Macau Legend quer ainda expandir para o “Sudeste Asiático e países de Língua Portuguesa”.
“Faz sentido que nos livremos do Landmark, incluindo o casino, e nos foquemos mais nos novos hotéis, casinos e outras infra-estruturas turísticas na Doca dos Pescadores. O dinheiro que vamos receber pela venda vai permitir a expansão do negócio no estrangeiro sem correr muitos riscos.”

Pearl Horizon | Polytec confiante prepara pré-venda de fracções

A culpa nos atrasos na construção do Pearl Horizon é do Governo e a empresa está confiante de que vai conseguir vencer em tribunal. É o que a Polytec diz em comunicado à Bolsa de Hong Kong, onde anuncia um aumento de oito milhões nas receitas da empresa, que ascenderam a 52 milhões de dólares de Hong Kong.
“As fundações estavam concluídas, contudo, devido a atrasos significativos em autorizações e licenças ao longo dos anos, a construção não pôde ser completada antes do final do prazo de concessão. Apesar de ter sido pedido mais tempo ao Governo, este não autorizou e, por isso, os trabalhos tiveram de ser suspensos. Recorremos aos tribunais de Macau a pedir uma compensação de tempo e, com base em opiniões legais que recebemos, temos motivos legais fortes para obter uma compensação de tempo, a fim de continuar e concluir o projecto.”
A empresa diz ainda acreditar que vai ser marcada uma audiência em tribunal “para breve” e assegura ainda que vai também abrir um programa de pré-venda para as fracções dos edifícios que vão nascer nos lotes T e T1, também na Areia Preta, e que deverão estar prontos em meados de 2017.

SJM | Jai Alai reabre com novos equipamentos

A Sociedade de Jogos de Macau (SJM) vai reabrir o Jai Alai com novos espaços ainda este ano. A confirmação foi feita por Ambrose So, director-executivo da empresa, num almoço de Primavera oferecido aos média na semana passada.
“No final deste ano de 2016 vamos reabrir o Jai Alai, com novas lojas, alojamento, infra-estruturas de entretenimento e de jogo”, frisou So. O espaço, perto do Oceanus, deverá ter 130 quartos de hotel e 45 mesas de jogo, conforme relembra o site GGRAsia.
Na quinta-feira, o responsável da SJM disse ainda estar confiante na recuperação da economia de Macau. “O ano passado foi desafiante para Macau e para a indústria do Jogo, mas estamos optimistas para que o clima melhore em 2016. Agora que entramos no ano do Macaco, podemos esperar um ano dinâmico, recheado de desafios, mas também de oportunidades”, disse, no evento que contou com mais de uma centena de membros da imprensa.
So elogiou as políticas do Governo Central para Macau – como a ‘Uma Faixa, Uma Rota’ e ‘Um Centro, Uma Plataforma’ – e assegurou que a construção do Grand Lisboa Palace, o primeiro empreendimento da operadora no Cotai, vai continuar “a seguir em frente”, sendo que este deverá abrir em 2017.

29 Mar 2016

Marco Mueller, director do Festival Internacional de Cinema de Macau

Frequenta a China desde os 16 anos e já dirigiu os Festivais de Veneza e de Roma, criou o de Pesaro e colaborou com o Rota da Seda e o de Pequim. Já tentou organizar festivais aqui sem nunca ter sido possível. Mais de 20 depois este chega finalmente. Um festival que promete ter “apostas imprevisíveis” e que Marco Mueller espera ser uma missão histórica para Macau

[dropcap style=’circle’]É[/dropcap]um poliglota. Aprendeu em pequeno, mas como?
(risos) Fui criado em Roma, a minha mãe era brasileira e parte da família grega. Saíram com o início do fundamentalismo muçulmano. A família do meu pai tem origens na Lorena e quando a região passou para a Prússia mudaram-se para a Suíça por ser multicultural. Daí falar Francês, Alemão, Português e Italiano. No primeiro ano do liceu decidi acabar com as línguas da casa e fui estudar Chinês.

Por que razão alguém pretende estudar Chinês nessa época?
Nunca fui marxista leninista, mas fui marxista “desleninista”. Era o tempo dos movimentos estudantis e das filosofias orientais. Lia Mao Tse Tung e os sutras budistas em Chinês, no original.

Mao Tse Tung aparecia como um herói para um jovem como o Marco?

Claro. Mas também os bodhisattvas e os mestres do desenho chinês.

E veio para a China com 16 anos.
Como estudante de Chinês, mais tarde ou mais cedo isso iria acontecer. Ainda por cima a Itália foi dos primeiros países ocidentais a estabelecer relações diplomáticas com a China. Fui para Pequim no primeiro grupo de estudantes bolseiros.

Com a Revolução Cultural em curso, como foi o impacto?
Não havia nada. Os estrangeiros não podiam entrar nas bibliotecas e 90% dos livros eram proibidos para nós. Então comecei a ver dois filmes por dia.

Dos que podia arranjar…
Sim, claro. Policiais romenos, melodramas da Coreia do Norte, grandes espectáculos históricos albaneses… Não tinha alternativa.

Ficou desiludido?
Sim. Tinha-me formado em Antropologia, especialidade em Musicologia, e pensava que ia fazer a pós-graduação no Instituto de Ciências Sociais. Era um ninho de demónios feudais, disseram-me, e deram-me a possibilidade de estudar literatura de massas na Manchúria. E fui. Só havia um professor, mas era óptimo. Ensinava estética tradicional, uma disciplina perigosa, de vanguarda, e foi que ele quem me explicou como a estética da poesia tradicional pode entrar no cinema. Em Janeiro de 77 comecei a poder ver cinema de género dos anos 50 e 60. Incrível. Foi como descobrir um continente submerso e decidi continuar.

Como aconteceu isso?

Quando terminei o doutoramento houve um princípio de abertura no regime e distribuíram mais de cem filmes.

Casou-se também na China.
É verdade, em Julho de 76. Sui generis. Frente a um comité revolucionário. Os estrangeiros apenas podiam casar-se no Comité do Bairro de Chaoyang. Corria a campanha contra a liberalização burguesa, por isso não havia táxis, apenas autocarro, e a cerimónia foi só a assinatura. Nem fotos eram autorizadas e festa nem pensar. Fizemos uma clandestina, claro. Comprámos umas coisas em segredo, como uma garrafa de champanhe soviético.

TA02Quando saiu da China?
Em 77. Mas voltei em 78 e desde então tenho voltado regularmente. O programa universitário obrigava-me a escolher outro país mas recusei, saí da universidade e organizei o meu primeiro festival de Cinema, o de Pesaro, um dos grandes festivais do cinema novo e a primeira vez que um lote de filmes chineses foi mostrado na Europa. Como a selecção era demasiado diplomática decidi desenvolver uma retrospectiva do cinema chinês. Pequim não enviava cópias, então fui à procura. Em Havana descobri uma sala, na Chinatown, chamada Aguila de Ouro, onde tinham uns 30 filmes dos anos 30. Depois, no teatro chinês de São Francisco, o World Cinema Theatre que aparece no final do filme do Orson Wells “A Dama de Xangai”, encontrei mais uma enorme colecção.

Que descobriu nesse espólio?
Uma mescla entre o cinema social e Hollywood. Sempre foi assim. O cinema de Xangai nos anos 30 era isso: a Hollywood do Oriente.

Acha que está tentar voltar a ser?
Sim. Estão a tentar mas o meu primeiro amigo entre os cineastas chineses, Xie Jin, falecido há quatro anos (suspira), e uma pessoa com uma cultura completa de cinema, tinha um sonho: juntar o cinema soviético com o de Hollywood.

Porquê?
Porque adorava o cinema de género e entendia que o cinema devia ser popular, entretenimento antes de ser outra coisa qualquer.

É a sua visão também?

Sim, gosto da ideia de que não devemos dar muitos passos à frente do público. Devemos deixá-lo acompanhar. Andar um ou dois passos à frente, tudo bem. Muito mais não.

Esteve como consultor do Beijing International Film Festival (BJIFF) mas deixou. O que correu mal?
O sistema das quotas. Era muito difícil obter qualquer tipo de resposta. Não entendo a razão e isso não funciona. Mas gostei da experiência e foi, com certeza, uma oportunidade de perceber os hábitos do público chinês.

Anos antes do BJIFF dizia que este se podia transformar num hub comercial. Não é possível…
Não é. A grande diferença entre Pequim, Xangai, o Rota da Seda e o Festival de Macau é aqui podermos ter uma relação normal com os distribuidores. Se ele quiser mesmo o filme vai discutir por uma quota. Em Pequim era muito difícil porque a decisão não era nossa, era política.

Também fala de Macau como plataforma para o mercado chinês. Todavia, o sistema de quotas ainda lá está. Que muda, como vai funcionar essa plataforma?
Os distribuidores não tinham ligação com os eventos e com a distribuição comercial mundial. Então a excitação em relação aos nossos planos aqui é podermos convidar os grandes distribuidores de filmes chineses da China e da região. É o local ideal para organizar uma mostra menos previsível do que aquilo a que estão habituados.

Para quem viu a China nesses idos anos 70, nomeadamente as restrições da Revolução Cultural, e a vê agora acha que existe alguma recuperação desse passado neste momento?
O ano passado em Pequim não foi muito difícil. Existiam três níveis de censura e conseguimos aprovar 90% dos filmes seleccionados. Não senti grandes dificuldades, mas claro que estou a par das notícias.

Como veio parar a Macau?
A primeira vez em 94, era Luís Mergulhão então presidente do ICA (Instituto do Cinema e do Audiovisual). Convidou o Paulo Branco e depois a mim por conhecer o meu trabalho sobre o cinema português. Viemos a Macau com a ideia de inventar um festival de cinema. Nunca aconteceu pois na altura ou havia aeroporto ou havia festival. Voltei com o Peter Lam, estava já no Festival de Veneza. Ele queria uma relação entre o Festival e o Venetian mas, para mim, isso era diplomaticamente muito difícil. A terceira vez foi quando Pansy Ho me convidou para organizar um evento de cinema na Torre de Macau. Depois a ideia não continuou.

Qual a visão para este festival?
Um ponto focal. A política da China precisa de uma diferenciação com pólos distintos. Macau tem uma herança cultural que se coaduna com os objectivos. Um exemplo: os suíços-italianos. Vejo-os como mediadores entre culturas que não se relacionavam. As pessoas de Macau são isso também: mediadores.

Acha que este festival pode vir a ser mais importante do que o de HK, Pequim ou Xangai?
Não quero saber disso. Estou mais preocupado em colaborar. O Golden Horse (Taiwan), por exemplo, está a fazer um excelente trabalho com o workshop de projectos e também queremos fazer um semelhante. Por isso propusemos que o nosso seja um sumário de todos os workshops feitos na área. Decididamente, quero alguém do festival de Hong Kong no comité de selecção. Vamos ter programações diferentes e pretendemos colaborar com todos estes festivais.

Que tipo de programação podemos esperar para Macau?
Cinema de género, filmes populares, mas originais. Bastante vanguardistas, cutting edge.

Que legado o festival deixará para a cidade?
Tentar juntar os diferentes grupos de espectadores da cidade com uma oferta menos previsível. Oferecer filmes que não aparecem no circuito comercial da região. Por isso vamos ter uma retrospectiva onde dez dos melhores realizadores asiáticos de género vão seleccionar um filme que não seja nem americano nem da Ásia Oriental. Há dias falava com dirigentes do Centro Nacional do Filme Francês e diziam-me que nos anos 80 e 90 existiam filmes franceses em Hong Kong e mesmo na China, mas nos últimos anos não vendem nem um. Temos de mudar isso.

Diversidade cultural?
Sim, mas no universo do cinema popular. Vai ser uma oportunidade única nesta cidade tão especial, tão vocacionada para servir como plataforma de trocas e contactos em todas as direcções. Um festival que funciona tem de ter como lema “em frente a todo o gás mas em todas as direcções”. Se quisermos sentir profundamente o que se passa à nossa volta temos de agir assim.

Vai ser a tempo inteiro?
Vou dedicar a maior parte do meu tempo ao festival, sim, mas há algo que nunca deixarei de fazer: dar aulas. É a única forma dialogar com os mais jovens, de perceber o que eles vêem, se vão ao cinema ou não, ou quando decidem ir. O mês passado levei a minha turma de 75 à fronteira entre a Itália e a Suíça onde temos a melhor sala do país para vermos o último do Tarantino (“Hateful Eight”), uma produção em 70mm. Aí eles perceberam a diferença que é ir ao cinema. Perguntava-lhes quantos pagavam 12 francos para irem ao cinema. E daquele grupo praticamente nenhum ia. Depois de verem o “Hateful Eight” no grande ecrã perceberam a diferença para os ecrãs pequenos.

Não existe uma indústria em Macau. Para os que aqui fazem filmes que tipo de relação devem esperar com este festival?
Muito próxima. Quando falo nos workshops que vão sumarizar tudo que foi feito durante o ano na região também temos de abordar a experiência local. A Tracy (Choi), por exemplo, está a filmar, não sei quem acabará primeiro se ela, se a Emily [Chan] ou o Ivo [Ferreira]. Mas facto de existir mais do que um filme, alguns já filmados, e vários grandes documentários tranquiliza-me porque senão seria um suicídio tentar organizar uma operação num lugar que fosse desprovido de cineastas, de cinema. O filme da Tracy, por exemplo, junta profissionais de primeira categoria, de Taiwan, Hong Kong… Ela própria estudou em ambos os lados mas não deixa de ser uma história de Macau. Por isso, a ideia que de todos estes talentos se vão religar em Macau é um sinal muito positivo.

A razão pela qual os cineastas locais devem ficar satisfeitos com este festival é essa possibilidade de contacto?

Sem dúvida. O facto dos Asian Film Awards terem vindo a ser apresentados em Macau é mais um sinal para a indústria que Macau não serve apenas para jogar. Na condição, claro, que se acredite na possibilidade de fazer remixes num lugar como este.

Que terá de acontecer no final do festival para dizer que correu bem?
Três coisas: os cinemas estiveram cheios, caso contrário não faz sentido e é uma das razões pelas quais quero assumir este desafio. A noção que vários filmes entraram no caminho certo para o reconhecimento num mercado mais vasto e sermos capazes de aumentar o interesse em Macau de forma a que cumpra o seu papel histórico de atingir mercados como os do Japão, Coreia, Índia e Sudoeste Asiático.

Daqui a cinco ou seis anos quando as pessoas se referirem ao festival de Macau que gostaria que dissessem?
Hoje todos dizem que Cannes é o festival a não perder na Europa. O mesmo acontece com Toronto, nas Américas. Macau pode vir a ser o lugar onde se vem para resumir o ano. Um festival em Dezembro não significa apenas que acontece após as grandes convenções do sector na Ásia mas também que podemos anunciar coisas para o novo ano.

Que significará para um cineasta receber um prémio aqui?
Que o filme teve um reconhecimento mais vasto em termos de mercado e de audiência. Mesmo os prémios de Cannes às vezes são escondidos pelos distribuidores porque têm medo que passe a ideia de ser um filme difícil, mais um arthouse… É por isso que estamos a construir um escritório da indústria aqui.

Como tentou fazer em Roma?

Sim, é uma coincidência mas fiquei contente em saber que a Lionsgate, os produtores dos “The Hunger Games”, está a preparar algo para Macau nos próximos dois anos. Mas, disseram-me eles, a melhor experiência num festival foi comigo, em Roma, quando lhes arranjámos sete mil fãs para a estreia do “Catching Fire”.

Vai voltar a fazer um filme?
Não me parece.

Nem como actor?
Isso pode acontecer amanhã (risos). Como figurante, talvez (mais risos). Voltar a produzir não. Tiro muito mais gozo com os potenciais efeitos multiplicadores que um festival pode criar do que tiraria a fazer filmes.

29 Mar 2016

Pac On | Novo edifício do Governo serve para diminuir arrendamentos no privado

Parque de estacionamento, fábrica, escritórios e mais. Vai ser assim o novo edifício do Governo no Pac On, que tem como objectivo deixar de arrendar espaços no privado

[dropcap style=’circle’]O[/dropcap]novo edifício do Governo que vai nascer no Pac On vai ser composto por escritórios, armazém, fábrica e parque de estacionamento. Isso mesmo confirmou o Executivo numa resposta ao HM, onde diz ainda que a ideia é poupar nas diversas rendas pagas por organismos públicos.
Conforme tinha sido avançado na semana passada, um dos lotes recuperado em 2015 pelo Governo no Pac On vai servir para a construção de um “edifício multifuncional” para o próprio Executivo. O concurso público para design e construção foi aberto na quarta-feira e decorre até Maio. O despacho publicado em Boletim Oficial (BO) indicava que o Executivo quer que seja construído um “Edifício Multifuncional do Governo no Lote O1 dos Aterros de Pac On”, sendo que é o Gabinete para o Desenvolvimento de Infra-Estruturas (GDI) quem põe a obra a concurso público. Agora, o Governo explica que a ideia com o novo espaço é substituir os espaços arrendados pelos vários serviços públicos por este único.
“Em resposta à necessidade dos serviços governamentais face ao desenvolvimento das suas actividades, o Governo planeou a construção de um edifício multifuncional com escritório, armazém, fábrica e parque e estacionamento, no terreno situado na Estrada de Pac On, na Taipa, ao lado da Rua da Felicidade”, indica a resposta das Obras Públicas.

Rendas de milhões

O Governo tem sido criticado por gastar milhões em rendas aos privados, sendo que Lionel Leong, Secretário para a Economia e Finanças, admitiu no hemiciclo serem “chocantes” os valores pagos pelo Executivo. Leong não deu números, mas o HM sabe que são pelo menos cerca de 600 milhões anuais, conforme avançado em Maio do ano passado por este jornal. Em 2009, o Comissariado de Auditoria aconselhava o Governo a fazer precisamente estes prédios para que não houvesse estas despesas.
O lote 01 do Pac On foi um dos terrenos não aproveitados dentro do prazo acordado que viu declarada a sua caducidade pelo Executivo. Tem 4392 metros quadrados e foi concedido à Sociedade Fábrica de Isqueiros Chong Loi (Macau), que perdeu também em tribunal depois de ter interposto um recurso.
O Executivo garante ainda que antes do início desta obra o tema será debatido no Conselho do Planeamento Urbanístico, mas também diz que “os requisitos do projecto satisfazem as opiniões de planeamento”.
O prazo máximo da obra é de 450 dias, mas ainda não há data para que esta comece, uma vez que o concurso decorre até Maio.

Edifício de Doenças em avaliação ambiental

O Secretário para os Transportes e Obras Públicas, Raimundo do Rosário, disse na semana passada que o projecto do Edifício de Doenças Infecto-Contagiosas, que vai nascer ao lado do Centro Hospitalar Conde de São Januário, está já em fase de avaliação ambiental “e por isso as respectivas obras ainda não foram iniciadas”. Num comunicado, Raimundo do Rosário afirmou contudo que, de acordo com a Lei do Planeamento Urbanístico, não existe nenhum regulamento específico que determine a necessidade de discutir todas as obras governamentais no Conselho do Planeamento Urbanístico (CPU), pelo que este não deverá passar pelo grupo. Até porque, disse ainda o Secretário, “o projecto do edifício destinado às doenças infecto contagiosas existe antes da criação deste Conselho”.

Areia sem data

Ainda não há data para que seja retomada a importação de areia para a Zona A dos novos aterros. Raimundo do Rosário, Secretário para os Transportes e Obras Públicas, disse que houve uma paragem e neste momento “ainda não se sabe quando serão retomados os trabalhos”.

29 Mar 2016

Obras Públicas | Cláusulas penais compensatórias descartadas pelo Governo

[dropcap style=’circle’]O[/dropcap]Governo não quer incluir cláusulas penais compensatórias nos contratos para obras públicas. É o que diz Raimundo do Rosário, Secretário para os Transportes e Obras Públicas que, num debate que teve lugar ontem na Assembleia Legislativa, disse que o que importa é a lei ser cumprida com rigor.
“No nosso caso optámos por multas e, se introduzirmos cláusulas, temos de alterar a lei [74/99/M, referente às empreitadas públicas]. Neste momento estamos a estudar, mas não somos a favor.”
O Governo “fez uma escolha” e essa decisão passa pela aplicação de multas e não pela introdução de cláusulas penais. As duas opções não podem sobrepor-se e o representante do Executivo mostra-se confiante de que as multas são a melhor solução. Decisão, contudo, que não agrada a alguns deputados, até porque, como também admitiu o Secretário, estas não estão a ser aplicadas devido a especificidades da RAEM.
“Não temos uma cultura de aplicação de multas. Não há esse hábito. Mas temos vindo a acompanhar mais de perto as obras e o sector sabe disso”, referiu Raimundo do Rosário, acrescentando que “se tiver informações” sobre o número de multas que já foram aplicadas devido a atrasos ou derrapagens orçamentais com obras públicas “essas vão ser facultadas”.
Esta foi uma das questões mais levantadas pelos membros do hemiciclo, que dizem que se o Governo considera que as multas estão a surtir efeito, então que mostre números. Este não conseguiu fazê-lo.
“Em nenhuma obra conseguimos aplicar a multa de 50% [do preço de adjudicação], se houver essa aplicação a empresa tem de fechar portas. Não tem sido hábito aplicar multas, em termos de tradição e costume”, referiu Rosário, que acrescenta que tem existido uma cultura de “generosidade” da parte do Executivo.

Mais exigente

A solução passa, então, por ser “mais exigente com a aplicação da lei”, até porque, diz, a inserção de cláusulas também traz aspectos negativos.
“Falámos com operadores do sector e achamos que não é fácil [introduzir estas cláusulas], porque no concurso público já fixamos qual o montante de indemnização e já aí há dificuldades. E, enquanto decorrer a obra, há lugar a multa. Com as cláusulas, uma vez pago o valor, a empresa pode ter de sair e achamos que não é a melhor solução porque temos que encontrar outra empresa para pegar nessas obras”, referiu Rosário. “A aplicação das cláusulas penais compensatórias vai ser ainda mais morosa do que a aplicação de multas, porque o empreiteiro pode recorrer judicialmente. A lei não foi aplicada no passado com grande rigor, e claro que isto não foi um bom hábito, mas se todas as partes cumprirem o que está na lei tudo vai melhorar. Podemos, com base na lei 74/99/M, avançar com os trabalhos com maior rigor. A multa é melhor e temos já instrumentos suficientes. Se cumprirmos a lei podemos resolver as coisas. Todos queremos ver as obras concluídas a tempo”, indicou ainda o Secretário.

Raimundo não é para sempre

Raimundo do Rosário foi elogiado durante o debate, que durou mais de três horas, pela transformação que trouxe às Obras Públicas face à aceleração dos trabalhos. Algumas obras de grande envergadura estavam sem qualquer avanço há anos – algumas há décadas – e começaram a andar desde que Rosário tomou posse. Exemplo disso foi o metro ligeiro na Taipa, cuja extensão de mais de nove quilómetros “vai estar pronta este ano”. Este facto serviu para o Secretário justificar que não é necessário alterar os diplomas legais para que as coisas corram como devem. Mas alguns deputados não se convencem e questionam: então e quando deixar o lugar?
“É frequente nas obras públicas o não cumprimento dos prazos, atrasos e má qualidade. Mas como se resolve esse problema? O Secretário diz que não foi necessário rever a lei para que as obras do metro na Taipa começassem a andar, mas quanto tempo é que vai ficar [no cargo]? Cinco, dez ou 15 anos?”, atirou Au Kam San, que diz que “qualquer dia o Secretário vai aposentar-se” e que, por isso, a RAEM “tem de depender de regimes” e não de pessoas. “O decreto lei 79 entrou em vigor em 1999 e agora, ao fim de quase 16 anos, é que o [Secretário] está a tentar cumpri-lo rigorosamente”, ironizou ainda o deputado, ajudado por Ho Ion Sang, que diz que “com a governação de Raimundo do Rosário, os trabalhos aceleraram, mas muitos decretos estão desactualizados” e que “há dez anos que o terminal do Pac On está a ser feito e não se sabe sequer o custo final, além de não haver sanção” para a empresa que o constrói.
“Há muita ligeireza na celebração dos contratos”, sublinhou ainda Pereira Coutinho. Também Fong Chi Keong, deputado nomeado pelo Governo, e Lam Heong Sang, se mostraram a favor destas cláusulas.
“Os trabalhos são sempre feitos aos pedaços, as empresas empurram as responsabilidades umas para as outras. É só ver como os privados demoram três anos [a ser feitos]”, disse o primeiro. “Com o atraso, o EPM parece um hotel de luxo. Queremos mesmo saber quando é que as infra-estruturas podem entrar em funcionamento”, frisou o segundo.

Cautelas

Ella Lei foi quem sugeriu o debate no hemiciclo, depois do Comissariado de Auditoria ter mencionado que seria positiva a inclusão de cláusulas penais compensatórias nos contratos. À decisão de Raimundo do Rosário dizer que não vale a pena alterar a lei, a deputada pediu mesmo que “não vale a pena dizer que o diploma consegue surtir efeitos se, na verdade, nunca foram aplicadas multas”. “Sai tudo do erário público e há sempre esses problemas e nunca se vê resolução.”
Ainda assim, há também quem se oponha à sugestão. É o caso de Mak Soi Kun e Leonel Alves, com este a pedir mesmo cautela ao Executivo.
“Alterar as leis, e sobretudo neste âmbito, não é tarefa fácil. Parece importante reflectir que efeitos perversos essas alterações podem trazer. Alterar a lei só para arranjar soluções jurídicas para facilmente punir os privados, criando um mau ambiente para investir em Macau, não merece a minha aprovação. O empreiteiro, sobretudo depois do concurso público, goza de presunção de competência porque foi escolhido nesse âmbito”, começa por dizer Alves.
O deputado acrescenta ainda que, para resolver eventuais casos, se poderia aumentar as multas através de regulamentos administrativos ou “até criar uma penalização adicional através de uma garantia bancária”, algo que, ainda assim, “não será bom para Macau”.

Responsabilidades pedidas

O Governo disse ainda que nem todas as obras públicas apresentam problemas, mas os deputados nem deram hipótese: o metro ligeiro, os novos aterros, a habitação pública, o Terminal Marítimo do Pac On, o Estabelecimento Prisional de Macau e o Hospital das Ilhas foram apenas alguns dos exemplos. “Em relação a tudo isto se verifica atrasos. E quais as obras em que o Governo aplicou multas? Chegou ou não a apurar responsabilidades?”, atirou Ng Kuok Cheong. “Qual o montante que o Governo já conseguiu junto dos empreiteiros? Os empreiteiros não fazem as obras segundo o prazo estipulado e o Governo está a desperdiçar o erário público”, reiterou Si Ka Lon. Raimundo do Rosário também não teve problemas em assumir que a suspensão de algumas destas obras acontece por causa do próprio Executivo. “O nosso Governo está sempre a alterar as coisas: o terminal do Pac On era temporário, depois definitivo, depois era preciso mais lugares. Com essas alterações as obras atrasam-se. Hoje pode ser isto e amanhã há mais alterações.”

A figura do “project manager”

Raimundo do Rosário diz que as Obras Públicas já estão a estudar a introdução da figura do “project manager” (PM) nas obras públicas, algo que está já a acontecer na construção do hospital das ilhas. “Estamos a notar uma certa carência nas Obras Públicas e estamos a contar com peritos internacionais inclusivamente para avaliar a dificuldade da realização da obras. O PM também pode oferecer a sua opinião profissional em relação aos atrasos e se as alterações são ou não viáveis. Isto vai acelerar o processo”, indicou Chau Vai Man, coordenador do GDI.

24 Mar 2016

Governo abre concurso público para novo edifício no Pac On

Um dos lotes recuperado o ano passado pelo Governo no Pac On vai servir para a construção de um “edifício multifuncional” para o próprio Executivo. O concurso público para design e construção foi ontem aberto e decorre até Maio

[dropcap style=’circle’]O[/dropcap]Executivo anunciou ontem um concurso público para a concepção e construção de um edifício do Governo, que será construído no Pac On. O local escolhido foi um dos lotes recuperados no ano passado pelas Obras Públicas, com mais de quatro mil metros quadrados.
O despacho publicado em Boletim Oficial (BO) indica que o Executivo quer que seja construído um “Edifício Multifuncional do Governo no Lote O1 dos Aterros de Pac On”. É o Gabinete para o Desenvolvimento de Infra-Estruturas (GDI) quem põe a obra a concurso público, sendo que este vai envolver o design e a construção do edifício. O lote 01 do Pac On foi um dos terrenos não aproveitados dentro do prazo acordado que viu declarada a sua caducidade pelo Executivo. Tem 4392 metros quadrados e foi concedido à Sociedade Fábrica de Isqueiros Chong Loi (Macau), que perdeu também em tribunal depois de ter interposto um recurso.
O Tribunal de Segunda Instância (TSI) indeferiu o pedido de suspensão da execução do despacho do Secretário para os Transportes e Obras Públicas em relação ao terreno, situado no cruzamento da Estrada do Pac On com a Rua da Felicidade. O despacho foi emitido a 29 de Maio do ano passado, sendo que a sociedade teve 60 dias para desocupar o terreno, que revertia assim para a RAEM, “sem qualquer direito de indemnização”. A empresa parecia já estar a adivinhar a finalidade do lote, já que dizia também, segundo um comunicado do acórdão citado pelo Jornal Tribuna de Macau, que era “extremamente provável que [a Sociedade] se veja definitivamente impedida de aproveitar o terreno, porque face à escassez de terrenos em Macau seria muito provável que no terreno em causa venha a ser erigida pela Administração Pública uma qualquer edificação logo que a desocupação seja efectivada”. Na altura, ainda segundo o mesmo jornal, o tribunal entendeu que a Administração não iria conseguir fazê-lo. “A alegada imediata afectação do terreno para outros fins não é mais do que uma mera conjectura hipotética por parte da requerente”, dizia o TSI.

Das condições

De acordo com o despacho ontem publicado em BO, o prazo máximo da obra é de 450 dias e a caução a ser prestada pela empresa é de sete milhões de patacas, mais 5% do preço total da adjudicação. Não há preço base para a obra e a entrega das propostas deve ser feita até 25 de Maio às 17h00, sendo que estas serão abertas na sede do GDI no dia seguinte.
A concepção conceitual vale 15% na avaliação, o prazo de execução 15% e o plano de trabalhos 10%, à semelhança da “experiência e qualidade das obras” e a “integridade e honestidade” da empresa. Nota máxima vai para o preço mais barato, que merece 40% da decisão total.
O despacho foi assinado pelo coordenador do GDI, Chau Vai Man. O HM tentou saber mais sobre o novo edifício, mas devido ao avançado da hora não foi possível obter resposta do Governo.

24 Mar 2016

Cuba-EUA | Especialistas traçam balanço positivo da visita de Obama

Prestes a deixar a Casa Branca, Barack Obama fez história. A sua visita oficial de três dias a Cuba e os encontros com o Presidente Raul Castro serviram, aos olhos de dois especialistas contactados pelo HM, para traçar a agenda política do próximo Presidente americano e para fomentar ligações económicas. Mesmo que o embargo não seja levantado

[dropcap style=’circle’]O[/dropcap]embargo ainda não chegou ao fim, mas as relações entre os Estados Unidos e Cuba estão, sem dúvida, numa nova fase. Barack Obama deixou Cuba esta terça-feira depois de ter feito um discurso que chamou a atenção para a necessidade de aproximação dos dois países, para lá das diferenças ideológicas e políticas. Há mais de 80 que um presidente norte-americano não pisava solo cubano. Obama fê-lo e terá deixado alertas para o próximo presidente norte-americano, disse ao HM Rui Flores, gestor executivo do Programa Académico da União Europeia (UE) para Macau.
“Foi um discurso de fim de mandato. Obama definiu qual será a agenda política externa do próximo presidente norte-americano e isso também é um fenómeno interessante. Vê-se que o Presidente Obama, que não conseguiu concretizar a promessa de fechar Guantánamo, veio agora também a Cuba anunciar que o embargo mais cedo ou mais tarde será levantado. Não se sabe é quando”, referiu.
Para Rui Flores, a presença de Obama em Havana foi “histórica” e carregada de sinais, algo de que se faz a política internacional. “Achei absolutamente extraordinário o discurso de Obama em que traça as linhas gerais do que parece ser o futuro de Cuba nos próximos anos. É muito interessante que Obama, perante o Presidente [Raul] Castro, tenha defendido alguns valores importantes como a democracia, o respeito pelos direitos humanos e a liberdade de expressão, encorajando o povo cubano a abraçar esses valores”, disse o antigo conselheiro para os assuntos políticos na Organização das Nações Unidas (ONU). “É extraordinário o que Cuba tem vivido nos últimos anos. Esta aproximação com os EUA, por intermédio, com mediação do Vaticano e do Papa, foi um processo interessante”, acrescentou Rui Flores.

Visão positiva

O académico Arnaldo Gonçalves também traça um balanço “positivo” da visita oficial de Barack Obama a Cuba. “Foi uma visita sobre a qual se criaram grandes expectativas um pouco por todo o mundo e também na política americana. É uma aposta do Presidente Obama desde o primeiro mandato, que queria reatar relações normais com Cuba e com o regime dos Castros”, referiu.
Cuba e os Estados Unidos estão de relações cortadas há 50 anos e só em Julho do ano passado foi decidida a abertura das embaixadas em ambos os países. Arnaldo Gonçalves garante que hoje há uma nova geração de cubanos que não compreende esse choque diplomático. “A história passou, há uma nova geração e essa geração hoje não tem memória do tempo da Guerra Fria, não compreende bem que haja esse afastamento entre os cubanos que vivem na ilha e os cubanos que vivem nos EUA, na zona dos exilados”, frisou. “Nesse aspecto, [Obama] deu um passo significativo, não deixando de reconhecer que os regimes políticos e ideologias são diferentes. Cuba ainda tem muito para avançar para ser um sistema político que respeite os direitos humanos e que permita ter opiniões discordantes. É um regime de partido único e Obama não deixou de pôr essa tónica no seu discurso, com frontalidade, que é como a política se deve fazer”, acrescentou Arnaldo Gonçalves.

Embargo: sim, não ou talvez

O levantamento do embargo entre os dois países, que vigora desde 1962, não ficou decidido, nem foi dada uma data para isso acontecer. Numa altura em que a Casa Branca se prepara para receber um novo presidente, Arnaldo Gonçalves chama a atenção para a posição do partido republicano sobre a matéria.
“Segundo o que temos visto nos debates, sobretudo republicanos, há uma posição consensual no seio do partido e nos vários candidatos republicanos no sentido de não haver mudança na política em relação a Cuba e de se manter o embargo”, apontou. “As razões são históricas e há ainda o alinhamento conservador dos republicanos, bem como o facto de uma das bases de apoio ser a comunidade expatriada de Miami, no Estado da Flórida, que deu dois candidatos [ao partido]. Portanto, enquanto isso se mantiver não há disponibilidade por parte do partido republicano, quer no Congresso ou no Senado, para levantar o embargo. Como têm a maioria, vai ser muito difícil ao Presidente Obama haver ainda o levantamento do embargo”, disse Arnaldo Gonçalves.
Contudo, o académico acredita que pode existir um fomento de relações empresariais entre os dois países. “[O facto do embargo não ter chegado ao fim] não impede que haja turistas americanos em Cuba, que haja voos entre as cidades americanas e Havana e que os empresários americanos possam desenvolver negócios com empresários cubanos. O embargo é apenas à importação de produtos cubanos e localização de empresas cubanas, mas isso pode-se fazer com outros parceiros. E é essa a aposta que será feita”, referiu Arnaldo Gonçalves.
Rui Flores, que passou três semanas em Cuba em 1996, na qualidade de jornalista, fala de um país que soube aproveitar os entraves do embargo de forma criativa. “A questão do embargo tem impacto na vida dos cubanos, mas fez aguçar a sua criatividade. Na agricultura os cubanos não conseguem aceder a pesticidas, por serem caros e porque não os podem importar, então desenvolveram uma agricultura mais orgânica. Outra das grandes dificuldades em Cuba é a ausência de medicamentos, mas a medicina cubana é das melhores do mundo.”
“Algumas potências regionais e europeias estão presentes em Cuba e sempre estiveram. A grande questão aqui é que Cuba é um mercado interessante para os EUA, perto de Miami, e isso é uma oportunidade de negócio, que a UE não quer perder”, referiu Rui Flores.

O peso do Comunismo

Rui Flores, que em 1996 teve dificuldades em encontrar pessoas que quisessem responder de forma aberta às suas perguntas sobre o país, garante que o processo dos presos políticos não vai mudar de um dia para o outro.
“O nível de educação dos cubanos é extraordinário, quase toda a população tem habilitações superiores. Mas é um país de contrastes, onde as pessoas têm medo de falar abertamente. Ainda existe a limitação por parte das pessoas para se associarem e para falarem abertamente. O Partido Comunista foi criando nos últimos anos uma teia de controlo junto da população que ainda hoje existe”, rematou Rui Flores.
No seu discurso, Barack Obama considerou que todos os cubanos devem poder “exprimir-se sem medo”, um discurso que passou na televisão nacional cubana. “Penso que os cidadãos devem ser livres de exprimir as suas opiniões sem medo, de criticar o seu governo e de se manifestarem de forma pacífica”, declarou Obama no teatro Alicia Alonso, na presença do Presidente cubano, Raul Castro. “Os eleitores devem poder escolher o seu governo em eleições livres e democráticas”, adiantou.
Obama disse que foi a Havana para “enterrar o último vestígio da Guerra Fria”, tendo garantido que os Estados Unidos “não têm nem capacidade nem intenção de impor mudanças em Cuba”. Não faltaram inclusivamente palavras em espanhol que tentam arrancar com uma nova fase diplomática. “Si, se puede”, do slogan “Yes, we can”, foi dito na capital cubana.

24 Mar 2016

Subsídio | Complemento salarial continua este ano

O Conselho Executivo anunciou ontem a continuação do subsídio complementar aos rendimentos do trabalho, em vigor desde 2008. Para este ano o número de pedidos deverá ser semelhante a 2015

A atribuição do subsídio complementar aos rendimentos do trabalho vai continuar este ano. A medida foi anunciada ontem pelo Conselho Executivo e visa que “trabalhadores com baixos rendimentos, e que reúnam os requisitos, possam receber um montante de até cinco mil patacas por mês”.
Segundo um comunicado entregue pelo Executivo, “os requisitos do pedido do respectivo subsídio no ano de 2016 são, em termos gerais, semelhantes aos do ano civil de 2015”. O ano passado mais de 3300 pessoas viram o seu pedido de subsídio aceite, tendo o Governo atribuído, no total, mais de 23 milhões de patacas.
Para receber este subsídio o trabalhador terá de cumprir o mínimo de 152 horas de trabalho por semana, sendo que quem exerce actividade no âmbito das indústrias têxteis, vestuário e couro pode trabalhar o mínimo de 128 horas para obter este apoio financeiro.
O Conselho Executivo referiu que as medidas em causa deram certo apoio “no sentido de aliviar a pressão sentida na vida pelas classes com baixos rendimentos, produzindo também efeitos positivos na área do apoio ao emprego de indivíduos que tenham mais de 40 anos de idade”.
O Executivo decidiu prolongar esta medida apesar do salário mínimo para as profissões na área da limpeza e segurança ter entrado em vigor em Janeiro deste ano. O ano passado o porta-voz do Conselho Executivo, Leong Heng Teng, referiu que este subsídio deverá chegar ao fim quando for aprovado o salário mínimo para todas as profissões, medida que deverá ser implementada em 2018.
“Havendo uma base para assegurar o salário mínimo, quanto a mim, a missão do subsídio está completa porque, para os trabalhadores com dificuldades económicas, o Governo tem o Instituto de Acção Social que presta os devidos apoios”, referiu na altura.
Em oito anos o número de pedidos para a obtenção do subsídio complementar de rendimentos tem vindo a baixar. No primeiro ano cerca de sete mil pessoas receberam o apoio, número que baixou sucessivamente até chegar às 3300 de 2015.

Empresas isentas da taxa de licenciamento industrial
O Conselho Executivo decidiu isentar as empresas da taxa para a atribuição da licença industrial. A medida tem como objectivo “reduzir os custos de exploração dos operadores industriais e aperfeiçoar os procedimentos administrativos”. A emissão da segunda via da licença também ficará isenta de taxa, algo que serve para o Governo “mostrar o apoio à indústria de Macau”.

Autorizada venda fora dos mercados
O Governo decidiu ainda alterar o Regulamento do Licenciamento dos Estabelecimentos para Venda a Retalho de Carnes, Pescado, Aves e Vegetais, por forma a permitir a venda destes alimentos fora dos mercados. “Devido ao rápido desenvolvimento económico de Macau e à mudança da forma de vida dos cidadãos nos últimos anos, o modelo de funcionamento dos actuais mercados tem dificuldade em satisfazer as necessidades sentidas pelos cidadãos das diferentes camadas sociais, ao nível da compra de produtos alimentares vivos e frescos”, aponta o comunicado. A medida tem ainda como objectivo “abrir o mercado de venda a retalho de produtos a mais exploradores e aumentar a competitividade quanto à qualidade dos produtos e serviços”.

24 Mar 2016

Matilde Campilho, poeta: “A escrita tem muitos caminhos”

Com “Jóquei”, Matilde Campilho fez uma revolução na poesia e na sua própria vida. Dois anos depois da sua publicação, a poeta portuguesa vive com um pé entre a sua Lisboa e o Rio de Janeiro que a levou a escrever. Assume que tem de se distanciar do seu primeiro livro e todos os dias rabisca palavras, mas não sabe sequer se vai publicar novamente. “Não tenho pressa nenhuma”, assegura

Comecemos por “Jóquei”. Mudou imenso a sua vida. Alguma vez pensou que o livro teria este impacto?
Não, o livro mudou absolutamente tudo. Nunca pensei que teria este impacto, porque o primeiro livro fazemo-lo sem pensar sequer em publicar. É boa a inocência do primeiro livro e se calhar nunca há mais nenhum como esse, fazemos porque temos de o fazer, porque é o nosso trabalho. Mas tudo o que surgiu depois disso foi completamente inesperado.

O que fazia nessa altura para além de escrever poesia?
Tive vários empregos, antes de me dedicar só à escrita. Digo sempre que a escrita é o meu trabalho mas tenho muitos empregos. Antes do livro, antes de me focar só nisso, desde que saí da faculdade, trabalhei sobretudo em televisão e em publicidade, mas sempre muito ligada à escrita e à parte criativa.

O que a levou a ir para o Rio de Janeiro?
Quando acabei o curso fui viver para Madrid, fiquei lá uns anos, e depois decidi voltar para Portugal, porque Madrid não tinha mar e isso dava-me uma certa angústia. Mas ao fim de um ano já estava meio inquieta e decidi ir ver o Rio de Janeiro, do qual toda a gente me falava. Tinha um bocadinho de medo de querer ficar e não estava pronta para ficar em lado nenhum ainda. Mas foi isso que aconteceu, fui para ficar 15 dias e fiquei três anos. E depois disso nunca mais parei de ir e vir. Já vivo em Lisboa há dois anos mas continuo a ir muitas vezes ao Rio de Janeiro, é muito casa. 24316P10T1

O Brasil mudou a sua percepção de escrita?
Sem dúvida. Em parte por eu ser estrangeira. E já tinha isso em mim, o facto de ser estrangeira num lugar tão distante. Apesar de parecer tão semelhante, é distante fisicamente e em muitas coisas: gestos no dia-a-dia… e quando somos estrangeiros estamos mais atentos, por um lado, às coisas pequenas e mais focados no que somos. Por um lado há mais espanto e novidade, mas por outro há mais silêncio por dentro, porque não temos os gestos e amigos habituais. Houve um conjunto de circunstâncias que me levaram a focar naquilo que se tornou no meu eixo.

Escreve poesia de forma diferente, usando três linguagens diferentes. Acredita que trouxe algo novo à forma como se pode escrever poesia?
Não sei, é difícil para mim ser tão crítica de mim mesma. Fiz o que pude e o que consegui fazer. Acho que ajudou o facto de ser estrangeira e de não estar ligada a nenhum grupo, porque hoje em dia, apesar de ser menos visível, continua a haver nas cidades grupos de gente que escreve e acaba muitas vezes por usar o mesmo tipo de linguagem, mesmo ao nível das artes plásticas. E eu estava a fazer o caminho mais sozinha, mas por outro lado estava a receber influências de vários lugares diferentes. E talvez tenha sido isso que levou a que a voz poética seja tão misturada com tantas coisas e lugares e dialécticas. É uma grande mistura de muita coisa que já existia.

Essa mistura de linguagens, do Português de Portugal, do Brasil e do Inglês, surgiu espontaneamente?
Surgiu disso, das influências dos vários lugares, dos poetas portugueses, dos meus poetas, dos escritores brasileiros, da América Latina, com os quais eu começava a tomar muito contacto. Ao mesmo tempo começava a ler os norte-americanos e os ingleses e tudo isso se misturou tudo neste livro (“Jóquei”). Foi quase como se nos sentássemos todos à mesa e eu os tivesse chamado para conversar.

Há inclusivamente um poema que faz referência a Walt Whitman. Mas que outros nomes, portugueses ou brasileiros, a inspiram para escrever, ou que são uma referência?
A pergunta das referências é sempre complicada porque, primeiro, as minhas influências agora talvez já não sejam as mesmas, porque este livro, na verdade, já o publiquei em 2014 e já estava terminado em 2013. Já passaram esses anos, e trabalho todos os dias, e as influências mudam muito. Há umas muito firmes. Volto sempre ao [T.S.] Elliot, [Walt] Whitman e há poetas portugueses que andam sempre no meu bolso, como o Rui Belo, o António Franco Alexandre, o Fernando Assis Pacheco, o Mário Cesariny. Depois na minha geração há gente a fazer coisas boas, os contemporâneos. Só que isso é um fluxo contínuo, há uns que ficam e aos quais voltamos sempre, mas há outros em que já estamos diferentes e eles dizem-nos outras coisas. Mas continua, por outro lado, a existir a influência da rua. Estou aqui, na Ásia, e tudo isto me influencia, ainda ontem fiz uns rabiscos sobre as luzes dos casinos. Ainda são só notas, mas a influência da rua é talvez a mais importante.

Macau será então uma influência para o próximo livro ou, pelo menos, para alguns poemas.
Não faço ideia, está a ser influência no hoje, no agora, mas o que isso vai dar em termos de poesia feita e fechada, não sei. Às vezes pode até ser invisível, porque quando falo em influência da rua, muitas vezes as referências não são assim tão claras. Posso ter Macau no meu subconsciente e sair um poema sobre uma praça em Lisboa.

Uma das críticas publicadas no livro diz que “Jóquei” é um álbum de Verão. A sua poesia é leve, fala do amor mas não de uma forma pesada, por exemplo. Concorda?
Acho que é um livro que tem várias camadas e talvez a primeira que se veja seja essa, das bofetadas da alegria. Mas na verdade mesmo quando um poema termina com a palavra alegria, para chegar até ali muitas vezes passa por cavernas de breu. A questão é o que queremos apresentar no “big picture”. Escolhi apresentar-me no livro de uma maneira mais luminosa, não deixando de dizer toda a escuridão que foi preciso atravessar para chegar ao fim dele. Como a vida mesmo. No dia-a-dia a vida acontece-nos, a maneira como reagimos às coisas somos nós que decidimos. Isso foram todas decisões, de ir pela via mais suave, mas sem esquecer tudo o resto.

Porquê o nome “Jóquei”?
Essa vai ser uma resposta muito longa. Foi difícil chegar ao nome do livro, porque acompanhou-me durante muito tempo e teve nomes muito diferentes. Foi como aqueles nove meses em que uma mãe conversa com o pai para decidir o nome do bebé. Sabia que seria o nome que o iria acompanhar para sempre, porque é o meu primeiro livro. Mas tudo isso antes de publicar, eu queria dar um nome aquilo que estava a fazer. Há várias razões para se ter chamado “Jóquei”. Uma vez estava a falar com um amigo sobre um poema americano que falava de um cavalo e fiquei com aquilo na cabeça. Nem há referências a cavalos nesse livro. A outra razão é que há um jóquei no Rio de Janeiro e outro em Lisboa, um Jóquei clube, também há aqui. Gostava muito do jóquei clube do Rio de Janeiro, passei muito tempo sentada naquelas bancadas vazias a ver aquelas montanhas. Depois há uma explicação mais longa e foi essa que me levou a decidir “ok, é isto”. O Jóquei, que monta o cavalo, na minha ideia quando começa a correr é para ganhar. E com o tempo, quanto mais corridas se fazem, vamo-nos apaixonando pelo cavalo e não por vencer ou perder, mas sim pelo correr. E então a poesia acaba por ser um cavalo. Apaixonei-me pela poesia, pelo cavalo, e a questão já não era só ganhar ou perder, mas fazer a corrida.

Como são os seus rituais de escrita?

A escrita tem muitos caminhos. Tenho estado aqui e tenho tirado muitas notas, no telefone, num guardanapo. Tenho um ritmo de trabalho que implica acordar de manhã, às sete da manhã, beber café, ficar a ler e começar a escrever uma ou duas horas depois. Sendo que há a influência da rua e de dentro, nos livros, é depois à mesa que isso se mistura. O exercício de escrita, com o tempo, revelou-se uma questão de limpeza e não de acrescentar. Tirando, tirando, até ficar só aquilo.

É uma poesia mais trabalhada.
Por outro lado já fiz poemas inteiros na rua que é aquilo e está fechado. Mas isso é mais raro.

Decerto já está a trabalhar no segundo livro? Como é que será?
Não faço ideia, nem sei se estou a trabalhar para o segundo livro. Escrevo, mas não faço ideia quando haverá o livro.

Pode não haver?
Por enquanto estou só a viver e a trabalhar, é cedo ainda. Preciso de me distanciar um pouco mais dele, a minha voz mudou muito nos últimos anos, está a mudar muito, e assim como demorei muito até fechar este livre e sendo que a minha vida mudou tanto depois dele…

Tem que se separar de “Jóquei” para seguir em frente.
Não só de “Jóquei”. A minha linguagem mudou, a minha escrita, o meu tipo de vida. Até encontrar de novo uma voz que eu diga “ok, és tu” vou continuar a trabalhar. Não tenho pressa nenhuma.

O facto de ser o primeiro livro não ajudou ainda a definir essa voz?
A nossa voz muda muito, todos os dias. Mesmo quem não escreve… estamos em constante mutação. Os temas são outros, a maneira de viver é outra, e estou a fazer as coisas muito devagar.

24 Mar 2016

Terrorismo | Atentado em Bruxelas faz 34 mortos e centenas de feridos

O Estado Islâmico reivindicou os atentados de ontem em Bruxelas, num comunicado enviado através da agência A’maq. A retaliação pela captura de Abdeslam Salah, há quatro dias, deixou a Europa, mais uma vez, em estado de choque: três explosões abalaram ontem Bruxelas – e o mundo – uma semana depois da Turquia ter sido o alvo do extremismo islâmico

[dropcap style=’circle’]O[/dropcap]Daesh já tinha prometido que os ataques de Janeiro deste ano na Turquia iam ser apenas o início de uma era forte do terrorismo extremista islâmico, depois de Paris ter visto centenas de mortos num atentado em Novembro do ano passado. A promessa parece ter voltado ontem a cumprir-se com três explosões em Bruxelas a tirar a vida a pelo menos 34 pessoas e a deixar feridas mais de um centena – e estes são números que continuam em actualização, contabilizados apenas até ao fecho desta edição.
Eram quase 8h00 quando se “ouviram tiros” no terminal de partidas do Aeroporto de Zaventem, na capital da Bélgica. Estes pareciam servir de aviso a duas bombas que explodiram minutos depois, precedidas de “gritos em Árabe”. As agências de notícias e os média internacionais dão conta de que pelo menos uma das bombas foi accionada por um bombista-suicida. Não se sabe ainda se a outra foi plantada no aeroporto. Aqui morreram, pelo menos, 14 pessoas.
A violência não termina, contudo, no aeroporto de Bruxelas. Uma hora depois, desta vez no metro, uma outra bomba explodiu deixando 20 mortos (dos 34 contabilizados).
A estação de Maelbeek, em Bruxelas, muito próxima da Comissão Europeia foi o alvo e a agência Lusa fala de pessoas a saírem da estação e a serem transportadas de maca, sendo o dispositivo grande, quer a nível de policiamento, quer de ambulâncias. Um jovem português que mora a 500 metros da estação disse ao HM que o cenário era “terrível”. Ainda que bem fisicamente, Hélder Ferreira assegura estar “com medo” e não saber se deve ou não ficar em casa. “As autoridades dizem para não sairmos de casa, mas se calhar até seria melhor. Estou aqui ao lado [da estação de Maelbeek]. Não sei. Não deverá explodir mais nenhuma bomba nesta área, não é? Não sei o que fazer, estou em estado de choque”, disse ao HM, através do Facebook. bruxelas
Todos os transportes públicos de Bruxelas foram mandados parar e no outro aeroporto da capital a segurança foi apertada, com a presença de vários militares armados e um controlo quase sistemático de veículos.

Retaliação ou fanatismo?

A pergunta que se impõe neste momento é peremptória: serão estes ataques uma retaliação pela captura de Abdeslam Salah? O atentado acontece quatro dias depois da captura de um dos homens responsáveis pelos ataques de Paris, no ano passado. Detenção essa feita pelas autoridades belgas.
Salah Abdeslam planeava fazer-se explodir no Estádio de França, em Paris, mas “recuou”. Porquê, não se sabe. Foi interrogado na Bélgica, depois de ter sido capturado na sexta-feira no bairro de Molenbeek, em Bruxelas. Abdeslam era alvo de um mandado de detenção internacional e a Bélgica quer extraditá-lo para França. Brussels-654540
Mas, o Ministro dos Negócios Estrangeiros belga já tinha avisado que Salah Abdeslam estava envolvido na preparação de “alguma coisa em Bruxelas”. A imprensa internacional dá conta que Didier Reynders afirmou que o próprio terrorista, pertencente ao Estado Islâmico, “deu a entender que o próximo alvo da unidade terrorista a que pertencia tinha como próximo alvo a capital belga, depois da capital francesa”. Os acontecimentos de ontem ainda não foram oficialmente associados à detenção, mas há quem já esteja a falar em “vingança”.
O primeiro-Ministro belga, Charles Michel, não teceu comentários sobre uma eventual retaliação, mas admitiu: “aquilo que temíamos aconteceu”.

Cenário horrível

As imagens dos atentados dão conta de um cenário de horror, com fumo a sair do aeroporto e da estação de metro e o pânico instalado. Fotografias dos locais onde as bombas explodiram mostram carruagens completamente destruídas, vidros estilhaçados e pessoas a serem transportadas em macas, com ferimentos.
“Está tudo em estado de sítio. Vi uma mulher a ser levada numa cadeira de rodas, com a cara coberta de sangue”, diz Hélder Ferreira ao HM. “O cenário é de pânico, há pessoas ainda dentro do metro, pelo que ouvi, da janela vejo muitos a chorar nas ruas e à procura de pessoas.” 18401601
O nível de alerta na Bélgica foi elevado para quatro, o máximo da escala, na sequência das explosões, e a CNN dava conta que a família real belga abandonou o Palácio Real, na sequência de uma mala suspeita encontrada nas imediações, o que foi depois desmentido em comunicado do próprio palácio.
Este é o terceiro atentado no mesmo mês – Ancara, 13 de Março: um atentado com um carro bomba deixou 35 mortos e 125 feridos. A explosão acontecia um mês depois de outro carro-bomba ter morto 29 pessoas, em ataques que as autoridades já atribuíram ao Daesh (Estado Islâmico).
Antes, a 19 de Março, foi a vez de Istambul sucumbir ao terrorismo. Dez mortos e 36 feridos, um deles português, alvo de um ataque suicida num rua pedonal de Istambul. Sete mortos eram israelitas.
Até ao fecho desta edição, a imprensa belga dava conta de duas detenções associadas ao atentado mas não foi possível confirmar a veracidade da situação.

Líderes em choque

Marcelo Rebelo de Sousa mostrou solidariedade para com os belgas e apelou aos valores da democracia como arma contra o terrorismo, num dia em que houve “um ataque cego e cobarde, que atingiu o coração da Europa”. Foi assim que o Presidente da República portuguesa se referiu aos atentados em Bruxelas, naquela que foi a primeira vez que fez uma declaração em Belém. “O que nos une é a luta pela democracia, liberdade e direitos humanos. É nos momentos cruciais de crise aguda que sentimento a necessidade de reafirmar esses valores. É tão importante o apelo aos nossos valores, aos valores da liberdade, democracia e direitos humanos que é neste instante a ocasião de os reafirmar. A construção da paz, a construção de um mundo com mais desenvolvimento económico e mais justiça social, mas também a segurança das pessoas e a segurança dos bens são indissociáveis. Não há segurança se não houver a construção da paz. Tive a oportunidade de passar uma mensagem de pesar, repúdio e a solidariedade do povo português [aos reis belgas]”

“Esta guerra contra o terrorismo tem de ser lidada com sangue frio, porque será longa. O terrorismo atingiu a Bélgica, mas é a Europa que é a visada. É todo o mundo. Temos consciência da gravidade destes ataques. Paris foi altamente afectada no ano passado, no mês de Janeiro e no mês de Novembro. Noutros continentes também, como em África. Estamos perante uma ameaça global que exige uma resposta global. A França e a Bélgica partilham este horror.
” François Hollande, presidente francês

“[Lamentamos] os números mortos e feridos, alguns gravemente nos ataques cegos, violentos e cobardes em Bruxelas. Receávamos um atentado e ele aconteceu”, primeiro-Ministro belga, Charles Michel

“Estou chocado e preocupado com os acontecimentos em Bruxelas. Faremos tudo o que pudermos para ajudar”, David Cameron, primeiro-ministro britânico

“É um dia muito triste para a Europa, no momento em que a Europa e a sua capital sofrem a mesma dor que esta região [do Médio Oriente] conheceu e conhece todos os dias”, chefe da diplomacia europeia, Federica Mogherini, em Amã. Saiu a chorar e depois de ter abraçado o Ministro dos Negócios Estrangeiros da Jordânia

Macau sem vítimas

O Gabinete de Gestão de Crises do Turismo (GGCT), diz estar a acompanhar a situação causada pelas explosões ocorridas no aeroporto e no metro em Bruxelas e tem mantido “contacto permanente” com as autoridades, sendo que, das informações recolhidas através da indústria turística de Macau, “não há grupos de excursão de Macau em Bruxelas e o GGCT não recebeu até ao momento nenhum pedido de informação ou de assistência”.

Portuguesa entre os feridos

A informação foi confirmada pelas autoridades portuguesas, que estão a tentar perceber se existem mais portugueses entre as vítimas mortais e os feridos dos ataques: uma portuguesa de 30 anos ficou ferida devido à bomba que explodiu no metro. O Secretário de Estado das Comunidades Portuguesas, José Luís Carneiro, confirmou a informação avançada pelo porta-voz da TAP, António Monteiro, de que as explosões no aeroporto se deram numa zona próxima aos balcões de check-in da transportadora portuguesa. Mas não havia feridos a registar.

Futebol atento

A Federação Portuguesa de Futebol (FPF) informou estar “em contacto com a (…) congénere belga e as autoridades portuguesas, belgas e internacionais”, a uma semana das selecções da Bélgica e de Portugal se defrontarem, a 29 de Março, no estádio Rei Balduíno, em Bruxelas, em jogo de preparação para o Campeonato da Europa de futebol, em França. José Neto, mestre em psicologia desportiva, afirmou que, caso se realize o jogo Bélgica-Portugal, os jogadores têm de ser preparados de modo a olhar para a adversidade como padrão para conquista de objectivos, depois dos atentados de ontem.

Portugal em alerta

A secretária-geral do Sistema de Segurança Interna revelou ontem que todas as forças de segurança da Unidade de Coordenação Anti-terrorismo estão a acompanhar os acontecimentos de Bruxelas, mantendo-se o nível de alerta em Portugal. “Todas as Forças e Serviços de Segurança que integram a Unidade de Coordenação Anti-terrorismo estão a trabalhar em completa articulação e a acompanhar os acontecimentos que estão a ocorrer em Bruxelas, mantendo contacto com as suas congéneres e recolhendo todos os dados necessários à sua avaliação”, informou, em comunicado, o gabinete da secretária-geral do Sistema de Segurança Interna.

Cartoonistas de armas em punho

Como tem sido habitual, os cartoons contra os atentados e o islamismo extremista começam a correr na internet, com um deles a ser particularmente nas redes sociais: “Je suis sick of this shit” (tradução literal: estou farto desta merda). A sua autoria não foi ainda apurada.

(In)Segurança

Especialistas do sector de mobilidade e transportes da Central Geral Sindical de Serviços Públicos belga (CGSP) tinham alertado, há menos de três meses, para falhas detectadas nos protocolos de segurança do aeroporto de Bruxelas. A informação está a ser avançada pelo jornal belga “L’Echo”. Em relatório, a confederação sindicalista tinha alertado no início deste ano para “falhas na segurança do aeroporto nacional belga”, sublinha esse jornal, que teve acesso ao documento. “Nos primeiros testes activos (testes cegos aos protocolos) feitos pelos inspectores, os resultados foram desastrosos para a BAC (empresa que gere o aeroporto da capital belga), que pediu para que os testes fossem simplificados. Estes foram ajustados para facilitar o reconhecimento [das falhas detectadas]”, é referido no relatório divulgado em Janeiro. “Mas mesmo nessas condições, a proporção de itens proibidos detectados [a passar em bagagens] continua a ser elevada. Isto significa que, na prática, uma bomba numa mala de viagem tem hipóteses de passar despercebida”, cita a revista Sábado

Condolências de refugiados

Uma fotografia de uma criança da Síria refugiada está a correr a internet. O rapaz, adolescente, tem nas mãos um cartaz onde se pode ler “lamentamos por Bruxelas”.

23 Mar 2016

1º Maio | Protesto testa capacidade da Forefront of Macau Gaming

O grupo Forefront of Macau Gaming, que representa os interesses dos croupiers, está numa fase descendente. Sem uma sede própria e com a crise no Jogo, o grupo diz que vai “testar” a sua capacidade de luta nas próximas manifestações do Dia do Trabalhador

[dropcap style=’circle’]O[/dropcap]s líderes saem, a sede fecha portas, a crise no sector do Jogo traz uma sensação de medo. Tem sido assim o panorama para os lados da Forefront of the Macau Gaming. Ao HM, Lei Kuok Keong, vice-director da Associação, garantiu que os protestos do Dia do Trabalhador, marcados para o 1º de Maio, irão servir para “testar” a capacidade da Associação vingar no campo da luta por melhores direitos na classe de croupiers.
“Vamos tentar mobilizar os trabalhadores do Jogo para que participem na manifestação do 1º de Maio deste ano, vamos ver se a nossa capacidade enquanto movimento de trabalhadores vai ser afectada pela queda da economia. Nas manifestações anteriores tínhamos cerca de mil participantes, mas se tivermos menos de mil pessoas nas ruas, achamos que esse impacto é grande”, disse Lei Kuok Keong.
O representante não tem dúvidas de que a queda das receitas do Jogo afectou o espírito dos trabalhadores dos casinos, os quais ficaram preocupados com a manutenção dos seus postos de trabalho. “Parece-me que as operadoras de Jogo vão cortar mais na mão-de-obra. Na verdade as seis operadoras já não estão a contratar mais trabalhadores para as mesas de jogo”, frisou.
Sem sede
Outra das dificuldades que o grupo Forefront of the Macau Gaming está a enfrentar prende-se com a falta de uma sede própria. A que tinham terá que ser abandonada no final deste mês devido à renda elevada. “A renda era mais de quatro mil patacas por mês. Para nós este montante é difícil de suportar. Depois de considerarmos todos decidimos não continuar a arrendar a loja”, disse Lei Kuok Keong. O sublíder do grupo afirmou ao HM que a sede tem sempre uma natureza temporária e que serviu para colocar os materiais de manifestação, tais como altifalantes e cartazes de protesto.
O grupo tentou arrendar uma loja num dos complexos de habitação pública, com uma renda mais baixa, mas a resposta do Instituto da Habitação (IH) foi negativa. Lei Kuok Keong lamenta o facto, mas disse que vão tentar encontrar outro local para desenvolverem as suas actividades.
No ano de 2014 o grupo teve uma forte presença na sociedade, quando organizou várias manifestações em prol dos direitos dos croupiers. Contudo, a saída de dois líderes, Cloee Chao e Ieong Man Teng, afectou os trabalhos do grupo. A saída da sede, junto às Portas do Cerco, foi o culminar de uma fase descendente.
Lei Kuok Keong espera que os trabalhadores continuem a dar apoio às actividades do grupo Forefront of the Macau Gaming e garante que há condições para voltar às ruas. Isto porque apenas a Sands China e a Galaxy garantiram aumentos salariais para este ano.

23 Mar 2016

IACM lança novo sistema para infracções nos espaços públicos

[dropcap style=’circle’]O[/dropcap]Instituto para os Assuntos Cívicos Municipais (IACM) dotou os seus fiscais de meios electrónicos, para estes multarem os infractores do Regulamento Geral dos Espaços Públicos. A nova ferramenta permite a selecção dos artigos infringidos e tem um sistema GPS para registar o “local do crime”. Com esta medida, o IACM espera reduzir erros de escrita, melhorar a informação e poupar tempo.
“O objectivo”, diz o IACM, é o de “optimizar o trabalho de fiscalização na área da sanidade e higiene ambiental”. Assim, durante dois anos, o sistema foi testado, sendo que agora está já nas mãos dos fiscais. O Sistema Electrónico para Autuação (IPMS), assim se chama, é dedicado à aplicação de multas na área da higiene ambiental. Anteriormente, o sistema utilizado era exclusivamente em papel, o que possibilitava a existência de erros nos procedimentos.
O IPMS permite aos fiscais a selecção dos artigos relativos à infracção, a data e hora de acusação, visto que a nova ferramenta dispõe de um sistema GPS que permite registar com precisão o local onde foi cometida a ilegalidade. Basta aos fiscais introduzirem os dados pessoais e observações relativas aos infractores. Para o IACM, “esta medida vem reduzir as possibilidades de erros de escrita, economizar tempo e aumentar a precisão da informação de acusação”.
A par disso, lê-se ainda numa nota distribuída à imprensa, “facilita os trabalhos posteriores de processamento de texto e apresenta vantagens para efeitos de análise de dados e estatísticas”. Assim, garante o IACM, “a comunicação entre os serviços é aperfeiçoada e o tempo de processamento de infracções é reduzido, o que melhora significativamente a eficiência de todo o processo”.
Segundo a mesma nota, o aumento populacional da cidade, que já ultrapassa as 600 mil pessoas adicionadas a 30 milhões de turistas por ano, tem provocado um impacto nos trabalhos de manutenção da sanidade e da limpeza ambiental do território e da aplicação da lei. Assim, informa aquele instituto, “no ano de 2015, foram registadas 21.040 infracções ao Regulamento Geral dos Espaços Públicos, enquanto nos dois primeiros meses do corrente ano foram registadas 4712 infracções”.

23 Mar 2016

Luís Patraquim, escritor : “A sede de conhecimento em Moçambique é grande”

Luís Patraquim é de conversa fácil, mas não de conversa mole. Preocupado com o estado de insegurança no país, deseja paz, mais compreensão para a importância da cultura e traz-nos novas de um povo com uma enorme ânsia de aprender. O convidado do Rota das Letras rejeita paternalismos, desconfia dos tolerantes e não percebe por que os cidadãos ainda não circulam livremente pela CPLP

[dropcap]O[/dropcap] que o motiva a estar vivo?
Aconteceu-me estar vivo, portanto tenho de fazer o melhor possível. O Reinaldo Ferreira (poeta moçambicano) tem um verso que dizia “ai de mim que não pedi para nascer e sou forçado a viver”, mas ele era pessimista. Não chego a esse ponto, sei que isto é tudo um absurdo, mas também tem coisas com piada pelo meio. O projecto dele era “Um voo cego a nada”. Um belíssimo poeta que morreu demasiado novo, filho do famoso Repórter X, da I República.

E na sua obra? O que o motiva a investigar, a escrever, a pensar?
Julgo ser a curiosidade das coisas. A necessidade interior de dizer coisas que já foram ditas. Mas cada um diz à sua maneira. Porque não sou pretensioso, direi que existe algo de maravilhamento no mundo, apesar das tragédias pessoais e colectivas que sabemos. Há esse maravilhamento a que nos compete ficar atentos.

Como por exemplo…
Uma criança que corre a rir pela rua fora.

Dizer o que já foi dito. Vivemos num incessante círculo vicioso?
Tem dias (risos). Mas passa por aí. Daí o mito do labirinto. A descoberta, aquele desafio do desconhecido para depois resgatar algo que, no fundo, é algo dentro de nós, que não conhecemos, para depois produzir um sentido qualquer. Os sentidos inventamos nós a cada momento, não é? A linguagem e a música são os primeiros dessa invenção de sentidos que fomos inventando ao longo da histórias em várias culturas e sociedades.

Será possível formular uma pergunta que nunca lhe tenha sido feita? Algo que você desejasse falar e nunca tenha tido oportunidade?
Por exemplo, com quantas gajas é que andou? (gargalhadas) Mas, como sou cavalheiro, não digo.

Os brasileiros têm a expressão “abaixo do equador não existe pecado”. Em Moçambique também é válida?
Isso são aquelas frases meio folclóricas mas, num certo sentido, é verdade. O pecado é da ordem do religioso. A ética é da ordem da filosofia. Eu não me revejo em nada que tenha a ver com pecado, mas sim em tudo o que tenha a ver com ética.

Como é a vida em Moçambique?
Não é fácil. Tem ilhas de tranquilidade de um viver ainda tradicional e antigo e a emergência deste conflito que está no começo mas que pode vir a ser perigoso. Tem cidades, como Maputo, que começam a ser uma grande confusão. Alta velocidade, interesses, o dinheiro, o dinheiro, o dinheiro… Mas tem outros espaços absolutamente aprazíveis onde se pode viver sem stress como, por exemplo, a cidade de Inhambane.

Em Maputo descobrem-se muitos sinais de Portugal, da culinária a símbolos como o dos clubes… Existe uma nostalgia?
Já passaram 40 anos. Os moçambicanos já fizeram muitas coisas, boas e más. Há isso sim, uma espécie de reconciliação com aquele pai que foi preciso matar, no sentido freudiano, e agora há uma percepção de que o mundo é vasto, algumas heranças ficam e as sociedades aproveitam o que acham melhor de cada cultura seja ao nível que for. Não será bem nostalgia. É talvez uma forma de trazer à memória afectiva ou “desafectiva”, se calhar mais “desafectiva”, uma presença que esteve lá de forma colonial mas também com muitas outras facetas, sem o conflito e essa necessidade de afirmação que existia antes de voltar a conviver com uma série de heranças.

Há sempre uma ideia em Portugal que fomos sempre tolerantes, amigos dos povos nativos…
Ah… isso é tudo uma mitologia desgraçada.

Agora vemos a presidência portuguesa da CPLP contestada por vários países, Moçambique incluído…
É os resultado de anti-colonialismos primários. Coisa que para o Brasil então não faz sentido nenhum. Angola e Moçambique ainda vá, porque a descolonização [foi recente]. Seria absurdo, mas podíamos tentar perceber. Para mim é uma questão política de hegemonia. Se calhar o Brasil quer tomar o comando. Se bem que o Brasil se esteja a marimbar para o tal mundo da lusofonia – eu não gosto deste termo mas ainda não se descobriu outro -, quer ter uma influência maior ou então não dá para perceber. Mas a própria CPLP foi mal construída, a partir do vértice da pirâmide e está a custar muito a descer à base.

Melhor explicado…
Os chefes de estado resolveram criar aquilo com uma noção um bocado corporativa. Conferências Ministeriais, reuniões de Associações de Advogados, de empresários, de associações disto e daquilo, mas nada chega cá abaixo, ao povão. Na prática dos povos o que interessa é o dia a dia, o chão das coisas. Uma política fácil de vistos entre estes países, por exemplo.

Faria sentido uma comunidade de livre trânsito?

Fazia mas Portugal está amarrado a Schengen. Cabo Verde propôs há muito, mas nenhum dos outros países aceitou: era uma espécie de cidadania lusófona. Uma forma diplomática, consular, que permitisse às pessoas circularem. Não apenas as corporações mas também o Zé dos Anzóis, as famílias (o resultado destas ligações que ficaram) poderem viajar sem estes entraves todos.

Há dias, Luiz Ruffato dizia ao HM que “o português de Portugal vai acabar por ser um dialecto do Brasileiro”.
Tenho de discordar. Em termos linguísticos não há dialectos. São línguas. Falava-se em dialecto quando o poder colonial se referia às línguas dos países africanos. Moçambique tem 11 grupos linguísticos, todos de raiz banta, Angola tem outros tantos. Falar em dialectos é uma espécie de menorização dos estatutos linguísticos. Hoje a linguística não vê a questão assim. Não se trata de dialecto absolutamente nenhum. O que vai acontecer são variantes da Língua Portuguesa, aliás já classificadas assim. A variante europeia não é única, porque naquele território tão pequeno, o léxico, alguma sintaxe e até a pronúncia sofrem tantas mutações… vai haver um português de Moçambique, os linguistas já fazem estudos nesse sentido, em Angola idem… O que o Luiz, se calhar, queria dizer é que pela dimensão geográfica e demográfica, o Brasil é o gigante que é.

Neste contexto, que sentido faz um acordo ortográfico?
Não faz muito. O problema da língua não está aí mas na sintaxe. O léxico não é problema porque as línguas são organismos vivos que se inventam a si próprios, depois a literatura gera uma espécie de padrão, a gramática analisa e cria um conjunto de regras que, logo a seguir, podem ser mudadas e são. Não há um proprietário da língua e qualquer Estado que julgue poder legislar a esse nível está absolutamente equivocado.

O que falta a Moçambique para que as pessoas se entendam?
As elites não se esquecerem do melhor do discurso de libertação – salvo algumas arrogâncias, a matriz não começou bem – que sejam menos arrogantes e menos ambiciosas. Estou a dizer o óbvio, mas pronto… que coloquem o interesse nacional acima dos interesses partidários.

O interesse nacional é um conceito vago…
É definido pelas classes hegemónicas que chegam ao poder, é assim em todo o lado. No caso moçambicano, é o de que se não existir juízo a própria unidade do território pode estar em causa. O país precisa de uma política que tenha em conta a distribuição da riqueza, capaz de criar condições para mais riqueza a partir da agricultura e distribuí-la pela população. Isso não está a acontecer. Vive-se de galinhas dos ovos de ouro – daí a emergência do novo conflito-, do gás natural, um ouro que está ali a luzir e a perturbar as cabeças de alguns.

Há meia dúzia de anos vi em Maputo a capa de um jornal com a fotografia de uma figura pública e a manchete “O regresso do grande pateta”, arrojado em muita democracias. Tendo em conta o momento actual, como está a liberdade de imprensa em Moçambique?
Nesse aspecto existe, de facto. De uma forma geral, a liberdade de imprensa mantém-se mas tem dias. Às vezes não é bem utilizada mas por uma questão puramente técnica. Há jornais e jornais, só por isso. A liberdade de imprensa é um dos pilares do jogo democrático, é saudável pela capacidade crítica, de criação de massa crítica, pela formação de opinião e a necessária difusão de informação que todas as sociedades precisam.

Em Macau a discussão da independência do poder judicial está na ordem do dia. Qual a situação em Moçambique?
Isso é da definição básica da coisa pública. (risos) Teoricamente existe. Praticada por um ou outro juiz mais consciencioso, também existe. Mas como sistema não existe, infelizmente, porque a teia dos interesses, dos favores, das pequenas ou grandes corrupções é de tal ordem que, de uma maneira ou de outra, as coisas estão instrumentalizadas. Às vezes aparece uma pérola caída não sei de onde como o caso do professor Castelo Branco. A consciência, a tal ética, não é?

Aconteceu-me entre Inhambane e Maputo: numa venda de estrada um grupo de crianças pedia-me livros. Existe outra utilidade para os livros ou aquelas crianças tinham mesmo necessidades de leitura?

Há uma grande curiosidade. As pessoas sacrificam-se muito para estudarem. Há uma sede de conhecimento muito grande, isso é verdade. O sistema de ensino é que tem muitas falhas. E, nessa zona, a necessidade ainda é maior porque a escassez de oferta é grande.

Que se poderia fazer para resolver essa necessidade?

Precisamos de uma rede de bibliotecas, de meios para distribuir livros pelo país. Mas a situação volta a estar difícil neste momento.

A tensão é assim tão grande?

Começamos a viver uma situação de insegurança. Já há colunas militares a acompanhar os carros pela estrada número um… Já começa a ser parecido com há uns anos atrás.

E a sociedade civil moçambicana ainda não tem força para se opor a esse “estado de sítio”?
Manifesta-se muito, faz muitas coisas, comunicados mas, no limite dos limites, não tem ainda o poder para se opor com veemência ao que está a acontecer.

Como está vida cultural em Moçambique?
Está viva. O teatro, até o cinema, mais caro, produzem. Na literatura edita-se muito, com maior ou menor qualidade. E a cultura é um sector olhado com prestígio, o que não é mau. Não existem ainda é políticas governamentais que entendam que a cultura (para além de fortalecer a moçambicanidade plural, a unidades e os chavões que se quiserem) também pode acrescentar valor ao PIB.

Hoje fala-se é de diplomacia económica.
E só se fala em diplomacia económica. A cultura é sempre vista como algo menor. O poder político tem de perceber que a cultura não são apenas umas festas para consolidar a implantação do partido nesta ou naquela região, como é o caso do famoso Festival Nacional de Canto e Dança, ou do Cultural Nacional. É preciso criar dinâmicas: uma verdadeira associação de autores, subsídios para o teatro e para o cinema, que não há. Formas de investimento para atrair públicos, gerar massa crítica e educar o gosto. Edições subsidiadas pelo governo, dos grandes mestres como se está a fazer em Itália. Mas em Moçambique, de uma forma geral, só se pensa no luxo, no papel couché e coisas dessas.

Nestes últimos anos tem-se assistido à entrada de muitas empresas chinesas em Moçambique. Como tem sido a relação com os locais?
Há um problema de comunicação. Uma coisa são os chineses e macaenses que estão lá há mais de cem anos, a outra são estas empresas, na maioria estatais, que chegam agora. Contratam os locais para lugares menores, querem tudo na velocidade chinesa e o moçambicano não é assim. Não quer dizer que seja preguiçoso, mas tem outro ritmo. E se pagassem decentemente, também ajudaria.

E de um ponto de vista mais geral? Há benefícios claros para a população?
Hoje começa é a questionar-se o modelo de cooperação chinesa com África. Há benefícios claros porque se abriu a estrada ‘x’ ou ‘y’ mas depois não há interacção. A empresa chega, monta o estaleiro, propicia um trabalho sazonal não muito bem pago, não há grandes convívios, a obra acaba, vão-se embora. Um ou outro escapa e fica mas são casos pontuais. É um esquema de cooperação um bocado disfuncional.

Fala-se muito da responsabilidade do mapa cor-rosa por parte dos problemas de África. Que ideia tem sobre isso?
É o ultimo argumento de um novo olhar europeísta sobre África, que seria o mais perigoso. Querer isso para África agora seria a desgraça total e completa. Aquando da conferência de criação da Organização da Unidade Africana, em 1963, foi acordado deixar tudo como está. Quando há conflitos graves, há estudos sobre isso, as causas, normalmente, não são étnicas mas derivadas da injustiça na distribuição da riqueza, da falta de criação de oportunidades, de poderes políticos nepotistas.

Tenho a ideia que, para si, a palavra ‘tolerância’ não tem a conotação de bondade que normalmente lhe atribuímos. É mesmo assim?
Lá para trás foi boa quando o John Locke escreveu o “Ensaio sobre a Tolerância”, quando existiam as guerras religiosas na Europa. Fazia todo o sentido e continua a fazer um certo sentido, claro. Mas uma pessoa que se diz tolerante é um bocado arrogante. Que categoria tenho eu para ser tolerante ou deixar de ser tolerante? Ou tenho opiniões ou não tenho. A minha posição deve ser a do discurso, da discussão com o outro, para ver se chegamos a acordo, ou não, mas cada um com as suas ideias ou cultura. Não é preciso guerra por isso.

Um dia foi exilado…

(interrompendo) Exilado é uma palavra muito fina para mim porque fui um refractário. Exilados são os políticos. (risos)

Como aconteceu?
Não queria participar na Guerra Colonial e queria ir para a luta de libertação. É tão simples como isso.

Porquê a Suécia?
Por contactos. Porque havia lá uma base dos três movimentos de libertação: Frelimo, PAIGC e MPLA com base na CONCP (Conferência da Organizações Nacionalistas das Colónias Portuguesas) criada em Rabat logo a seguir ao início da guerra em Angola.

O que gostava que um dia fosse o seu legado? A recordação do seu trabalho como jornalista, escritor, activista?
Não gostava de nada porque nessa altura já cá não estou. (risos). Mas sim, gostava que recordassem um trabalho sério e rigoroso.

Que trabalho será esse?
Algumas propostas para o maravilhamento do mundo.

Um desejo para Moçambique
Paz.

23 Mar 2016

CTM | Empresa quer criar ligações com o continente

Depois de lançar o plano “City Link” em Hong Kong, a Companhia de Telecomunicações de Macau pretende lançar já este ano um serviço de roaming para as comunicações na China. Cerca de 60 mil clientes já utilizam a rede 4G

[dropcap style=’circle’]A[/dropcap]Companhia de Telecomunicações de Macau (CTM) pretende lançar já este ano o serviço de roaming para clientes que queiram fazer ligações no continente. Depois de lançar, a 17 de Março, o plano “City Link”, em parceria com a CSL, operadora de telecomunicações de Hong Kong, a CTM está na fase de contactos para o lançamento desse projecto.
“Esse será o próximo passo e será um serviço que irá melhorar imenso as relações em termos de economia e turismo”, explicou Vandy Poon, director-executivo da CTM, à margem do habitual almoço de Primavera com os meios de comunicação social.
Quanto ao serviço “City Link”, o mesmo só está disponível para os clientes de cartões pós-pagos, segundo explicou a porta-voz da empresa, Eliza Chan. “Diria que é uma oferta inovadora para os nossos clientes. Neste momento só podemos disponibilizar este serviço para os nossos clientes de cartões pós-pagos, mas esperamos que no próximo passo possamos alargar esse serviços aos clientes dos cartões pré-pagos”, apontou.

Investimentos

Em 2015 a CTM investiu um total de 693 milhões de patacas em projectos de infra-estruturas, um aumento de 33% face a 2014. A empresa registou lucros de 1,2 milhões de patacas.
Para este ano, e apesar da economia estar numa fase de abrandamento, a CTM espera investir ainda mais na área. “Queremos promover a implementação da rede 4G e o desenvolvimento das redes 2G e 3G. No próximo ano vamos incluir a extensão das redes, temos novos produtos e plataformas e em 2016 o nosso investimento vai ser relativamente mais alto. Não sabemos ao certo os valores, mas vai ser um grande investimento. Em termos da economia, a CTM vai manter os projectos na área digital e não vamos fazer qualquer redução em termos de investimento”, disse Patrick Ip, CFO.

4G a bom porto

Depois da abertura do mercado ao nível da concessão das licenças 4G, a CTM possui já 60 mil utilizadores desta rede, um número “maior do que esperava”, como disse Eliza Chan. “Esperamos que este ano possamos transferir todos os utilizadores para a rede 4G porque os preços vão ser mais baixos do que na rede 3G, pelo que prevemos que os custos para o utilizador serão mais baixos, cerca de 19%. Penso que para nós será mais competitivo em termos de mercado”, apontou a porta-voz.
Vandy Poon garantiu que a rede 3G “é ainda o principal serviço”, ainda que a companhia assegure ter o compromisso de “o continuar a providenciar”. “A rede 4G tem maior velocidade e os pacotes incluem mais armazenamento de dados, então os clientes terão mais opções de escolha, sobretudo os clientes com uma elevada utilização do serviço”, explicou o director-executivo da operadora.
Quanto ao serviço wi-fi em Macau, a CTM pretende atingir a fasquia dos 2400 pontos de ligação este ano.

23 Mar 2016

Congelamento de Bens aprovado. Valores a declarar vão ser revistos

Ainda falta analisar na especialidade e a entrada em vigor, mas Macau deu ontem o primeiro passo na aprovação de uma lei que permite o congelamento de bens que financiem o terrorismo. O Governo disse ainda que vai rever a lei sobre a declaração de entrada de dinheiro nas fronteiras

[dropcap style=’circle’]F[/dropcap]oi ontem aprovado, na generalidade, o Regime de Execução de Congelamento de Bens, que pretende dar poder ao Executivo para congelar meios financeiros que tenham como fim financiar o terrorismo ou armas de destruição maciça. A proposta tinha avançado com carácter urgente e foi aprovada por unanimidade pelos deputados da Assembleia Legislativa, no dia em que o Governo anunciou estar a rever os limites de dinheiro que tem de ser declarado nas fronteiras.
O diploma surge no âmbito de resoluções adoptadas pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas para o combate ao terrorismo e da proliferação de armas de destruição maciça, sendo que este ano Macau volta a ser avaliado pelas autoridades internacionais face à implementação de medidas para travar estas situações. O território ainda não tem uma forma eficaz de congelar os bens que possam ser utilizados para estes fins, como admitiu o Governo – autor da proposta de lei – na nota justificativa que acompanhou a entrada da lei no hemiciclo. E como foi também já referido em 2007 pela Asia Pacific Group e pelo Group Of International Finance Centre Supervisions.

Novos limites

Ontem, o Executivo admitiu ainda a possibilidade de vir a rever os limites para a declaração de bens em numerário, como o dinheiro que entra e sai todos os dias da RAEM através das fronteiras.
“Temos um grupo interdepartamental que assume o trabalho face a entradas e saídas de dinheiro e que desenvolveu um grande volume de trabalho, inclusive a necessidade de revisão da lei”, começou por dizer Debora Ng, directora do Gabinete de Informação Financeira (GIF), que frisou “não ser conveniente” revelar qual o montante definido para efeitos de fiscalização na entrada e saída de dinheiro em numerário.
“Os Serviços de Alfândega têm um montante definido para efeitos de fiscalização e junto dos postos fronteiriços foram melhoradas as medidas para proceder a essa fiscalização. Agora, sobre a declaração de numerário, isso tem a ver com a revisão das leis e estamos, neste momento, a proceder aos respectivos trabalhos. Esperamos avançar em breve com o projecto de lei.” Já em 2013, Francis Tam, na altura Secretário para a Economia e Finanças, tinha falado nesta necessidade.
Questionada pelo deputado José Pereira Coutinho sobre o facto de não existirem dados estatísticos sobre os valores das transacções, nem que identifiquem as pessoas que trazem dinheiro para Macau, a responsável do Governo disse que “em casos de suspeitas, são informados os serviços competentes para acompanhamento”. Debora Ng assegurou ainda que existe uma base de dados que permite ao Executivo investigar eventuais casos de branqueamento de capitais.

Por detectar

Pereira Coutinho, o único deputado que usou da palavra, notou ainda que não há equipamentos nas fronteiras que detectem “objectos”, como ouro ou diamantes, envolvidos em eventuais transacções. A responsável da GIF lembrou que foram criados, recentemente, canais de declaração de bens e outros para quem não tem nada a declarar, sendo que estes “vão ser implementados em breve nos postos fronteiriços”.
Quando entrar em vigor, a lei, que segue agora para análise na especialidade, vai permitir que Macau passe a poder impedir qualquer movimento, alteração ou transferência de bens a quem quer que esteja em Macau ou seja residente da RAEM, bem como as transferências feitas para, de ou através de Macau e que se suspeite poderem servir para financiar terrorismo. É ao Chefe do Executivo que cabe a decisão de congelar os bens, sendo este, contudo, ajudado por um grupo – a Comissão Coordenadora do Regime de Congelamento – que é, no entanto, escolhida por si.
O sujeito lesado tem também direitos consagrados nesta proposta de lei, que passam, por exemplo, pelo direito à interposição de recurso da decisão de congelamento dos bens.

22 Mar 2016

Angelo R. Lacuesta, escritor: “A história dos filipinos está cheia de drama”

O escritor que começou por ser poeta revela uma predisposição para o conto e diz-se incapaz de escrever sobre o amor quando diariamente as pessoas do seu país enfrentam dificuldades económicas. Angelo R. Lacuesta esteve em Macau a convite do Festival literário Rota das Letras, naquela que foi a primeira vez que se falou da literatura filipina. Lacuesta diz estar muito ligado à política do seu país, esperando mudanças na luta contra a pobreza e corrupção

[dropcap]E[/dropcap]sta é a primeira vez que este Festival Literário aborda a literatura filipina. Como se sente a participar neste evento?
Sinto-me muito sortudo por estar aqui, por ser o primeiro escritor a representar a literatura filipina. Vim com a minha mulher, que é poetisa (Mookie Katigbak-Lacuesta). É um festival impressionante, sempre ouvi falar de Macau como uma cidade de turismo, mas nunca pensei que pudesse ser uma cidade de encontro de literatura. Nas Filipinas também somos oriundos de várias culturas, americana e espanhola, e então existem algumas semelhanças com Macau. Aqui não existe apenas a cultura portuguesa mas há uma ligação com outras culturas asiáticas e é isso que considero ser especial e único.

Disse uma vez numa entrevista: “Sempre tive uma preferência por contos”. Que histórias pode transmitir num conto que não o pode fazer num romance?
Adoro contos. Na verdade comecei como poeta, mas penso que os contos conseguem transmitir melhor as nossas histórias. Penso que é a melhor forma de contar a nossa própria história. O conto, comparando com o romance, é mais relevante, pode ler-se em menos de uma hora, carrega momentos enigmáticos e mistério. Um romance pode fazer muitas outras coisas, mas há algo de especial no conto.

Como foi passar da poesia para o conto? Isto porque são géneros diferentes, mas podem ser semelhantes ao mesmo tempo.
Sim. O que mais gosto no conto é que pode conter uma ideia poética, uma imagem. Contudo, a transição da escrita de poemas para os contos é muito difícil. Há muita dor envolvida. Sempre que tentei escrever um poema, acabei por escrever um conto, porque um poema não pode conter o drama de uma situação específica naquele momento. A história dos filipinos, por exemplo. Está cheia de drama, de realidade. É algo que a poesia não consegue expressar.

Falando dos problemas económicos e sociais do seu país. É importante expressá-los na escrita?
Absolutamente. É sempre dever de um artista reflectir sobre a sociedade onde está inserido e penso que posso falar sobre os problemas que a nossa sociedade enfrenta actualmente. Muitas pessoas não podem falar por elas próprias, não têm capacidade de escrever por elas próprias. Temos uma enorme diferença entre ricos e pobres e os pobres não conseguem expressar-se. Então conseguimos compreendê-los melhor quando escrevemos sobre eles. E expomos as falhas da nossa sociedade. Não posso escrever sobre amor quando estas histórias dramáticas estão a acontecer à frente dos meus olhos. Torna-se quase uma missão escrever sobre isso.

Essa diferença entre ricos e pobres faz com que muitos filipinos não tenham acesso à educação. Como é a relação da sociedade com a literatura?
Um último sucesso da literatura a nível nacional deve ser algo que toda a gente consiga ler e compreender. Para mim o mais efectivo na literatura é o sentimento. Quando escrevo, faço-o em Inglês, mas quando escrevo um guião para um filme, faço-o em Tagalog, para que todos o possam compreender e ver. E essa é a missão da literatura, para que todos percebam e criem as suas próprias batalhas contra as injustiças e desigualdade social. Se fizermos uma história para os pobres, para os filipinos que trabalham muito e não têm tempo para ler livros, nem dinheiro para os comprar… não vou dizer que escrevo por eles, mas escrevo para eles e é uma honra ser lido por eles.

Como descreve o mercado literário nas Filipinas? Necessita de ser desenvolvido, de ter mais escritores?
Absolutamente. A literatura está sempre em constrangimento consigo própria e com a sociedade desde sempre, especialmente num país como as Filipinas e numa sociedade como a nossa. Há um constrangimento para as pessoas que querem apenas escrever. Eu tenho um trabalho, tenho uma agência de publicidade, não consigo ser apenas escritor. Tenho de o fazer, apesar de me dar liberdade para escrever. É um paradoxo, porque se me tornar apenas escritor, fico pobre e perco essa liberdade. Vivemos num mundo digital, se pusermos fotografias no Facebook, as pessoas pensam que ganho dinheiro só por ir a festivais literários e não apreciam tanto a nossa escrita. Mas os meios digitais, e os filmes, são muito importantes, tal como a música. São canais para a literatura.

As Filipinas são um dos países mais perigosos para os jornalistas. A censura é ainda algo visível?
Tenho o maior respeito pelos jornalistas, que têm tido um trabalho mais difícil. Há muitos jornalistas assassinados nas Filipinas, mas isso é devido à política local. Não é uma questão de censura, quase não temos censura no nosso país.

Está tudo relacionado com o crime ?
É o crime, se alguém disser algo errado quase que existe a liberdade para matar essa pessoa. Esse é um grande problema porque o resto da sociedade parece não se preocupar, não são jornalistas, e há esse constrangimento na nossa sociedade para deitar a verdade cá para fora e ir contra a corrupção, conspirações, os políticos locais. Mas a luta deve continuar e, por cada morte, pode ser que a sociedade comece a despertar para esse problema.

As próximas eleições presidenciais poderão mudar algo?
Sim e não. Começo por dizer que estou muito ligado à política. Não irá mudar nada, porque, em primeiro lugar, o que precisamos de alterar é a estrutura da sociedade, a diferença entre ricos e pobres, a nossa ideia de capitalismo.

E talvez a ideia que as pessoas ainda têm em relação à corrupção.
Sim. Para mim a ditadura é uma forma de corrupção, mas com o capitalismo é muito fácil ser-se corrupto. O nosso sistema político está preso à ideia de que é preciso ser-se rico para se ser presidente do país. Tivemos uma ditadura durante 30 anos, que abafou os media, torturou jornalistas e pessoas comuns. Hoje podemos dizer o que queremos no Facebook e fazemos queixas e temos a certeza de que os militares não vão bater à nossa porta. Não, o sistema político não vai mudar e ainda há o problema dos muitos ricos que estão a ganhar mais dinheiro e dos pobres que estão cada vez mais pobres. Mas penso que graças às redes sociais, à literatura e ao cinema, as pessoas estão a ficar mais conscientes dessa diferença social e de como podem mudar as coisas. A questão é os filipinos que estão a viver fora do país, como aqui e em Hong Kong: eles são uma das chaves para a mudança. Penso que as coisas vão melhorar. Também sou muito paciente. Levou aos países europeus 300 anos para terem uma democracia absoluta, então nós podemos esperar mais cem anos.

Falando das comunidades filipinas em Macau e Hong Kong, há muitos casos de violação de direitos humanos. O Governo filipino deveria fazer algo em relação a estes casos?
Sim. Acredito que o sucesso para a nossa sociedade e economia seria o facto de toda a gente poder ter um emprego e não ter que sofrer. Não é uma questão de sofrerem com os seus patrões, para ser honesto, conheço muitas pessoas que trabalham no estrangeiro e que são muito bem tratadas. E todos sabemos que se regressarem ao seu país vão fazer menos dinheiro e essa é outra forma de abuso. É responsabilidade do Governo filipino garantir que todos os trabalhadores no exterior vivem e trabalham em boas condições. O facto das pessoas terem de sair para trabalhar é um sinal de fraqueza da nossa sociedade, mas isso também acontece a uma escala global.

Disse-me que não escreve sobre o amor, que escreve sobre questões do seu país. Qual o conto da sua autoria que melhor descreve as Filipinas?
As minhas histórias mais afectivas são sobre os filipinos que estão no estrangeiro. E não são apenas sobre empregadas domésticas, são também sobre os filipinos que vivem na América, por exemplo. Temos uma relação muito difícil com a América, um país que nos ocupou, e o mundo sabe disso. Tenho uma história sobre um filipino que vai para a América, participar numa conferência, e procura uma pintura que quer muito ver, de Edward Hopper. Uma pintura muito americana, sobre a solidão. Então todas as noites esse filipino pensa em ir ver a pintura, até que um dia apanha um autocarro. Mas não percebe que a pintura não é o que ele quer ver. Isso diz muito sobre nós: sabemos onde queremos ir mas nunca sabemos o que queremos fazer.

Os filipinos têm uma relação muito forte com a religião. Porquê?
Cresci num ambiente católico, mas não me considero um católico praticante. Mas é algo raro. Enquanto escritores de repente tornamo-nos humanistas, mais existencialistas. Os filipinos esperam sempre que algo aconteça, depois da ditadura de [Ferdinando] Marcos e, neste momento, quando atravessamos uma difícil situação social. A riqueza nas Filipinas está numa fase de progresso, mas para muitos continua a ser difícil apanhar um autocarro para o trabalho, leva duas horas. Então é fácil ligarmo-nos a Deus. Mas o facto de sermos religiosos faz com que muitas vezes não saibamos quebrar com os problemas da nossa sociedade. Se sofrermos, estamos a fazer bem, vamos para o céu. Eu prefiro dizer: “não vou sofrer mais, prefiro viver no céu aqui”. Se as pessoas são religiosas, não há problema, mas deviam começar a compreender-se melhor.

22 Mar 2016

AL | Governo criticado por esconder informações

O Governo continua a ser acusado de não ser transparente na partilha de informações com o público, nomeadamente em situações como a da construção de um prédio no Alto de Coloane

[dropcap style=’circle’]O[/dropcap]s deputados do hemiciclo aproveitaram o plenário de ontem na Assembleia Legislativa para tecerem críticas ao Executivo, que acusam de tomar decisões às escondidas da população. O projecto do Alto de Coloane foi um dos exemplos mais apontados pelos deputados, com Chan Meng Kam a dizer mesmo que não entende por que razão o interesse público está a ser menos respeitado do que a privacidade da empresa. Também Si Ka Lon se atirou ao Governo.
“Um dos pressupostos da boa governação é a transparência e simetria da informação. Além de saber o que a população pensa, talvez o mais importante seja o Governo deixar os residentes saberem o que os responsáveis fazem, onde estão a gastar o erário público e quais os respectivos resultados. Mesmo em relação às políticas menos bem-sucedidas ou suspensas, a população deve ser informada das causas, se se deve à omissão de alguém ou a dificuldades reais”, começa por defender o número três de Chan Meng Kam. “Alguns incidentes nos últimos meses revelaram a insuficiência do Governo neste âmbito.”
O deputado dá como exemplo o caso Pearl Horizon para dizer que o discurso do Governo passou de “caso merecedor de estudo e tratamento especial”, a “é necessário esperar pelo desfecho do processo judicial” e “nada mudou na decisão de proteger os promitentes-compradores”, sem nunca ter, contudo, tornado públicos os planos e medidas para a resolução do problema. Si Ka Lon refere-se, depois, ao projecto no Alto de Coloane para exemplificar situações em que o Governo passa a bola de organismo para organismo.
Também Chan Meng Kam aproveitou o período de antes da ordem do dia para se debruçar sobre o mesmo assunto, referindo – além dos mesmos projectos – situações como a demolição do Quartel de S. Francisco.
“O Quartel foi classificado como monumento. Em 2014, o Governo divulgou poucas informações sobre as obras da primeira fase de ampliação e a população suspeitava que estivessem a ser feitas em segredo, resultando em conflitos. As obras da segunda fase geraram ainda mais conflitos, tendo um arquitecto português criticado o Governo por ser o primeiro a destruir monumentos.”
Chan Meng Kam diz entender que “para desenvolver a cidade, há sempre demolições e construções de prédios”, mas diz não perceber, por exemplo, “porque é que não pode ser divulgado” o conteúdo do relatório do impacto ambiental do projecto no Alto de Coloane, que vai tapar as montanhas. “Afinal, entre a alegada privacidade, o interesse público e o direito à informação, o que é mais importante?”, indagou.

Sempre o mesmo CE

Chan Meng Kam relembra ainda que as LAG “de quase todos os anos” realçam a necessidade de elevar a transparência nas acções governativas e apela ao Governo que isto passe de apenas “promessas verbais”. O mesmo diz Si Ka Lon.
“O próprio Chefe do Executivo, no início do mês, referiu que pretende aumentar a transparência da informação, permitindo maior participação da comunidade, o que demonstra que as autoridades estão conscientes dos seus problemas, só que até agora não houve nenhum avanço.”
A falta de informações não é a única preocupação do número três de Chan Meng Kam no hemiciclo, que faz também menção aos diversos estudos – e “verbas avultadas” neles gastas.
“Os resultados desses estudos devem também ser divulgados. Há serviços com gastos elevados em estudos ao longo dos anos e os respectivos relatórios não foram divulgados.”

Deputados desafiam Chui Sai On

Ng Kuok Cheong pediu ao Chefe do Executivo que entregue ao Conselho do Planeamento Urbanístico o projecto pensado para o Alto de Coloane, que pertence ao empresário Sio Tak Hong. O deputado relembra que Chui Sai On tem essa competência, que “não pode passar ao Secretário para as Obras Públicas”, e diz que só assim se pode perceber qual a opinião dos especialistas sobre esta construção, que deverá tapar algumas das montanhas de Coloane. A deputada Ella Lei questionou o Governo sobre se este considera que “os critérios adoptados na apreciação do projecto e os respectivos procedimentos são legais e razoáveis” e quer saber “porque é que o local em causa passa de zona com planeamento para zona sem limite a nível de altura”. A deputada diz que existem muitas dúvidas e pede para o Governo divulgar mais informações ao público, caracterizando ainda o Executivo como “inerte” face à protecção dos recursos ecológicos.

22 Mar 2016

Brasil | Comunidade critica nomeação de Lula da Silva para Casa Civil

Quatro brasileiros a morar em Macau olham para a crise política do seu país com um misto de vergonha e pessimismo. A nomeação de Lula da Silva para a Casa Civil numa altura em que este é investigado no âmbito do processo de corrupção Lava Jato traz, garantem, uma imagem negativa num ano que o Brasil recebe os Jogos Olímpicos

[dropcap style=’circle’]S[/dropcap]érgio Moro investiga o caso Lava Jato. Lula da Silva, antigo presidente do Brasil, é um dos nomes envolvidos num dos maiores casos de corrupção e branqueamento de capitais do país. Sérgio Moro autoriza a divulgação de escutas entre Dilma Rousseff, actual presidente do país, e Lula. Os brasileiros passam então a saber que Lula se vai candidatar à presidência em 2018 e que Dilma tenciona nomeá-lo ministro da Casa Civil, o que lhe dará imunidade nas investigações. A nomeação é travada.
Este é o novelo político que o Brasil tem enfrentado nos últimos dias. Em Brasília, capital do país, milhares de manifestantes têm mostrado o seu desagrado ou apoio face à nomeação de Lula por Dilma. Em Macau, quatro brasileiros olham para a crise política do país com um misto de vergonha e indignação, mas sobretudo sem grande esperança em que haja alternativas, caso a destituição (impeachment) do Governo de Dilma Rousseff, do Partido dos Trabalhadores (PT), vá para a frente.
“Ele foi nomeado para fugir ao processo, é tudo uma farsa e chega a ser ridículo”, disse ao HM Jane Martins, presidente da Casa do Brasil em Macau. “Sinto vergonha do que estão fazendo, mas não deixo de ser brasileira nem de gostar do meu país”.
Jane Martins nunca gostou de Lula da Silva, nem do PT, e quer o impeachment, apesar deste passo “depender muito da população. “Temos de lutar para tirar a Dilma do poder e acabar com esse partido, porque depois teremos mais quatro anos e um vai substituindo o outro”.
Roberval Teixeira da Silva, professor universitário, não aponta o dedo. Não diz se Lula da Silva é ou não corrupto, mas prefere alertar para a mudança que está a acontecer em termos de opinião pública.
“Essa foi uma escolha política errada que provocou muita histeria. O Brasil está histérico e isso faz com que as pessoas não pensem mais. Se o Lula é ou não corrupto, isso faz pouca diferença neste momento, porque a minha grande preocupação é que o Brasil está-se tornando num país cheio de fundamentalismos e as pessoas já não conseguem mais ter opiniões diversas. Quando tem uma opinião fica logo associado a uma tendência ou etiqueta. As pessoas já não conseguem mais dialogar, e não me lembro de crescer num ambiente desses.”

Das afrontas

Vanessa Amaro deixou São Paulo há uma década e meia e anos depois continua a não querer voltar. O episódio da nomeação de Lula da Silva é mais um dos factores que a faz querer ficar no estrangeiro.
“As razões que me fizeram sair do Brasil são as mesmas que hoje, e afastam qualquer possibilidade de eu regressar: a corrupção, a falta de alternativa no panorama político e a constante instabilidade social e política. Considero a nomeação lamentável e entendo-a como uma afronta, já que foi tomada quando já havia uma forte tensão política e quando já eram conhecidas as suspeitas de corrupção sobre este governo. Portanto, a nomeação de Lula da Silva para o cargo de ministro da Casa Civil não deixa de levantar suspeição, e esta não é apenas uma crise política, mas sim uma crise da moral e da dignidade do país”, contou a professora universitária ao HM.
Para Vanessa Amaro, os protestos que ocorreram mostram uma “maior consciência política, uma maior vontade de mudança, e uma posição de que as pessoas estão finalmente atentas no que se passa no poder”. Também Jane Martins fala do “amadurecimento” da sociedade. “O povo amadurece com estas crises, houve manifestações políticas, não houve violência nem intervenção militar, e esse é um amadurecimento.”
Mas esperanças num melhor futuro político são poucas. “Se a deposição de Dilma for aprovada, haverá uma mudança óbvia, que inicialmente irá resgatar o país da deriva em que anda neste momento. Mas há melhores alternativas? Há partido naquele Brasil que consiga controlar o barco sem pôr todos a lucrarem?”, questionou Vanessa Amaro.
Também Roberval da Silva Teixeira não tem esperança noutros partidos políticos, caso o impeachment aconteça. “Vamos imaginar que a Dilma é derrubada. O que se coloca nesse lugar? Não tenho nenhuma visão ou escolha que me traria um pouco de esperança. É uma visão negra e escura que estou tendo agora. A única coisa boa que aconteceu foi no sábado, um movimento chamado democrático que foi à rua para mostrar que há outras pessoas pensando coisas diferentes.”
“Acho que o Brasil tem estado numa crise há bastante tempo, e não sei qual a solução, porque em relação aos outros partidos, estamos sem uma luz ao fundo do túnel. Não apenas com o PT, mas em todos os outros partidos, há uma grande corrupção”, defendeu Natasha Fellini, docente, que reside em Macau desde os 17 anos.
Uma sondagem publicada na Folha de São Paulo no último domingo revela que 68% dos entrevistados estão a favor do impeachment, número que tem vindo a aumentar desde Fevereiro.

Uma piada

No ano em que o Brasil se prepara para receber os Jogos Olímpicos, e dada a sua forte presença no seio dos BRICS, qual o impacto que esta crise política interna poderá ter?
“Neste momento a imagem do Brasil é uma piada, o mundo inteiro vê o Brasil como uma grande piada”, apontou Jane Martins. “Essa histeria vai criar uma imagem negativa do Brasil, e estamos com as olimpíadas quase chegando, vai haver uma imagem muito controversa”, disse Roberval Teixeira da Silva.
Há, contudo, diferenças face a anteriores crises, defende o docente. “Nos anos 90 tivemos uma crise que expulsou montes de gente do Brasil. Depois o país começou a entrar numa situação mais estável e as pessoas começaram a não sair. Não sei se vai acontecer a mesma coisa, porque, de uma certa forma, as pessoas embora estejam histéricas, têm um espaço de reflexão maior e mais canais de informação. Acho que percebem que com essa crise tem uma grande mudança”, rematou.
Radicados em Macau há dezenas de anos, regressar ao seu país é uma hipótese cada vez mais distante. “Tenho família lá mas não faço tenção de voltar tão cedo. Se houver uma crise muito grave trago a minha filha de volta, mas a minha família não está sendo afectada”, disse Jane Martins. “Em Macau há 15 anos e cada vez mais, com todos esses acontecimentos, fazem com que tenha cada vez menos a ideia de voltar para o país”, considerou Natasha Fellini.

Prisão em Lisboa no âmbito do Lava Jato

O Ministério Público Federal brasileiro informou que o luso-brasileiro Raul Schmidt Felipe Junior, detido ontem em Portugal no âmbito da Operação Lava Jato, estava foragido desde Julho de 2015. Segundo um comunicado da mesma fonte, citada pela imprensa brasileira, a ordem de prisão foi expedida em Julho e o seu nome foi incluído no alerta de difusão da Interpol em Outubro. O cumprimento das medidas foi feito pela Polícia Judiciária portuguesa e pelo Ministério Público português, sendo que o Ministério Público Federal e da Polícia Federal acompanharam as diligências.
“Raul Schmidt é brasileiro e também possui naturalidade portuguesa. O investigado vivia em Londres, onde mantinha uma galeria de arte, e mudou-se para Portugal após o início da operação Lava Jato, em virtude da dupla nacionalidade”, informou o Ministério Público Federal. O Brasil dará agora início ao processo de extradição.
De acordo com a Procuradoria brasileira, Raul Schmidt Felipe Junior é investigado pelo pagamento de subornos aos ex-directores da estatal petrolífera Renato de Souza Duque (Serviços), Nestor Cerveró e Jorge Luiz Zelada (ambos da área Internacional). Os três estão presos no Brasil pela participação no esquema de corrupção, lavagem de dinheiro e organização criminosa instalado na Petrobrás. Raul Schmidt foi sócio do ex-director da Área Internacional da Petrobrás Jorge Zelada, condenado no mês passado a 12 anos e dois meses de prisão por corrupção e branqueamento de capitais no âmbito da Operação Lava Jato. A Operação Lava Jato começou em Março de 2014 e é considerada uma das maiores investigações a actos de corrupção e branqueamento de capitais no Brasil.

22 Mar 2016

Centro de triagem de resíduos no final deste ano ou início de 2017

O novo centro de triagem para lixo da construção pode abrir portas ainda este ano, ou no início de 2017 e os materiais que forem seleccionados podem fazer chão nos novos aterros de Macau

[dropcap style=’circle’]O[/dropcap]novo centro de resíduos que vai ser construído pela Nam Yue deverá estar pronto no final deste ano ou início do próximo. É a previsão da Direcção dos Serviços de Protecção Ambiental (DSPA) que diz, numa resposta ao HM, que parte do material de construção considerado lixo vai ser utilizado nos novos aterros.
“A DSPA iniciará, a curto prazo, na zona do aterro existente para resíduos de materiais de [obras], a construção da primeira fase das instalações de selecção”, começa por indicar o organismo, que afirma que estas instalações vão ter capacidade para tratamento de duas mil toneladas de resíduos diariamente. “Prevê-se que a construção dessas instalações [na Avenida do Aeroporto] esteja concluída no final de 2016 ou no início de 2017.”
Em Dezembro do ano passado foi tornado público que a Nam Yue vai receber cerca de 362 milhões de patacas para desenhar e construir um espaço dedicado aos resíduos. Num despacho publicado em Boletim Oficial, o Governo dava conta que foi adjudicada à Agência Comercial e Industrial Nam Yue a execução de empreitada de concepção e construção desta, que é a “primeira fase da linha de produção da instalação de triagem de resíduos da construção de Macau”.
Já tinha sido anunciado pelo Executivo que o volume destes resíduos aumentou significativamente e, em 2014, a então subdirectora da DSPA, Vong Man Hung, admitiu que o aterro para resíduos de materiais de construção da Avenida do Aeroporto tinha atingido o ponto de saturação. Nessa altura, a responsável disse também que as obras de construção das instalações de triagem iriam arrancar em 2015, o que não aconteceu.

Perspectiva de melhoras

Na resposta ao HM, a DSPA assegura que este é “um dos projectos importantes do Governo”, para que seja realizado o tratamento dos materiais inertes resultantes da demolição e construção “através da cooperação regional”. A cooperação com Guangdong já acontece, mas com este novo local o Governo poderá melhorar a situação.
“Os materiais inertes resultantes da demolição e construção devidamente seleccionados necessitam ser inspeccionados em primeiro lugar em Macau e [é preciso] confirmar a satisfação dos padrões de qualidade relativos à reutilização dos materiais. Tendo em consideração a calendarização dos novos aterros, prevê-se a reutilização de uma parte destes materiais nos aterros de Macau, sendo os restantes transportados para aterro em algumas áreas do interior da China.”

Outros diplomas

Além do centro de triagem, a situação dos resíduos de construção merece, neste momento, uma consulta pública levada a cabo pela DSPA, que prepara também um regime legal onde se propõe que o depósito de resíduos de materiais de construção nos aterros deixe de ser gratuito. De acordo com a DSPA, após a consulta pública vai fazer-se “a elaboração da proposta final, bem como o acompanhamento dos trabalhos de legislação posteriores, por forma a aperfeiçoar a gestão e as medidas de supervisão em relação aos resíduos de materiais de construção”. O organismo não adianta qualquer data para a elaboração deste diploma.

22 Mar 2016

Chan Chak Mo, deputado e director-geral do Grupo Future Bright

Como empresário, Chan Chak Mo admite que a existência de uma Lei Sindical não ajuda em nada. O deputado diz não ter “coragem” para falar sobre essa lei, uma vez que tem negócios, e considera que esta não vai melhorar as relações laborais porque “os trabalhadores podem fazer greve a qualquer hora”. Chan Chak Mo admite que talvez esteja na hora de deixar o lugar para os mais novos por ter um pensamento “conservador”

Estava envolvido no projecto do parque temático da Hello Kitty no Cotai, em conjunto com a Sociedade de Jogos de Macau. O lote foi um dos 16 que escaparam à declaração de caducidade. O projecto tem algum avanço?
Já não estou envolvido em nada neste projecto, não sou responsável por ele, portanto não sei nada sobre o lote.

Desde quando?
Se calhar consideraram que já não tinha condições para cooperar com eles, ou outras pessoas apresentaram ideias melhores do que as minhas. Não assinámos contrato e eu apenas pensava em ajudar. Agora, a SJM é que se responsabiliza pelo projecto, tem de perguntar à Angela Leong (directora-executiva da empresa).
 
A concessão de terrenos tem sido uma questão polémica e existem conflitos entre os concessionários e o Governo, como por exemplo no caso do Pearl Horizon. Como avalia a situação? A Lei de Terras precisa de ser revista?
Nesse caso não posso dizer quem está correcto, ou errado. Cada caso é diferente. Quanto à recuperação de terrenos não aproveitados, o Governo deve fazer isso de acordo com a lei. Eu acho que a Lei de Terras não permite que as pessoas aproveitam lacunas: quando o período de lotes expira e a licença de habitação ainda não foi emitida, devem ser recuperados. Mas é inevitável que os casos vão a tribunal, porque tanto os concessionários como o Governo consideram que são quem está correcto. Então, aí, deixa-se os tribunais tomar uma decisão e depois ainda há a hipótese de apresentar recurso. Em todos os lados do mundo existe esta situação, mas vale a pena pensar se as pessoas de Macau vão cada vez mais a tribunal e se acumulam cada vez mais casos. chan chak mo
 
Mas existem deputados que pedem a revisão da Lei de Terras com o objectivo de implementar um período de transição para os terrenos não desenvolvidos conforme os seus contratos.
Se se permitir essa flexibilidade, deve ser por causa do interesse público. A definição de interesse público é muito abrangente, mas o que será isso? [A construção de] um edifício habitacional? Claro que não, nem é o Pearl Horizon. Penso que o interesse público tem que ser a construção de pontes, estradas, escolas, hospitais. A actual Lei de Terras exige isso porque antigamente as pessoas consideravam que o Governo mostrava demasiada flexibilidade nas concessões de lotes e suspeitava-se da eventual troca de interesses. Hoje em dia já demos esse passo, porque é que andaríamos para trás?

Foi nomeado recentemente um dos membros do Conselho de Renovação Urbana. Existem opiniões que suspeitam da composição desse grupo porque muitos são do imobiliário, comercial e de construção. Qual é a sua opinião?
Pelo que sei, os membros foram convidados em nome de associações e não individualmente, só que a lista foi publicada com os nomes dos representantes, incluindo os operários, moradores, os sectores imobiliário, económico, jurídico, cultural e de construção. Mas como é que se tem uma proporção apropriada? Não sei criticar, mas penso que os membros já são profissionais experientes que podem contribuir com ideias.  Não me parece que os membros sejam apenas desses sectores [de que fala] e que possam controlar os trabalhos do Governo. [No Conselho] falamos de todo o planeamento urbano, não detalhadamente de cada terreno ou de cada concessão de obra. Não estou a ver como é que o que estamos a fazer vá beneficiar especialmente um sector ou um indivíduo no futuro. O Governo apenas recolhe as opiniões, tira conclusões e gera consenso entre todos.

[quote_box_left]“Se existir a Lei Sindical isso não significa que as relações laborais possam ser melhores, porque os sindicatos podem fazer greve a qualquer hora. Consegue imaginar? Basta um casino estar a fazer greve, como é? Pode assustar os investidores estrangeiros”[/quote_box_left]

Mas a renovação urbana está ligada ao reordenamento dos bairros antigos. Estão a ouvir opiniões de moradores destes bairros?
O reordenamento dos bairros antigos deverá ser o trabalho prioritário do Conselho e precisamos de fazer um projecto piloto. Mas não é fácil, porque a lei [da Renovação Urbana] tem que avançar primeiro. A antiga proposta de Lei de Reordenamento dos Bairros Antigos foi discutida na 2.ª Comissão Permanente da Assembleia Legislativa (AL), a que presido, apontamos problemas e chamamos o Governo a retirar a proposta, em 2013. Havia grandes vários problemas: a Lei de Salvaguarda do Património Cultural, a Lei de Planeamento Urbanístico e a nova Lei de Terras estavam em discussão ao mesmo tempo. Achávamos que o facto dessas leis ainda não terem sido aprovadas [na altura] não iria permitir que a Lei de Reordenamento dos Bairros Antigos poderia ser aprovada. Como é que podia ser? Além disso, a definição de “bairros antigos” dependia apenas da idade de edifícios, mas há edifícios ficam nas zonas de protecção do património cultural, como se lidava com isso? E mais: o papel do Governo era muito passivo.
 
Agora, as três leis já entraram em vigor. É hora de legislar o reordenamento dos bairros antigos novamente?
Em princípio deve ser sim, mas depende do ângulo do Governo. Porque a lei deve avançar primeiro e depois o Conselho da Renovação Urbana deve apresentar sugestões ao Governo.

Uma das propostas de lei que a 2.ª Comissão Permanente da AL está a analisar é o Regime de Prevenção e Controlo do Tabagismo. Mas não há novidades desde o final do ano passado. Como está a situação?
Na realidade, esta lei não é difícil, mas a Comissão está a analisar muitas informações, tal como a influência da proibição total de tabaco em casinos na economia de Macau. Como as receitas de Jogo diminuíram mais de 30% no ano passado,  se não se mantiverem as salas de fumo, o impacto será grande. Duas associações do sector pediram para reunir-se connosco. A Comissão acha que existem pontos muito irracionais e o não permitir manter salas de fumo nas lojas onde se vendem charutos [é um deles]. Um representante de vendedores queixou-se de que é impossível aos clientes não provar [o charuto] antes de comprar e estas lojas podem vir a ser fechadas com a aprovação do Regime [que vai proibir salas de fumo]. Há ainda vários pontos que vamos apresentar ao Governo, depois de sintetizarmos todas as opiniões. Na verdade, manter as salas de fumo nesse tipo de lojas não afecta os outros.
 
Mas o Secretário para Assuntos Sociais e Cultura, Alexis Tam, tem defendido insistentemente a proibição total do tabaco. Sendo o presidente da Comissão, como lida com a divergência de opiniões?
O Governo diz sempre que tem uma atitude aberta. Nós só podemos recolher informações e sintetizar as opiniões para as entregar ao Governo. A decisão política está do lado dele.

Quando é que prevê que a análise desta proposta de lei esteja concluído?
Espero que antes de acabar esta sessão legislatura, em Agosto.

Sobre a Lei Sindical. A proposta foi reprovada pela sétima vez em Janeiro deste  ano. O deputado também votou contra. Argumentou na altura que não estamos a ser pressionados pelo Governo Central para a criação desta lei, nem a violar a Lei Básica. Mas na realidade, a China tem uma Lei Sindical. Não considera que o sistema jurídico de Macau está muito atrás de outros?
Não tenho coragem de falar nisso porque sou empresário. Mas considero que agora os sindicatos podem fazer muitas coisas: são associações legais e recebem muitas queixas. Sendo empresário, a Lei Sindical não traz vantagens para a economia, mas traz muitas vantagens para os sindicatos, sobretudo porque lhes dá direito de negociação colectiva e de fazer greve sem os trabalhadores serem despedidos. Mas uma coisa: será verdade que existem muitos conflitos laborais e que os trabalhadores estão a ser demasiado explorados? Não estou a ver isso, porque a Direcção dos Serviços para os Assuntos Laborais (DSAL) existe totalmente para apoiar os trabalhadores e está a funcionar muito bem.

Mas existem trabalhadores que se preocupam sobre as repercussões junto dos empregadores caso se manifestem ou participem em actividades.
Isso depende de um bom mecanismo. Agora se despedimos um trabalhador local e queremos pedir um trabalhador não residente (TNR), a DSAL pede que a gente explique as razões e pode chegar a enviar-nos cartas de alerta. Se não temos boas razões [para despedir o trabalhador] não somos autorizados a pedir mais TNR. Mas se existir a Lei Sindical isso não significa que as relações laborais possam ser melhores, porque os sindicatos podem fazer greve a qualquer hora. Consegue imaginar? Basta um casino estar a fazer greve, como é? Pode assustar os investidores estrangeiros de fora de Macau.

O próximo ano vai ser de eleições para os deputados da AL. Vai continuar no lugar?
[Depende] da minha idade, da saúde, da família, do tempo, dos negócios e das minhas contribuições. Se considerar que ainda sou útil, continuo a ser deputado. Mas existem muitas considerações, porque “as regras do jogo” para os deputados indirectos podem ser diferentes no próximo ano. Até agora ainda não tomei uma decisão, mas acredito que, com a minha idade, tenho pensamentos mais conservadores e, se calhar, devem ser os mais novos a avançar.
 
Concorda que existam mais deputados eleitos directamente na AL?
É o futuro, mas depende da Lei Básica. Agora permite a existência de deputados nomeados, indirectos e eleitos e vamos fazer [as eleições] de acordo com a lei. Mas obviamente, se o Governo quiser, pode ser mais um, dois, três ou cada vez mais eleitos directamente.
 
Além de ser deputado é empresário. Como vê o caso de corrupção do ex-procurador Ho Chio Meng, que envolve mais dois empresários locais? O deputado Pereira Coutinho considera que é apenas a ponta do iceberg. Concorda com isso?
Tudo é possível. Nunca se deve dizer nunca. Mas é preciso a investigação do Comissariado contra a Corrupção (CCAC). Não sei se envolverá mais pessoas.
 
A queda das receitas de Jogo está menos grave, sendo que em Fevereiro apenas diminuiu 0,1% em termos anuais. Como está o seu negócio nas áreas de Restauração e Bebidas e de lembranças?
Normalmente, depois do Ano Novo Chinês, os negócios ficam mais fracos durante vários meses. Todos os anos é assim, mas este ano está horrível. Como a taxa de ocupação de hotéis está apenas a 60%, nos meus restaurantes, por exemplo dentro dos casinos, os negócios caíram 20%. Parece-me que a queda menor das receitas de Jogo não ajuda o seu sector, porque este ano o movimento de pessoas está a ser menor na mesma.

O mercado vai tornar-se mais positivo ou continuará a cair este ano?
Penso que este ano vai ser bem difícil. Como já disse, é preciso permitir que mais turistas de outras cidades [da China] venham visitar Macau com vistos individuais, sobretudo as que estão mais longe porque isso é bom para toda a economia de Macau. O número de excursionistas caiu muito, mais de 10%, mas também não me parece que as excursões nos ajudem muito, basta olhar para as “excursões a custo zero” que apenas fazem compras e visitas [em locais específicos]. Considero que o que se pode fazer mais é no mercado das Convenções e Exposições, que tem visitantes de alto consumo, que precisam de ficar em hotéis e fazem muitas refeições quando participam nessas convenções.

No mês passado, confirmou ao Jornal Tribuna de Macau que a sua empresa aceitou o pedido de baixar o valor da renda da Casa Amarela onde fica agora a loja Forever 21, por “não querer perder o negócio”.  A renda mensal é de 2,4 milhões de patacas, o nível já  baixou? Quanto tempo vai durar esse preço mais baixo?
Estamos ainda a negociar, não posso dizer agora qual o valor. Mas prevejo que vá [descer] entre 10% a 20%. Vou ver como está a economia de Macau. O contrato de arrendamento tem um período de sete a oito anos, mas o nível de renda pode ser ajustado uma vez por ano.
 

21 Mar 2016

Desaparecimento de jornalista não é “surpreendente”. Xi cada vez mais “sozinho”

O desaparecimento do jornalista Jia Jia é exemplo da forma como o Governo Chinês tem de resolver quem contra ele está. A ideia é defendida pelo activista Jason Chao, que não se mostra nada “surpreendido” com o caso. Há ainda quem defenda que Xi Jinping está cada vez mais isolado

[dropcap style=’circle’]O[/dropcap]activista Jason Chao e o analista Arnaldo Gonçalves não se mostram surpreendidos com o desaparecimento de Jia Jia, o jornalista chinês que desapareceu quando embarcava para Hong Kong. Foi na última terça-feira que o repórter contactou com a família. A mulher explicou, ao jornal Apple Daily de Hong Kong, que o marido lhe telefonou informando-a que estava a pouco tempo de embarcar, partindo de Pequim. Até hoje, nada mais se soube. Questionados sobre o estranho desaparecimento, familiares e amigos do jornalista receiam que tenha sido detido devido ao interesse por uma carta anónima que apela à demissão do presidente chinês, Xi Jinping.
“Isto não me surpreende de forma alguma”, começa por defender ao HM Jason Chao, activista e membro da Associação Novo Macau, quando questionado sobre o caso. Esta, aponta, é a maneira que o Governo Chinês tem para lidar com aqueles que querem contar a verdade. E não acontece, continua, só com os jornalistas. Além destes, outros dos grandes alvos são os “activistas”.
Jason Chao relembra vários episódios de tentativas de “tapar a boca” a quem fala contra o Governo. Exemplificando com o mais recente casos dos activistas que queriam chegar até Genebra, na Suíça, para mostrar à Organização das Nações Unidas (ONU), o desrespeito dos direitos humanos pela China. Os activistas, conta, não conseguiram chegar ao seu destino. “O Governo chinês está sempre a tentar tapar a verdade”, afirma, por isso, “o desaparecimento do jornalista não é surpreendente”.
Para o comentador Arnaldo Gonçalves, este pode ser um novo caso de “censura leve”. Para o analista, o caso mostra ainda que “a luta contra a corrupção tem que ser muito balizada”, não indo contra, ou perseguindo, as pessoas que pensam diferente. Mas Gonçalves deixa também um alerta.
“Acho que isto é um risco que Xi Jinping está a passar por se isolar um bocado. Acho que ele está a ficar sozinho. A cultura confuciana empurra um bocado para isso, para o mestre, o líder, se isolar e deixar o contacto com as pessoas, com as massas, com a população. Até posso acreditar que não seja por vontade própria e seja o sistema a empurrá-lo para isso. Mas [Xi Jinping] está-se a isolar”, argumentou.
Para Arnaldo Gonçalves, a informação parece que chega a Xi Jinping “um pouco deturpada” e leva a um conjunto de medidas pouco justificadas. “Parece que quem pensa de forma contrária ao Partido e à elite do Partido é posta de lado ou perseguida”, apontou.
Arnaldo Gonçalves diz não querer acreditar que isto possa ser “um retorno ao Maoísmo puro e duro”, mas é uma situação de um “presidente isolado nesta situação”.
A grande questão passa ainda por tentar perceber para que serve esta fervorosa campanha anti-corrupção. “Todos os observadores põem isto em causa. A luta contra a corrupção serve para quê? Afinal é para limpar o Partido, para eliminar os opositores internos? Parece que passámos de uma fase que era de limpar o Partido para uma de agir contra as pessoas que pensam de maneira diferente”, frisa.
Este é um caso de censura “leve” e “estranha”, levando a uma clara delimitação de “quem está contra”ou “quem pensa diferente do Partido”, considera ainda.

O que está mal

Jia Jia é um dos jornalistas chineses mais conhecidos no núcleo dos média e terá desaparecido quando se preparava para viajar desde Pequim a Hong Kong. Citado pela agência EFE, Wang Wusi, amigo e colega de Jia Jia, indicou que o seu desaparecimento poderá estar ligado ao interesse mostrado pelo desaparecido por uma carta escrita por “membros leais ao Partido Comunista Chinês”, que apelava à demissão do presidente.
O documento foi publicado no portal oficial do Governo chinês “Wujie News” a 4 de Março, na véspera do início da sessão anual da Assembleia Nacional Popular chinesa (APN) e, entretanto, apagado. Wang indica ainda que o jornalista desaparecido terá entrado em contacto com o director-executivo do portal, Ouyang Hongliang, com quem trabalhou no passado, depois de tomar conhecimento dessa mesma carta através de uma corrente de comentários na aplicação WeChat.
Questionado pelas autoridades de censura da China, Ouyang terá dito que soube da publicação da carta primeiro através de Jia, diz Wang, que revela ainda que, pouco depois, os familiares de Jia foram também interrogados.
A carta começa por admitir algumas melhorias graças à campanha anti-corrupção lançada por Xi Jinping, mas de seguida ressalva que, devido à centralização de poderes pelo actual presidente – o mais forte líder chinês das últimas décadas -, se está “a assistir a problemas sem precedentes”. Politicamente, Xi “debilitou o poder de todos os órgãos do Estado”, inclusive a autoridade do primeiro-Ministro, Li Keqiang, lê-se naquela missiva.
A mesma nota refere que a política externa chinesa abandonou o princípio ditado pelo antigo líder Deng Xiaoping de “esconder a força” e aponta como exemplo a crise na Coreia do Norte e a transferência de capacidade militar dos EUA para a Ásia. No plano económico, cita a crise no mercado de capitais chinês e o excesso de capacidade de produção na indústria pesada como sinais de fracasso e critica ainda, a nível ideológico e cultural, o recente apelo de Xi à lealdade dos meios de comunicação oficiais para com o PCC.
“Em resultado, camarada Xi Jinping, sentimos que não possui as qualidades necessárias para liderar o Partido e a nação rumo ao futuro e que não está apto para o cargo de Secretário-geral” do PCC, conclui a carta.

21 Mar 2016

Mário Laginha, músico: “Tive uma epifania quando vi Keith Jarrett”

Esteve em Macau a convite do Festival Literário Rota das Letras e tocou lado a lado com Cristina Branco. Mário Laginha fala do Jazz, do Fado e de todo um caminho cheio de música – um caminho que quase não acontecia por causa… da ginástica

[dropcap]O[/dropcap] piano vem desde muito pequeno. Foi por opção, por gosto?
Começou porque tive sorte. Porque os meus pais tinham interesse em que os filhos tivessem uma educação completa e queriam que, tanto eu como o meu irmão, [aprendêssemos] música, um desporto e o ensino convencional. Portanto, comecei por ter essa sorte, por ter uns pais que queriam que fizesse isso. A minha mãe tinha percebido que eu tinha muita facilidade [em aprender] e tive a sorte de gostar tanto de estudar piano que, para mim, era um prazer. Não olhava para aquilo como um estudo, era o que gostava de fazer. Em vez de ir jogar ao berlinde, ia tocar piano. Isso permitiu-me evoluir depressa ainda novo. E acho que foi graças a isso que, apesar de ter parado alguns anos, que são importantes quando se estuda música no piano, deu para recuperar.

Esses anos de paragem aconteceram por volta da adolescência? Apareceram outras músicas?
Tive vários gritos do Ipiranga. Estava um bocadinho farto. Diziam que tocava muito bem para a idade e sempre que ia alguém lá a casa, era “olha João, vai lá tocar um bocadinho”. E não foi só isso: na escola havia concertos aos sábados e eu, por tocar bem, não tinha dia descanso, ia para escola todos os sábados de manhã. Acho que isso me começou a cansar um bocado em relação ao piano. Comecei a olhar para o piano de uma outra maneira: “eu gosto mas obriga-me a estar indisponível quando às vezes gostava de estar disponível”. Entretanto pedi ao meu pai que me desse uma guitarra, que deu, e durante uns tempos só queria tocar guitarra. Queria uma coisa muito rock, mais do meu mundo da altura. Curiosamente a música que ouvia não era aquela que normalmente tentava tocar na guitarra, não sei por quê. Andava muito apaixonado pelo Paco de Lucía e pelo flamenco, tentava fazer umas coisas, sempre auto-didacta. E o que ouvia era o que se ouvia na época: Génesis, Jethro Tull, Emerson Lake & Palmer. Numa coisa mais rock, era Deep Purple, Black Sabath, etc. Mas o meu apreço maior era a ginástica.

Foi quase atleta Olímpico. A música e a ginástica eram uma espécie de “dois amores”?

Sim, mas na altura a música era uma coisa que estava posta de parte, pelo menos no ponto vista do querer utilizar isso no futuro. Era uma coisa que tinha feito e tocava umas guitarradas se fosse preciso. Ao piano não ligava nada. A ginástica gostava muito. Sempre pratiquei ginástica destes os três anos. Competia em todas as seis modalidades e praticava várias horas por dia.

Como é que a música voltou a ser uma opção mais séria?
Tive uma grande epifania quando vi [Keith] Jarrett na televisão. Não sabia sequer quem era, vi um tipo a tocar piano – na altura estava com o cabelo tipo carapinha – e achei que era a coisa mais fascinante que podia ouvir. Aquilo mudou-me a vida completamente. Não sabia que se podia tocar piano assim! “Assim, eu quero”, pensei. Antes disso já estava um bocadinho mais desperto para a música porque no ginásio, lá no Dafundo, houve um dia em que estavam fazer umas arrumações de uns colchões e por trás de um colchão descobriram um piano vertical. De repente, um dos meus colegas começou a tentar tocar uma música no piano. Eu fui lá e toquei. Ele disse:“tu sabes tocar piano assim e nunca falaste nisso?” Nem sabiam que eu tocava piano e eram meus amigos íntimos, de há cinco anos. Como tinha bases sólidas, não tentei tocar, toquei. E aquilo, de certa forma, despertou-me um nadinha. Será que estou a desprezar uma coisa que não deveria? Isto foi antes de entrar na sala e dar com Jarrett, que, na altura, não sabia ainda que era o Jarrett, a tocar. Depois o meu irmão comprou-me um disco, o “Facing You”, que ainda hoje é um dos meus discos de eleição, é um disco esmagador. Aquilo que curiosamente ouvi no disco era mais complexo do que aquilo que me tinha conquistado, mas era uma complexidade que ouvia a primeira vez e à segunda já estava completamente apaixonado. Estava no propedêutico nessa altura e as aulas eram na televisão. Eu não via nenhuma, nada. A partir do momento em que o descobri fui para o piano e pronto. Levantava-me e ia tocar piano. Inscrevi-me na Academia dos Amadores de Música e depois no Conservatório. Ao princípio até para me apoiar porque o que queria tocar era Jazz. Aliás, no princípio nem queria tocar Jazz, queria tocar como ele, o que era uma coisa muito ingénua claro, sob todos os pontos de vista, mas com muita força. Depois quis saber como é que ele tinha chegado ali, então soube que estudou Jazz. Ai é? Então também vou estudar Jazz, que apareceu de uma forma muito naif. Comecei a estudar e conheci várias pessoas, um dos meus amigos da época, o Luís Sá Pessoa, que toca violoncelo e que se dedicou mais ao clássico disse-me: “Acho que também te deverias inscrever no conservatório para melhorares a técnica.” Inscrevi-me e, ao princípio, ao contrário do que as pessoas pensam, não era uma coisa para levar a sério. Só que gostei tanto daquilo que decidi levar o curso até ao fim. mário laginha

Entre o Jazz, o clássico e outras abordagens, onde é que o Mário se situa?
Acho que o meu mundo musical é bastante poroso, as coisas que gosto comunicam-se e deixo que isso me influencie. Mas considero-me muito mais músico de Jazz do que propriamente um pianista clássico, que tem nas mãos as notas das partituras de Mozart. Quando faço algum repertório clássico estou imenso tempo a estudar e faço-o em situações muito particulares. Por exemplo, agora estou a preparar um repertório novo com o Pedro Burmester  para dois pianos e estou focado naquilo, mas de uma maneira geral não estou focado no clássico. Sou muito mais músico de Jazz, em relação às influências. Acho que para mim e muitos músicos da minha geração, e provavelmente das vindouras ainda mais, a música passou a estar toda ao alcance. Sempre tive muita influência de música africana, não pela minha ascendência, [infelizmente], mas porque gostava. Costumava comprar discos, aqueles que na época só havia na “Book Close”. Na parte de baixo havia uma parte só com música étnica, muitas vezes era de uma tribo não sei de onde e ouvia aquilo e adorava, porque sempre achei que era de uma grande simplicidade do lado melódico e de grande complexidade no lado rítmico, mas tudo aquilo é feito no equilíbrio e acho que me apaixonei por isso também. Tenho muitas influências e quero que isso se repercuta naquilo que faço, que é a minha personalidade musical. Que seja reflexo dessas paixões todas.

No 25 de Abril de 1974, faz 14 anos. Sentiu pessoalmente as mudanças ocorridas, nomeadamente no que respeita ao acesso à cultura?
Muito do que tenho consciência que mudou também me foi contado, ou seja, quando quis procurar coisas e encontrei. Posteriormente soube que só havia aquilo porque tinha existido aquele 25 de Abril. Percebi que a cultura se tornou muito mais universal, que o acesso a essa cultura universal passou a ser uma realidade, que era uma coisa à qual não estávamos habituados. Estávamos virados para o nosso umbigo pequenino, era o folclore, era o Fado e havia a música clássica. Acho que o meu pai ficou em pânico quando lhe disse que me ia dedicar à música. E tinha uma boa razão para isso, ele achava que, se não ia ser músico clássico, como pianista ia acabar num hotel a tocar, o que era o que os músicos da minha época, antes do 25 de Abril, faziam. Os músicos de Jazz eram-no por hobby.

Isso remete para a eterna questão relacionada com o “viver da música”. Como foi para si no início de carreira?
Muito complicado. Durante os primeiros dez anos tive sempre a fazer contas para comer. O meu pai é da velha guarda e eu tinha feito uma opção, portanto tinha que me aguentar e responsabilizar-me por ela. A verdade é que o meu pai não me deixava ficar mal mas ele não me dava dinheiro e eu tinha que lá ir pedir. Já tinha dois filhos entretanto e, quando o frigorífico estava vazio, era uma coisa que tinha que fazer. Mas, apesar de tudo, não houve dramas.

Já não é primeira vez que está em Macau. O que é para si, estar aqui? É tocar para um público português?
Gosto de pensar que não é só para um público português, mas é essencialmente português. Quando uma pessoa sai do seu país há uma carga emocional, de saudade ou do que seja, que as torna ligeiramente diferentes do que essas mesmas pessoas seriam se estivessem a viver em Portugal, provavelmente. Quando estou a tocar muito sinceramente não noto que haja uma diferença, as pessoas são calorosas como costumam ser em Portugal. O que talvez note mais é depois, quando vêm falar, às vezes pedem um autógrafo e penso que há ali, não sei se é uma nostalgia, mas uma saudade em relação ao país de origem e, muitas vezes, uma espécie de identificação cultural. Acho que sentem que pertenço a isto, pertenço a esta cultura e acho que o sentimento de pertença é uma coisa muito boa, que nos ampara. O que penso nestas situações é que, se posso ser uma peça do puzzle que faz as pessoas sentirem-se bem naquele momento, já é óptimo.

Solo, dueto, trio, quinteto e outros “etos”… Como é que, para si funciona este processo de colaborações?

O facto de trabalhar tanto em grupo é porque gosto e a razão pela qual gosto tanto é porque me dá um prazer enorme na partilha de ideias, neste caso ideias musicais. Na realidade, quando nos tornamos amigos não se partilham só ideias musicais, mas no acto de fazer música sim. Acho que escrevo muita música e, quando escrevo, a única pessoa que deu ideias para aquilo fui, obviamente, eu. Gosto muito quando estou a escrever para outras pessoas e lhes dou a partitura – às vezes vêm outras ideias, mesmo ao nível de interpretação. Por exemplo em trio, com o Alexandre Frazão na bateria e o Eduardo Moreira no contrabaixo, às vezes com o Alexandre falo num ritmo e ele faz outro e gosto mais do outro do que aquilo que tinha imaginado. Às vezes a linha de contrabaixo é ligeiramente diferente também e esse processo sempre me fascinou, tenho muito prazer. Agora as escolhas têm a haver com um gosto pessoal e também com os convites que tenho e gosto ou não gosto, aceito ou não.

Uma das suas colaborações sobejamente conhecidas foi o casamento musical com a Maria João. O que fica dessa união?
Ainda tocamos juntos, mas muito raramente. Não houve assim uma coisa de “agora nunca mais”, mas acho que tem sido uma partilha incomum porque somos muito diferentes ainda que os nossos lados sejam coincidentes, são muito fortes. E os lados que não são complementam-se de uma maneira que também funciona. Em Portugal, sei que não há a história de um duo que tenha gravado 14 discos, e nós temo-los. Não sempre em nome dos dois, os primeiros em nome dela e depois em nome de ambos. É muito disco junto e muito tempo. Temos um património enorme em que tenho um orgulho imenso. Acho que algumas das coisas melhores que já fiz estão aí.

E agora esteve em Macau num projecto mais ligado ao Fado, ao acompanhar Cristina Branco.

Com a Cristina o que fiz foi um projecto que veio de uma encomenda também para um festival literário, o de Óbidos, e era para fazer um repertório à volta de Chico Buarque. Ela depois perguntou-me se não queria fazer aquilo com o meu trio e com ela, achei logo a ideia maravilhosa. Adoro o Chico, adoro as músicas, adoro as letras. Fizemos isso e acho que nasceu daí a ideia de convidarem a Cristina, mas queriam que ela viesse mais com Fado, até por causa disto da comunidade portuguesa. Acontece que o pianista com quem ela viria tocar não tinha estas datas livres, numa feliz coincidência. E também já fiz muitas canções para a Cristina. Inicialmente não suportava o Fado. Na realidade, foi uma coisa progressiva. Naquela época em que estava muito concentrado no Jazz, não tinha qualquer interesse no Fado, estava mesmo voltado para outro lado. A única coisa que gostava com a guitarra portuguesa era o Carlos Paredes – que adorava – mas a coisa do Fado… aquilo não me dizia nada. Depois foi uma coisa que surgiu aos poucos. Um dia ouvi uma coisa do Camané que gostei, depois ouvi uma outra que também gostei até que achei que já podia dizer que gostava. Não gosto de tudo, o que também é verdade, mas também não posso dizer que gosto de tudo noutros géneros musicais.

21 Mar 2016

Naufrágio | Investigação sobre identidades e desaparecidos continua

Aconteceu o ano passado. Mais de 19 pessoas desaparecidas, supostamente emigrantes ilegais, num naufrágio na costa de Macau. Dois corpos foram encontrados, mas um ano depois ainda não se sabe a identificação dos mesmos. Dos restantes pouco ou nada se sabe, mas o Governo garante que continua à procura

[dropcap style=’circle’]O[/dropcap]caso é do ano passado. Em Fevereiro de 2015, um barco naufragou no mar em frente ao Grande Coloane Resort de Coloane, com 19 pessoas a bordo – 15 foram dadas como desaparecidas. Quatro foram resgatadas, sendo – segundo as autoridades dos Serviços de Alfândega (SA) – emigrantes ilegais. “Possivelmente” as restantes também. As autoridades avançaram com buscas aos outros tripulantes e uma investigação. Mas mais de um ano depois pouco ou nada se sabe.
“Foram interceptados no local os emigrantes ilegais, três dos quais do sexo masculino e dois do feminino”, começa por explicar ao HM Lao Pui Tak, subintendente alfandegário. “Encontrou-se, pelo bote rápido dos SA, às 08h15 do mesmo dia (27 de Fevereiro), no mar em frente do Cemitério Municipal de Coloane um indivíduo masculino que estava nadar para regressar a Hengqin. Foi provado após a investigação que o indivíduo era o piloto da embarcação naufragada e este foi entregue para tratamento do Ministério Público”, esclarecem.

Não sei quem és

No mês seguinte, Março, as autoridades marítimas encontraram um “cadáver do sexo feminino emergido na praia em frente ao parque de campismo da praia de Hac Sá e um outro, do sexo masculino, alguns dias depois na costa em frente do Grande Resort de Coloane. A Polícia Judiciária (PJ) não confirma ainda se estes corpos correspondem ao mesmo naufrágio, indicando que o processo está em investigação. Também, um ano depois, não se sabe a identidade destas pessoas.
“Dado que é provável que envolva os indivíduos caídos ao mar, solicitámos às embarcações guarnecidas na respectiva área e ao pessoal do Posto Alfandegário de Policiamento das Ilhas para prestarem mais atenção à situação do mar bem como do litoral”, justificam apenas as autoridades de Macau.
Quando questionado sobre a investigação do naufrágio, os serviços explicam que, apesar da cooperação entre a Direcção dos Serviços de Assuntos Marítimos e da Água, nada se sabe. Ainda assim a continua-se a “proceder à busca, conjunta, em relação à superfície do mar da respectiva área marítima e a troca de informações” com o interior da China. Pelo menos quatro das pessoas teriam entrado em Macau, mas também não foram encontradas.

21 Mar 2016

Futebol | Benfica 2 – Sporting 1

O jogo prometia mas deixou muito a desejar em termos de intensidade e situações de golo. De um lado o Benfica mais organizado e sempre mais acutilante, do outro o Sporting a jogar na fé; uma crença baseada na ideia que basta chutar a bola para que um companheiro a receba. Puro engano. Agora, com sete pontos de vantagem e os principais opositores derrotados, o Benfica fica muito perto da revalidação do título

[dropcap style=’circle’]A[/dropcap]bola saiu do Benfica que, por via destas coisas do sorteio, jogava em “casa” e, devido a isso ou não, desde logo mostrou que estava ali para ganhar o jogo, e depressa. Logo a abrir Marco Rios rematava dentro da área e obrigava Hugo Cardoso a aplicar-se e, aos três minutos e meio, Niki entra pela defesa do Sporting adentro, ainda remata à entrada da área mas sofre falta de Victor Almeida. Do livre, mesmo em cima da linha da grande área, Edgar Teixeira fazia a bola sobrevoar a barreira e entrar no lado direito da baliza de um espantado Hugo Cardoso que ficou a olhar para o estrago. 
Aos 20 minutos de jogo, o Sporting ainda não tinha conseguido rematar à baliza do Benfica e os passes falhados, alternavam com o pontapé para a frente. Claramente, o Sporting não conseguia criar soluções para o último terço do terreno e o Benfica, com a presença dinâmica de Cuco à frente da defesa, ia conseguindo manter os leões à distância. Sentiam-se uns rugidos leoninos mas coisa de pouca monta e nada que fizesse realmente perigar o ninho da águia. Talvez por isso, os encarnados também iam adormecendo até que, aos 26 minutos, uma bola cruzada do lado esquerdo do ataque do Benfica encontra Leonel Fernandes ao segundo poste, já na pequena área, que remata primeiro de cabeça, para defesa apertada de Hugo Santos, depois com o pé e a contar, perante a passividade da defesa leonina que não lhe ocorreu tirar a bola dali.
Pouco tempo depois o Sporting tentava despertar e, aos 28, num livre da direita, a bola chegava ao segundo poste onde Taylor surgia a rematar de cabeça mas muito frouxo. Aos 32 chegava a vez de Juninho Soares perder uma cantada dentro da pequena área. No final da primeira parte era a vez de Pio cabecear ao lado na pequena área, como resposta a um centro primoroso de Juninho, vindo da direita. Mas foram actos esporádicos (únicos) porque se a primeira parte ia revelando alguma coisa era um Sporting a reagir mal à pressão alta do Benfica e a cometer muitos erros.


Sporting marca, Benfica falha vários

O Sporting entrou a tocar a bola com o passe mais curto e parecia mais disposto a fazer jogadas com princípio, meio e fim. Afinal de contas estavam dois abaixo e precisavam de reagir. Assim, logo as 47, os leões decidem incomodar Rui Nibra com um livre do lado esquerdo, mesmo na quina da área, e rematado directo à baliza por Lee Keng Pan obrigando Nibra a responder com uma boa defesa para canto. Depois deste assomo de energia, o jogo continuou numa toada morna e só de bola parada o Sporting conseguia criar alguma sensação de aproximação à baliza vermelha. O Benfica, esse, aproveitava para galgar terreno e tornar-se mais ameaçador. Aos 59 minutos uma jogada de combinação do lado direito da grande área do Sporting entre Ricardo Torrão e Aguiar termina com este a rematar forte para a primeira de uma série de boas defesas de Hugo Santos que se seguiriam e que o viriam a destacar como uma das figuras do encontro. 
Aos 66 minutos Iúri tenta um chapéu do meio do meio campo aproveitando uma saída de Hugo mas a bola saía ao lado. Um minuto depois e a defesa do Sporting falhava a intersecção de um cruzamento permitindo um remate forte da entrada da área a Niki Torrão para mais uma defesa do guarda-redes do Sporting. Por esta altura, o Sporting era uma equipa absolutamente passiva sendo frequente verem-se os jogadores especados, a ver jogar, sem procurarem dar linhas de passe aos colegas com bola. O Benfica aproveitava e ia intersectando passes e construindo jogo e, aos 70 minutos, mais duas defesas consecutivas do guarda-redes leonino, uma delas à queima-roupa a remate de Niki, e que assim mantinha o Sporting no terreno da derrota por números dignos.
Aos 73 minutos, Rafael Moreira vê o segundo amarelo e deixa o Sporting a jogar com menos um. Aos 75, na sequência de um canto, Filipe Duarte falha à boca da baliza o que seria o terceiro do Benfica. Aos 78 minutos, penálti contra o Benfica. Rui Nibra, talvez aborrecido pela falta de trabalho, faz uma falta desnecessária sobre Ethan Lay (já estava descaído para o lado direito) saindo e derrubando o avançado sportinguista quando tinha três ou quatro defesas encarnados na zona da baliza. Da marcação por Juninho surgiria o golo de honra do Sporting e o primeiro sofrido pelo Benfica neste campeonato. O Sporting ainda arrebitou após o golo e conseguiu um livre perigoso aos 81 minutos, mesmo à entrada da área, mas que, depois de vários passes entre jogadores leoninos, resultou num remate disparatado, para as nuvens, de Juninho.
Por esta altura já o treinador do Sporting descarregava a sua fúria pontapeando garrafas e bramando para o campo e para o banco de suplentes “falta de atitude” e “primeira parte oferecida”.

Henrique Nunes, treinador do Benfica – “Vencedores justos”

No final do jogo, o treinador do Benfica dizia que “o Benfica foi um vendedor justo porque criámos muito mais oportunidades” mas considerava que jogou com um equipa que “é tão boa como nós”, disse, e que lhes criou bastantes dificuldades.
De qualquer forma garante que, “não há duvida que sofremos um bocado nos minutos finais” mas, para o treinador, “foi por culpa própria já que o Sporting estava em inferioridade numérica e ainda marcou um golo e conseguiu assustar-nos”. Relativamente às contas do título, Henrique Nunes disse que “sendo um jogo que não decidia nada, pode acabar por decidir quase tudo”. E, para bom entendedor, meia palavra basta.

João Pegado, treinador do Sporting – “Demos 45 minutos de avanço”

O treinador leonino estava desencantado considerando ter sido “um jogo onde o Sporting deu 45 minutos de avanço. Não em termos tácticos, mas em termos de atitude”. Para João Pegado, o Benfica mostrou mesmo querer mais o campeonato do que o Sporting.
As melhorias na segunda parte terão a ver com a palestra de Rui Pegado que, ao intervalo, pediu à equipa para se soltar mais : “Melhorámos a nível anímico, quisemos mais a bola e tivemos a hipótese. Mesmo com um a menos ainda fomos procurar o 2-1 e depois até estivemos perto do empate.
De resto enaltece os jogadores pela garra da segunda parte, contra uma equipa que, considera, “tem um boa estrutura e treina duas vezes por semana”. Pegado lamentava-se assim das condições difíceis de trabalho que enfrenta adiantando ainda que: “a minha equipa esta semana treinou uma vez num campo e, curiosamente, a partilhar com o Benfica”.
Em relação ao resto do campeonato o objectivo é manter o segundo lugar e esperar que o Benfica escorregue.

21 Mar 2016