Especial 24 de Junho | Jorge Fão: “As pessoas perderam o espírito de luta”

Diz-se 99% chinês, sem ligações a um feriado que já foi o da cidade. Jorge Fão recorda uma comunidade de garra, mas actualmente apagada. O português perdeu importância e o chinês é essencial a qualquer macaense que queira vingar

Assinalava-se hoje o Dia de Macau, 24 de Junho, perdido com a transição da soberania para a China. Acha que deveria ter sido um feriado a manter-se?
Como macaense naturalmente que gostaria que fosse, ou seja, devia ter sido continuado. Não devia ter acabado. Mas aquilo que eu gostaria, nem sempre acontece. Mas, sou sincero, compreendo porque é que [retiraram o feriado], é que o Dia de Macau, o 24 de Junho, não é só por que é o dia da cidade, tem uma ligação com a igreja. Tem uma conotação religiosa. Feriados religiosos foram retirados alguns, e temos outros, por exemplo o Dia do Buda. Este dia não existia no passado, mas os chineses acharam que seria mais justo termos este dia e retirar outros, por exemplo o Dia de Macau. Talvez tenha sido este motivo, esta conotação religiosa, que fez com que este feriado fosse retirado.

Focando-nos na comunidade. Como é que um macaense olha de fora para a sua comunidade? Como vê os seus problemas, como é visto pelas outras comunidades?
Problemas, sou sincero, acho que não temos. Não vejo problemas na comunidade macaense. O que posso dizer é que a comunidade macaense do passado pode ter sentido algumas dificuldades e a do futuro talvez também sinta. Ou seja, dou um exemplo, a comunidade macaense do passado para se singrar na vida não tinha que estudar muito, mas uma coisa tinha que saber obrigatoriamente: a língua. Veja o meu caso, a minha cara é totalmente chinês, o meu sangue é 99% chinês, sangue português só tenho 1 ou 2 %. Apesar de só ter um passaporte, o português. No meu tempo, a nossa comunidade educava-nos pelo português. Quando os meus pais casaram – e eles eram filhos de chineses – educaram os filhos com costumes ocidentais. Também os meus tios faziam isso com os meus primos. Naquele tempo quem não falasse português, praticamente não tinha hipótese de estar empregado, ou conseguir o que se chamava de bom emprego, que fosse bem pago. Muitas vezes nem o era, até porque estou a falar dos anos 50, 60. Portanto, no passado tínhamos que estudar o português, obrigatoriamente, isto se queríamos ter uma posição social. Agora, o presente e o futuro mudou, é o contrario. Agora, para se ser um bom macaense não basta saber a língua portuguesa, como é obrigatório conhecer a língua escrita, lida, chinesa. Coisa que eu não sei. Percebe-se a desvantagem da comunidade do meu tempo.

Tempos antes da transição perceberam que os tempos iam mudar, nomeadamente na questão da língua?
Na função pública tudo era em português mas, de facto, quando se falou do handover [transição da soberania] começou a iniciar-se, digamos, a “macaização dos quadros”, ou seja, a meter os locais para os quadros. Porque até aí ninguém falava nisto. jorge.fao.2-sofiamota

E a comunidade macaense futura. Tem em mãos uma mudança na língua prioritária?
Agora os nossos filhos, e na geração seguinte, é obrigatório que saibam a língua chinesa. Mas isto é também uma tendência do mundo, não é só a nossa comunidade, os portugueses também. Vejo que em Portugal se estuda cada vez mais chinês, assim como em outros países, Estados Unidos da América, por exemplo. Lá está, a China, neste momento, já é uma das potencias económicas mundiais. Países que são ricos e que podem a distribuir dinheiro o mundo percebe que tem que aprender a sua língua.

Há algum facto diferencial nesta comunidade? Algo que vos torne uma comunidade especial, diferente de todas as outras?
Não, nada. Não acho que tenhamos algo de diferente. Por exemplo, a questão do patuá: no meu tempo era proibido falar patuá. Era visto como inferior, uma língua que não era o português. Lembro-me perfeitamente de em minha casa não se poder falar chinês. O meu pai chamava-me logo à atenção. Os meus pais não falavam patuá, tinha umas tias que falavam, mas só entre elas, para a rua nem sequer falavam. É que patuá era uma mestiçagem, nem sequer é fácil de entender. O patuá que se fala hoje é um patuá trabalhado. Houve uma evolução. Naqueles nossos tempos era só falado com pessoas de idade. Eu não falo, por exemplo, não me lembro. A verdade é que se nos dedicamos à aprender e a falar patuá, vamos começar a falar mal português, por causa dos verbos, pois não existem tempos verbais. A língua importante era o português e era preciso saber falar bem, o patuá não era bom português.

Mas actualmente é algo que vos diferencia.
Sim, mas agora as coisas mudaram. O mundo mudou, a mentalidade das pessoas mudou. Agora é aceitável falar patuá com qualquer pessoa, ninguém te vai chatear com isso. Antigamente nem pensar. A mentalidade colonialista era assim.

Mas destacou-se na comunidade macaense da altura…
Sim, sou muito rebelde, sempre foi assim. (risos) A partir dos 30 comecei a lutar por tudo e por nada. Ao 20 e poucos anos fiz o meu primeiro recurso a uma decisão dos meus chefes, até ao Conselho Ultramarino, na altura não existia Tribunal de Última Instância. O último recurso era em Portugal e era este, o Conselho Ultramarino. O bicho da rebeldia já veio de muito cedo. Quando acho que é injusto, tenho de lutar para ser justo.

Mas a comunidade na altura não era assim…

Pois não. (risos) Eram todos muito politicamente correctos, até o meu pai, os meus tios, todos. Fui várias vezes chamado a atenção, por causa das manifestações de rua, e outras coisas. Por quê? Medo. A comunidade tinha medo, as pessoas tinham medo de tudo. Agora há menos. Hoje é tudo só politicamente correcto para tirar partido de alguma situação. Basta ver, no passado conseguíamos guerrilhar contra o regime, hoje em dia, a minha comunidade não dá para lutar. Para quê? Temos um continente aqui em cima, um bilhão e tal, com aquela mentalidade… jorge.fao.4-sofiamota

Que vos trata bem?
Sim, nós [macaenses] somos bem tratados [pela China]. Nós não fomos mal tratados. Não vejo fortes razões para criticar, lutar contra o que quer que seja.

Mas nem tudo está bem…
Certo, mas o pensamento mudou e tornou-se mais individual. No passado quando falávamos em comunidade estávamos a falar da função pública, 90% da comunidade estava lá. Agora? Não. Os meus filhos não estão, por exemplo, os meus sobrinhos, quer dizer, ninguém quer estar na função pública. Portanto já não se fala da comunidade. Quando se fala em problemas na administração e na função pública já não se refere à comunidade, porque a comunidade macaense já lá não está. As pessoas perderam o espírito de luta.

Mas lutou-se, no seu tempo.
Imagina que não tinha lutado? Macau é a única província ultramarina que tem direito a uma pensão paga pelo Governo português. Mais nenhuma tem. Porque nós lutámos. Angola, Moçambique, Timor onde estive, nenhum deles tem. Falei com locais e eles disseram ‘quando os portugueses saíram daqui levaram tudo’. Nós não. Nós lutámos. Como estava a par da situação política do país, percebi que se a nossa comunidade macaense não fizesse nada, hoje se calhar nem sequer estávamos aqui a conversa. Talvez estivéssemos em Portugal, a mendigar.

Vai festejar o feriado, mesmo que não o seja. Ou lembra-se de o festejar?
Não, nem sequer me lembro de o festejar. Já confessei, não sou nada ligado à religião, e como é o dia do padroeiro, S. João Baptista, eu nunca estive ligado a isso. Embora, tenha sido baptizado e a primeira comunhão, também estudava no Colégio Dom Bosco. Mas, não, não vou festejar. Honestamente, este dia não me traz grande significado.

24 Jun 2016

Metro | Sistema vai ser estendido até Coloane. Orçamento divulgado

Já há decisão: o metro ligeiro vai até Coloane. Raimundo do Rosário apresentou decisões, valores e novas soluções. Ho Ion San aplaude a coragem do Governo

[dropcap style≠’circle’]É[/dropcap] da boca de Raimundo do Rosário, Secretário para os Transportes e Obras Públicas, que sai a confirmação: o sistema do metro ligeiro vai ser estendido até Coloane.
“A nossa primeira prioridade é acabar a linha da Taipa e a seguir ligá-la à Barra e depois haverá uma linha que sairá do ISTMO Taipa – Coloane, para Coloane, para Seac Pai Van. Essa linha terá uma extensão aproximada de dois quilómetros com duas estações. Terá uma primeira estação no novo hospital [Complexo de Cuidados de Saúde das Ilhas] e uma segunda estação na habitação pública de Seac Pai Van”, esclareceu o Secretário, à Rádio Macau.
Também este ano será decidido sobre a linha de Macau, conforme explicou Raimundo do Rosário. “Como sabem a linha de Macau tem sido objecto de alguma ‘contestação’, mas nós tomaremos uma decisão sobre a linha de Macau este ano”, garantiu.
O segmento da Taipa, do metro ligeiro, terá um custo 11 mil milhões de patacas, conforme indicou Raimundo do Rosário, acrescentando que estará concluído em 2019. “O que eu queria deixar claro é o seguinte: todos os custos estão aqui metidos. Assumo isso. Os custos futuros, esta é uma estimativa. Sei que não estamos habituados a fazer isto, mas passaremos a fazê-lo, que é dizer quando as coisas acabam e quanto é que as coisas custam. Agora, tem de ser bem explicado, pelo seguinte, dou um exemplo, o parque material de oficinas não serve só a linha da Taipa, servirá Coloane e depois, em parte, Macau. Entretanto, todo o custo deste parque material de oficinas foi imputado nestes 11 mil milhões da Taipa, embora não sirva só à Taipa. Portanto não são só os nove quilómetros e as 11 estações”, explicou.
Há ainda números para a construção do Parque de Materiais e Oficina do metro ligeiro. Vai ter um custo de mil milhões de patacas, e o seu concurso público abre já a 1 de Julho.

Tudo muito bem

Em reacções às declarações de Raimundo do Rosário, Ho Ion San, deputado, afirmou que este foi um “acto de coragem”. “Tanto os deputados como a população solicitaram várias vezes ao Governo uma calendarização sobre o projecto do metro ligeiro. O Governo agora tem essa coragem, é corajoso em aceitar esse desafio e assumir esta responsabilidade. Para além de tentar cumprir o prazo e a sua responsabilidade, também tentou pensar em novas soluções”, disse, referindo-se à criação de um prémio de 8% do valor da obra à empresa, se esta cumprir os prazos estipulados.
Raimundo do Rosário avançou ainda que a exploração do metro ligeiro vai ser entregue a uma empresa de capitais públicos, levando à extinção do Gabinete de Infra-Estruturas e Transportes, em 2017.

24 Jun 2016

Portugal 3 – Hungria 3 | O jogo que não quisemos vencer

As decisões de Fernando Santos impediram Portugal de vencer, quando estava por cima. Mas o sonho continua

Cristiano Ronaldo faz o 3-3 para Portugal | FOTO: EPA/CJ GUNTHER
Cristiano Ronaldo faz o 3-3 para Portugal | FOTO: EPA / CJ GUNTHER
[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] Hungria-Portugal foi o jogo mais espectacular do Euro 2016 até ao momento e terminou com uma igualdade a três golos e o consequente apuramento português (e dos húngaros, em primeiro, a que se juntaram os islandeses, em segundos) para os oitavos-de-final da competição.

Na partida que, por enquanto, rendeu mais golos na prova, Portugal esteve sempre em desvantagem. Primeiro, num remate à entrada da área portuguesa, Gera inaugurou o marcador (19’) para os húngaros, mas Nani, bem junto ao intervalo, repôs a igualdade.

No início do segundo tempo, a Hungria recolocou-se em vantagem, aproveitando um livre que sofreu um desvio na barreira nacional, mas Cristiano Ronaldo surgiu no jogo ao marcar um golaço, de calcanhar (50’), que recolocava o marcador numa igualdade – o internacional português passou a ser o primeiro futebolista a marcar em quatro fases finais consecutivas de Europeus.

Só que aquele resultado durou cinco minutos, já que em mais um remate que sofreu um desvio, Dzsudzsák voltaria a colocar a Hungria na frente do marcador.

Novamente desqualificado, face à conjugação de resultados, Portugal foi capaz de repor a igualdade (62’), num cabeceamento de Cristiano Ronaldo, que assim “bisou” na partida e recolocou a selecção no lote das qualificadas para a fase seguinte do Euro 2016, apesar de ter terminado a fase de grupos com três empates.

Islândia em primeiro

Entretanto, a Islândia venceu a Aústria por 2-1 na última jornada do Grupo F e assegurou assim o 1º lugar com cinco pontos. Esta vitória dos nórdicos permitiu a Portugal ser terceiro e assim evitar o lote dos ‘tubarões’ do Euro 2016. Com vontade de ser primeira no grupo, a Islândia começou a todo o gás. E logo aos dois minutos atirou uma bola ao ferro por Gudmundsson num pontapé do meio da rua. Com tanto domínio inicial, foi sem surpresa que a equipa nórdica chegou ao golo por intermédio de Bodvarsson. Depois de um lançamento longo, a bola sobrou para o 15 que não falhou na hora h.

Com vontade de inverter o rumo dos acontecimentos e com esperança ainda na qualificação para a próxima fase do Euro, a Áustria tentou responder ao golo. Arnautovic em excelente posição cabeceou por cima. Aos 36 minutos, a Áustria teve uma soberana ocasião para marcar. Skulason travou Alaba na área, e o árbitro não teve dúvidas para assinalar o castigo máximo. Na transformação Dragovic atirou ao poste.

No segundo tempo, à passagem dos 60 minutos, o pendor ofensivo austríaco deu os seus frutos. Schöpf tirou um adversário da frente e rematou para o fundo da baliza. A Áustria foi à procura da vantagem e quase o conseguiu, mas permitiu a intervenção do guardião nórdico. Quando nada o fazia prever, a Islândia marcou ao cair do pano. Arnor Ingvi Traustason fez o tento da vitória e permitiu à sua seleção acabar em primeiro lugar do grupo.

Com este triunfo, Portugal qualificou-se em terceiro lugar. Já a Islândia ao ficar em primeiro lugar do grupo vai medir forças com o segundo classificado do Grupo E.

Ronaldo fica a um golo de Platini

Cristiano Ronaldo isolou-se ontem no segundo lugar dos melhores marcadores da história do Europeu de futebol, a um tento de Michel Platini, ao ‘bisar’ face à Hungria, em encontro da terceira jornada do Grupo F, em Lyon. O ‘capitão’ da seleção lusa, que é agora o melhor marcador luso em Europeus, Mundiais e, naturalmente, no somatório das duas competições, passou a contar oito golos em campeonatos da Europa, com os tentos aos 50 e 62 minutos. Ronaldo, que havia marcado dois golos no Euro2004, um no Euro2008 e três no Euro2012, superou os sete tentos do inglês Alan Shearer e ficou a um dos nove do francês Michel Platini, todos marcados na edição de 1984. O ‘7’ luso, que também reforçou o estatuto de melhor marcador do Europeu, juntando qualificação e fase final (28 golos), tornou-se também o primeiro jogador da história a marcar em quatro Europeus, sendo que, juntando os Mundiais, também é o único com golos em sete fases finais.

Na história dos Europeus, Ronaldo, que ontem se isolou com o jogador com mais encontros disputados (17, contra 16 de Edwin van der Sar e Lilian Thuram), estreou-se a marcar no primeiro jogo do Euro2004, quando fez o tento de honra da seleção portuguesa frente à Grécia (2-1), no Estádio do Dragão.

Reacções

Fernando Santos | “Fundamental foi passar. Queríamos tê-lo feito como primeiros do grupo, mas foi impossível, depois das incidências nos dois primeiros jogos, em que Portugal foi melhor e não conseguiu vencer, e deste, apanhados três vezes a perder, num jogo contranatura, com Portugal a jogar razoavelmente bem. O adversário três vezes criou perigo e fez golo. A equipa teve uma grande atitude, capacidade de resposta e conseguiu igualar três vezes e tentou o quarto golo, também. No período final, o adversário não quis jogar, tentou que Portugal se adiantasse para atacar. Não adiantava insistir quando estávamos apurados, a três minutos do fim, e correr o risco de sofrer um golo. Nos últimos minutos, a equipa soube pensar no que tinha que fazer. Fizemos tudo para ganhar, queria ganhar, mas é normal que nos últimos seis ou sete minutos os jogadores saberem que o importante é estarmos cá. A Croácia é uma excelente equipa. Viemos para o Euro com uma ambição. Quem vem para o Europeu tem que jogar com todos. Vai ser um grande jogo.”

Danilo Pereira | “[O seleccionador] pediu-me para entrar e segurar o meio-campo. Estamos todos felizes pelo apuramento, não da forma como queríamos, mas é sempre um apuramento. No final, vimos que Hungria não estava a atacar, e também decidimos não fazer. O resultado convinha e não podíamos sofrer golos. Preparados para tudo e as críticas fazem parte do dia a dia.

João Mário | “A Hungria, por estar já apurada, apareceu a encarar o jogo de forma muito aberta e competitiva, mas estávamos preparados e não foi surpresa nenhuma. [Croácia, próximo adversário] É uma selecção muito forte, com excelentes jogadores e muito bem organizada. Há que encarar esse jogo cara-a-cara, com muita tranquilidade. Agora, no ‘mata-mata’, o objetivo é passar. Há que encará-lo com optimismo e corrigir os aspectos menos positivos”.

Nani | “Cumprimos o objectivo, pelo menos um deles, que era passar. Não conseguimos da maneira como queríamos, que era ganhar os jogos, mas o mais importante foi passar. Agora é a fase a eliminar.

Hoje fomos infelizes em dois lances, em que a bola ressaltou nos nossos jogadores. Soubemos responder, mostrámos excelente atitude, bom futebol e que somos uma equipa forte. E marcámos três golos, embora não tenhamos conseguido vencer. Os portugueses podem estar orgulhosos e continuar a acreditar. A Croácia jogou muito bem contra a Espanha. Mas com equipas fortes costumamos responder muito bem. Temos que ser muito competentes, mas temos ainda muito para demonstrar”.

Renato Sanches | “O que interessa é que estamos apurados. Foi um bom jogo, apesar do desfecho. Não está a faltar nada à Selecção. Estamos a jogar bem, apenas falhámos alguns golos. Há que continuar a trabalhar, que as coisas vão aparecer. Contra a Croácia, será um jogo difícil, mas estamos preparados”.

23 Jun 2016

Filhos Maiores | Comerciantes e SCM já não suportam o protesto no Leal Senado

Há quatro meses que a Associação dos Pais dos Filhos Maiores não arreda pé do Largo do Senado. Comerciantes queixam-se do barulho ensurdecedor dos altifalantes e já fizeram queixas à PSP. António José de Freitas, provedor da Santa Casa da Misericórdia, pede intervenção do IACM

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap]s vozes de protesto da Associação dos Pais dos Filhos Maiores, ouvidas há 114 dias, estão a esgotar a paciência dos comerciantes que todos os dias fazem o seu negócio junto ao Largo do Senado, incluindo a própria Santa Casa da Misericórdia.
Há quatro meses que estes idosos se sentam em pequenos bancos de plástico junto a uma tenda, debaixo de um sol escaldante, à espera que o Governo reaja aquilo que pedem há anos: que os seus filhos possam regressar do continente e viver em Macau. Os altifalantes não se calam, ao ponto dos comerciantes não conseguirem ouvir os seus próprios clientes.
Shan, uma idosa que vende fruta numa pequena banca, diz já não aguentar mais o protesto. “Perguntem ao Governo porque é que deixam as pessoas estar aqui e a falar alto diariamente. Eles dizem que é legal”, aponta ao HM.
“Isto afecta muito o nosso negócio. Já fui pedir para se calarem, mas eles não quiseram saber e mandaram-me embora. E a polícia também foi lá e eles mandaram-nos embora. Todos os comerciantes aqui já ligaram para a polícia por causa desta situação, mas eles continuam ali. Estão aqui há muitos meses e acho que isto não é adequado ficarem aqui tanto tempo, porque há muitos turistas que passam aqui. Também há turistas estrangeiros que foram pedir para se calarem mas não conseguiram”, contou Shan, que não acredita na causa que deu origem ao protesto. filhos maiores6_HM
“É impossível! Os filhos deles já são muito velhos, têm a sua família, todos estão casados”, disse a comerciante. Mais à frente, uma vendedora de roupas de verão, que não quer ser identificada, também se mostra descontente com a presença dos protestantes. “Quero que saiam rapidamente dali. Não sei porque é que o Governo dá autorização para as pessoas estarem ali tanto tempo. Durante o dia, nas casas, ninguém consegue descansar.”

IACM deve agir

A Santa Casa da Misericórdia (SCM) é talvez a entidade mais prejudicada com este protesto, já que a tenda está localizada mesmo em frente do edifício. O seu provedor, António José de Freitas, pede uma intervenção mais directa do Instituto para os Assuntos Cívicos e Municipais (IACM).
“Esta situação não agrada à SCM nem ao comércio circundante. Aliás já tive a oportunidade de falar com os comerciantes e todos manifestaram o seu desagrado. Como nesta zona os prédios são todos antigos, incluído o da SCM, não há sistemas anti-som e o barulho é muito incomodativo, com os altifalantes”, contou o provedor.
“Independentemente da decisão do tribunal, sobre a qual não tenho condições para comentar, penso que o IACM, que tem a competência para gerir os espaços públicos, deve tomar uma decisão no sentido de impedir que sejam feitas actividades naquela zona relativamente a todos os organismos e associações. Ninguém deveria fazer lá alguma coisa, a não ser o IACM, sobre as celebrações principais. Se o IACM pudesse fazer isso toda a população iria aplaudir, incluindo as associações que têm lá feito actividades, porque a situação não é igual para todos. O largo do Senado é o único espaço pedonal onde todos os turistas vão”, referiu António José de Freitas.
O HM tentou contactar José Tavares, actual presidente do IACM, mas o mesmo referiu que não dá entrevistas por telefone. Até ao fecho da edição, não foi possível agendar um encontro presencial com Tavares.

Pacífica, mas ruidosa

António José de Freitas garante que o Governo pouco pode fazer neste caso, depois do Tribunal de Última Instância (TUI) ter autorizado a utilização do espaço público. “Todos os dias vão lá polícias, desde o primeiro dia. É um desperdício de recursos. Todos os dias ficam lá dois ou três polícias até fecharem a tenda. É verdade que tem sido uma manifestação pacífica em termos de ordem, mas não é pacífica em termos de ruído. Toda a gente fica boquiaberta. É enfadonho ouvir sempre as mesmas gravações e ver sempre o mesmo cenário, isto estraga a imagem de Macau”, frisou o provedor da SCM.

Protesto interminável

Presidente diz que associação não arreda pé do Senado

“Não vamos reagir às criticas e vamos continuar aqui até que o problema fique resolvido, até que o Governo nos dê uma resposta concreta.” É desta forma que Lei Yok Lan, presidente e fundadora da Associação dos Pais dos Filhos Maiores reage às críticas que são apontadas pelos comerciantes.
“O Governo ainda não nos deu nenhuma resposta e não teve nenhuma reacção ao nosso protesto. Ninguém do Governo veio aqui. No ano passado já falamos com alguns dirigentes e disseram-nos que este assunto depende da decisão do Governo Central e que o nosso pedido já foi feito a Pequim. Todos nós que estamos aqui sentados acreditamos que aquilo que o Governo disse é verdade, mas ainda não tivemos resposta. Disseram-nos que podíamos ir aos serviços de emigração, mas fomos informados que o assunto está terminado e resolvido”, contou Lei Yok Lan ao HM.
O acórdão do TUI autorizava a permanência da tenda até ao passado dia 20 de Março, no período compreendido entre as 7h00 e as 22h00. Da parte do gabinete da Secretária para a Administração e Justiça, Sónia Chan, chegou uma resposta escrita que pouco adianta ao que já foi dito aos protestantes.
“O Governo da RAEM tem sempre prestado atenção aos apelos das organizações de reunião familiar de Macau e tem mantido uma boa comunicação com as mesmas. Considerando que, de acordo com o artigo 22.º da Lei Básica da Região Administrativa Especial de Macau, compete ao Governo Popular Central a autorização da fixação dos residentes do Continente Chinês na RAEM, o Governo já transmitiu o respectivo apelo às entidades competentes do Governo Central.”
Em Março a associação ocupava um espaço bem maior do que o círculo que hoje ocupa, até que a PSP lhe confinou apenas 38 metros quadrados. Os idosos recorreram junto do tribunal, mas o TUI deu razão às autoridades.
“A polícia pode interromper manifestações quando as mesmas se afastem da sua finalidade pela prática de actos contrários à lei que perturbem grave e efectivamente a segurança pública ou o livre exercício dos direitos das pessoas. Cabe também à PSP (…) zelar pelo bom ordenamento do trânsito de pessoas nas vias públicas (…) Assim sendo, com base neste conjunto de normas, afigura-se-nos poder extrair um princípio segundo o qual a Polícia tem poderes para fixar uma área para reunião ou manifestação, dentro do local mais vasto pretendido pelos respectivos promotores”, decidiu o tribunal.
A associação conta com o apoio do deputado Chan Meng Kam, cujo rosto está estampado na tenda que serve de abrigo ao protesto. O membro da Assembleia Legislativa já fez um apelo a Pequim para que faça regressar os filhos destes idosos que emigraram para Macau nos anos 80 e conseguiram obter residência permanente. Estes têm lutado até aos dias de hoje para que se possam juntar à família que um dia deixaram para trás.
O HM tentou ainda obter esclarecimentos junto da PSP, mas até ao fecho desta edição não foi possível.

Com Angela Ka
23 Jun 2016

Macau Investimento | Deputados questionam injecção de fundos

Foram ontem alterados os estatutos da Macau Investimento e Desenvolvimento SA para oficializar o aumento do capital social para 3 mil milhões de patacas. Coutinho e Au Kam San exigem explicações e mais transparência

[dropcap style≠’circle’]S[/dropcap]ão poucas as informações existentes sobre uma empresa pública que tem como papel principal gerir os negócios de Macau na Ilha da Montanha, mas foi ontem publicado um despacho em Boletim Oficial (BO) que incorpora a nova injecção de capital nos estatutos da Macau Investimento e Desenvolvimento SA. Em Janeiro já tinha sido oficializado o aumento de capital das iniciais 400 milhões para quase 3 mil milhões de patacas, um aumento de 86%.
Contactado pelo HM, o deputado José Pereira Coutinho alertou para o facto do Governo fazer injecções de capital em empresas das quais pouco se sabe. “Recentemente o Governo tem estado a tomar decisões extremamente importantes para o futuro desenvolvimento a longo prazo da RAEM sem que tenha tido o cuidado de dar a conhecer à Assembleia Legislativa (AL) e aos cidadãos na generalidade a tomada destas decisões.”
O deputado considera que a decisão deveria ter sido discutida junto da Comissão de Acompanhamento das Finanças Públicas da AL. “Para além desse aumento de capital da empresa, há o facto de ter assinado um protocolo com o interior da China para fazer aplicações financeiras cujo conteúdo do protocolo não foi divulgado. O Governo tem que tomar cuidado com estas decisões com uma natureza pouco transparente. Este deve dar conhecimento a essa comissão porque queremos saber como é que o Governo gere os fundos públicos”, reiterou ao HM.

O mistério

O deputado Au Kam San garantiu que não tem muitas informações sobre a empresa. “Não sei em que projectos esta empresa investiu, mas se o Governo introduz mais dinheiro dos cofres públicos na empresa é essencial uma maior transparência. Sou deputado e deveria ter acesso a mais informações do que os residentes, mas se eu não sei o que a empresa está a fazer, então os residentes não sabem de nada”, defendeu.
“O Governo deve justificar a razão desse aumento de capital, será que esse investimento vai trazer alguma vantagem para os residentes? O Executivo deve explicar este aumento junto da AL ou através de algum tipo de publicação”, frisou.
Em Janeiro o HM tentou obter mais esclarecimentos sobre este aumento de capital, mas nunca obteve uma resposta. A Macau Investimento e Desenvolvimento SA foi criada em 2011 tendo como accionistas a RAEM, com 94%, o Fundo de Desenvolvimento Industrial e de Comercialização (3%) e o Instituto de Promoção do Comércio e do Investimento de Macau (3%). A sociedade comercial, que é uma sociedade anónima, tem como linhas de orientação “promover o desenvolvimento sustentável e os negócios no exterior de Macau”, realizando “projectos de investimento” e foi criada propositadamente para ficar responsável pela exploração e gestão da área da Ilha da Montanha e dos projectos a desenvolver conjuntamente entre a RAEM e a região vizinha.

23 Jun 2016

Tiananmen | Escolas evitam falar sobre massacre. Alunos aprendem por si

O negro dia 4 de Junho de 1989 continua a ser assunto incómodo. As escolas evitam falar e os livros nem sequer mencionam a data. No entanto, há professores que fazem questão de transmitir aos seus alunos tudo sobre o massacre. Tornar matéria obrigatória é questão difícil de responder

[dropcap style≠’circle’]“N[/dropcap]ão, os meus professores nunca me falaram sobre o 4 de Junho, nem os manuais escolares mencionavam o que aconteceu. Soube pelo youtube e pelas redes sociais”, começa por contar, ao HM, Lin Ka, estudante a residir em Macau.
Nasceu em Xangai, mas logo cedo veio para Macau, lamenta que nas escolas de Macau pouco ou nada se fale do massacre estudantil na Praça de Tiananmen. “Um ou outro professor disse qualquer coisa, mas foi muito pouco. Se queria saber tinha de pesquisar na internet”, argumenta.
Na escola de Sio Fong, um jovem licenciado, os manuais adoptados eram de Hong Kong e mencionavam o acontecimento. “Mas era muito pouco, era uma coisa de nada”, apressa-se em esclarecer. No entanto foi um padre que trouxe a Sio Fong alguns conhecimentos. “Tínhamos um professor padre, que era muito novo, nascido e criado em Hong Kong, e foi ele que nos explicou tudo o que tinha acontecido. Depois disso cada um de nós podia ir estudar e pesquisar”, conta.

Ser autodidacta

Ser-se autodidacta para saber o que aconteceu é também ideia defendida por Teresa Vong, docente na Universidade de Macau. A professora recorda que dantes mais alunos conheciam a história, mas que agora nota que eles não sabem. “Para saber é preciso ir pesquisar e isso acontece mais a pessoas que não são chinesas”, explica ao HM.
Na realidade são as próprias escolas que escolhem dar, ou não, esta parte da história da China. “Segundo os regulamentos de Macau em relação à educação, as escolas privadas e públicas possuem autonomia no seu ensino. O Governo não define os manuais das escolas, e as escolas podem optar por manuais publicados por qualquer regiões conforme as suas características e necessidades”, explica-nos a Direcção dos Serviços de Educação e Juventude (DSEJ).
O Executivo indica que de acordo com o plano de “Exigências das competências académicas básicas da educação regular do regime escolar local”, actualmente a ser executado no ensino infantil e primários, e a começar a ser executado no ensino secundário a partir de 2017, “a perturbação politica que ocorreu em 1989 pertence a categoria de história das Exigências”.
No ensino primário é exigido aos alunos, explica a DSEJ, saberem “as consequências das figuras importantes e dos assuntos históricos em tempos diferentes da China” e terem “consciência do desenvolvimento, mudanças e desafios enfrentados pela nação”.
Durante o ensino secundário, os alunos devem saber “exploração e prática da politica democrática na China”, e todos os momentos pelos quais a China passou depois de 1949. É exigido aos alunos que tenham a “consciência da construção da política democrática do país” e compreendam os “meios para participar nos assuntos administrativos”.
Das dez escolas de Macau contactadas pelo HM, apenas três quiseram comentar o assunto. A Escola da Associação para Filhos e Irmãos dos Agricultores admite que os manuais adoptados são do interior da China e não é mencionado o massacre. Contudo um professor faz questão de explicar aos alunos o que foi, quando e porquê. “O nosso professor de história ensina aos alunos o que foi o dia 4 de Junho”, explica a direcção da escola.
A Escola Nossa Senhora de Fátima, o Colégio Yuet Wah, o Colégio de Santa Rosa de Lima – Secção Chinesa e o Colégio do Sagrado Coração de Jesus assumiram o assunto como inconveniente e portanto não se mostraram disponíveis para responder.

Caminho árduo

Questionada sobre tornar esta matéria obrigatória no ensino em Macau, Teresa Vong diz “ser muito difícil”, apontando várias razões. “Nem Hong Kong tem esta matéria como obrigatória, muito menos a China”, frisa. Ser um acontecimento “recente na história da China” é também ponto referido pela docente.
“Os alunos não percebem nada sobre o 4 de Junho. Mas é difícil dizer se este assunto deveria ser obrigatório. Por acaso falei sobre isso com um professor de história e no seu ponto de vista, é preciso definir o [massacre] como acontecimento histórico. A China nunca o confirmou. Foi a explicação que o professor me deu”, remata, sublinhando a necessidade de investigação.
Enquanto aqui se tenta apagar a história, ou pelo menos, não falar dela f, do outro lado do mundo, na Universidade de Harvard decorre um curso totalmente dedicado ao Massacre de Tiananmen. As inscrições estão abertas.

Com Angela Ka
23 Jun 2016

Exame Unificado | Alunos nervosos e preocupados com o futuro, dizem docentes

A ideia era tirar a pressão aos alunos, mas parece que não está a resultar. O Governo tornou público os exemplos do Exame Unificado e as aulas de apoio já começaram. Alunos estão nervosos e há docentes a defender que este não é o melhor método

[dropcap style=’circle’]“[/dropcap]A Europa continua a estar ‘lá fora’, o que preserva o nosso ‘dentro’”. Na sua opinião, o que é que esta afirmação revela relativamente à cultura portuguesa? Esta é uma das perguntas exemplo do Exame Unificado (Línguas e Matemática), correspondente à disciplina de Português.
Estão publicados os modelos de exames de Chinês, Português, Inglês e Matemática do Exame Unificado, e parece que a ideia que levou o Governo a criar este tipo de exame – diminuir a pressão aos alunos – não está a resultar.
“Os alunos estão mais preocupados. Ficam mais pressionados, com medo de reprovarem”, começa por explicar Stephen Wong, Director do Centro de Educação Unnamed. Isto acontece porque antes deste método de avaliação ser implementado os alunos que terminassem o secundário tinham quatro oportunidades para fazer os exames, algo que deixa de acontecer agora porque só podem fazer o Exame Unificado uma vez. “Se os alunos reprovassem havia mais três exames que poderiam fazer, agora só têm um. Isto quer dizer que se o aluno chumbar não terá nenhuma outra oportunidade de estudar em Macau”, explica. Não terá, pelo menos nas quatro universidades abrangidas pelo este Exame Unificado, sendo elas a Universidade de Macau (UM), o Instituto Politécnico de Macau (IPM), Instituto de Formação Turística (IFT) e Universidade de Ciência e Tecnologia de Macau (MUST).
Também Lawrence Wong, reitor da Waseda Professional Education, aponta a mesma reacção. “A maioria dos alunos estão mais stressados com este exame, mais do que antes. No passado os alunos poderiam fazer os exames de forma separada e caso reprovassem no primeiro exames ainda tinham mais três universidades para tentar. Agora? Com este exame se chumbarem não podem entrar em nenhuma das faculdades”, argumentou. ensino escolas alunos
Tomás Keong, aluno, explicou, ao HM, que mesmo existindo outras universidades em Macau estas “quatro são as melhores” e por isso é natural que os alunos queiram entrar numa destas. “Se chumbar não vai conseguir, claro que há muito mais pressão”, apontou. Confrontado com a argumentação do Governo, Tomás Keong diz “não fazer sentido”.
Mais do que a questão da pressão está em causa a não abrangência a todos os alunos de Macau. “Em princípio não estou de acordo com este exame unificado, é que, por exemplo, o Governo disse que este exame servia para tirar pressão, mas quer dizer, só tira a pressão dos alunos que queiram ir para estas quatro universidades, os outros não contam”, acusa Teresa Vong, docente na UM.

Pobre promoção

O exame entrará em vigor já no ano lectivo de 2017/2018, mas os trabalhos já começaram em 2012. Alegou na altura o Governo, através da Direcção para Serviços de Educação e Juventude (DSEJ), que o Exame Unificado pretendia “aliviar a pressão dos estudantes, resultante dos exames de admissão, realizados em diferentes instituições do ensino superior”. O Governo queria também “responder às exigências, existentes ao longo do tempo, do sector educativo, dos estudantes e dos seus pais”. Por isso, em 2012, foi criado, pelas quatro universidades em causa, um grupo de coordenação. A este grupo de trabalho competia a organização deste Exame Unificado, com a cooperação do Gabinete de Apoio ao Ensino Superior (GAES).
Depois de várias reuniões “para obter consenso” das actividades a desenvolver na promoção do exame parece que os resultados ficaram aquém do previsto. “Não acho que o Governo tenha feito uma boa preparação e isso nota-se na reacção dos alunos, que estão cheios de dúvidas quanto a este exame”, explica Stephen Wong.
Também para Ma Xiaofong, estudante finalista do ensino secundário, os trabalho de divulgação não foram os melhores. “As indicações [para o exame] não são suficientes, só existe um modelo de exemplo”, continuou.
Ma Xiaofong ainda não sabe se vai fazer o exame ou não, diz que ainda tem tempo para pensar, mas não discordava do regime anterior, achava-o “até melhor” do que a aplicação do exame unificado. “Para mim estava tudo bem como estava, não precisávamos desta mudança. Há menos espaço para os alunos, mas também tem um lado positivo”, explicou.

Obrigatoriedade de parte

Apesar do exame incluir quatro disciplinas os alunos não são obrigados a fazer todas. Os estudantes, de acordo com as exigências de cada universidade e da sua área especializada, podem escolher candidatar-se apenas a algumas disciplinas que têm interesse para o próprio candidato. “Assim, não é obrigatório que se candidatem a todas as quatro disciplinas. As restantes provas das outras disciplinas, podem ser organizadas, livremente, pelas instituições do ensino superior”, esclarece o Governo. Claro é que num curso de Língua e Literatura Chinesa a prova a realizar é de Chinês, assim como é exigida a prova de Matemática para um curso na área de Ciências e Engenharia. [quote_box_right]“Os alunos estão mais preocupados. Ficam mais pressionados, com medo de reprovarem”
Stephen Wong, Director do Centro de Educação Unnamed[/quote_box_right]
Relativamente à obrigatoriedade do exame, o Governo esclarece que este não é obrigatório para o término do ensino secundário. “Não é obrigatório que os estudantes do ensino secundário façam o Exame. Aliás, o resultado dos estudantes neste Exame não está nada relacionado com a conclusão do ensino secundário e, também, não prejudica, a sua participação nos exames de admissão realizados por outras instituições, que estão fora do âmbito do Exame Unificado de acesso, nem o prosseguimento dos seus estudos no exterior”, esclarece o Governo em nota à imprensa.
A DSEJ explica ainda que “se os estudantes pretenderem candidatar-se às quatro instituições, podem, também, solicitar o acesso sob a recomendação da escola secundária, sem necessidade de realizar o exame. Podem, ainda, aproveitar a classificação obtida nos exames internacionais para pedir dispensa parcial ou total das provas das disciplinas no âmbito do exame unificado”.

Ser em todo

A questão da internacionalização é uma falha apontada por Teresa Vong. Para a professora, na hipótese de existir este exame então deve ter em conta os alunos que querem estudar fora. Algo que não acontece neste momento. “Os alunos que querem ir estudar na China ou em Taiwan têm que fazer outro exame. Não tenho isto bem confirmado, mas por aquilo que sei o resultado deste exame unificado de Macau não é reconhecido por Taiwan ou China. Portanto os exames dos que queiram estudar fora têm de ser outros. Isto não faz sentido, se o Governo quer unificar então tem de ser tudo”, explicou a docente. “Este é uma tentativa para resolver uma questão local, não tem abrangência internacional”, rematou.
Ideia refutada por Lawrence Wong que acredita que este é um método que vem organizar e obrigar os alunos a tomarem decisões mais cedo. “Acho que este exame unificado poderá servir para que as escolas secundárias possam definir padrões muito claros. Por exemplo, se os estudantes querem entrar em universidades de Taiwan, fazem os exames de Taiwan, se querem ficar cá, fazem este. Isto vem criar um mapa muito claro das tendências dos alunos, quantos vão para aqui ou para outra opção. Por último, os estudantes podem agora melhor preparar-se para os exames que querem”, explica.

Apoio pronto

Por hábito, a esmagadora maioria dos centros de estudo em Macau têm um curso especifico para os exames de ingresso ao ensino superior. É o caso do Centro de Educação Unnamed que sempre teve o curso de preparação para a Universidade de Macau. “Antes oferecíamos o curso para os exames de acesso à UM, mas quando tornámos público o nosso novo curso para o exame unificado recebemos muitas mensagens dos alunos a perguntar o que era, como é que seria o conteúdo do exame, entre outras coisas. Sinal de que a promoção do Governo falhou ou não foi suficiente”, explica o director. Também Lawrence Wong conta ao HM, que já está a decorrer o curso de preparação para este exame, mesmo só estando agendado para Abril do próximo ano. [quote_box_left]“Se o aluno chumbar não terá nenhuma outra oportunidade de estudar em Macau”[/quote_box_left]
Em análise aos exemplos fornecidos pela DSEJ, Stephen Wong faz notar alguma diferenças, como é o caso das exigência de Matemática. “Depois de compararmos este modelo de exame ao anterior exame de acesso da UM percebemos algumas diferenças, por exemplo as perguntas de Inglês são mais fáceis, é pelo menos, menos exigente, mas o de Matemática é mais difícil. Acho que este vai ser um desafio para os alunos”, explicou.
Lawrence Wong classifica os exames de muito semelhantes. “Tendo como base os exames da UM, que é para onde a esmagadora maioria dos estudantes quer ir, este exame é muito idêntico”. Para o reitor estes novos exames foram elaborados com base nos da UM e por isso esta pode ser uma vantagem para os estudantes. No entanto, Stephen Wong é claro. “É preciso uma maior promoção e preparação dos alunos”, para que os mesmos fiquem mais calmos e confiantes no exame que os espera.
“Sugiro que o Governo avance com formações e mais instruções para nós, docentes, para podermos ajudar os estudantes que se sentem perdidos”, remata.

(com Angela Ká)

22 Jun 2016

Previdência | Deputados aprovam regime com três votos contra

Três votos contra de José Pereira Coutinho, Leong Veng Chai e Kou Hoi In não foram suficientes para chumbar a proposta do regime de previdência central não obrigatório. Debaixo de críticas, Alexis Tam promete melhorar lei quando for analisada na especialidade

[dropcap style=’circle’]O[/dropcap]s comentários do hemiciclo davam a entender que o regime de previdência central obrigatório iria ser chumbado, mas a verdade é que o diploma acabou aprovado na generalidade com apenas três votos contra. Kou Hoi In, deputado nomeado, manteve a sua palavra até ao fim e votou contra um diploma que prevê contribuições de 10% para a segurança social por parte de patrões e empregados, mas que não obriga as empresas a fazê-lo.
José Pereira Coutinho e Leong Veng Chai, o seu número dois, ainda referiram que podiam votar a favor com mais explicações por parte do Governo, mas o voto final foi vermelho. “O Governo continua a não ter coragem para assumir o princípio da responsabilidade social, para que todos os trabalhadores possam ter dignas condições de vida. Em Macau é tudo à vontade do freguês. Não havendo uma calendarização para o regime obrigatório não votámos a favor, porque os trabalhadores não podem ficar à espera”, disse Coutinho na sua declaração de voto. 22616P4T1-A
Quem votou a favor garantiu que o diploma terá de ser alvo de muitas mudanças. “Este regime já devia ter sido instituído, mas esta proposta é melhor do que nada, embora esteja aquém das expectativas”, disse Song Pek Kei. Angela Leong, que também é administradora da Sociedade de Jogos de Macau (SJM), foi clara. “Este diploma contem aspectos polémicos mas temos que dar o primeiro passo, senão as garantias de aposentação dos trabalhadores ficaram sem uma data, por isso votei a favor. O Governo precisa de negociar com as grandes empresas.”
Chui Sai Cheong, deputado indirecto e irmão de Chui Sai On, alertou para a necessidade de incluir as “empresas privadas que têm o seu próprio regime de pensões”. “Esta lei tem problemas de operacionalidade em relação às empresas que já dispõem de fundos de pensões, há matérias que precisam de ser melhoradas especialmente porque há situações injustas para essas empresas e estas não podem tornar-se vítimas desta lei.”

Empresas a fechar?

O deputado Fong Chi Keong alertou para o risco de Pequenas e Médias Empresas (PME) poderem fechar por não conseguirem suportar os custos com a segurança social. “Em Macau existem mais de 14 mil PME, e a maior parte destas empresas vão fechar por causa do regime de contribuições obrigatório e não obrigatório”, alertou.
Já Kou Hoi In garantiu que o patronato não fica protegido com este regime. “Os empregadores não estão salvaguardados, não fazem parte da população? Quando entra em falência ou quando se reformar, como vai ficar protegido? O patrão contribui mas depois o dinheiro fica todo para o trabalhador. Esta política deve ser para toda a população. Porque é que os empresários têm de assumir esta responsabilidade, em vez do Governo? O empregador pode contribuir para o primeiro nível, mas não para o segundo. Não pode usufruir da protecção deste regime. Tem de contribuir mas depois não pode beneficiar, será isto justo? Neste momento o empregador tem de assumir alguns encargos com regalias”, defendeu o deputado nomeado. 22616P4T1-C
Alexis Tam, Secretário para os Assuntos Sociais e Cultura, decretou que o Executivo já injectou elevadas somas nos actuais regimes de pensões. “A contribuição do Governo representa 85%. Em relação ao segundo nível, já injectamos 49 mil patacas para cada conta individual de previdência (para residentes permanentes). Temos investido bastante na saúde e áreas sociais. Este regime visa sensibilizar os patrões para que possam disponibilizar garantias após a aposentação.”

Captar empresas

O Governo deixou ainda a promessa de rever a lei daqui a três anos para que se implemente o regime de contribuições obrigatório, para além de começar a falar com as grandes empresas do ramo do Jogo, finanças e concessionárias, que já têm os seus regimes privados de pensões.
“O Governo já tem um plano e vamos dialogar com as concessionárias de jogo e as empresas de grande dimensão para aderirem a este regime. Estamos confiantes de que nos próximos três anos seremos capazes de convencer as concessionárias, empresas do sector financeiro e associações que recebem subsídios, pois estas também têm a obrigação de aderir a este regime não obrigatório. Vamos criar condições para que estas associações e empresas possam aderir”, prometeu Alexis Tam.
Após a votação, os três deputados da Federação das Associações dos Operários de Macau (FAOM), Kwan Tsui Hang, Ella Lei e Lam Heong Sang, pediram, em comunicado, um calendário para a implementação de contribuições obrigatórias.

22 Jun 2016

Grafiti | Macau ainda tem muito caminho para andar

Reabilitar edifícios devolutos com cores e imagens. Dar voz aos artistas que usam o grafiti para transformar Macau numa região mais actual, mais interventiva e mais bonita. Deixar que a arte urbana invada a RAEM e assim acompanhar tendências internacionais na diversificação cultural. Estas são as premissas que poderiam fazer da Macau uma casa para o grafiti, uma solução para as paredes abandonadas e um chamariz para o turismo

[dropcap style=’circle’]E[/dropcap] se Macau fosse uma galeria a céu aberto à semelhança de projectos que já se fazem um pouco por todo o mundo? O grafiti tem sido o rei na lavagem de cara de muitos espaços públicos e privados um pouco por todo o lado. A arte urbana passou de marginal a acarinhada não só pelos seus criadores como por um público que cada vez mais a aprecia. Viajar para ir a estes novos “museus” já consta dos planos de muitos e alguns já fazem parte dos roteiros mais apreciados.
Em Macau o aproveitamento de espaços antigos devolutos para a criação, nomeadamente para obras em grafiti, também é assunto que não passa despercebido. São interessados os criadores locais, a população e mesmo os deputados.
Ainda esta semana o tema foi mote de interpelação por parte da Angela Leong. A deputada interpela o governo precisamente acerca da criação de uma zona para grafiti nos bairros antigos enquanto atracção turística e cultural. grafitty gantz5
No que respeita ao património público o Instituto Para os Assuntos Cívicos e Municipais (IACM) disse ao HM que terá tido um espaço dedicado a este género de arte na Rua dos Mercadores, num espaço alugado. No entanto e após a devolução ao respectivo proprietário o espaço estaria destinado a outros fins de foro privado e como tal não poderia interferir. É hoje um parque de estacionamento. Salientou ainda que sem autorização ninguém pode interferir no espaço público sob risco de ser acusado de vandalismo. O crime que representa a possível utilização de espaço para o grafiti é corroborado pela Polícia de Segurança Pública que confirma ao HM que o acto é classificado de Dano Qualificado, incorrendo a pena de multa ou prisão.
Quanto ao aproveitamento artístico de espaços, o IACM afirma que não será da sua tutela, remetendo a responsabilidade para o Instituto Cultural (IC). O IC adianta que está empenhado na promoção das diferentes formas artísticas na RAEM salientando a recente criação de uma zona especial de exposições no lago Nam Van para a qual convidou a equipa de artistas locais GANTZ5 Crew para realizar um trabalho entre Maio e Junho integrado na iniciativa “Anim’Arte NAM VAN”. Não adianta, no entanto, qualquer outra informação sobre a reutilização de mais espaços para promoção do grafiti.

Colectivo local

A GANTZ5 Crew é o colectivo de artistas locais que se dedica ao grafiti na RAEM. Pat Lam que assina como PIBZ é um dos membros da Crew e começou a pintar paredes em 1999. Para o artista, é “como dar um presente à cidade”. O colectivo já tem trabalhos espalhados por Macau e para Pat, actualmente é mais fácil pintar grafiti, lembrando as detenções e os problemas com as autoridades por que já passou. Para o artista o grafiti traria a Macau uma atenção especial. Salienta ainda a sua importância no alerta para os edifícios mais antigos e em mau estado enquanto pensa na “reabilitação” artística, mesmo que temporária dos mesmos. Pat afirma ainda a falta de espaços para pintar e relembra o projecto que animou a Rua dos Mercadores e a sua importância, lamentando o fim do mesmo, sem continuidade ou alternativa. A utilização das zonas mais antigas de Macau é ainda considerada uma mais valia tanto cultural como promotora de mais visitantes à região. Fica a questão dee porque é que a RAEM não promove o grafiti enquanto cartão de visita turístico ao mesmo tempo que dá “outro ar” à “baixa” da cidade.

Por esse mundo fora

O grafiti tem vindo a sair dos subúrbios urbanos onde nasceu enquanto arte marginal, de intervenção e reflexão social, e tem vindo a ocupar o coração das grandes cidades. O fenómeno é visível um pouco por todo o mundo e os seus protagonistas cada vez mais destacados internacionalmente. Há cidades pelo mundo fora que são já são denominadas “amigas do grafiti”. Lisboa por exemplo, é uma delas tendo registado nos últimos anos um elevado aumento de turistas para visitar as suas paredes pintadas. Na Europa é já tida como a capital do grafiti.
Também a Ásia tem vários exemplos entre os quais se destaca Kaosiung em Taiwan onde o governo tem vindo a expandir cada vez mais os espaços para que os artistas possam pintar legalmente. O governo local deu andamento à legalização do que chama de arte pública e com um espaço mais alargado de tela urbana, promove não só os artistas locais como cativa talentos de fora. Kaosiung é agora também um destino para uma vaga de visitantes que à semelhança de Lisboa procuram mais oferta no designado turismo cultural.
A movimentada Shibuya em Tóquio ou o não menos conhecido Soho de Hong Kong não são excepção e já contam com espaços assinados por artistas internacionalmente reconhecidos como Space Invader, Titi Freak, ou do português Vhils.
Alexandre Farto, também conhecido por Vhils foi um dos nomes do ano passado referido pela revista Forbes enquanto talento português e o já consagrado e ainda anónimo Banksy que chama tantos a conhecer as paredes que vai pintando, esteve nos nomeados às 100 pessoas mais influentes do mundo da Time em 2010.

22 Jun 2016

Previdência Central | Maioria dos deputados contra. Governo acusado de pressionar empresas

Votação da contribuição não obrigatória para o regime de previdência central adiada para hoje. Kou Hoi In, deputado nomeado, acusou o Governo de estar a pressionar os empresários. Coutinho prometeu votar contra porque a proposta “não é carne nem é peixe”

 
[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap]s deputados começaram ontem a debater a contribuição não obrigatória de 10% para o regime de previdência central mas o debate revelou-se longo, o que obrigou o hemiciclo a adiar a votação na generalidade para hoje. A proposta não agradou à maioria dos deputados, já que, enquanto uns defendem um regime obrigatório, outros defendem que este não é o momento oportuno para as empresas.
Kou Hoi In, deputado nomeado pelo Chefe do Executivo e representante do sector comercial, acusou o Governo de estar a pressionar os empresários. “Quero aqui esclarecer que a parte patronal não concorda. Atendendo à actual situação económica de Macau, que está numa fase de ajustamento, o Governo deve implementar planos para nos apoiar, mas só está a sobrecarregar mais as PME. O que o Governo está a fazer é sobrecarregar as despesas dos empresários e os custos das empresas.”
Para o deputado nomeado, cabe ao Executivo continuar a custear o sistema de segurança social. “O Governo recebe muito dinheiro dos impostos do Jogo, pode assumir responsabilidades e não perseguir os empresários. Daqui a três anos vai implementar o regime obrigatório? Será que nessa altura será oportuno fazer essa revisão? Creio que será melhor apresentar este regime (contribuição não obrigatória) daqui a três anos, porque agora a situação económica é má”, adiantou Kou Hoi In.

Contras garantidos

José Pereira Coutinho e o seu número dois, Leong Veng Chai, prometeram votar contra a proposta, por defenderem a implementação de contribuições obrigatórias. “Há sempre deputados de apelido Kou que estão contra as propostas de lei”, começou por acusar Coutinho. “O Governo tem de liderar este processo e esta proposta é inútil. Temos de aprender com Hong Kong, que tem um regime de contribuições obrigatórias há 14 anos. Vou votar contra esta solução, porque não é carne nem é peixe”, frisou.
Coutinho defendeu ainda a criação de apoios financeiros para as PME que tenham dificuldades em fazer as contribuições para os seus empregados. “Em Hong Kong há empresas que também têm problemas em cumprir, mas o Governo continua a implementar a medida. Porque é que em Macau não se aplica? Se as PME têm dificuldades, o Governo tem dinheiro, há a Fundação Macau, então as PME podem ser subsidiadas.”
Kwan Tsui Hang, da Federação das Associações dos Operários de Macau (FAOM), criticou o facto de o Governo ter demorado oito anos para apresentar apenas uma proposta de contribuições não obrigatórias. “Claro que esta proposta vai sempre visar os interesses. O Governo tem de ser firme, porque as discussões nunca acabam.”
“Estou preocupada se este regime vai surtir algum efeito na prática e após a aprovação do regime há muito trabalho a fazer”, acrescentou Kwan Tsui Hang, referindo-se à necessidade de atrair as empresas a contribuir para este regime.
O deputado nomeado Fong Chi Keong também falou de uma lei que “não é carne nem é peixe”. “O Governo está a apresentar uma coisa que não é carne nem é peixe, ou é obrigatório ou não apresenta nenhum regime. Um regime não obrigatório não faz sentido nenhum. Por ser facultativo, podem não participar. As PME não vão participar. Mais vale continuar suspenso por mais oito anos”, apontou.

Executivo inflexível

Alexis Tam, Secretário para os Assuntos Sociais e Cultura, garantiu que o Governo tem que dar este primeiro passo. “A parte patronal diz que estamos com uma economia em queda, enquanto a parte laboral pede um regime obrigatório. Compreendemos que se lançarmos de imediato o regime obrigatório isso vai causar um grande impacto junto da parte patronal. A posição do Governo é para proteger os interesses e direitos da população.”
Angela Leong, deputada directa e administradora da Sociedade de Jogos de Macau (SJM) disse ser “indispensável” a implementação do regime de contribuições obrigatórias e referiu que a maior parte das grandes empresas já tem os seus próprios benefícios sociais. “O Governo tem de mostrar a sua determinação. Muitas das concessionárias de Jogo activam essas medidas (de apoio social) mais cedo do que o Governo. A SJM, por exemplo, já implementou três dias de licença de paternidade.”

21 Jun 2016

Festival de Carne | Defensores de animais acreditam em mudanças culturais

Controvérsia e choque. São algumas das características atribuídas ao Festival de Carne de Cão na China. Mas os tempos são outros. Cada vez mais chineses apoiam o fim deste massacre. Defensores locais falam em mudança dos tempos

[dropcap style≠’circle’]C[/dropcap]omeça hoje e dura 10 dias. Chama-se Festival de Carne de Cão, acontece na cidade de Yulin, na província de Guangxi, e mata 10 mil cães em cinco dias. Polémico é uma das suas características. Em 2014, depois de muitos protestos em edições anteriores, a organização chegou mesmo a antecipar o festival, em uma semana, para que os protestos não invadissem as ruas.
Nesse mesmo ano, um comunicado do Governo de Yulin explicava que não existia um festival organizado pelas autoridades. “Uma parte da população de Yulin tem o hábito do consumo de carne de cão e lichias no início do solstício de Verão, e por isso, tornou-se um costume popular nesta cidade”, pode ler-se no documento. O Governo frisava a sua independência na organização indicando que não existia um festival oficial. “Este tipo de actividades nunca foram realizadas pelo Governo ou por associações sociais. As nossas autoridades já lançaram projectos de regulação de carne, promovendo a matança civilizada (…) proibindo a matança pública (…) aumentando a fiscalização do roubo de cães (…)”, indicou na altura o Governo.
Depois de milhares de assinaturas recolhidas por diversas petições internas e além fronteiras o Governo indicou que tinha “em conta essas manifestações” e iria esforçar-se “na supervisão” do então chamado costume popular.

Conta a história

Na sua origem, o Festival de Carne de Cão está relacionado com duas expressões idiomáticas chinesas: “no solstício de Inverno nasce o peixe, no solstício de Verão nasce o cão”, e “comer cão em solstício do Verão, desvia o vento do oeste”, sendo que vento do oeste é sinónimo de azar e doença. Ao comer carne de cão no solstício de Verão, os chineses acreditavam que o seu corpo e sistema imunitário iriam ganhar defesas para qualquer doença possível.
Reza ainda a história que segundo a Medicina Tradicional Chinesa se aconselha a população a comer carne de cão naqueles que são considerados os últimos dias de Inverno, pois o Verão está à porta. É ainda defendido que quem come carne de cão – alimento quente – está a equilibrar o yin e o yang [conceitos de taoísmo].
Nos últimos anos o festival tem atraído a atenção do mundo, e, do outro lado da moeda, mais turistas e apreciadores para a cidade. A agência noticiosa Xinhua indica, num artigo, que a atenção atraída pelos defensores dos animais tornou-se uma oportunidade de negócio para os próprios comerciantes locais. É que as atenções aumentaram o número de visitantes e de vendas dos próprios cães ainda vivos, para os salvar. A agência escreve ainda que o mercado dos cães disparou.
Um dos casos mais conhecidos, em 2015, foi o de Yang Xiaoyun, uma mulher que para salvar 100 cães de serem comidos pagou mil dólares. Um jornal local indicava que a mulher, de 65 anos, levou os cães para sua casa, em Tianjin.

Novos ventos

Mas a mudança parece estar a acontecer. Um estudo pedido pela Sociedade de Prevenção aos Maus Tratos dos Animais (SPCA – sigla inglesa), de Pequim, indica que 64%, dos dois mil inquiridos, estão a favor do cancelamento do festival, sendo que 60% considera que este “costume popular” afecta “gravemente” a reputação internacional da China.
A empresa contratada pelo estudo, inquiriu dois mil cidadãos, entre os 16 e 50 anos, de mil cidades chinesas e 500 aldeias. As entrevistas foram feitas pela internet, por telefone e na rua.
Dos dados tornados agora públicos, cerca de 52% votaram a favor da proibição total do comércio de carne de cão. Do total dos entrevistados 70% indicou nunca ter comido carne de cão. O movimento de discórdia para com este comércio também se fez notar durante as sessões plenárias anuais da China deste ano, em que mais de 80 milhões de pessoas, através do voto online, concordaram com a proposta de Zheng Xiaohe, membro da Assembleia Popular Nacional da República Popular da China, relativamente à “sugestão de legislação para a proibição da entrada de carnes de cão e gato no mercado”.
Zheng Zhishan, que assumiu o cargo no International Fund for Animal Welfare, em entrevista com a agência chinesa, referiu que, contrastando com a ideia de países estrangeiros, a maioria dos chineses “adoram animais e protegem-nos”, sendo que a grande parte desconhece sequer esse nicho de mercado de “roubo-transportação-matança-venda de cães e gatos”.
O representante citou ainda um estudo feito em 2013, que indicava que 95% dos inquiridos “adoram animais” e “recusam-se ao consumo de animais de estimação”, considerando que “os animais devem ser protegidos”.
Gao Guang, vice-secretário geral da Associação de Carne da China, chegou mesmo a afirmar que na “China não existe a indústria do cultivo do ‘cão comestível’”. “O consumo de carne de cão é caso raro na China”, afirmou à agência.
O veterinário Liu Lang, também presidente da Associação das Clínicas dos Animais Pequenos de Pequim, afastou a possibilidade o cultivo de cães e gatos para consumo, sendo que, diz, é “algo que tem custos elevados, seja na alimentação ou vacinação”. “O período de cultivo também é muito longo”, apontou.
Dados das autoridades chinesas mostram que o preço da carne de cão, entre 2011 e 2014, variou entre os sete yuan e os 23 yuan por quilo. “(…) mostrando que só com roubo dos animais de estimação é que se pode ganhar dinheiro”, pois o segundo os cálculos de Xia Shaofei, Director do Departamento da Clínica da Universidade de Agricultura da China, para este tipo de carne ser rentável deveria custar mais de 100 yuan por quilo.
Questionado sobre os últimos dados, Albano Martins, presidente da ANIMA – Sociedade Protectora dos Animais, diz que a tendência é cada vez mais a da proibição.
“Basta ver que ainda há muito pouco tempo, grupos de activistas pelos direitos dos animais pararam, com a ajuda da polícia, milhares de gatos que iam ser consumidos. A polícia prendeu os transportadores, eles foram presos. Isto significa que na própria China as autoridades já não acham piada nenhuma a este tipo de manifestação”, argumenta, frisando que este tipo de festival “já não tem sentido numa China que se está a modernizar”.
Cada vez mais “a comunidade chinesa não aceita isto” e “é violenta para quem viola os direitos dos animais”. Albano Martins recorda uma manifestação que reuniu um milhão de pessoas na China contra este tipo de “costume”. A matança de animais domésticos, ou de estimação, “violenta os fundamentos humanísticos” e não existem razões culturais ou de necessidade, como por exemplo a fome, que justifiquem tal acto. “Não é cultural, nem para alimentação. Claro que durante a nossa história houve sempre pessoas que comeram animais, mas neste momento não tem razão de ser”, rematou.

Hipocrisia gratuita

Fátima Galvão, representante da MASDAW – Associação Protectora de Animais, mostra-se totalmente contra, mas aponta o dedo a todos aqueles que criticam este festival.
“É evidente que para mim conseguir-se acabar com o festival é uma vitória. É lamentável que ainda não se tenha conseguido. No entanto, ao mesmo tempo, existe uma grande hipocrisia entre as pessoas. É que isto é uma questão cultural, enquanto todo o resto do mundo se põe à apontar o dedo à China, deviam era pensar o que aconteceu aos animais que comem, como é que eles são criados e abatidos”, acusa.
É o bom comportamento que dá permissão à critica e por isso, Fátima Galvão afirma ser necessário consciencializar a população mundial do mal que se está a fazer aos animais de uma forma geral. Mudando isso, tudo muda, diz.
Em reacção, Albano Martins assume que esta é uma discussão muito acesa, mas não tem dúvidas de uma coisa, “as sociedades vão caminhando cada vez mais contra o abate de animais que estão próximos do ser humano e que com ele conseguem estabelecer uma comunicação”.

Com Angela Ka

21 Jun 2016

Cartório | Leong Veng Chai acusa Governo de tomar decisão “à porta fechada”

O deputado Leong Veng Chai acusou o Governo de tomar uma decisão “à porta fechada” sobre a mudança do 1º Cartório Notarial das instalações da Santa Casa da Misericórdia, falando das pressões económicas sentidas pela instituição

 
[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] número dois de José Pereira Coutinho na Assembleia Legislativa (AL) utilizou o período de antes da ordem do dia para acusar o Governo de baixa transparência no processo da saída do 1º Cartório Notarial das instalações da Santa Casa da Misericórdia (SCM).
“O Governo tomou uma decisão com baixa transparência, à porta fechada e sem qualquer plano, auscultação ou esclarecimento, o que surpreendeu toda a população. Critico fortemente a actuacão do Governo, solicitando que este dê, o quanto antes, o esclarecimento necessário e não altere a situação actual”, referiu Leong Veng Chai.
O contrato entre o Governo e a SCM prolonga-se até Dezembro deste ano, sendo paga uma renda de 1,2 milhão de patacas. Conforme o HM noticiou, António José de Freitas, provedor da SCM, propôs duas vezes ao Governo uma diminuição da renda para 800 mil patacas mensais, mas não voltou a ser contactado nesse sentido.
Para o deputado Leong Veng Chai, a saída do 1º Cartório Notarial, que funciona no Largo do Senado desde 1962, vai deixar a SCM numa difícil situação económica. “O Governo paga uma renda à SCM, o que é diferente dos pagamentos de rendas elevadas a órgãos privados. A SCM tem várias instituições dependentes, como lares de idosos, creches e instituições de caridade, tendo cerca de 150 trabalhadores. Apesar das despesas registadas no ano passado terem atingido 48 milhões de patacas, só recebeu apoio financeiro de 15 milhões, o que demonstra que a pressão do seu funcionamento é cada vez maior”, defendeu o membro do hemiciclo.

Do despesismo

Leong Veng Chai não deixou de lembrar os elevados valores que o Governo paga mensalmente a entidades privadas para albergar alguns serviços públicos. “As despesas com a locação de bens estão constantemente a aumentar. No ano passado essas despesas atingiram os mil e cem milhões de patacas, e isso deve-se ao facto do Governo não dispor de planeamento urbanístico, pois não reservou terrenos suficientes para a construção de edifícios para os serviços que presta. Muitas instalações são arrendadas em edifícios comerciais ou estão em funcionamento em escolas, o que, a longo prazo, afecta a imagem do próprio Governo e a dignidade dos trabalhadores da Função Pública”, rematou.

21 Jun 2016

Sin Fong | Sem acordo, atribuição de subsídio termina em Agosto

O subsídio mensal atribuído aos moradores do Sin Fong Garden terminará no próximo mês de Agosto. O IAS indicou que houve consenso, ideia negada por um dos moradores que diz que só existiu um anúncio da decisão

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap]u Chi Keung, vice-presidente do Instituto de Acção Social (IAS), afirmou ao Jornal Ou Mu, que o organismo vai parar de atribuir os subsídios aos moradores do Sin Fong Garden, a partir de Agosto. Apesar do fim deste apoio, o Governo vai continuar a ajudar os lesados com alojamentos temporários até a reconstrução do edifício terminar.
Feitas as contas, o IAS já pagou 25 milhões de patacas em apoios aos moradores, desde a evacuação em 2012, devido ao risco de ruína. Proprietários de apartamentos de tipologia de dois quartos estavam desde então receber seis mil patacas mensais, e os proprietários de apartamentos com três quartos, nove mil patacas. O apoio monetário vai terminar, mas, reforçou o responsável, os moradores despejados podem pedir alojamento temporário, sendo que até ao momento Au Chi Keung não sabe precisar se já foram recebidos pedidos ou não. “Alguns, mas não sei dizer um número”, explicou.

Longe, muito longe

Wong Meng Sang, presidente do Conselho Administrativo do Sin Fong Garden, questionado sobre a decisão do Governo, indicou, à publicação, que o IAS tinha reunido com os membros do conselho e moradores para tentar chegar a um consenso que agradasse a todos. As maiores preocupações abatem-se sobre a data da conclusão da reconstrução do prédio. Foi pedido ao Governo para que apresente um calendário de trabalho, o mais depressa possível, para que os moradores não fiquem “muito tempo à espera”.
Confrontado com as declarações de consenso, Chao Ka Cheong, morador do Sin Fong Garden, disse, ao HM, que embora o Governo tenha reunido não questionou os moradores sobre o fim do subsídio, indicando que os mesmos só o souberam depois de anunciado.
“Não conseguimos fazer nada,” disse, “o Governo não quer continuar a responsabilizar-se pelo problema. Está a reduzir em tudo”. Quanto aos alojamentos temporários, Chao indica que o Governo “disse que não existe uma regulação para a solicitação dos alojamentos temporários”, sendo que só se pode guiar pela Lei da Habitação Social. “Isto faz com que pouca gente consiga alojamento temporário”, aponta.
Recorde-se que está ainda a decorrer a acção judicial contra a empresa Companhia de Construção e Investimento Ho Chun Kei, responsável pela obra.

Angela Ka

21 Jun 2016

Blaine Whittaker em concerto no D. Pedro V esta quinta-feira

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap]prendeu e colaborou com os maiores e vem agora a Macau. O Saxofonista Blaine Whittaker que tem no currículo participações com Marsalis, Coleman ou Herring, estará na próxima quinta-feira no palco do D. Pedro V e no dia seguinte num workshop aberto a todos os interessados.
O Teatro D. Pedro V é o palco para o espectáculo do saxofonista australiano Blaine Whittaker na próxima quinta-feira às 20h00. O evento que conta com entrada gratuita traz a Macau uma referência do jazz internacional numa apresentação de “Strange Universe” o seu mais recente álbum. O concerto conta com o acompanhamento da “Universe Strange Band” e os seus músicos internacionais. Na guitarra estará Eugene Pao de Hong Kong, as teclas contam com Nicholas Boulouskos dos Estados Unidos, de França o baterista Laurent Robin e no baixo o também australiano Scott Dodd. O músico junta-se no dia seguinte aos interessados para um workshop a decorrer às 18h30 no Ace Music Center, na Avenida da Praia Grande.

Pelo mundo fora

Depois de se formar no Conservatório de Música de Brisbane, na Austrália, o músico muda-se para Sidney e logo deu início a uma carreira brilhante. Começou por fazer parte do sexteto de James Morrison com o qual tocou cerca de dez anos. Da sua carreira contam múltiplas colaborações de sucesso: desde o acompanhamento do britânico Cliff Richard pela Austrália ao prosseguimento de estudos em Nova Iorque onde trabalhou com os lendários Wynton Marsalis, George Coleman ou Vincent Herring e passou por espaços consagrados ao jazz e ao blues como o Dakota Staten ou o Lennox Lounge em Harlem. Acompanha as estrelas de Jazz suecas, Nils Landgren e Anders Bergcrantz, passa pelo R&B na companhia de Mary Wilson e junta-se a Laura Fygi em digressão mundial . O Jazz e o blues são as suas referências, mas não descurou as boas relações musicais com a vizinha Hong Kong onde também desenvolveu carreira. Para além de tocar com a Orquestra Filarmónica local não deixou de colaborar com artistas pop cantonês e em mandarim, levando o seu nome e sucesso a outros públicos. Fazem parte do rol de estrelas regionais Jackie Cheung, Justin Lo, George Lam, Alex To, Kahlil ou Joey Yung. O espectáculo na RAEM integra a série “Early Summer Jazz Concert” 2016 promovida pela Fundação Rui Cunha

21 Jun 2016

Brexit | Reino Unido na corda bamba. Fica ou sai da União Europeia?

A Europa vai passar por algo nunca antes visto. Na quinta-feira, o Reino Unido vota a permanência e ninguém sabe o que pode acontecer em caso de saída. De terríveis consequências a um mar de rosas ouve-se de tudo. As sondagens, depois de mostrarem o Brexit a liderar várias semanas, mostram agora um empate após o recente assassínio de Jo Cox. O resumo das campanhas hoje poderá ser decisivo para o resultado final. Por estes lados, vigora o ‘tanto se me dá como se me deu’

[dropcap style≠’circle’]N[/dropcap]a próxima quinta-feira, dia 23, os cidadãos britânicos vão decidir se sim, ou não, o Reino Unido (RU) fica na Europa.
Nas últimas semanas, as sondagens têm mostrado uma clara tendência de saída. Todavia, o assassínio da deputada Jo Cox por um activista de extrema direita pode ter inclinado a balança a favor dos que pretendem ficar. Mas os resultados divergem. A Survation, com resultados publicados no diário inglês Daily Mail ontem, indica a inversão da tendência com 45% a favor da permanência e 42% contra. Outra sondagem, realizada pela YouGov para o Sunday Times, também publicada ontem, mostra 44% contra os 43% que preferem sair.
Por outro lado, a decisão do jornal conservador Mail on Sunday ter instado os leitores a votarem “não” também pode vir a ter alguma influência na decisão final.
Para já, o que parece mais certo é uma nação fracturada em relação à decisão a tomar na quinta-feira. A “poll of polls” do Financial Times indica mesmo um empate a 44% com 12% de indecisos. Ou seja, ninguém está muito certo do que vai acontecer na quinta-feira e, após os brutais erros das sondagens das legislativas de 2015, estes estudos arriscam-se a não servirem mesmo como mero indicador. 2016-02-17T175436Z_1917102660_GF10000312516_RTRMADP_3_BRITAIN-EU

Campanhas suspensas

Para além do impacto imediato que terá gerado nos britânicos a morte de Jo Cox, a tragédia obrigou ainda à suspensão das duas campanhas pelo que, ao resumirem hoje, espera-se com ansiedade as tomadas de posição que poderão influenciar decisivamente os eleitores.
Os partidários do “fica” têm receio que a suspensão possa diminuir-lhes o tempo útil para convencerem os eleitores, mas o silêncio dos apologistas do Brexit como Boris Johnson, Michael Gove e Nigel Farage pode sugerir um estado de nervos perante a situação.
O lado do Brexit pode vir a ter mais dificuldade em prosseguir a política “anti-establishment” e o outro lado tentará rentabilizar a morte da deputada.

União pouco pacífica

Tudo começou a 20 de Fevereiro deste ano quando David Cameron marcou o dia 23 de Junho como data para o referendo, uma velha promessa para a ala eurocéptica do Partido Conservador.
O anúncio dividiu logo as águas, com uns ministros a apoiarem uma solução e outros a apoiarem outra.
Quiçá convencido que uma saída do Reino Unido nunca passaria num referendo, ele que é contra, Cameron rapidamente percebeu ter aberto a Caixa de Pandora, quando personagens como o Ministro da Justiça, Michael Gove, e o ainda presidente da Câmara de Londres, Boris Johnson, se colocaram ao lado dos partidários do Brexit.
Mas a relação do Reino Unido com a Europa nunca foi um mar de rosas.
Mesmo quando se alega que Winston Churchill imaginou uns “Estados Unidos da Europa” para consolidar muitos pensam que ele não imaginava o RU como parte dessa união.
Doze anos antes da entrada do RU na Comunidade, o princípio britânico já era de retracção não tendo participado em qualquer das negociações anteriores, nomeadamente as que levaram à fundação da União Europeia do Carvão e do Aço em 1951 nem mesmo nas que levaram à formação da então Comunidade Económica Europeia (CEE), percursora da actual União. Formaram, isso sim, um contrapeso chamado Associação Europeia de Comércio Livre em 1960. Apenas durante a década de 60, ao passar por uma situação económica grave, o RU começou a dar passos no sentido da integração o que viria a acontecer em 1973, apesar de dois vetos do Presidente francês Charles de Gaulle.

Realidade que surpreende

Hoje, com a Inglaterra de novo a passar por uma situação económica difícil pede-se a saída. Mas não é novo só que antes mais de 67% votaram na permanência. Foi logo a seguir ao tratado de União, em 1975, que se realizou o primeiro referendo à Europa.
Tal como então, em 2015, quando Cameron recuperou a promessa eleitoral do referendo para “calar” as alas mais radicais do partido, nada indicaria que o Brexit pudesse ganhar, mas o mundo mudou.
O Partido Conservador, pedia o referendo para ter uma arma para combater o UKIP de Nigel Farage e as suas propostas proteccionistas motivadas pela imigração massiva de cidadãos do Leste da Europa.
Os 13% conquistados nas ultimas eleições, a presença de um deputado na Câmara dos Comuns e a subida de três deputados no Parlamento Europeu em 1999 para os actuais 25 foram sinais de alerta. Cameron tinha poucas hipóteses de evitar o referendo.
Mas a grande crise de refugiados do médio oriente, ainda não tinha acontecido e isso mudou tudo.
A corrente onda internacional contra os poderes estabelecidos, que tem resultado numa grande desconfiança das populações ocidentais em relação aos que os governam, capitães de indústria e bancos, tem sido terreno fértil para a evolução dos que pretendem sair da União Europeia.
Para além disso, questões como o orçamento da comunidade para o qual o RU é um contribuidor líquido com $12 mil milhões de dólares (mais do que recebeu) o que, apesar de representar de apenas 1% do PIB, é um dos assuntos que mais tem irritado os apoiantes do Brexit.
Sair mudará tudo para melhor, é nisso que acreditam os separatistas como Boris Johnson,
“Vai ser maravilhoso podermos negociar por nós próprios outra vez. Estávamos a ficar moles nos negócios”, disse Johnson em declarações à BBC.
Para o ainda presidente da Câmara londrino a saída será melhor e os acordos comerciais serão todos repostos apesar de o RU fazer parte de cerca de 66 acordos de comércio via UE, agora postos em causa.
“Há muito tempo para negociar acordos de comércio” garante Boris alegando ao período de dois anos entre a decisão e a saída de facto. Para ele, o “RU vai conseguir um estatuto especial com a União que lhe permita aceder ao mercado comum sem restrições”.
Opinião diferente tem José Luís Sales Marques, economista e presidente do Instituto para os Estudos Europeus de Macau.
“Existem receios (…) Por isso, vários dirigentes europeus já vieram dizer que, em caso de Brexit, o RU deve ser fortemente penalizado. Isto é, não haverá ‘soft landing’, pois isso poderia encorajar outros Estados membros”.
Uma opinião de alguma forma partilhada por António Guterres que, em entrevista à CNN, disse que “O Reino Unido sozinho terá dificuldades em ter uma grande influência no que são os assuntos globais no mundo actual”.
Para tentar conquistar os defensores do Brexit para o seu lado, David Cameron propôs um acordo especial com a União Europeia que, para os eurocépticos ficou aquém do esperado e “não vai resolver nada”, como disse Boris Johnson.
Isto apesar de Cameron ter conseguido que a UE cedesse na possibilidade de o RU optar por não participar numa “união mais próxima” dando mais poderes aos parlamentos nacionais, questão fundamental para os secessionistas. Não conseguiu, porém, tudo o que pretendia noutras áreas como os benefícios de segurança social para populações migrantes outra das questões sensíveis neste balanço entre o “fica” e o “não fica”.

Meio mundo contra

O facto de grande parte das instituições mundiais odiadas por todos aqueles que se vêm a revoltar contra os poderes instituídos estarem contra o Brexit não tem ajudado muito a causa da permanência.
Ainda esta semana o FMI lançou um alerta contra a saída do RU alertando para “um expectável abrandamento do crescimento económico e uma subida da taxa de desemprego nas ilhas britânicas nos próximos anos” mas, claro está, o relatório também concede que a lista dos ‘estragos’ apenas poderá ser finalizada quando os termos do acordo de secessão forem conhecidos.
Ontem, segundo o diário japonês Nikkei, também os bancos centrais da Europa, dos Estados Unidos e do Japão começaram a discutir uma acção concertada de injecção de liquidez em dólares no mercado. Ou seja, poderão implementar um mecanismo de urgência para abastecer o mercado com dólares para evitar eventuais problemas no caso de os britânicos decidirem sair da União Europeia fazendo adivinhar uma possível agitação nos mercados.
No caso chinês, já foram várias as vezes que Xi Jingping e outros responsáveis se manifestaram contra o Brexit. Mas, na opinião de alguns especialistas, isso poderá ter mais a ver com a manutenção da imagem do líder chinês, pois este tem apostado fortemente no mercado britânico e levado muitos investidores chineses para aquelas bandas. Como disse John Zai à BBC, o líder da Cocoon Networks, um grupo de venture capital com planos para investir em empresas tecnológicas na Europa, “os empresários chineses podem começar a achar que apostaram no cavalo errado.”
Contudo, outros entendem que a China preferirá acordos com a UE a apenas com o RU, um mercado muito mais pequeno. Mas os investidores privados podem ter outras ideias.
“Sinceramente, acho que livre dos regulamentos europeus, será mais atraente para os investidores chineses um Reino Unido fora do que dentro” diz William Cheung, professor da Faculdade de Finanças e Negócios da Universidade de Macau.
“A ideia que tenho é existirem muitos investidores locais à espera da saída, pensando que a queda de preços que se seguirá será óptima para especular”, adianta ainda o académico especialista em Comportamentos de Negócios e Bolsa de Hong Kong, não esperando qualquer tipo de comoção no índice bolsita da RAEK, quer o RU fique, quer saia.
Sales Marques também concorda com o princípio de que os negócios por este lados pouco irão sofrer mas não tem a mesma leitura face aos mercados financeiros.
“Estão a ocorrer ajustamentos nos mercados e há muita incerteza mas o ambiente de negócios na RAEM não sofrerá grande impacto directo, com a excepção para os investimentos nos mercados financeiros e variações cambiais na libra e no Euro”, diz o economista.

Dois anos para uma nova realidade

Aconteça o que acontecer na próxima quinta-feira, passarão dois anos até que se perceba que Europa resultará de uma eventual saída do RU da união.
Será aquele o tempo que demorará a negociar o novo estatuto britânico ditando novas relações comerciais e de negócios, estatutos de cidadãos, obtenção de vistos entre muitas outras possíveis mudanças,
Os apoiantes do Brexit acreditam que vai ser um mar de rosas e vão conseguir um estatuto especial mas, mesmo que o “hard landing” não aconteça, poucos acreditam que qualquer acordo comercial venha a dispensar a livre circulação de pessoas, um dos pontos que mais irrita os apoiantes do Brexit.

Imigrantes, a grande incógnita

Segundo o grupo Migrantes Unidos, a população migrante portuguesa no RU praticamente dobrou nos últimos quatro anos devido à crise económica que atingiu Portugal, e só agora dá sinais de arrefecimento. De acordo com a organização, 30 mil portugueses chegam anualmente no Reino Unido desde 2011. “Calculamos em cerca de 300 mil, dos quais pelo menos 100 mil vivem em Londres. Desses, cerca de 120 mil chegaram nos últimos quatro anos”, afirma Paulo Costa, um dos responsáveis da organização, em declarações ao sítio “noticias em Português” baseado no RU.
Para estes, a grande questão que se coloca é o que lhes vai acontecer quando terminar, se terminar, a política de livre circulação. Macau, onde grande parte dos residentes ostentam passaportes da UE, também poderá ser afectado.
Nada acontecerá de um dia para o outro mas Sales Marques aconselha precaução: “devem estar atentos ao futuro, pensarem em planos B, mas não entrar em pânico. Muitos já são residentes do RU e quanto a estudantes, só os que usufruem de estatuto de comunitário quanto ao pagamento de propinas podem sofrer com um aumento das mesmas, no futuro”. Para o presidente do Macao Youth League das Nações Unidas (finalista da medicina na Universidade de Edimburgo), em declarações recentes ao Jornal Ou Mun, “a saída UE não vai implicar com descontos em propinas para os estudantes de Macau pois já as estão a pagar a preço internacional embora tenham passaporte de Portugal”.
A maior diferença para o líder estudantil vai notar-se na “conveniência de solicitação de visto, no ranking das universidades britânicas porque influencia o intercâmbio de docentes”.

20 Jun 2016

Extradição | Governo retira lei da AL. Deputados divididos

O Governo decidiu retirar do hemiciclo a proposta de lei de assistência judiciária inter-regional em matéria penal com Hong Kong e China, por forma a melhorar a lei. Deputados dizem não conhecer conteúdo do diploma

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] lei sobre os acordos de extradição dos infractores em fuga a celebrar com a China e Hong Kong, intitulada “lei de assistência judiciária inter-regional em matéria penal” foi retirada pelo Governo da Assembleia Legislativa (AL), um mês após a sua entrega. Segundo um comunicado oficial, Sónia Chan, Secretária para a Administração e Justiça, justificou a decisão com a necessidade de fazer melhorias na lei.
“Devido às grandes diferenças no regime de jurisdição de Macau, interior da China e Hong Kong, o tempo necessário para as negociações no âmbito de assistência judiciária em matéria penal tem requerido mais tempo do que o previsto. Para que a lei da assistência judiciária inter-regional em matéria penal possa ser funcional, foi decidido alterar a estratégia e o processo legislativo”, pode ler-se. Tudo para que a lei tenha mais operacionalidade, apontou ainda Sónia Chan.
De frisar que há cerca de um mês o presidente da AL, Ho Iat Seng, disse à Rádio Macau que o hemiciclo tinha rejeitado o diploma por conter falhas técnicas.
Os deputados com quem o HM falou afirmam desconhecer o conteúdo da lei, mas nem todos criticam a acção do Governo. José Pereira Coutinho e o seu número dois, Leong Veng Chai, são os mais críticos.
“É bastante estranho que esta lei tenha sido retirada antes de ser distribuída pelos deputados. O presidente da AL não está numa situação de poder para sugerir e tomas decisões sem antes consultar outros deputados. Acho que este é um mau precedente, todos temos interesse em conhecer o conteúdo original do projecto de lei do Governo”, disse Pereira Coutinho.
“Nunca tivemos nenhum contacto com a lei”, referiu Leong Veng Chai. “Não consigo adivinhar as razões pelas quais o Governo tirou a lei. Claro que o Governo não foi transparente o suficiente”, apontou ainda.

Processo natural

Opinião contrária tem Gabriel Tong, deputado nomeado. “É uma maneira de cooperação e trabalho entre o Governo e a AL. Neste ponto ainda não pensei bem no processo normal e não tenho qualquer comentário. A Secretária disse que tudo se deveu às diferenças (jurídicas) entre as partes e o Governo ainda tem de ponderar mais”, afirmou.
Também Zheng Anting, eleito pela via directa, considerou normal este processo de retirada do diploma. “O Governo tem as suas considerações, porque é uma lei que envolve o interior da China e Hong Kong, com diferentes jurisdições. Penso que é melhor que haja mais tempo para o Governo considerar melhor, a retirada da lei foi devidamente pensada. Se não há razões que sustentem o lançamento da lei se calhar este não é o momento certo para a apresentar. Não há problemas”, disse o deputado.

20 Jun 2016

Notários privados | Advogados não estão contra limites do Governo

Notários privados de Macau não se mostram contra limites impostos pelo Governo para novo Estatuto dos profissionais. Uma profissão que exige muita idoneidade, rigor e que está cada vez mais difícil. Neto Valente não acha elevado o número de sanções na última década

[dropcap style≠’circle’]N[/dropcap]a passada semana, 23 advogados entregarem uma carta à 2ª Comissão Permanente da Assembleia Legislativa (AL), manifestando-se contra os limites, definidos pelo Governo, na candidatura para o curso de notário, a abrir ainda em data indefinida.
Em causa está, especificamente, a barreira na candidatura a todos os advogados que tenham sido condenados com pena disciplinar acima da censura.
Ana Fonseca, advogada e notária, está de acordo com as exigências do Governo. “Compreendo que se seja muito exigente em relação à idoneidade. A mim não me repugna que não se permita a advogados que tenham qualquer pena disciplinar superior a censura que lhes seja vedado o acesso ao notariado”, explica ao HM. É para na visão da profissional “ser notário implica uma idoneidade mais exigente”, algo que sempre esteve em discussão.
“Repare, a questão vem já do passado, quando foi criado o notário privado, com a própria acumulação de funções de advogado com notário privado. Ao ser-se advogado é suposto estar a intervir e a defender uma parte, como notário [o profissional age] como uma espécie de magistrado, com isenção e imparcialidade a documentar o negócio que ambas as partes querem”, referiu.
Uma decisão do Governo que “até faz sentido”, até porque, diz, com tantos possíveis candidatos é natural que o Governo queira seleccionar aqueles que nunca foram sancionados. “A partido momento que existe um universo de candidatos mais do que suficiente para as necessidades, ou para o número de vagas que possivelmente existirá, faz todo o sentido que eles [o Governo] estejam a limitar, ou a fazer passar à frente aqueles advogados que nunca foram objectos da sanção disciplinar”, refutou.
Ideia que não é partilhada pelo advogado Jorge Neto Valente que acredita que “com tantas exigências” a que a função de notário obriga não “haverá muitos interessados”.

Cara do Executivo

O ser-se idóneo parece ser o argumento mais forte para justificar a escolha do Governo. Diz o advogado Luís Almeida Pinto concordar com a decisão, sendo que é preciso frisar que “independentemente do dispositivo legal que venha a ser aprovado nesta matéria, a relevância social do exercício de tais funções de natureza pública, e a fé e credibilidade de que devem revestir todos os actos dos Notários Privados, exige que os Advogados em exercício de tais funções tenham um registo disciplinar muito próximo do impoluto, sob pena de se poderem estabelecer suspeições e incertezas sobre os actos por si praticados, em absoluto prejuízo da autenticidade e fé pública que os actos notariais têm que merecer.
Um notário representará sempre o Governo, aponta, e isso é crucial para o desenvolvimento da sua profissão. “O exercício da função de notário privado, em Macau, terá sempre que ser aferida pelas exigências e regras de competência e credibilidade das funções dos Notários Públicos. Jamais nos poderemos esquecer que o advogado que é notário privado representa o Estado, a RAEM, e que, em nome desta, assegura o controlo da legalidade e que a vontade das partes está de acordo com a lei aplicável ao acto, dando garantia de autenticidade aos actos em que intervém, como depositário e afirmador da fé pública, a qual é uma prerrogativa exclusiva do Estado, da RAEM”, apontou.
Nessa medida, todas as exigências de controlo e fiscalização terão que ser admitidas relativamente a esses profissionais, mas “tão somente quanto aos actos e exercício das suas funções de notário”. “O advogado que confunda o exercício da sua profissão liberal com a de notário, ou que incumpra regras fundamentais do exercício de autoridade pública delegada, pondo em causa a fé pública dos seus actos notariais, deverá ser sancionado e impedido de exercer tais funções de natureza pública. Tanto pelo órgão público tutelar, como pela Associação de Advogados de Macau (AAM), porque o advogado terá incorrido também, nesse caso, em incumprimento de regras deontológicas da profissão”, reforça. neto valente

Números em destaque

Jorge Neto Valente explica ainda ao HM que a “AAM limitou-se a concordar com o Governo”. “Não sei quem são [os advogados que assinaram e entregaram a carta] mas desconfio que seja para proteger alguém em especial”. Para o advogado a argumentação, por parte dos assinantes da carta, de que a associação a que preside atribui multas com muita frequência, não é verdadeira. “Há muita gente que pensa que punimos pouco. Eu até acho que há penas que não são muito penalizadoras. Não acho que nos últimos dez anos tenham sido muitas”, explicou. Entre 2006 a 2016, houve 17 casos de sanções disciplinares, envolvendo nove advogados e um estagiário. Registaram-se ainda sete suspensões de exercício de actividade envolvendo cinco advogados e um estagiário a quem não foi atribuída idoneidade para a prática da profissão. “Se há sanções é porque os advogados fizeram asneiras”, reforça ainda Neto Valente.

Um ponto de partida

Para o advogado João Encarnação é preciso ver a questão de uma forma mais ampla. “Os requisitos para admissão ao curso de notário e à sua função têm de ser definidos em algum ponto, se é na pena de advertência, multa, censura ou suspensão, em alguma delas terá de ser. Obviamente que os advogados e notários praticam uma função essencial à sociedade, nomeadamente os notários têm determinadas responsabilidades que lhes exige um grau de idoneidade muito elevado. Tem de exigir confiança por parte do Governo, portanto é preciso estabelecer que pessoas que tenham um currículo disciplinar que não se coaduna com a profissão, não possam exercer essa função”, começa por apontar.
João Encarnação assume que não tem um “padrão” para definir esse ponto, porque a argumentação pode atribuir razões a várias possibilidades. “Teremos sempre razões para achar que [os limites ao curso] devem ser a partir da advertência, multa ou mesmo só para quem tenha sido suspenso. Eu diria que a multa é um meio termo, a advertência seria muito pouco, porque toda a gente se pode enganar e às vezes a advertência surge por um descuido ou um engano praticado pelo advogado. A suspensão só existe por actos bastantes graves. E no meio está a multa. No meio está a virtude e é capaz de não ser mal pensado”, argumentou, admitindo que não tem uma opinião inflexível.
O mesmo diz Pedro Leal, também advogado, que defende que “a generalização que é feita, qualquer pena acima da censura pode não ter a ver com a qualidade técnica do profissional”, algo que dependeria de cada caso. “Analisar caso a caso, para perceber qual a causa da censura, iria implicar um esforço muito grande, mas deveria ser feito, porque há casos em que este tipo de sanção poderá não estar ligado à qualidade.”

No mesmo saco

João Encarnação faz notar a amplitude da aprovação da proposta. É que estas alterações vão fazer-se sentir em todos os profissionais, ao contrário do que a população poderá pensar. “Isto é um requisito que se vai aplicar a todos os advogados. Também se aplicará a todos os que já estão em funções, embora só a penas que tenham sido aplicadas já depois da entrada da proposta em vigor. Mas, qualquer que seja a determinação do Governo aplicar-se-á a todos os notários, sendo que a mim também, por isso, posso afirmar que não me repugna que o limite seja a partir da multa, mas poderia ser a partir da suspensão. É uma questão de ver quais são os argumentos do Governo”, rematou.

20 Jun 2016

Hovione | Empresa vai expandir-se. Moradores do Edifício do Lago queixam-se do fumo

Numa altura em que a empresa do sector farmacêutico se prepara para entregar um plano de expansão ao Governo, os moradores da habitação pública na Taipa mostram-se descontentes com os fumos da fábrica. Hovione garante que não são tóxicos

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap]s moradores do Edifício do Lago, complexo de habitação pública na Taipa, estão preocupados com os fumos que diariamente saem das chaminés da Hovione, empresa local do ramo farmacêutico. Contudo, e segundo o canal chinês da Rádio Macau, a empresa descarta qualquer toxicidade dos fumos expelidos.
Eddy Leong, director-executivo da fábrica da Hovione, explicou que o fumo é oriundo “do sistema de abastecimento de gás”, sendo que nos dias em que os valores de humidade relativa no ar são mais elevados “é normal sair algum fumo branco”. “Passa-se o mesmo nos hotéis de luxo. Já apresentamos várias explicações junto do público e o Governo tem conhecimento disto”, referiu. Johnny Cheong, responsável pela parte de produção, referiu que é normal que o fumo contenha maus cheiro devido à utilização de alguns materiais, sendo que a Hovione faz testes antes da emissão dos fumos. Johnny Cheong também confirmou que os fumos não são tóxicos nem perigosos para a população.
O director-executivo frisou que é feita uma fiscalização rigorosa das instalações, sendo que a inspecção de segurança é feita por uma entidade de Hong Kong. A Hovione mantém ainda contactos estreitos com os Serviços de Protecção Ambiental (DSPA), enviando relatórios de forma regular ao Executivo, disse Eddy Leong.

Expansão em curso

A Hovione está entretanto a preparar a expansão da fábrica, tendo Eddy Leong confirmado ao canal chinês da Rádio Macau que o pedido está a ser feito ao Governo. A expansão será feita com recurso a um espaço vazio que a Hovione já possui, sendo que o processo tem vindo a ser pedido ao Governo desde 2001.
Eddy Leong explicou que tanto a produção como o número de trabalhadores têm vindo a aumentar nos últimos anos, pelo que a Hovione necessita de mais espaço. A empresa promete não pedir mais terrenos ao Governo, e planeia a abertura de mais laboratórios.
O director-executivo espera que a operação da Hovione possa continuar em Macau, pelo facto da maioria dos seus trabalhadores serem locais, afastando, para já, a hipótese de expansão para o interior da China. Eddy Leong referiu, contudo, que está aberto a outras localizações, esperando pelas condições que o Executivo irá oferecer no futuro. Segundo o website da empresa, a Hovione emprega cerca de 140 pessoas de Macau.

20 Jun 2016

Manuel Wiborg | Encenador, actor: “O teatro serve para fazer as pessoas pensar”

O actor e encenador português Manuel Wiborg esteve em cena ontem no Teatro D. Pedro V com “O jantar com o André”, peça que tem sofrido algumas peripécias e que aborda em si o pensar o próprio teatro e os seus actores

Como é que começou nos palcos?
Foi por acaso. Sou o oitavo de dez irmãos e os meus pais sempre cultivaram em nós o gosto pelas artes. Assistia às coisas que iam aparecendo novas em Lisboa desde a Pina Bausch ao François Truffaut. Os meus irmãos mais velhos pintavam, tocavam ou faziam artesanato , todos tínhamos um gosto pelas artes mas não no sentido profissional. Aos 17 anos no liceu também fiz a minha banda de rock com que estive cinco anos e demos vários concertos. Não éramos profissionais apesar de ganharmos já algum dinheiro com a música. Era também o vocalista e muito tímido. Dávamos os concertos mas achava que não fazia a performance que se deve fazer. Em 1988 surgem em Portugal os primeiros cursos de teatro apoiados pelos fundo social europeu. Frequentei um destes cursos, de dois meses, no Teatro Espaço, para me desinibir enquanto performer e cantor e é aí que me apaixono pelo teatro. Faço esse curso e aquilo começa a fazer mais sentido para mim.

Trocou a música pelo teatro?
Ser actor começou a fazer mais sentido do que ser cantor . Depois saltei para outro curso, entro para o conservatório, faço o primeiro ano e começo a receber convites para trabalhar o que fez com que o segundo ano tivesse três inscrições sem nunca o ter terminado. Comecei a trabalhar muito, tanto na televisão como no cinema. Comecei nas telenovelas na NBP, estive no nascimento dos Artistas Unidos, fiz parte do teatro da Malaposta e crio a minha própria companhia – Actores e Produtores Associados – em 97. Aos 40 anos fechei a companhia e agora sou freelancer. Desde 2008, a crise económica é grande e os subsídios são poucos mas lá vou fazendo as minhas peças.

As dificuldades de dar início a uma vida de artista são muito conhecidas, mas parece que no seu caso não se aplicam…
Na vida de um artista há sempre sorte. Ser bom ou mau nestas coisas é uma coisa relativa, porque depende da opinião de quem financia e do público. Essa é a fragilidade de um artista porque não se sabe se vão gostar do nosso trabalho ou se vai ser comprado. Mas a sorte cria-se, como diz o ditado “a sorte favorece os audazes” é preciso ser audaz também. Sempre fui uma pessoa muito disciplinada no trabalho, sempre trabalhei muito exactamente porque sei que é uma profissão de grande risco. Gosto muito dela e gosto de fazer as coisas à minha maneira e por isso senti a necessidade de criar a minha própria companhia para poder escolher com quem queria trabalhar. Acho que também sou um privilegiado.

Que conselho deixaria a esta gente nova que se está a ver “aflita”?
A única coisa que posso dizer é que não fiquem em casa à espera que os chamem para trabalhar. Esse é o grande problema dos actores: ficarem à espera que os chamem. Eu comecei como actor e tive a curiosidade de também fazer um curso de produção para aprender um bocadinho sobre isso e fiz o meu próprio projecto. Umas vezes batemos em portas e levamos negas, outras nem por isso. O conselho é esse, não podemos ficar á espera. Temos que perceber o que queremos fazer no teatro porque há muito teatro diferente. Temos que nos conhecer neste meio e perceber o que é o nosso gosto. Isso não é evidente nem surge de repente, vai-se aprendendo e refinando e temos que lutar por isso. wiborg1.sofiamota

Como é que apareceu esta peça que traz a Macau?
O interesse nasceu em 2002 quando ainda tinha a companhia. Achei na altura uma peça muito interessante mas não a produzi logo porque achava que não seria o momento mais pertinente para a fazer. Em 2013 quando o teatro começou a ser menos convencional e começaram a aparecer muitas coisas também ligadas à performance é também quando começa a aparecer um debate mais ligado ao próprio teatro. Ao observar esse fenómeno que acontecia em Portugal, e julgo, em todo o mundo, é que esta peça começou a fazer sentido.
A peça é um jantar entre dois artistas. Um, é um encenador de grande sucesso mas que chega a um determinado momento da vida e começa a colocar-se questões existenciais por achar que o que faz já não faz sentido. Abandona o teatro e vai em busca do desconhecido à procura de um sentido da vida e do teatro. O outro é um tipo que não tem dinheiro, um dramaturgo que não consegue vender as peças que faz e que também é actor para poder ganhar a vida. São dois artistas e actores muito diferentes mas que são amigos porque os dois pensam o teatro e colocam-no em causa. Numa altura em que se fazia isso em Portugal, fez-me sentido fazer a peça.

Era previsto “O meu jantar com o André” ser com o Diogo Dória…
Esta peça é uma grande história. Estreei-a em Novembro de 2013 no Teatro Taborda e inicialmente foi feita com o actor António Filipe. Entretanto, em 2015, tivemos um apoio à internacionalização mas o António adoeceu com um cancro quando já tínhamos agendado ir, em Abril, aos Estados Unidos e vir cá em Junho. Queira manter o António, adiei as apresentações internacionais para ver se ele recuperava e a podia fazer. A DGArtes dá-me um adiamento de seis meses, mas não foi o suficiente para poder tê-lo de volta. Solicito novo adiamento de mais seis meses e chamo o Diogo Dória para fazer a substituição. O texto é muito grande e muito complexo e demora muito tempo a decorar. Nos Estados Unidos fizemos uma leitura encenada mas prevíamos que aqui já apresentássemos o espectáculo acabado. O Diogo teve dificuldades em decorar o texto, acho que foi por isso, e de um momento para outro penso que por estar muito nervoso e inseguro , a uma semana de virmos para Macau, diz-me que não quer vir. Fiquei completamente em choque porque tenho os compromissos com uma série de instituições mas não podia fazer nada em relação ao Diogo. Liguei para Macau a saber se era possível fazer um espectáculo ainda não acabado. Disse à Ana Paula Cleto que dadas as características do espectáculo não se perderia muito em fazer uma leitura encenada em vez de uma peça acabada. Desde que a história se ouça bem as pessoas ficariam presas à peça e entrariam bem dentro da cabeça dos personagens. A Ana Paula achou que sim e pronto. Chamei o João Vaz e cá estamos. Perguntei também ao João se conseguiria decorar o texto em um mês e dez dias para que o levemos completo ao Porto , onde não pode ser uma leitura encenada. Ele disse que sim e já está também a trabalhar nisso .

Não tem receio de que desta forma desiluda o público que aqui o veio ver?
Depende das expectativas do público. Mas não sei bem responder a isso. Julgo que não, desde que a leitura seja muito bem feita e se entenda bem. Penso que as pessoas não se sentirão muito defraudadas se ouvirem esta peça e se entrarem dentro da cabeça dos personagens. Mas claro que quando dizemos que é uma leitura encenada e não um espectáculo as pessoas ficam a pensar que é menos. Mas não quer dizer que seja porque esta peça vive muito da audição do texto.

Conseguem contracenar tratando-se de uma leitura?

Sim. Quer dizer ele não poderá olhar muito para os meus olhos porque tem que olhar para o texto e isso perde-se mas estamo-nos a ouvir e a contracena passa muito por aí. E o ouvir é fundamental. Isso é a principal contracena.

Como escolhe as peças que faz?
Gosto de fazer peças sobretudo por duas razões. Uma é o que é que elas me dizem a mim, ou seja, muitas peças que encenei e em que era protagonista eram escolhidas porque gostava daquele papel. Outra das razões é conforme o que se passa no mundo, na sociedade e na arte, achar que determinado texto faz sentido ser levado naquele momento a cena.

Fazer teatro televisão ou cinema, tudo a mesma coisa?
É exactamente como se eu tivesse três filhos. Gosto dos três e tenho que trocar a fralda aos três, porque esse é o mercado de trabalho de um actor. Mas há sempre um que se gosta mais que o outro, mesmo que isso não seja politicamente correcto. De facto, gosto mais do teatro porque tem a grande diferença de ser ao vivo, não há cortes. Aqui está-se em directo com o espectador. Sente-se a vibração do público e isso dá uma outra maneira de estar e mexe connosco a nível de energia. O actor muda em função desse feedback. Essa relação energética, abstracta enublada que não sei definir é realmente uma coisa completamente diferente.

Para escolher as personagens e as peças que faz, qual o critério?
Porque gosto e porque me identifico. Nas personagens cativa-me o que são e o que dizem. Identifico-me com o que aquele personagem representa. Esse é o meu critério. Outro é porque acho que o que a sociedade está a viver tem a ver com aquele texto. O teatro serve para isso. Para fazer as pessoas pensar.

Como assim…
A arte no seu sentido mais essencial tem a haver com generosidade. A arte muda o mundo, muda as pessoas e serve para isso. Os artistas além de um ego forte têm que não se sentir confortáveis no mundo em que vivem, têm que inventar um novo mundo. Sinto isso, que vivo mais harmoniosamente no mundo da arte do que no real. Há também a necessidade de comunicar alguma coisa que sentimos no nosso íntimo e que não podemos fazer na vida real. Há quem diga que representamos na vida real porque estamos dentro de convenções e não podemos andar na rua a dizer tudo o que pensamos. O que o palco tem de fantástico é que ali posso ser absolutamente verdadeiro. Posso fazer e dizer o que me der na cabeça porque é um espaço sagrado e estou defendido. Ninguém me pode atacar por isso. Até posso fumar!

Primeira vez em Macau…
Em Macau e na China. O mais oriente que estive foi em Moçambique e ainda não tive oportunidade de conhecer Macau. Mas estou a gostar porque gosto muito de outras culturas. Aqui ainda estou a descobrir o que é isto e a tentar usufruir um bocadinho disso. Ainda não sei se as culturas diferentes que aqui vivem coabitam em harmonia ou não, mas deve haver quem viva e quem não viva.

Também tem ADN de outras culturas…
Sim e desde pequenino que sinto isso. Aliás acho que o meu gosto pela miscigenação e por outras culturas tem muito a haver com isso. O meu bisavô era norueguês e apaixonou-se por uma portuguesa. Não o conheci mas conheci a filha, a minha avó. Mas sempre senti que tenho aqui uma coisa diferente do português comum. Sou um português e sinto-me como tal mas acho que tenho uma costela de uma coisa que é nórdica.

Em que sentido?
Digamos que os nórdicos pensam mais à protestante e os portugueses à católico. O protestante é mais responsável pelos seus próprios actos e o católico tem sempre o perdão de Deus. Tenho um bocadinho dos dois.

20 Jun 2016

Função Pública | Funcionários falam de ambiente de medo e pressão

Um ambiente de medo e pressão. É assim que alguns funcionários públicos relatam o seu dia-a-dia. Chefes inflexíveis que só ouvem “amigos” prejudicam um local que deveria ser bom. Com consequências graves, é a estabilidade da família que os faz ouvir e calar

[dropcap style=’circle’]É[/dropcap] inegável. Trabalhar na função pública parece ser bastante bom. “Na nossa cultura é normal querermos ir trabalhar para o Governo. Os nossos pais passam-nos essa ideia, que trabalhar na função pública é mais estável, ganhamos mais dinheiro e não há muitos riscos. Não temos de trabalhar muito”, diz-nos Weng, jovem residente de Macau, que, como tantos outros, anseia o momento da publicação dos resultados da candidatura para a função pública. Tem 23 anos e não quer fazer outra coisa. “Quero trabalhar no Governo”, reforça.
Como ela, “quase todos” os seus amigos seguem-lhe os passos. A própria Weng está a fazer aquilo que muitos outros também fizeram. Mas será assim tão bom trabalhar na função pública? Um salário chorudo, horário fixo e leveza na densidade de trabalho serão motivos suficientes para dizer que este é o melhor emprego do mundo?
“É horrível! As pessoas não imaginam o que é trabalhar nos departamentos do Governo. Basta ir perguntar às pessoas, é normal que ninguém queira falar, mas as famílias, a sociedade sabe: não é bom trabalhar na função pública”, responde Ku, funcionário público há 10 anos, que prefere ocultar o departamento onde trabalha.

Silêncio, por favor

Ku começa por explicar que “nem todos os departamentos são maus” mas a realidade mostra que em “quase todos” os sectores registam casos de “abuso de poder”.
“O que reina, entre os funcionários, é o medo. Não podemos dizer nada, não nos é dada a hipótese de expormos as nossas ideias, darmos as nossa opiniões. Já para não falar das queixas. Se o fazemos sofremos consequências, já todos ouvimos histórias dessas e muitos de nós já sentiram as consequências na pele”, continua, afirmando que o próprio é um exemplo disso.
“O meu trabalho é bastante metódico. Escrevo muitos documentos. O nosso sistema informático é antigo, e não há vontade de actualizar, temos de trabalhar com o que há. Não é raro na escrita as vezes darmos erros, normalmente os softwares dão aviso de erro. O nosso não, portanto torna-se ainda mais comum que os documentos possam ter, por vezes, alguns erros. Aconteceu-me comigo, várias vezes. E com os meus colegas. Éramos constantemente repreendidos por uma coisa que podia ser facilmente resolvida. Resolvi apresentar uma sugestão à direcção para instalar um dicionário no nosso software e resolver o problema”, recorda o funcionário público.
A sugestão não foi bem vista pelas chefias que sem tolerância perante o funcionários decidiram atribuir-lhe um castigo, por este ter admitido que errou outras vezes. “Fui castigado, tiraram-me três dias de vencimento alegando que eu tinha errado. Não ouviram a minha sugestão e continuam a acontecer erros. Isso nota-se, por exemplo, nos comunicados à imprensa, ou em qualquer outro documento interno”, aponta, frisando que “fazer o bem quando se têm um chefe que se acha superior e perfeito não adianta”. “É melhor estar calado e deixar a máquina andar sem condutor”, lamenta.

Pressões e tragédia

Com a equipa do HM estão 10 funcionários públicos. Todos eles com relatos mais ou menos graves. O pior caso é a de uma jovem funcionária pública, contada pela boca de Lao, colega de trabalho da vítima. “É muito vulgar os superiores hierárquicos ralharam de forma indiscriminada. Por tudo e por nada, com ou sem razão. A nossa colega estava grávida e todos os dias era alvo de berros e a fúria do chefe. Todos os dias eram berros e mais berros. Muitas vezes lá ia ela para a casa-de-banho chorar. Um dia depois de uma sessão de berros foi para a casa-de-banho uma vez mais, mas demorou muito. Fomos ver o que se passava, estava desmaiada no chão. Infelizmente perdeu o bebé”, relata.
O silêncio invadiu a sala e as caras não pareceram surpresas. “Há muitas histórias como esta”, remata, Cheong, funcionário público com mais de 30 anos de serviço. Leong acrescenta que “seja homem ou mulher, um dia todos cedem e acabam por chorar, de nervos ou de estar farto”.

Amigos à parte

Leong relata ainda situações em que o chefe se torna “altamente inflexível”. “Nós que trabalhamos no terreno sabemos mais do que eles [chefes] e como vamos dar uma opinião ou uma sugestão se eles são inflexíveis? Não querem ouvir? Só se for amigo da pessoa, ou filho de alguém importante”, aponta.
Uma postura de chefe e nunca de líder, os funcionários descrevem um ambiente de pressão laboral. “Todos os dias vamos para o trabalho com medo. Se erramos vamos ouvir berros, é-nos tirado parte do ordenado”, partilha.
Questionados sobre uma possível mudança de trabalho, olham-nos com ar de surpresa. “Não há ordenados como na função pública. Como vamos alimentar as nossas famílias?”, responde Lao.

O “2 5”

Falar para a comunicação social é sempre “um grande problema” e a participação na vida social e política é melhor manter bem longe. Quase todos tinham marcado presença em pelo menos uma manifestação do 1º de Maio. Recordam o ano em que muitos foram de máscaras. “Sabemos que temos consequências se formos para as manifestações”, frisa Leong. Muitas vezes concordam com o que leva as pessoas à rua, mas é melhor ficar a ver, ao longe, para garantir a renovação do contrato de trabalho.
Pior que é isso é método “espião”, mais conhecido por “dois (2) cinco (5)”. “Ás vezes em jantares de trabalho e convívios há um espião, o dois cinco, enviado pelos chefes para tentar saber coisas. Nós pensamos que estamos num ambiente de amigos e até podemos desabafar sobre qualquer coisa, ou criticar os chefes e o espião vai contar tudo. Temos sempre de ter cuidado. Depois fazem-nos a vida negra”, conta um dos funcionários que preferiu não ser identificar.

Influência chinesa

Questionados sobre as possíveis diferenças entre a governação antes e depois da transferência da soberania, aqueles que trabalharam nos dois sistemas não têm dúvidas: “era muito melhor”.
“Com os portugueses podíamos debater assuntos, dar opiniões, havia estímulo, agora não, é mais estilo chinês, ordem e respeito ao chefe”, apontou um dos funcionários que conta com mais de 32 anos de serviço.
Questionado sobre as acusações António Katchi, ex-funcionário público, jurista e docente de Administração Pública no Instituto Politécnico de Macau (IPM), fundamenta a possível mudança de comportamento.
“Depois da transferência do exercício da soberania, Macau continuou a ter um regime político local formalmente semelhante, mas subordinado agora a um regime político nacional estalinista putrefacto, o qual reforçou aqui o poder da sua velha parceira de negócios, a oligarquia local. Tendo em conta este pano de fundo, creio podermos considerar compreensível – o que não significa “aceitável” – a evolução negativa que se registou, quer na faceta liberal do regime político de Macau – que está permanentemente sob ameaça e sofre frequentes facadas -, quer no ambiente interno da função pública”, afirmou ao HM. [quote_box_right]“Ás vezes em jantares de trabalho e convívios há um espião, o dois cinco, enviado pelos chefes para tentar saber coisas”[/quote_box_right]Com a transição o ensino primário e secundário continuou a ser “esmagadoramente dominado por escolas privadas diversas obediências, qual delas a mais conservadora: escolas católicas, escolas protestantes, escolas pró-Pequim, escolas pró-Taipé. Muitos dos alunos saídos dessas escolas foram estudar para universidades da China continental e de Taiwan (e recordemos que Taiwan vivia sob uma ditadura militar fascista até ao início dos anos 90)”.
“Ora, é deste caldo político-cultural que saíram muitas das pessoas que, a partir dos anos 90, começaram a ser apressadamente içadas para os altos cargos da Administração Pública, no âmbito do processo conhecido como ‘localização de quadros’. Algumas outras eram mesmo oriundas da China continental e, de entre estas, uma ou outra vinha directamente das fileiras ou do submundo do Partido ‘Comunista’ Chinês. Estes novos dirigentes, normalmente muito jovens e cheios de vontade de impor a sua autoridade a pessoas mais velhas, mais experientes e amiúde mais qualificadas, vieram substituir pessoas oriundas de Portugal, de onde vinham imbuídas, em maior ou menor grau, dos valores que se tornaram dominantes em Portugal após a Revolução de 1974. A tudo isto acresceu uma especial admiração do primeiro Chefe do Executivo, Ho Haw Wah, por vários aspectos – em geral, os mais negativos – do regime político e da Administração Pública de Singapura. Essa sua admiração, pelos vistos partilhada pela então Secretária para a Administração e Justiça, inspirou o Governo a iniciar uma política indiscriminada de “formação” de funcionários públicos, sobretudo de pessoal de direcção e chefia, em Singapura. Foi como se o farol da Administração Pública de Macau tivesse passado de Portugal para Singapura”, argumentou.

Para nada

As diferenças são então inegáveis, como por exemplo, no apoio à formação. Cheong conta que ele e os seus colegas são obrigados a frequentar formações que em nada lhes são úteis e, sempre, em horários pós laboral.
Este é também um dos exemplos que António Katchi partilha. “(…) Nos anos 90, [os] dirigentes encaravam muito positivamente a decisão dos trabalhadores de tirarem um curso de licenciatura e faziam o possível, dentro dos limites da lei e tendo em conta as necessidades dos serviços, para lhes facilitarem essa acumulação do trabalho com os estudos. A maioria dos actuais magistrados, quer judiciais, quer do Ministério Público, e muitos dos titulares de altos cargos na Administração Pública, beneficiaram desse encorajamento e dessas facilidades. Após a transferência do exercício da soberania, os novos governantes e muitos dos dirigentes da Administração Pública passaram a tentar barrar a ascensão educacional e profissional dos trabalhadores da Administração Pública: não só deixaram de os encorajar, como passaram a dificultar-lhes o estudo por diversas formas – impondo-lhes a prestação frequente de trabalho extraordinário, obrigando-os a frequentar cursos de “formação” inúteis ou de fraca utilidade para o serviço, impedindo-os de sair do serviço um pouco mais cedo para poderem comer e chegar às aulas a tempo e horas, proibindo-os de estudar no local de trabalho mesmo quando não têm nada para fazer, entre outros – , chegando mesmo ao ponto de violar direitos consagrados na lei, como as faltas para exame”, relata.

Mecanismo a caminho

Em reacção, o director dos Serviços de Administração e Função Pública, Kou Peng Kuan garantiu que “criar um bom ambiente de trabalho para os trabalhadores da função pública foi desde sempre uma preocupação do Governo”, daí o Executivo ter apresentado uma proposta para a criação de um mecanismo de tratamentos de queixas dos trabalhadores.
“Este mecanismo serve para fomentar o diálogo entre os trabalhadores e os serviços, resolver atempadamente os eventuais desentendimentos e conflitos entre as partes, criando, deste modo harmonia no ambiente de trabalho”, continuou.
O director explica ainda que o mecanismo prevê a criação de uma entidade imparcial, uma comissão, que “vai acompanhar o resultado do tratamento dos serviços das questões apresentadas pelos trabalhadores, com o objectivo de garantir a justiça e a imparcialidade no tratamento das queixas, e determinar que o trabalhador não pode ser prejudicado em virtude de ter apresentado queixa”.
Compete aos SAFP a formação de recursos humanos para essa averiguação. “O SAFP vai proporcionar formação e orientações aos trabalhadores dos serviços públicos responsáveis pelo tratamento de queixas assegurando um tratamento adequado das queixas, para que, desta forma, seja implementado o mecanismo de queixas e criado um bom e harmonioso ambiente de trabalho”, explicou o director.
“Quer dizer, é o próprio serviço que está a ser acusado que trata da queixa, ou que pede a alguém para tratar da queixa? Não, isto está errado. Este mecanismo de queixas tem que ser efectuado por outra entidade, uma de confiança. Que garanta a segurança do trabalhador. É preciso justiça. O que tem acontecido em Macau, nos seus serviços públicos, é que muitas vezes, quando há um problema a ser analisado, os directores já sabem o que vai acontecer, qual a decisão. Dizem que estão a avaliar mas não”, reagiu Cheong, trabalhador. [quote_box_left]“O que reina, entre os funcionários, é o medo”[/quote_box_left]
Com ou sem mecanismo, no fim, aponta, os mais prejudicados são os cidadãos. “O medo reina na função pública. Eu admito, se vir alguma coisa a acontecer a um colega de trabalho, nunca serei testemunha dele. Tenho medo de represálias e de perder o emprego. Temos medo, temos medo. Quem sofre mais são os próprios cidadãos. Se nós prestamos mal o serviço, como é que vai chegar à sociedade? Pior! O que acontece é que dados errados e informações incorrectas são atribuídas aos cidadãos por causa de todos estes erros e falhas no sistema”, rematou Cheong.

ATFPM recebe 50 queixas por dia

José Pereira Coutinho, presidente da Associação dos Trabalhadores da Função Pública de Macau (ATFPM), não se mostrou admirado quando confrontado com os casos. “É o prato de cada dia”, afirmou. A associação que dirige, conta, recebe “uma média de 50 casos por dia”. “Os trabalhadores da função pública sofrem muitas pressões desnecessárias, deixou de existir um diálogo honesto de olhos para olhos entre superiores e inferiores. A maioria dos trabalhadores são considerados como máquinas. Isto resulta pelo facto de que as pessoas escolhidas para cargos de direcção, e chefia, terem sido escolhidos sem preparação. Isto porque são, normalmente, amigos de amigos”, acusa. Em reacções ao mecanismo a ser criado, Pereira Coutinho não tem dúvidas: “é inútil”.

17 Jun 2016

Cartório Notarial | Santa Casa propôs renda mais baixa ao Governo

António José de Freitas, provedor da Santa Casa da Misericórdia, confirma que chegou a propor ao Executivo uma renda de 800 mil patacas, uma redução de 40%, para o espaço onde ainda se situa o Cartório Notarial, mas não voltou a ser contactado

[dropcap style=’circle’]O[/dropcap] provedor da Santa Casa da Misericórdia (SCM), António José de Freitas, já tinha proposto uma redução da renda do rés-do-chão da SCM, onde funciona o 1º Cartório Notarial. Ao HM, António José de Freitas referiu que propôs uma redução do actual valor de 1,2 milhão de patacas para 800 mil patacas mensais, ou seja, menos 40%.
“Falei com a Secretária para a Administração e Justiça, Sónia Chan, num evento informal, e disse que a irmandade estaria disposta a reduzir a renda, caso o Governo tivesse intenção de continuar com o espaço. Mas esta intenção da SCM caiu em saco roto, até que, há dois dias, soube pela comunicação social da retirada do 1º Cartório Notarial. A SCM nunca foi tida nem achada. Também abordei o assunto com o Chefe do Executivo (Chui Sai On). Falei-lhe para reconsiderar a decisão, uma vez que a irmandade tem arrendado o espaço aos vários governos de Macau como cartório. É um espaço pioneiro para este tipo de serviços prestados à população”, disse António José de Freitas ao HM.
Com esta decisão, não são apenas as finanças da instituição que ficam afectadas. “Para além (da saída do cartório) representar um rombo às receitas da SCM, representa um menosprezo total pela história e tradições de Macau. Do ponto de vista da irmandade da SCM perdemos a confiança para com o Governo, porque não estamos a brincar. Temos a cargo responsabilidades para com a sociedade. Estamos a pagar mensalmente acima de dois milhões de patacas para salários do pessoal que trata de idosos, crianças e cegos. É um golpe muito forte e duro para as nossas receitas”, acrescentou.

De pé

O provedor lembra que a SCM sempre foi uma entidade que serviu sobretudo a comunidade chinesa e as suas necessidades. “A SCM vai continuar a existir e não é com o fim desta renda que vai acabar. Enquanto provedor vou fazer tudo para que se mantenha viva a instituição, que nasceu quase ao mesmo tempo que Macau e que é a única sobrevivente em toda a Ásia”, concluiu.
Em comunicado, a Direcção dos Serviços para os Assuntos de Justiça (DSAJ) já confirmou que esta foi uma saída ponderada e que na zona norte o Governo não terá necessidade de pagar renda pelo espaço.

Coutinho diz que saída do Cartório se deve a símbolos portugueses

José Pereira Coutinho, na qualidade de conselheiro do Conselho das Comunidades Portuguesas (CCP), disse ao HM que a saída do 1º Cartório Notarial das instalações da SCM se deve à presença dos símbolos portugueses no edifício. “O Governo tem de ser mais transparente e apresentar uma razão mais fundamentada. Algumas pessoas que estão no poder não gostam do edifício da SCM porque mantém sinais de colonialismo (é o único edifício que em Macau cujo frontão ostenta ainda as quinas de Portugal). Deve ser uma razão forte para o Governo retirar de lá um serviço público”, disse Coutinho ao HM. 17616P7T1
“Algumas das associações tradicionais e alguns extremistas radicais do Governo têm inveja do prestigio e da credibilidade da SCM, porque nunca foi um órgão subalterno do Governo que quer controlar tudo. Algumas associações tiveram que se render devido à falta de recursos financeiros”, acrescentou. “Se assim for lamentamos que ainda existam extremistas radicais que pensam desta maneira, o que em nada abona para a ligação das várias comunidades”, destacou.
António José de Freitas não confirma que esta possa ser uma das razões, mas recorda-se das pressões que sentiu após a transição. “Recebi várias chamadas de pessoas anónimas a reclamar a ostentação de símbolos portugueses na fachada e diziam-me que não deviam lá estar as armas de Portugal. Falei com o dr. Edmund Ho (ex-Chefe do Executivo) sobre isso, que me disse para não levar isso em conta pelo facto da irmandade da SCM existir há muito tempo. E o assunto ficou por aí, nunca mais ninguém reclamou”, disse.

Marreiros não acredita

Carlos Marreiros, que foi provedor da SCM antes de António José de Freitas, diz não acreditar nesta possibilidade. “Não acredito, mas a confirmar-se tenho de me mostrar muitíssimo preocupado e triste, porque está em causa a milenar amizade luso-chinesa. Caso seja essa razão pode-se tornar num incidente diplomático, o segundo sistema está a ser posto em causa e a população tem toda a razão para se insurgir e vir para a rua. Isto não afecta só a população lusófona mas também a chinesa, porque há muitos chineses que estão em Macau porque acreditam no segundo sistema”, referiu.
Marreiros adiantou ainda que o Governo poderia abrir um novo cartório notarial na zona norte sem transferir o actual. “A população está a crescer e vão ser necessários mais cartórios. Se é preciso um novo cartório não é necessário fechar um que funciona bem”, concluiu.

Indignação nas redes sociais

Uma breve visita a páginas do Facebook ou fóruns online permite chegar à conclusão de que a saída do 1º Cartório Notarial está a gerar muitas dúvidas junto da população. “Uma doação de 100 milhões para a China é pouco, mas uma renda anual de 14 milhões que vai para os residentes não é, quem é que o Governo serve afinal? As zonas do centro e sul têm falta de instalações”, lê-se num comentário na página de Facebook da publicação Macau Concelears, fazendo referência à doação feita à Universidade de Jinan. “A entidade vai ser prejudicada porque não tem fins lucrativos. A saída deste cartório é porque o Governo tem recebido queixas sobre os gastos com as rendas de escritórios”, lê-se no fórum iDREAMx.

17 Jun 2016

Notários privados | Advogados contra propostas do Governo

O Governo quer, mas os advogados não concordam. A 2ª Comissão Permanente recebeu uma carta dos profissionais que apresenta uma postura contra as limitações ao concurso para notários. Kwan Tsui Hang quer mais explicações

[dropcap style=’circle’]A[/dropcap]o todo são 23, os advogados que assinaram uma carta, entregue à 2ª Comissão Permanente, presidida por Kwan Tsui Hang, que mostra uma posição contra as condições propostas para as alterações ao Estatuto dos Notários Privados.
Em causa está a alteração avançada pelo Governo de colocar uma barreira na candidatura ao cargo de notário a todos os advogados que tenham sido condenados com pena disciplinar acima da censura.
Há advogados que estão contra a alteração por entenderem que foram multados com frequência pela Associação dos Advogados. Kwan Tsui Hang explica, em declarações à Rádio Macau, que “quando se trata de uma pena de advertência ou de censura, as pessoas podem candidatar-se ao curso de formação de notários privados. Mas acima de censura, se for multa, já não podem. Segundo esta carta, há muitos casos de multa a advogados. Por isso, quando se impõe esse requisito, não é tão adequado”.
Os dados oficiais, avançados pelo Governo, dizem que em dez anos, entre 2006 e 2016, houve 17 casos de sanções disciplinares, envolvendo dez advogados, um deles, estagiário.

Mais esclarecimentos

Em reacção, a Comissão pediu mais informações, pedindo ao Governo para revelar a razão das sanções disciplinares, percebendo se foram justas ou não. “Sabemos que o exercício de funções de notário privado requer o cumprimento de certas regras de deontologia. Há advogados que nunca foram penalizados e outros que foram. Temos de ver porquê”, explicou Kwan Tsui Hang.
Actualmente existem 57 notários, sendo que o último concurso de formação de notários privados foi aberto há 13 anos. Tal como confirmou Kwan Tsui Hang no início desta semana, o Governo não sabe quantas vagas irá abrir, nem quando acontecerá o concurso. Além da ausência de sanções disciplinares graves, a proposta do Governo limita o exercício da profissão aos advogados com mais de cinco anos de experiência.

 

17 Jun 2016

Lusofonia | Semana de Moçambique na RAEM está aí

Moçambique está quase a celebrar a sua independência e assinala a data com uma semana de gastronomia para “promover um encontro povo a povo”, explica o cônsul do país na RAEM. Para já, são apenas 50 os moçambicanos em Macau mas o diplomata espera que no futuro mais possam vir

[dropcap style=’circle’]M[/dropcap]oçambique celebra a independência dia 25 mas as celebrações já começaram com a organização de uma semana gastronómica.
Para Rafael Marques, cônsul geral do país no território, “as relações entre Moçambique e Macau são excelentes”.
A presença no Fórum de Macau é vista como crucial para as relações bilaterais com a China mas também como uma oportunidade para impulsionar a cooperação com a própria RAEM.
Segundo Rafael Marques, Moçambique tem beneficiado no âmbito dos diversos protocolos assinados, nomeadamente na área do turismo e da tributação fiscal evitando a taxação dupla.
A participação de moçambicanos em diversos colóquios e acções de formação do Fórum de Macau é outro dos pontos que o cônsul de Moçambique considera relevantes.
“Temos tido diversos bolseiros nas universidades de Macau e até cooperação na área da comunicação com o treino de quadros da televisão de Moçambique na TDM”.
Na perspectiva do cônsul, também a China tem beneficiado desta aproximação especialmente no âmbito das trocas comerciais, “que têm sido substanciais”, com diversas empresas chinesas a investirem no país.
“Há vantagens e benefícios mútuos”, garante o diplomata que desvaloriza
a instabilidade política no país pois “não tem afectado o investimento estrangeiro” até porque “é localizada na zona centro e o governo está a trabalhar a todo gás para resolver pelo diálogo”.

Mais moçambicanos

Entre estudantes, trabalhadores e corpo diplomático existem apenas 50 moçambicanos registados no consulado. Um número que o cônsul não se importaria de ver aumentado até porque não têm tido dificuldades na obtenção de vistos.
“Quanto mais moçambicanos mais experiência se colhe em Macau, especialmente na área do turismo que está bem desenvolvido”, explica Rafael Marques, adiantando mesmo que “é uma boa ideia virem para aqui mais moçambicanos para ganharem experiência com os locais”.
A possível vinda de mais nacionais para o território será, então, um processo normal faltando “mais divulgação das oportunidades que Macau oferece”, ainda numa fase precoce pois, explica, “o consulado é recente”, mas, acredita, “com o tempo e a circulação de pessoas, mais ficarão a saber e poderão vir à procura de oportunidades”.

Conquistar pelo estômago

A semana de divulgação que agora começa vai ser essencialmente dedicada à gastronomia.
“Trazer os sabores do país. Será um encontro povo a povo”, explica Rafael Marques que não vê com maus olhos a fundação de um restaurante moçambicano no território.
“As perspectivas estão abertas e, se alguém quiser enveredar por esse caminho, terá todo o apoio do consulado e do governo moçambicano”, garante.
No curto prazo, o cônsul espera “utilizar cada vez mais Macau como plataforma de cooperação com a China” e que mais empresas do território invistam em Moçambique.

17 Jun 2016

A doença e a virtude

[dropcap style=’circle’]O[/dropcap]s cem milhões de patacas que a Fundação Macau doou à Universidade de Jinan saíram do bolso da população mas estão a custar cada vez mais caro ao Governo. Em causa está, uma vez mais, a sua imagem, a sua transparência e, sobretudo, os critérios de transferência de dinheiros públicos. Numa palavra, a sua credibilidade e virtude (德 de), conceito tão caro ao actual presidente chinês.
Poderão não ter violado a lei. Mas que lei é essa e quem a fez? E de que modo essa mesma lei facilita este tipo de “transferência”, com a mera aprovação daqueles a quem, de algum modo, se destinava?
A população, claramente, não gostou. A manifestação, organizada pela Associação Novo Macau, contou com cerca 3000 pessoas. É significativo para a RAEM. Sobretudo se tivermos em conta o grau de educação dos participantes, bastante mais elevado, em média, dos que participam na marcha do Ou Mun. Ou seja, pessoas com que Pequim tem de contar no futuro. É bom dar-lhes razões para virem para a rua gritar? Parece que não.
Não satisfeitos com a gritaria, as forças de segurança resolveram intimidar os organizadores da manifestação, fazendo-os comparecer na esquadra para prestar declarações e, eventualmente, encontrarem um modo de os acusarem de desobediência. Do lado da ANM, devem ter batido palmas. Ninguém poderia pedir melhor publicidade. Lá voltaram a Universidade de Jinan, os cem milhões, os curadores da escola, o pessoal da Fundação Macau e as acusações de perseguição política para as páginas dos jornais, para as rádios, para a televisão e, sobretudo, para as redes sociais, onde este Governo e a oligarquia que o rodeia é tratado com notável pouca consideração.
Ao invés de enterrarem o assunto, as autoridades de Macau, num arguto movimento, fazem questão de o trazer de novo à superfície. Se o haviam de fazer esquecer, empenham-se em relembrá-lo a toda a gente. Houve desobediência? Dos manifestantes? A sério? Soubesse a ANM organizar-se e tinham tido 500 pessoas a acusarem-se ontem, na mesma esquadra, do mesmo crime dos organizadores. Desta vez, estes esqueceram-se de carregar no botão…
Um dos problemas é que a ANM mudou. Ng Kuok Cheong e Au Kam San são hoje o que pode chamar de “democratas gordos”. Mexem-se pouco, é-lhes difícil actuar. Na sua história têm muito de protesto contra a falta de democracia mas, raramente, colocaram em questão os interesses da oligarquia ou fizeram-no de forma suave e pouco eficaz. Ou não percebiam o que estava realmente em jogo ou fingiam não perceber.[quote_box_right]“Gostará Pequim de arriscar tanta insatisfação, tanta desarmonia, tanta tinta a escorrer, tanta língua a dar a dar, tanta contestação, aparentemente desnecessária, na terra dos milhões?”[/quote_box_right]
Os novos líderes parecem ser de outra loiça. Daquela que se parte no choque com os que querem legislar e governar de acordo com o boletim meteorológico do seu mercado e, nesse sentido, pressionam sem maneiras o Governo. Passando as ditas “causas fracturantes” (cuja resolução, aliás, seria um sinal de progresso para a RAEM) para Jason Chao, outros poderão tratar do que realmente interessa à população, criando algum mal-estar em certos meios. Que força realmente terão é difícil de dizer. Tal dependerá da conjuntura, talvez de mais um extraordinário evento. Mas gostará Pequim de arriscar tanta insatisfação, tanta desarmonia, tanta tinta a escorrer, tanta língua a dar a dar, tanta contestação, aparentemente desnecessária, na terra dos milhões?
Também graças aos esforços das autoridades, o caso dos cem milhões doados à Universidade de Jinan teima em não desaparecer. É um caso perigoso. Está colado ao modo como por aqui se governa como uma doença má. Veremos até que ponto este corpo governativo a consegue rejeitar e com que cara lhe sobreviverá.

17 Jun 2016