Pequim | Chui Sai On traz recados para dirigentes do Governo

De dedo bem esticado: terminadas as reuniões da Assembleia Popular Nacional e da Conferência Consultiva Política do Povo Chinês, o Chefe do Executivo trouxe um recado sério dirigido às chefias locais: “descentralização do poder” e “combate à corrupção”

[dropcap style≠’circle’]N[/dropcap]uma altura em que o antigo procurador da RAEM, Ho Chio Meng, responde em tribunal pela acusação da prática de mais de 1500 crimes, Chui Sai On, Chefe do Executivo, chega de Pequim com mensagens claras para todos os que trabalham na Função Pública, sobretudo para quem tem responsabilidades de chefia.

Segundo um comunicado oficial, o Chefe do Executivo fez na passada sexta-feira um balanço das reuniões da Assembleia Popular Nacional (APN) e da Conferência Consultiva Política do Povo Chinês (CCPPC). Citado pelo documento, Chui Sai On terá alertado para a necessidade de “acelerar a reforma legislativa e da administração pública”, bem como “melhorar a governação pública”.

Foi ainda referido que “os dirigentes de todos os serviços da administração pública devem ser os primeiros a aprender e aprofundar o espírito das duas reuniões”. Chui Sai On considerou ainda que “os dirigentes de todos os serviços da administração pública devem concretizar, sem falhar no alvo, os objectivos do Governo Central e cumprir escrupulosamente a Constituição e a Lei Básica de Macau no exercício das suas funções”.

Os funcionários devem ainda “defender, com firmeza e soberania, a segurança e os interesses de desenvolvimento do país e aproveitar, de maneira eficiente, o regime de ‘Um País, Dois Sistemas’, as vantagens e características singulares de Macau”.

Para Macau, considera o Chefe do Executivo, é fundamental “seguir escrupulosamente a Constituição e a Lei Básica, acelerar a reforma da administração pública, a descentralização do poder, o combate à corrupção e promover a integridade”.

Zona A e trânsito

Chui Sai On falou ainda de quatro áreas importantes, às quais a sociedade local deve prestar atenção. Como líder de Governo, Chui Sai On disse ser necessário “dar prioridade às questões relacionadas com o bem-estar da população e a diversificação adequada da economia”, sem esquecer a implementação do Plano de Desenvolvimento Quinquenal de Macau.

Devem concretizar-se, assim, “as medidas benéficas e a resolução dos problemas que afligem a população”. Além disso, deve “continuar a dar-se prioridade aos trabalhos que interessam à população, nomeadamente habitação e trânsito, entre outros”.

Sobre o projecto dos novos aterros, Chui Sai On entendeu ser fundamental “acelerar as obras de aterro da zona A, contribuindo para a criação de um lar e conforto para os residentes”, sem esquecer as restantes obras de infra-estruturas transfronteiriças, designadamente a ponte Hong Kong, Zhuhai Macau e os novos acessos entre Guangdong e Macau”.

O Chefe do Executivo falou ainda da necessidade de promover o lado empreendedor dos mais jovens, sempre com o foco na garantia da ideia de “amor à Pátria”.

O ano das eleições

Edmund Ho, primeiro Chefe do Executivo da era RAEM e vice-presidente da CCPPC, também esteve presente na reunião, tendo feito referência “à nova concepção de governação, quer ao nível de ideologia, quer ao nível de mentalidades e estratégias”, contida no discurso do presidente chinês, Xi Jinping.

Lembrando que 2017 é o ano de eleições legislativas, Edmund Ho referiu que “será importante criar e garantir um bom ambiente político e consequentemente impulsionar o desenvolvimento de todos os vectores da sociedade de Macau”.

Wang Zhimin, director do Gabinete de Ligação do Governo Central na Região Administrativa Especial de Macau, revelou ainda “três desejos” para o território: que a sociedade local tenha “confiança no desenvolvimento do País e de Macau”, que possam “aproveitar as vantagens do segundo sistema”, em prol do “desenvolvimento sustentável da economia diversificada”. Para além disso, “todos os sectores da sociedade devem continuar a promover o amor à Pátria”.


Passagem de saber preocupa Ng Fok

O Chefe do Executivo reuniu “recentemente” com Ng Fok, conhecido empresário local, presidente da Associação de Amizade e Coordenação dos ex-Deputados da APN e ex-Membros da CCPPC. Segundo um comunicado, foram trocadas “ideias sobre o desenvolvimento da sociedade, da economia e assuntos dos jovens de Macau”. Os dirigentes associativos apresentaram o programa de actividades deste ano, tendo referido que é “importante a associação envolver os jovens”, de forma a “garantir a passagem de saber de geração em geração”.

20 Mar 2017

Entrevista | Ouyang Jianghe, poeta: “Sou o que escrevo”

Ouyang Jianghe é um dos poetas com mais relevo na China. Uma escrita simples, ritmada e de interpretação complexa marca o trabalho do autor que abandonou a exultação dos grandes acontecimentos históricos para se dedicar à expressão pessoal. O poeta falou ao HM do que escreve, dos desafios da tradução e da descoberta que fez

[dropcap]N[/dropcap]asceu em Sichuan, na altura da Revolução Cultural. Como é que nestas circunstâncias a poesia apareceu na sua vida?
Penso que precisava de me descobrir e não sabia como. A poesia não é só um meio de expressão das opiniões acerca do sentido do mundo e da vida. O processo de escrita é uma descoberta que se confunde com a própria vida. Expressamos o que dentro de nós se transformou, na nossa forma de ver o que nos rodeia. Por outro lado, é nesse processo que aprendemos a moldar a própria vida. Acaba por ser a escrita que se impõe e que nos faz o que somos. Escrever acaba por se confundir com o que somos.

Faz parte da segunda geração de autores que deixa a tradição histórica e recorre ao quotidiano. No seu caso, através de uma simplicidade de palavras que não corresponde à complexidade dos conteúdos.
De facto, recorro aparentemente a vocabulário muito simples. Uso palavras que as pessoas podem realmente compreender a um nível superficial. Mas as ideias e pontos de vista subjacentes são outros. Faço um processo de condensação de ideias que se escondem em vocábulos. É também uma poesia muito visual em que uso os caracteres enquanto símbolos. É uma forma de encriptação de informação. A leitura passa a ser outro processo, o de interpretação dessa linguagem encriptada, o da procura e descoberta do que está omisso e secreto. Muita da minha poesia usa palavras muito simples, mas o processo é muito complexo. Podemos ainda fazer uso de grandes figuras como o Confúcio, e ressuscitá-las. É o “voltar a viver”. Mas a ideia principal é, de facto, esconder a complexidade atrás das palavras simples e é trabalho dos leitores interpretar o texto.

O que nos leva a outra questão. Para o público estrangeiro, que lê as traduções, há outro elemento que é a própria tradução. Como é que vê o seu trabalho, tão específico na língua chinesa, traduzido?
É realmente muito difícil traduzir o meu trabalho. A maior dificuldade, penso, é conseguir transmitir as ideias que estão ali condensadas. O processo de tradução engloba muitas camadas que se sobrepõem. Numa tradução mais superficial, e que deverá ser a primeira, é a tradução do significado básico da palavra. Estamos ao nível mais simples mas fundamental para uma primeira leitura. Um poema também tem muita técnica de escrita implícita, que inclui a expressão do imaginário e em que é usada, por exemplo, a metáfora. Encontramos aqui o segundo nível da tradução: o entendimento e interpretação do imaginário. Fazer a sua tradução e encontrar um possível equivalente na língua de chegada que possa espalhar de alguma forma, a imagem do poema.

Estamos perante um terceiro produto?
O poeta e tradutor americano Forrest Gander assinala que, num poema, o que pode ser traduzido não é realmente a parte mais importante. O que não pode ser traduzido é o cerne. Quando um poema é traduzido é recriado. Deixa de ser o original e passa, de facto, a ser um novo produto com um novo significado e capaz de ser interpretado por outra cultura, a que fala a língua de chegada. Podemos mesmo dizer que aparece numa espécie de terceira linguagem. A imagem dentro de cada poema só fica completa quando passa por uma tradução. A tradução acaba por findar um ciclo de criação. É também um processo feito a dois, durante o qual, na troca que proporciona, se consegue abranger as muitas interpretações possíveis. É tornar o poema completo de novo, até para o próprio poeta. Quando um poema é traduzido também pode perder o seu som, que um poema também é música. Mas pode ser criada uma nova canção. O processo implica perdas, mas também implica uma nova criação e é capaz de dar ao texto uma nova vida. Outra questão relevante é que quando pensamos em tradução associamos sempre a línguas diferentes. Na verdade, os poemas podem ser traduzidos dentro do mesmo idioma. No chinês acontece frequentemente. Um poema tem de ser traduzido dentro da própria língua porque é necessário ir além do tal significado superficial e nem os nativos de chinês podem muitas vezes compreender o texto se não tiverem estas traduções. Acontece com muitos dos nossos grandes poetas, como Li Bai ou Du Fu. A razão é que a interpretação e compreensão das ideias que formam um poema exigem um conhecimento vasto e profundo de toda uma realidade linguística, cultural e histórica que não é acessível a todos. O processo da tradução, seja qual for, vai resgatar as palavras e significados exilados.

Deixou de escrever durante uma década, o que marca dois períodos de criação com características diferentes. Porquê a paragem e o que é que aconteceu neste período para levar à mudança?
O período que abrange o momento em que comecei a escrever até ter decidido parar tem dois aspectos. Na primeira fase, ainda era muito jovem e escrevia em Sichuan, onde estava muito limitado à minha experiência pessoal, com as características culturais e sociais daquela província. A minha escrita não era tão pessoal mas mais dirigida às pessoas, o que fazia com que abordasse mais aspectos sociais e políticos e, talvez, mais rebeldes. A intenção era chegar a um público. Em 1993 fui para os Estados Unidos durante cinco anos. Não sabia inglês e a minha forma de expressão e pensamento mudou. Como não falava a língua, não podia falar para os outros e tinha monólogos comigo próprio. Foi quando senti que alguma coisa estava a acontecer e a mudar. Ao falar comigo percebi que afinal falava com ninguém e, por vezes, com uma espécie de fantasma. Por vezes transformava esse fantasma em alguém que admirasse, como Li Bai. Expressava-me para o vazio e isso fez com que me visse obrigado a ouvir-me. Esta voz transformou-se, mais tarde, nos meus poemas. Se não tivesse ido para os Estados Unidos, se calhar nunca tinha percebido isso. Foi também ali que comecei a ver poesia em tudo. Recordo uma situação em que fui a um museu e vi uma moeda grega. Era dinheiro, mas sem valor e muito bonito. Pensei que podia escrever sobre este dinheiro transformado em arte e história e que, dadas as imagens e o relevo, era uma escultura com um padrão. Foi também quando comecei a trabalhar na rima e na sua integração no poema. Percebi que a minha poesia também podia ter forma, podia ser uma peça. Podia desenhar as palavras. A mudança que ocorreu em mim e no meu trabalho pode ser metaforizada numa conhecida história de um prisioneiro que gostava muito de jogar xadrez. Enquanto detido, fazia-o sozinho, até que conseguiu sair em liberdade. Foi quando percebeu o que tinha aprendido antes, na sua solidão. Ganhou os campeonatos em que participou. Quando parei de escrever desenvolveram-se muitas coisas dentro de mim, e os Estados Unidos acabaram por ser a minha prisão. Quando voltei à escrita, o que saiu foi o resultado dessas observações. A palavra e a rima chinesa transformaram-se nas minhas peças de xadrez que, quando jogadas, ganhavam asas.

A China está a mudar e o Ocidente parece estar cada vez mais interessado na literatura que se faz no país. Como é que vê este interesse crescente?
O desenvolvimento da China e o interesse por ela e pela sua literatura é de facto uma coisa relativamente nova, mas considero que é um fenómeno essencialmente político. Há pessoas que estão satisfeitas com isso e outras que nem tanto. Recordo que em 2008, enquanto falava com um tradutor sobre esta questão, ele dizia-me que o crescimento da China fez com que o país existisse para o mundo. Na sua opinião, essa é a razão que leva à necessidade de conhecimento acerca deste país, porque passou a representar um tipo de ameaça. Passou a ser importante saber o que era esta China que ganhava cada vez mais relevo económico no mundo. Qual era a raiz deste país? Até aí, havia muito poucas pessoas a querem saber da China. É aí que também entra a literatura enquanto forma de aceder à cultura chinesa. Por outro lado, a razão para a falta de conhecimento da literatura chinesa assenta em dois pilares. Por um lado, a questão da tradução. Por outro, penso que há um mal-entendido entre Ocidente e China, e as pessoas que procuram a literatura chinesa não estão realmente interessadas nos livros, mas sim em procurar as circunstâncias políticas e económicas de um país. Procuram a controvérsia e querem ouvir as vozes que mais lhes convêm e o que esperam saber. Querem ouvir essencialmente vozes políticas. Não estão abertas a histórias que relatem uma sociedade contemporânea, buscam a confusão e não verdadeiramente um retrato descritivo. Penso que não têm realmente um interesse pela língua e literatura do país. A realidade de hoje não é só de hoje. O que vemos hoje tem passado e já abarca o futuro. A poesia é também isso, uma mostra do que foi, é e poderá ser a sociedade chinesa. No que faço também é isso que tento mostrar: o lado literário do que se faz hoje na China.

Já não é a primeira vez em Macau.
É a quarta. Mas a ocasião que mais me marcou aqui foi a terceira visita. Vim integrado numa comitiva para conversarmos acerca dos passos a dar no território para o desenvolvimento da arte contemporânea. Fiquei muito espantado porque a única coisa que se passou foi um almoço sem mais conteúdos. No entanto, Macau não deixa de ser uma inspiração, até mesmo devido aos casinos, e ao poder e significado do dinheiro. Já escrevi sobre isso. Aqui, quando se joga não se vê o dinheiro real, são tudo fichas. Mas por exemplo, quando se perde, o dinheiro que não se vê torna-se visível apesar de já não existir. O mesmo acontece com as palavras. Às vezes só ganham peso depois de desaparecerem.

20 Mar 2017

Vício | Jogo patológico é um problema invisível na terra dos casinos

Macau é uma cidade onde o jogo é, de longe, o principal motor económico. Com quase 40 casinos em pouco mais de 30 quilómetros quadrados, não é de estranhar que o vício de jogo seja algo endémico no território. O HM foi à procura de quem sofre e de quem trata

[dropcap style≠’circle’]N[/dropcap]a cidade dos néones, o brilho ofusca aqueles que apostam mais do que podem cobrir. “Se tiver mil patacas, e for obrigado a escolher entre droga ou jogo, escolho o jogo”, revela S., um veterano de vários vícios. Com um historial vasto de consumo de opiáceos, este homem de 58 anos é um fantasma da velha Macau, em que o crime nos casinos era visível e transbordava para as ruas.

Aos 14 anos a vida levou-o a entrar num gang onde vendia e consumia heroína. Foi agiota e fez de tudo um pouco no lado negro que ensombrava o glamour dos casinos. Hoje em dia, com a luz que a regulação fez incidir na indústria, já não dispõe das largas somas de dinheiro que apostava. No passado, como o dinheiro não era problema, o jogo também não.

O destino trocou-lhe as voltas, mas o jogo e a heroína continuam no seu percurso. No entanto, S. não tem dúvidas de que, no menu dos vícios, “o jogo é a sua prioridade”. O seu caso não é único e encaixa perfeitamente no conceito de personalidade aditiva. Algo que não é de estranhar, uma vez que o vício dos jogadores patológicos tem perigosas semelhanças com a toxicodependência.

“Em termos biológicos, cerebrais, o jogo e a droga acabam por tocar na mesma zona do cérebro, acontecem as mesmas reacções químicas, são libertadas as mesmas hormonas, são realidades muito semelhantes.” As palavras são de Marta Bucho, Coordenadora do Centro Feminino da Associação de Reabilitação de Toxicodependentes de Macau (ARTM). Aliás, estudos indicam que os jogadores também têm sintomas de privação semelhantes, ou seja, ressaca. Em ambos os casos, o cérebro é inundado por serotonina e dopamina, hormonas que regulam o humor, a ansiedade, o humor, o sono, o stress e o prazer. “Normalmente, não temos uma libertação tão forte destes químicos”, explica Marta Bucho.

Quem cai nas malhas do jogo, frequentemente, encontra neste prazer algo que lhe falta na vida. São coisas que andam de mãos dadas. Problemas psicológicos como depressão, traumas, stress, ansiedade e fobias podem ser precursores à adição. Estas pessoas acabam, muitas vezes, por “usar o jogo como forma de auto-tratamento”, explica a terapeuta. O uso de álcool e drogas também servem de meio de medicação, num mosaico aditivo muito complexo de tratar. Pessoas que têm deficit de atenção e hiperactividade fazem parte de outro grupo de risco, vulneráveis ao vício, encontrando no jogo uma forma para se focarem.

Casino omnipresente

Este problema agiganta-se com diversos factores. O sentimento de vergonha, e a aceitação social e cultural são dois elementos explosivos.

“A cultura é um problema, porque entre os chineses há a ideia de que pode ser escondido e que a família consegue resolver a situação sozinha”, conta Elaine Tang, assistente social na Casa da Vontade Firme, uma instituição da Divisão de Prevenção e Tratamento do Jogo Problemático.

Estes factores levam a que, na maioria dos casos, a procura de apoio seja tardia. “Quando procuram ajuda é porque já têm muitas dívidas e o problema é muito maior”, explica. Além disso, a rede familiar incorre no erro de julgar que se pagar as dívidas do jogador, a lição é aprendida. Mas o vício não funciona dentro destes parâmetros. Recusar ajuda a um familiar que esteja desesperado, com agiotas à perna, pode ser o mais aconselhável.

Outro dos problemas é a facilidade de acesso, a conveniência do jogo. Macau tem perto de 40 casinos, espalhados por pouco mais de 30 quilómetros quadrados. Além de ser mais bem visto que o consumo de estupefacientes, o jogo é uma presença constante e a cidade está estruturada para que se jogue. Os casinos facultam quartos, têm caixas ATM estrategicamente colocadas, comida e bebidas grátis. Aliás, a omnipresença é de tal magnitude que a Casa de Vontade Firme está ironicamente ao lado do L’Arc Casino. Ou seja, quem procurar ajuda na instituição, que funciona sob a égide do Instituto de Acção Social (IAS), passa por vários casinos até lá chegar.

Atacar o mal

Elaine Tang, do IAS, destaca a complexidade da questão e a forma como cada caso é único. Quem chega à Casa de Vontade Firme fala com uma assistente social para que sejam aferidos os problemas que enfrenta. De seguida, delimitam-se prioridades na abordagem a cada caso, uma vez que os viciados que ali chegam trazem consigo dificuldades financeiras, familiares, laborais e sociais.

“Pedem largas somas de dinheiro, dizem que pagam em prestações e chegam, também, a pedir que sejamos fiadores para recorrerem a empréstimos” junto da banca, conta Elaine Tang. Obviamente, os serviços não emprestam apoio monetário, mas fazem algo muito mais valioso no longo prazo. “Há pessoas que não têm um conceito do que é o dinheiro, porque nunca tiveram problemas financeiros”, explica a assistente social. Normalmente, este tipo de viciados não apresenta quadros clínicos de consumo de droga, mas não têm noções de poupança. “Tenho um caso de uma pessoa que tem de marcar todas as suas despesas diárias. Depois de seis meses, aprendeu quanto dinheiro precisa para sustentar a família todos os meses”, revela Elaine. Este paciente, com um casamento destruído pelo jogo, vive hoje em dia com o pai e é a ele que confia as suas finanças.

Um dos casos que preocupa a assistente social é o de uma mulher que trabalha exclusivamente para sustentar o vício. Quando sai do emprego, vai para o casino onde passa a noite inteira a jogar, largando as mesas de jogo apenas quando chega a hora de regressar ao trabalho. Este ciclo pode durar três dias seguidos, sem interrupção, até que cai exausta na cama e dorme um dia inteiro. Depois do descanso, o ciclo repete-se.

Na Casa de Vontade Firme não há uma abordagem farmacológica ao vício do jogo. Já no centro de reabilitação da ARTM essa é uma realidade incontornável, uma vez que a doença carece de um reequilíbrio químico. Depois de ser prescrita medicação, começa-se a atacar a desestruturação que o jogo patológico trouxe à vida da pessoa. “Voltamos a puxar os valores como a dignidade, honestidade, porque tudo se foi perdendo com o vício”, explica Marta Bucho.

Inicia-se o processo de ressocialização do doente. Primeiro, tal como nas drogas, é necessário enfrentar a realidade de que a pessoa não deixará de jogar de um dia para o outro, há que proceder a uma redução de danos e a um desmame gradual. O passo inicial é aceitar o problema, só depois se pode ir reduzindo, aos poucos, a frequência com que se joga, a quantidade de dinheiro e o tempo que se passa no casino.

Os estágios seguintes no caminho para a cura são a intervenção psicossocial e a vida em comunidade. Quem entra no centro de reabilitação da ARTM reaprende valores da ajuda mútua, o respeito pelos outros. Outro dos pilares de suporte é a solidariedade e a experiência dos jogadores que se encontram em recuperação há mais tempo.

Números azarados

Elaine Tang conta que conhece jogadores com perdas que ascendem a dois milhões de patacas e que apenas auferem 20 mil por mês. A maioria destes casos chega ao IAS já numa situação complicada de resolver, com agiotas à perna, os pacientes a sentirem-se ameaçados. Com alguma frequência, este tipo de viciados, depois de receberem aconselhamento financeiro, não voltam à instituição.

Os serviços do IAS começaram a registar os casos de viciados em jogo que procuraram ajuda nos seus centros a partir de 2011. Desde então, até 2016, 856 pessoas recorreram aos serviços do instituto.

Quanto à taxa de reincidência, o IAS apenas revelou que o caminho para a recuperação é longo e árduo, e as recaídas muito frequentes.

Um estudo elaborado pelo Instituto de Estudos sobre a Indústria do Jogo da Universidade de Macau revelou que, em 2015, havia 14 mil jogadores viciados, o que representa 2,15 por cento da população. Em 2016, a incidência de pessoas com problemas com jogo era de 2,5 por cento, um ligeiro aumento.

No ano passado, segundo informação da Direcção de Inspecção e Coordenação de Jogos de Macau, pediram auto-exclusão dos casinos 351 pessoas. Em contrapartida, as receitas brutas do sector continuam numa curva ascendente.

Mas para que alguém ganhe, outros têm de perder, e há quem perca tudo. Entre a panóplia de casos de adição, os jogadores são os que têm maior tendência para o suicídio, mais significativa do que entre os consumidores de drogas.

Apesar de ser uma realidade pouco estudada na região, a Universidade de Hong Kong fez um estudo que revelou que, em 2003, dos 1201 suicídios registados na cidade, 233 estavam relacionados com problemas de jogo, o que representa quase 20 por cento.

De resto, uma larga fatia dos telefonemas recebidos pela Linha de Prevenção de Suicídio da Cáritas é relativa a desespero nascido nas mesas dos casinos. “Há diversos estudos que apontam que jogo e o suicídio estão muito ligados”, completa Marta Bucho.

Apesar do brilho do Cotai, há uma parte de Macau que sente nas entranhas os excessos que o jogo arrasta consigo.

L., de 46 anos, vai ao serviço extensivo do ARTM na Areia Preta, um centro de redução de danos que distribui seringas e refeições, comer uma sopa e conviver um pouco. Com um largo historial de consumo de heroína, metanfetaminas, álcool e tudo o que vier à mão, o jogo é uma das constantes da sua vida. Partilhou casa com toxicodependentes durante três anos e pensou várias vezes no suicídio. Parecia-lhe a única saída da miséria. Perdeu todo o dinheiro, perdeu a família, e teve dias em que perdeu a vontade de viver. A meio da entrevista ao HM levanta-se para mostrar a identificação para poder usufruir da refeição quente que a ARTM lhe providencia. A vida não lhe corre bem, mas quando fala no prazer que lhe dá um jogo de bacará os seus olhos brilham como os néones.

17 Mar 2017

APN | Pedida isenção de visto de 72 horas para a Ilha da Montanha

Kou Hoi In, deputado de Macau à Assembleia Popular Nacional, defende a isenção de visto por um período de 72 horas para a Ilha da Montanha, apenas para cidadãos dos PALOP e do Sudeste Asiático que viajem para Macau. Quatro deputados sugerem ainda a troca de produtos de gestão financeira com o Continente

 

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] objectivo é destacar a participação de Macau na política “Uma Faixa, Uma Rota”. O deputado de Macau à Assembleia Popular Nacional (APN) Kou Hoi In sugeriu em Pequim que se permita aos residentes dos países da língua portuguesa e do Sudeste Asiático a isenção de visto para a Ilha da Montanha por um período de 72 horas, via Macau. Kou Hoi In acredita que tal medida pode atrair mais turistas e empresários a passarem pelo território.

O deputado também sugere que, dentro do prazo de autorização de saída, os visitantes do interior da China possam, ao viajar para Macau, deslocar-se várias vezes entre a região e a Ilha da Montanha. Kou Hoi In, que é também deputado à Assembleia Legislativa de Macau, considera que a medida pode fomentar a comunicação entre Guangdong e Macau em termos de turismo.

Finanças cá e lá

Kou Hoi In defende ainda que Macau deve promover mais as vantagens do seu sector financeiro junto do interior da China, de modo a encorajar as companhias de locação financeira do Continente a investirem em Macau e a iniciarem projectos conjuntos a pensar no mercado lusófono.

O deputado aconselha que se permita em Macau a venda dos produtos da gestão financeira do Continente, e que o território leve também os seus produtos da gestão financeira para o interior da China a título experimental. Essa troca de serviços e produtos poderia gerar, na opinião do deputado, uma melhoria da qualidade do sector da gestão de activos de Macau, bem como criar condições de abertura do mercado ao interior da China, aos países do Sudeste Asiático e aos países da língua portuguesa.

Kou Hoi In, juntamente com Lao Ngai Leong, Lei Pui Lam e Iong Weng Ian, também deputados de Macau à APN, assinaram um documento para que a sugestão fique formalizada junto do Governo Central.

A ideia dos quatro deputados é que se possa aprofundar a indústria de locação financeira e a cooperação entre as empresas de Macau e do interior da China. Os deputados querem que, através deste regime, o território possa ser aproveitado como plataforma, de modo a favorecer o desenvolvimento do sector de locação financeira do país.

Os quatro deputados afirmam ainda que os apoios da China são preciosos e fundamentais para Macau, sendo que o sector financeiro pode tornar-se um ponto importante para o território, uma vez que a RAEM não tem uma base forte nesta área. A ligação entre o mercado chinês e outros países poderia facilitar as exportações, defendem.

Na proposta apresentada na capital, defende-se que as sociedades de locação financeira de Macau devem ter um tratamento igual ao nível dos impostos em relação às sociedades estabelecidas nas zonas de comércio livre. A ideia era, assim, implementar a isenção do imposto para as empresas de Macau que desejem iniciar negócios no Continente, reduzindo a pressão financeira e fomentando o desenvolvimento rápido da indústria de locação financeira do território.

17 Mar 2017

Literatura | Yu Hua fala de livros, censura e influências

Yu Hua é um dos principais nomes da literatura contemporânea chinesa. O autor, que oscila entre romances autorizados e ensaios proibidos na China Continental, não abdica da liberdade da escrita. Está em Macau para participar no Rota das Letras

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] autor de “Viver”, “A China em Dez Palavras” e “Crónicas de Um Vendedor de Sangue” está em Macau para participar no festival literário Rota das Letras. Conhecido pela sua escrita “violenta” que retrata essencialmente a sociedade ao tempo da Revolução Cultural, época em cresceu, Yu Hua tem no seu trabalho um retrato do absurdo. No entanto, não é um non-sense confinado ao contexto chinês. “Passa-se no Continente mas podemos ver o absurdo em todo o lado porque está na vida diária. A China é um exemplo e um país cheio de contradições”, referiu num encontro realizado ontem com a imprensa.

Alvo de censura em várias obras, nomeadamente ensaios, o autor explica que “não há muitas preocupações quando em causa estão romances”. A razão, aponta, é que o trabalho de ficção pode incluir o uso de estratégias muito diferentes para expressar o que gostaria de dizer de forma explícita. Quando se trata de ensaios, como “A China em Dez Palavras”, que é proibido no Continente, a expressão é diferente. “Temos de dizer as coisas de forma directa”, assume.

A proibição do livro, diz, não foi surpresa. “Mal escrevi a primeira palavra, ‘Povo’, em que falo do 4 de Junho em Tiananmen, sabia que aquele livro nunca seria publicado na China”, aponta. No entanto, continuou a escrever tendo em consideração o mercado de Taiwan e de Hong Kong. Para o autor, a atitude do Governo Central é “infantil”.

Enquanto escritor, Yu Hua considera que o maior requisito é a independência seguida de sentido crítico. Actualmente, aponta, é mais fácil ser crítico. “Temos de admitir que o Governo Central é mais tolerante agora do que antes e conseguimos ouvir mais vozes críticas que podem ou não ser aceites”, diz, acrescentando que “o sentido de independência na escrita deve ser sempre prioritário à crítica”.

Do esquecimento

A Revolução Cultural é um tema transversal nos livros de Yu Hua, quase como se fosse uma inevitabilidade. “O meu período de estudos em criança apanhou a década da Revolução. O que passei naqueles anos influenciou o resto da vida, porque o pensamento acerca do mundo nasce das experiências tidas nesses anos e que, depois, vão sendo revisitadas”, explica.

O facto de continuar dentro de histórias daquela altura é importante ainda hoje. Para Yu Hua, o problema que se levanta na actualidade é o facto de “os mais novos não saberem nada do que se passou na Revolução Cultural”.

O autor sublinha que os tempos e acontecimentos que marcam a história recente da China estão a ser apagados e que é precisamente essa a intenção das autoridades. “O Governo Central é o primeiro a proibir a discussão das coisas. No ano passado, na altura do aniversário da Revolução, pensei que fosse feito algum festejo, mas tal não aconteceu, não vi nada. A informação na Internet acerca da Revolução Cultural estava completamente bloqueada”, ilustra.

Yu Hua considera que o comportamento dos dirigentes, 50 anos depois, está a dar resultados porque “os jovens não sabem nada e nem se preocupam em saber”. Na sua opinião, a situação é perigosa e a história precisa de ser recordada para que se evitem repetições. “Hoje em dia, a Revolução Cultural aparece no dia-a-dia das pessoas como se fosse a dinastia Qing, está muito distante.” Ainda assim, entende que é um período da história da China que vai deixar um rasto para sempre.

Kafka, salva-vidas

Não é fácil escolher as obras que conseguiu ler durante a juventude e que lhe marcaram o rumo literário. Mas “havia uma cópia impressa de um livro de Alexandre Dumas, na altura banido”. As opções eram limitadas e só podia ler Lu Xun. Na altura era um autor de que não gostava. Obrigado o recitar o poeta chinês que não entendia, Lu Xun só mais tarde regressou à vida de Yu Hua e participou das suas referências fundamentais.

Após os anos conturbados na década de 1950, deram entrada na China vários livros e com eles os “três mestres” de Yu Hua. “O meu primeiro professor foi o escritor japonês Yasunari Kawabata.” Com a leitura do autor nipónico, Yu Hua sentiu que se estava a afastar de si mesmo. “Mais tarde senti-me preso por ele, estava a imitá-lo e não estava a ser eu. Foi quando em 1996 encontrei Kafka. Salvou-me a vida”, recorda.

Não é que tenha aprendido a escrever com o autor checo. Mais que isso, foi Kafka que ensinou a liberdade da escrita a Yu Hua. “Percebi que podia escrever o que me apetecesse. Kafka deu-me o direito e as asas da liberdade.”

O terceiro professor foi William Faulkner, o autor que lhe “educou os sentimentos”.

A literatura ocidental constitui o instrumento da sua escrita e, sem a sua presença, muitos dos seus livros nunca teriam existido, admite. Os clássicos são imperdíveis, até porque acompanham a escrita, mesmo que de forma subliminar. Tolstoi é um exemplo de referência.

Yu Hu, apesar de ateu, não deixa de mencionar a Bíblia como referência maior porque, considera, “é o melhor livro do mundo”.

Macau numa palavra

Se Yu Hua escolhesse uma palavra para Macau, dentro da lógica do livro “A China em Dez Palavras”, seria a “ignorância”. O termo, explica, deve-se ao facto de não conhecer o território. No entanto, não deixa de anotar as mudanças, nem sempre muito positivas, que constata.

Numa visita em 1996, recorda, Macau era mais limpo. “Lembro-me de passear de carro perto do mar e a água era limpa. Na altura, pensei que Macau fosse muito asseado”, diz. A ideia agora é outra. Sente-se a poluição e, “não estando como Pequim, aproxima-se desse estado”, lamenta.

17 Mar 2017

José Manuel Rosendo, repórter: “O jornalista não é um vendedor de sabonetes”

Porque não se trata de oferecer às pessoas os aromas que elas querem, os jornalistas não estão hoje a fazer o que devem. Faltam recursos, investimento, opções editoriais que permitam os caminhos certos a quem tem a informação como profissão. José Manuel Rosendo, jornalista da Antena 1, tem a carreira marcada pelos cenários de conflito, pelo Médio Oriente que aprendeu a conhecer nas piores circunstâncias. Uma conversa sobre a guerra, as ideias feitas que é preciso combater e a atenção que não se dá ao mundo

[dropcap]C[/dropcap]omo é que aconteceu fazer reportagem de guerra? Como é que a oportunidade surgiu?
Lembro-me muito bem. O nosso saudoso Luís Ochoa passou por mim na redacção e perguntou-me se eu queria ir até ao Afeganistão. Não estava minimamente à espera, mas disse que sim. Acabei por não ir dessa vez. Isto foi em 2001, logo a seguir ao 11 de Setembro. A oportunidade voltou a surgir em 2003, com a invasão do Iraque. Aí, a Antena 1 enviou um jornalista para o Iraque e havia a possibilidade de entrarem tropas no país através da fronteira com a Turquia. E eu fui, nessa perspectiva, que acabou por não se concretizar, porque a Turquia não abriu a fronteira e, portanto, por ali não houve invasão terrestre, apenas permitiram que o espaço aéreo fosse utilizado. Confesso que fiquei um bocado frustrado. Ninguém passou, ficámos todos na zona turca. Acabei por ir lá quando soube que a GNR ia para o Iraque. Fiz a proposta de ir ver para onde é que a GNR ia, fomos lá fazer reportagem, em Nassíria. Depois, como já lá tinha estado, quando a GNR foi mesmo para o Iraque, fui eu também. A partir daí, fica aquele bichinho, não pela guerra, mas por tratar aquele tipo de informação, aquela área do mundo. Tinha uma noção da importância do Médio Oriente, mas essa noção cresceu muito a partir do momento em que comecei a acompanhar e a perceber que é uma coisa central em termos de política internacional, e é uma zona permanentemente em conflito.

“Quem vai fazer este tipo de reportagem não se pode queixar. E dormir no chão também não é nada do outro mundo. Já sabemos como é.”

É uma zona também complicada de compreender. Há o obstáculo da língua, as características culturais e políticas são muito diferentes das nossas. Como é que se ultrapassa tudo isto?
É curioso e, às vezes não temos noção disso, que o chamado Ocidente começou por ser ali. O Ocidente, há uns milhares de anos, era ali, na zona do Crescente Fértil, aquela zona que vai do Líbano, passa pelo norte do Iraque, pela Síria, pelo sudeste da Turquia, até pelo Irão. Aí era o Ocidente, em contraponto ao Oriente, que era na China, na zona do Rio Amarelo. Os povos começaram a deslocar-se para a Europa e o Ocidente é aquilo que hoje sabemos. Acho que é preciso ler muito, estudar muito. Para entender o Médio Oriente é preciso, sobretudo, tentar escapar a alguns conceitos que estão enraizados e que não correspondem à realidade. À medida que vamos conhecendo o terreno, percebemos que há conceitos que interiorizámos – não todos, obviamente – que são retratos distorcidos da realidade. A realidade é diferente.

Nomeadamente na relação com a religião.
Sim. Na maior parte daqueles países, o Islão é um pilar central da vida das pessoas. Mas não faz delas radicais, nem extremistas – não tem nada que ver uma coisa com a outra. Os povos árabes são como outros povos quaisquer, onde há pessoas más e pessoas boas, onde há pessoas radicais e outras mais ponderadas. Agora, como é uma região em permanente ebulição, que tem fronteiras artificiais, rica em recursos, onde meia dúzia de décadas em termos históricos não é nada – portanto, até há pouco tempo estava uma região colonizada –, tudo isso contribui para que haja até agora um conflito quase permanente naquela zona. E depois há a interferência externa que dificulta ainda mais as coisas.

Para o Ocidente mais a Ocidente, até há poucos anos o Médio Oriente era um problema que não lhe dizia respeito. De repente, com as alterações políticas, a guerra, as vagas de refugiados, o Médio Oriente foi bater à porta das pessoas de outra maneira. O desconhecimento é o principal problema em relação à integração de refugiados?
Acho que sim. É uma parte do problema que, se calhar, é potenciada pela situação financeira que a Europa atravessa. Mas, se os refugiados estão agora a bater à porta da Europa, a Europa bateu durante muito tempo à porta dos países onde estas pessoas viviam. Essa é que é a questão. O Médio Oriente era uma questão de segunda linha em termos de actualidade. Era lá longe. De repente, percebemos que não é bem assim. Aliás, sobretudo os países do Sul da Europa deviam olhar com mais atenção para todo o Mediterrâneo. Neste momento, a política externa da União Europeia (UE) é uma coisa que ninguém sabe muito bem o que é, não se dá a devida atenção à questão do Mediterrâneo mas, de facto, é a nossa vizinhança próxima. Estamos mais próximos dos nossos vizinhos africanos do que do Norte da Europa. Também entendo que os países do Norte da Europa não tenham grande apetência por discutir os assuntos do Mediterrâneo. Isto é um dilema no qual a UE está envolvida, não sei como se poderá resolvê-lo, e é mau que tenham de se tomar decisões sobre pressão – nomeadamente por causa dos refugiados – não havendo uma política externa já definida para estabelecer uma relação com estes países que são a nossa vizinhança. A geografia é uma coisa à qual não se pode fugir: por muito que nós queiramos, não mudamos isso. Portanto, há que encontrar formas de estabelecer um relacionamento que seja bom para todas as partes. Tem de se encontrar esse ponto comum.

Até que ponto deverá ser uma preocupação dos jornalistas, e de quem tem um conhecimento maior em relação ao Médio Oriente, ter um papel de sensibilização – diria até pedagógico, se quisermos – para que a integração dos refugiados em Portugal seja bem-sucedida? O jornalismo deve ter este papel de garantir que as pessoas têm acesso ao quadro todo.
Sim. Mesmo que não seja com o objectivo pedagógico, o facto de divulgarmos informação correcta, de aprofundarmos os problemas, de darmos contexto às pessoas, isso faz com que, de facto, resulte numa atitude pedagógica em relação aos problemas. E acho que devemos fazer isso, dar a conhecer, informar, relatar com o máximo rigor, fugindo aos tais conceitos, aos lugares-comuns. Mas é preciso ter espaço para isso.

“Tento fazer sempre reportagem com pessoas lá dentro. Não é aquela reportagem que recorra muito a fontes políticas ou militares.”

E há espaço?
Não há espaço suficiente, sobretudo em Portugal, o que tenho dificuldade em perceber. Temos três canais nacionais de televisão, 24 sobre 24 horas. Temos rádios nacionais. Perdemos horas e horas e horas a falar sobre futebol. Debates de gente sentada, a discutir se foi penálti ou fora de jogo, e com as imagens do respectivo jogo a andarem para trás, para a frente, para trás, para a frente. Perdemos horas. Bastava que se desse uma horinha por semana a estas questões – e não digo para falar apenas do Médio Oriente, estamos completamente afastados daquilo que se passa na Ucrânia, que é à porta da Europa. Se, neste momento, fizéssemos um inquérito e perguntássemos o que é que se passa, por exemplo, na Holanda, em termos de eleições, ou o que se passa na Alemanha, as pessoas não sabem. Pura e simplesmente não sabem, porque nós temos uma informação que mantém em agenda determinados assuntos – e não digo que não sejam assunto, continuam a ser, mas são mastigados e remastigados. Se há uma coisinha nova, para se dar esse acrescento de informação vai buscar-se tudo o resto, constrói-se ali uma novela e lá vão dez minutos ou um quarto de hora de telejornal com aquilo. No dia seguinte, a história repete-se. Isto é muito complicado. Não sei como é que se dá a volta a isto. Dá-se a volta havendo vontade editorial, mas depois não há pessoas. Estamos numa situação complicadíssima.

Voltando à guerra. Vários países percorridos, muitas situações complicadas. Para quem não é jornalista, como é chegar de repente, com uma equipa pequena – ou sozinho – a um cenário de guerra, recolher informação e passá-la de uma forma que, ainda por cima, não é visível, atendendo a que trabalha sobretudo na rádio? Como é que se conta essa guerra?
A maior parte das vezes vou sozinho, sem mais ninguém. Só para ter uma ideia, recordo-me, por exemplo, de ver a CNN alugar um piso de hotel. Chegam lá e alugam um piso inteiro: produtores, jornalistas, câmaras, motoristas, segurança, tradutor. Em 2011, Kadhafi foge de Trípoli, entrámos na cidade e os hotéis estavam fechados, porque a maior parte dos trabalhadores eram imigrantes dos países ali à volta e tinham fugido. Como caíram lá os jornalistas todos, reabriram à pressa dois ou três hotéis. Esperámos na recepção, deitados no chão, que nos dessem a chave do quarto. Esse hotel tinha um jardinzinho que era o único sítio onde se conseguia ligar o satélite. Recordo-me de ver a equipa da Al Jazeera, de manhã, a fazer os briefings, e eram mais de 20 pessoas. E isto só em Trípoli, não contando com os que já estavam na rua. Isto dá uma ideia da dimensão. Quem vai sozinho faz passo a passo. Somam-se contactos, conhecem-se fixers [locais que ajudam os correspondentes estrangeiros], vai-se tendo referências, e é com isso que se consegue trabalhar. Depois, tento fazer sempre reportagem com pessoas lá dentro. Não é aquela reportagem que recorra muito a fontes políticas ou militares, sobretudo em termos de informação pura e dura – acho que a maior parte das vezes somos enganados nesse tipo de coisas. Aquilo é de uma riqueza informativa tal que as histórias quase que vêm ter connosco, muitas vezes. Temos de ter os sentidos despertos para perceber, quando vamos a passar, onde é que está a história, e para perceber o ângulo. Depois, tem de se cuidar de tudo: os países em guerra funcionam de uma forma anárquica, os serviços não funcionam, a maior parte das vezes é preciso recorrer ao mercado negro para arranjar combustível, tenho de me preocupar com o carro, com o guia, com o tradutor, com as comunicações, com a alimentação, com o sítio onde vou dormir. Mas quem vai fazer este tipo de reportagem não se pode queixar, isto não é uma lamúria. E dormir no chão também não é nada do outro mundo. Já sabemos como é.

Das muitas histórias que guardou, alguma que o tenha marcado particularmente?
Há histórias. Há a de um camarada que depois morreu, e isso mexe um bocadinho connosco. Mas há histórias… Lembro-me que, no Líbano, tinha estado em Beirute e depois houve um dia em que decidimos ir para a sul, para a zona mais Hezbollah. Telefonaram-me da rádio a dizer que Israel tinha acabado de bombardear Qana e as agências estavam a dizer que foi um morticínio. Íamos a meio do caminho, fizemos um desvio e fomos para Qana. Israel bombardeou e atingiu um edifício que abateu, as pessoas tinham-se refugiado na cave, morreram lá em baixo, e muitas eram crianças. Quando cheguei lá, parámos e uma série de pessoas apareceu à volta do carro. Agarraram-me e percebi que me queriam mostrar qualquer coisa. Levaram-me para junto de uma carrinha, abriram as portas de trás e eram só corpos de crianças. Estavam as equipas de socorro a tirar as crianças lá de baixo, e adultos também. É uma imagem que fica.

Como é que se lida com esse contacto com a morte? Presumo que a primeira vez seja muito complicada.
É. Mas às vezes nem é preciso chegar à morte. Aconteceu-me agora no Iraque, da última vez que lá estive. A minha primeira preocupação é o som, obviamente, mas também faço fotografia, mas para mim. Quando percebo que tenho ali um espaço faço umas fotografias. Estava numa zona, à entrada de Mossul, que era o primeiro posto da frente para onde eram transportadas as pessoas feridas nos combates. Era um corrupio brutal. Uns chegavam mortos, crianças, adultos, velhos. E eu estava ali a fazer fotografias daquele movimento. As pessoas que estavam ali, os militares, não tinham meios. Não se podia chamar hospital àquilo – era uma vivenda, com umas macas. Quando enchia – o fluxo era grande –, começavam a pôr as macas cá fora, na rua, no meio do pó. Às tantas chega um miúdo, que devia ter uns nove ou 10 anos, que vinha ferido, ensanguentado. Deitam o miúdo na maca, o médico põe-lhe a faca nas calças e abre. Quando vou a fazer a fotografia, vi que o joelho praticamente tinha desaparecido. Acho que foi a primeira vez que não fui capaz. Talvez por ter um filho daquela idade, naquele momento houve ali um clique, virei a cara e fui embora. Não sei porquê. Sabemos que na guerra morrem pessoas, que há bombardeamentos e que vamos encontrar pessoas mortas, inconscientemente até já vamos preparados para isso, mas, de facto, naquele momento, virei a cara. Se calhar fui mau jornalista na altura, não faço ideia. Passado um bocado voltei, mas aquela imagem daquele miúdo, ferido daquela forma… Não consegui.

“Para entender o Médio Oriente é preciso, sobretudo, tentar escapar a alguns conceitos que estão enraizados e que não correspondem à realidade.”

E voltar ao dia-a-dia de uma redacção, dos assuntos que, de repente, perdem toda a importância?
Isso é que é uma chatice, porque voltas, chegas à redacção e dizes “não se passa nada”. Começas a olhar para os assuntos e pensas “mas que importância é que isto tem?”. Essa é a parte mais difícil, retomar o ritmo da informação diária, corriqueira, ainda por cima porque valorizamos muito a trica política. Gosto muito de política, a grande política – as políticas de desenvolvimento, de educação, esses temas fortes que devem ser debatidos com profundidade e agarrados com unhas e dentes – mas detesto a trica política, que não leva a lado algum. Passamos a vida com um que diz que o outro acordou mal disposto e depois vamos ouvir o que foi acusado de ter acordado mal disposto. Chegamos ao fim do dia, esprememos esta informação e vemos o que tivemos aqui: nada, na maior parte dos casos. Essa trica política faz parte do marketing político e deixamo-nos ir atrás dela. Se calhar é por isso que as pessoas se afastam um bocadinho de nós, e deixam de ler, de ouvir e de ver televisão, porque estão fartas. Não estamos a ser capazes de dar às pessoas aquilo que é realmente importante.

Há vontade de voltar à guerra?
Não digo voltar à guerra, mas vontade de voltar ao Médio Oriente, sim. Ninguém sabe muito bem o que vai por ali acontecer, há muito tempo que se fala na necessidade ou até na inevitabilidade de se redesenharem as fronteiras no Médio Oriente. No Iraque, vamos ver o que vai acontecer em Mossul. Não sei até que ponto continuará a ser como o conhecemos até 2003. Não sei se a Síria vai continuar a ser com as fronteiras que tinha até agora, há ali um problema entre xiitas e sunitas que não sei como vai acabar. Temos a Rússia agora metida em força na região, os Estados Unidos dão sinais de querer regressar, depois de Obama ter tido uma política em que passou a questão do Médio Oriente para segundo plano. É um tempo de expectativa e é preciso voltar lá, perceber o que está acontecer. Mas enquanto tivermos estas opções editoriais e esta falta de recursos… É preciso investimento na informação porque, se não há recursos, não há retorno financeiro, e então corta-se. Passado um tempo, os recursos são ainda menos, o retorno é ainda menos, e corta-se de novo. É o caminho para o abismo. Também é importante que quem invista na informação não veja nela um pote de rebuçados ou de sabonetes. A informação não é isso, é outra coisa. Houve alguém que disse, aqui há uns tempos, que deixámos de dar às pessoas o que é importante e passámos a dar aquilo que elas querem. Pronto, acabou. Isto é o inverso do que devia ser o jornalismo; é o vendedor de sabonetes, que dá à pessoa o sabonete com o aroma que ela quer.

16 Mar 2017

Eleições | Comissão vai “monitorizar” mensagens de apelo ao voto

Muitos residentes já começaram a receber SMS de apelo à participação nas eleições. A Comissão de Assuntos Eleitorais assegura que tais actos ainda não são ilegais, mas promete estar atenta à situação. Pereira Coutinho, que tem enviado mensagens escritas, argumenta com a importância de apelar à participação no acto eleitoral

[dropcap style≠’circle’]“D[/dropcap]ia 17 de Setembro é o dia das eleições para a Assembleia Legislativa da RAEM. É favor, incluindo a família, estar em Macau para votar.” Este é um exemplo das mensagens de apelo ao voto que já começaram a ser enviadas aos residentes, sem que haja referências directas a candidatos, até porque as listas ainda não estão oficializadas.

Apesar de não existirem queixas formais, os membros da Comissão de Assuntos Eleitorais da Assembleia Legislativa (CAEAL) afirmam terem tido conhecimento do envio de SMS e prometem estar atentos.

“Ainda não notámos nenhuma irregularidade mas, para garantir a imparcialidade e a justiça nas eleições, não encorajamos as associações ou entidades a fazerem propaganda ou a chamar os outros a votar. Se a comissão verificar que alguém está a violar a lei eleitoral, iremos actuar”, disse apenas Tong Hio Fong, presidente da CAEAL.

Nesta fase não é ilegal o acto de enviar mensagens a apelar à participação nas eleições, mas a CAEAL não incentiva tal gesto. “Não encorajamos, mas se não constituir uma irregularidade nós vamos monitorizar consoante o caso e decidiremos se vamos intervir. Se calhar, nesta fase a situação ainda não constitui uma irregularidade, mas as pessoas devem disciplinar-se. Se for uma contravenção podemos encaminhar para o Comissariado contra a Corrupção (CCAC) ou para o Corpo de Polícia de Segurança Pública”, acrescentou Tong Hio Fong.

“Temos comunicação com o CCAC para os casos que não estão expressamente a violar a lei. Não excluímos a possibilidade de qualquer caso que tenha violado a lei ser encaminhado para as entidades competentes e aguardaremos depois uma decisão”, disse ainda o presidente da CAEAL.

Contra a ignorância

A mensagem acima citada foi enviada pela Associação dos Trabalhadores da Função Pública de Macau (ATFPM). Confrontado com a posição da CAEAL, o presidente da associação e deputado José Pereira Coutinho desvaloriza os comentários feitos.

“As nossas mensagens vão na sequência do apelo que se deve fazer à população para que seja mais participativa. O grande problema em Macau é que, na maior parte das vezes, as pessoas não sabem o que está a acontecer. É importante que reservem esse dia como um dia muito importante de participação política activa. Espero que o Governo faça mais nesse sentido”, defende.

Pereira Coutinho afirmou ainda que muitos não estão sequer informados. “Esta data está a ser divulgada na comunicação oficial e no Boletim Oficial (BO). Mas muitas pessoas não lêem o BO, não lêem jornais. Muita gente agradeceu-me pelo alerta que fizemos”, acrescentou o deputado.

Menos votos nulos

A reunião de ontem da CAEAL serviu ainda para analisar a nova forma de elaboração dos boletins de voto por forma a apoiar os deficientes visuais, uma vez que, nas eleições legislativas de 2013, muitos votos foram considerados nulos.

“Nestas eleições a nossa comissão irá criar boletins para facilitar [o voto] a essas pessoas com dificuldades visuais. Alguns votos foram considerados nulos porque os carimbos não foram colocados de forma correcta, então falámos sobre a melhor forma de os colocar”, explicou Tong Hio Fong, sem adiantar dados quanto ao número de votos nulos registados em 2013.

A comissão quer ainda resolver problemas ao nível das notificações dos lugares onde os residentes podem ir votar. “Considerando as últimas eleições para a AL, um grande número de eleitores não conseguiu receber as notificações. Talvez tenham existido enganos ou não soubessem a qual assembleia de voto se deveriam deslocar. Houve inconveniências. Temos trabalhado para melhorar a situação. Se esses eleitores tiverem alterado a residência, devem mudar a morada”, concluiu o presidente da CAEAL.

A cronologia das eleições, que define questões como o período de campanha eleitoral e apresentação de candidaturas, é publicada hoje.

 

 

CAEAL não vai definir critérios para media

Pairam no ar algumas dúvidas quanto ao tratamento noticioso que deve ser dado nas eleições deste ano, após declarações recentes do presidente da CAEAL. Tong Hio Fong garantiu ontem que não serão definidos critérios para os órgãos de comunicação social. Estes “devem saber o que é propaganda eleitoral e o que constitui uma irregularidade, devem saber o que podem relatar e o que não podem”. “Vocês é que determinam o que é permitido. Por mais exemplos que nos apresentem agora, a questionar o que constitui uma irregularidade, digo o mesmo: todos os actos que não respeitem esses artigos [da lei Eleitoral] constituem uma violação à lei.” Tong Hio Fong disse mesmo que “a comissão já referiu que não pode ensinar à comunicação social como fazer, cabe à entidade, à ética profissional e disciplina definirem o que podem e não podem relatar. É esse o vosso dever.”

16 Mar 2017

Lai Chi Vun | Demolição dos estaleiros origina protesto junto do Instituto Cultural

Duas associações protestaram ontem junto ao Instituto Cultural para exigir que o Governo avalie os estaleiros de Lai Chi Vun do ponto de vista histórico e para que mantenha as estruturas que ainda não foram abaixo. É ainda exigida a intervenção do CCAC

[dropcap style≠’circle’]C[/dropcap]erca de uma semana depois da demolição de dois estaleiros em Lai Chi Vun, duas associações resolveram adoptar outro método de contestação e resolveram protestar junto das instalações do Instituto Cultural (IC). Na praça do Tap Seac estiveram representadas a Nova Associação dos Trabalhadores da Indústria de Jogo de Macau, presidida por Cheng Lok Sun, e a Associação Sonho Macau. O ambientalista Joe Chan também se juntou à iniciativa.

O objectivo do protesto foi solicitar às autoridades a preservação dos estaleiros de Lai Chi Vun, tendo sido pedido que comecem os trabalhos de avaliação do local como património cultural imóvel. Foi ainda exigido que os responsáveis do Governo divulguem o resultado da avaliação e o futuro planeamento dos estaleiros.

Em comunicado, as associações apontam que os estaleiros de Lai Chi Vun são um sinal de que existiu em Macau uma indústria naval, devendo, por essa razão, ser considerado património. Os responsáveis lembram ainda que a concepção dos estaleiros nunca foi feita por arquitectos profissionais, por isso são peças únicas em Macau e possuem um valor importante.

Há uma saída

Para Cheng Lok Sun, existem alternativas para os estaleiros que não passam pela sua demolição, discordando da opção do Executivo. A recuperação pode ser feita com recurso à tecnologia existente, acredita.

Citando a Lei de Salvaguarda do Património Cultural, o presidente da associação defende que o IC deve ser responsável pelo processo de Lai Chi Vun, pois cabe a esta entidade olhar para os lugares com maior necessidade de preservação. No entanto, o responsável pela Nova Associação dos Trabalhadores da Indústria de Jogo de Macau critica o facto de o IC ter permitido que a Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes tenha começado a demolir o que resta dos antigos estaleiros.

“As autoridades deveriam ter iniciado o processo de avaliação há muito tempo. Se isso tivesse acontecido, os estaleiros não teriam sido demolidos”, apontou.

CCAC para que te quero

Cheng Lok Sun defende ainda que o Comissariado Contra a Corrupção deve iniciar uma investigação sobre o caso. “Criticamos o Governo por causa dos actos de corrupção e benefícios que possam ocorrer no caso de Lai Chi Vun e, por isso, achamos que o processo deve ser investigado.”

O presidente da associação espera ainda que haja mais deputados que possam representar as vozes dos cidadãos nas próximas eleições, o que poderia contribuir para uma preservação da povoação e dos estaleiros.


Mais de 130 dizem não

Ia ontem com 134 assinaturas a petição “Não à Demolição dos Estaleiros de Lai Chi Vun”, uma iniciativa que está a decorrer através de uma plataforma online que pretende travar a destruição das estruturas em Coloane. Os mentores do abaixo-assinado defendem que os estaleiros “representam a memória de uma indústria naval que em Macau teve grande importância, sobretudo numa época em que o território dependia quase exclusivamente das vias marítimas”. Este conjunto construído “constitui uma forma de património arquitectónico que, sendo construído pelos próprios carpinteiros, valida uma identidade cultural própria”, refere-se ainda. Os subscritores propõem a manutenção das estruturas de madeira dos estaleiros e a sua recuperação para instalação de actividades ligadas à cultura, de áreas museológicas a artesanato, passando por ateliers artístico-pedagógicos e zonas lúdicas.

16 Mar 2017

Tabaco | Só há regras para casinos no próximo ano

A análise na especialidade da proposta de lei relativa ao tabaco está a chegar ao fim. Com cedências por parte da Assembleia Legislativa e do Executivo, o diploma vai ser apreciado na especialidade no próximo mês, mas os requisitos para as salas de fumo dos casinos só serão conhecidos em 2018

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] proposta de revisão da Lei de Prevenção e Controlo do Tabagismo deverá regressar ao plenário e ser votada na especialidade já no próximo mês, depois de meses de espera em sede de comissão. A ideia foi deixada ontem pelo presidente da 2.ª Comissão Permanente, Chan Chak Mo, após uma reunião de análise do diploma.

Perdida a luta pela proibição total de fumo nos casinos, a comissão admite que as operadoras possam instalar salas de fumo obedecendo a critérios restritos. A razão, apontou Chan Chak Mo, “é a preservação dos lucros da maior fonte de receitas do Governo”. O deputado sublinha ainda que é uma forma de “minimizar os efeitos nocivos que o tabaco tem para a saúde dos trabalhadores do jogo, sendo uma medida positiva, tanto para funcionários, como para os aspectos ligados à competitividade económica”. “Não devemos correr o risco de proibir por completo o fumo nos casinos porque iria afectar as receitas e mesmo os trabalhadores”, afirmou.

A solução passa pela criação de requisitos rígidos e claros para as salas de fumadores. No entanto, as directrizes que irão definir as características legais destes espaços só serão definidas após a aprovação da proposta na especialidade e dadas a conhecer através de regulamento administrativo, que está previsto para o próximo ano. “A entrada em vigor dos requisitos vai ser a 1 de Janeiro de 2018 e as salas de fumo têm de reunir os requisitos definidos por regulamento administrativo no prazo de um ano”, afirmou.

Neste período de tempo, as operadoras podem manter as salas existentes e “a instalação dos requisitos tem de ser concluída antes de 1 de Janeiro de 2019, visto o prazo para proceder às obras ser de um ano após a publicação do regulamento administrativo”, explicou Chan Chak Mo.

Actualmente, Macau tem casinos em fase de construção e, questionado acerca da existência de alguma orientação que possa definir as salas de fumo que estão a ser feitas, o deputado afirmou que, de momento, não existem. As operadoras correm o risco de, em menos de um ano, terem de proceder à reconstrução de novos espaços para fumadores. “Caso não tenham conhecimento dos requisitos, correm o risco de estar em incumprimento e, nesse caso, há que introduzir as alterações”, concedeu.

O presidente da comissão defendeu que as decisões que os casinos estão a tomar na construção de salas de fumo “são uma decisão comercial” e, como tal, apontou duas soluções: “Ou atrasam as obras e aguardam pelo regulamento administrativo ou sujeitam-se, se necessário, a ter de reformular os espaços para fumadores”.

Também as salas VIP vão estar sujeitas às mesmas regras. A proposta de revisão legislativa não admite qualquer espaço onde seja permitido fumar além das salas destinadas para o efeito. “Nas restantes áreas dos casinos é proibido fumar. O consumo de tabaco só é permitido nas salas de fumo”, sublinhou.

Concessões e excepções

A comissão concordou ainda com outras cedências. A proibição de fumar a menos de 10 metros de distância de locais de paragem de transportes colectivos foi abandonada e deu lugar à nova sugestão do Executivo.

O diploma prevê agora que sejam as entidades competentes a definir os espaços. “Manifestámos alguma reserva relativamente à sua exequibilidade e, agora, foi determinado que as áreas autorizadas a fumadores sejam delimitadas pela entidade competente, nomeadamente o Instituto para os Assuntos Cívicos e Municipais ou pelos Serviços de Transportes e Obras Públicas.”

A comissão sugeriu que sejam instaladas salas de fumos no estabelecimento prisional. “Actualmente, é permitido fumar nas áreas demarcadas pelo director e é proibido nos recintos fechados. No entanto, há reclusos que não têm direito a recreio e que deveriam ter a possibilidade de fumar”, afirmou Chan Chak Mo.

Do diploma consta também a proibição de salas de prova de charutos nos estabelecimentos de venda exclusiva de produtos de tabaco. “Por uma questão de igualdade, se as pessoas não experimentam os cigarros também não faz sentido que tenham de o fazer com os charutos”, disse.

A exposição de marcas de cigarros chega também ao fim e, “nas mercearias e tendas de jornais, não podem ser visíveis por quem passa”. “O modelo que sugerimos pode passar por um papel A4 em que constem as marcas que o estabelecimento tem à venda. Pode ser mostrado aos clientes mas não pode ser visto a partir do exterior”, rematou Chan Chak Mo.

A comissão deverá ter uma reunião com o Executivo na próxima semana, de modo a darem a conhecer as últimas sugestões. O objectivo é avançar o mais rápido possível com a proposta para que, em Abril, seja submetida então a votação.

15 Mar 2017

Rita Wong e Albert Chu, gestores da Cinemateca Paixão: “Queremos trazer cinema de todo o mundo”

A pequena sala de cadeiras coloridas começa finalmente a receber público de forma regular já a partir do dia 30 deste mês. Sob gestão da Associação Audiovisual CUT, a Cinemateca Paixão será também um espaço para aprender mais sobre a história do cinema de Macau, através de uma biblioteca com material reunido pelo Instituto Cultural. Rita Wong, presidente da associação, e Albert Chu, director artístico, falam da intenção de trazer uma pluralidade de experiências relacionadas com o grande ecrã, com workshops e residências para cineastas

[dropcap]A[/dropcap] vossa associação ganhou o concurso público para a gestão da Cinemateca Paixão, por um período de três anos. Por que decidiram participar neste processo?
Albert Chu (A.C.) – A associação já levou a cabo várias projecções de filmes e promoveu várias produções de Macau. Quando soubemos que o Instituto Cultural (IC) iria abrir o concurso público, acabou por ser uma decisão natural para nós, a de que deveríamos ser um dos concorrentes. Era uma hipótese que coincidia com o que vínhamos fazendo até então, e queríamos continuar a fazer esta promoção e a realizar exibições para as pessoas de Macau. Mas a nossa maior preocupação era se conseguiríamos levar a cabo actividades numa base diária e garantir a operacionalização do espaço, porque é algo muito diferente do que realizar algumas actividades por ano. A possibilidade tornou-se mais próxima da realidade e agora já se tornou uma coisa real.

Rita Wong (R.W.) – Antes de aderir a este projecto já trabalhava nesta área, pois estive no Centro Cultural de Macau (CCM) durante dez anos, ligada a projectos de audiovisual. Então a oportunidade de aderir ao projecto foi natural, foi uma boa oportunidade para concentrar todos os esforços na promoção do cinema.

A.C. – Já havia uma parceria com o CCM para fazer o Macau Indies. Já nos conhecíamos bem e era uma boa maneira de trabalharmos em conjunto.

Além da exibição de filmes, que outras actividades pretendem desenvolver na Cinemateca?
R.W. – Queremos estabelecer aqui um centro de exibição de filmes temáticos. O que temos planeado é, além da normal exibição, termos todos os meses temas especiais e eventos relacionados com os filmes, como workshops ou residências para cineastas, ou ainda palestras. Queremos que este seja não só um espaço de mostra de filmes, mas também de partilha e discussão depois da sua exibição. Em Abril vamos arrancar com um workshop sobre critica de cinema, que terá a duração de um ano. Em Maio vamos convidar alguns cineastas de Taiwan para participarem num workshop ligado ao marketing, para analisar o que o mercado necessita. Em Junho vamos ter uma residência de cineastas e vamos convidar realizadores de cinema da região – vamos ter também exibição de filmes e depois uma conversa com o público. É objectivo dessa residência levar filmes para as escolas e realizar workshops com realizadores de Macau, para que haja uma ligação.

A.C. – Estamos mais activos em termos de estratégia. O dito cinema normal apenas depende do mercado, dos últimos lançamentos mas, na Cinemateca, queremos criar diferentes eventos e projectos, com várias temáticas. Temos um plano e queremos promover a cultura do filme.

Que filmes poderão ser exibidos na Cinemateca? O público poderá ver cinema asiático, mas também europeu?
R.W. – Queremos trazer cinema de todo o mundo. A nossa postura vai no sentido de trazer uma diversidade e também filmes que estejam fora do circuito comercial, como filmes independentes ou filmes de arte. Claro que todos os meses vamos ter filmes locais também. Em dois fins-de-semana, por exemplo, teremos películas para mostrar aos residentes e também aos turistas. Em Abril vamos começar a mostrar filmes de Macau realizados nos últimos 20 anos.

Para contar a história de novo.
R.W. – Sim. Em Maio teremos um maior foco nos realizadores de cinema e, em Junho, teremos uma selecção de filmes produzidos por cineastas mulheres. Na verdade vamos trabalhar com diferentes curadores, para termos esse programa diversificado.

Disse-me que a Cinemateca também vai ter uma livraria e um espaço aberto ao público. Macau já teve uma importante indústria de cinema, que se foi perdendo. É importante contar a história, para que se possa recomeçar?
A.C. – Em relação à livraria apenas garantimos a sua operacionalização. Cabe ao IC a cedência dos materiais. Não é algo que está sob o nosso controlo, mas penso que a ideia é reunir todos os livros e informações disponíveis em termos não só da produção de filmes em Macau, mas também de filmes que tenham uma ligação ao território. No entanto, apenas podemos fazer recomendações ao IC. Será um projecto a implementar lentamente no próximo meio ano, mas depois penso que será feito de forma mais rápida. Em relação à exibição de filmes, todos os anos teremos dois temas relacionados com Macau, duas pequenas actividades.

É fundamental fazer esse trabalho de recolha? Era algo que fazia falta ao sector?
A.C. – Esse sempre foi o objectivo e vamos tentar realizar isso.

Estiveram envolvidos no Macau Indies por um longo período de tempo. Tracy Choi foi premiada na primeira edição do Festival Internacional de Cinema. Como descrevem a produção cinematográfica nos dias de hoje? Acreditam que Macau começa agora a desenvolver novos passos, com mais produções?
A.C. – Há muitos realizadores que têm mais conhecimentos para fazer os seus filmes. Têm uma plataforma [com o apoio do CCM] para isso, para filmar e fazer grandes produções. Nos últimos anos vimos várias pequenas produções a nascer. Têm hoje mais oportunidades para participar em diferentes festivais de cinema e para terem acesso a mais lugares para filmar. Tudo isso fará com que Macau, em termos de produção cinematográfica, vá no bom sentido. Tudo depende de quão arduamente o realizador vai trabalhar. De como será trabalhada a sua criatividade. Se é bom o suficiente, se reflecte a realidade de Macau.

R.W. – Cresci praticamente com todos eles que, no início, trabalhavam muito de forma individual, a aprender. A coisa mais extraordinária é que esse processo levou-os a crescer, mas a crescerem juntos, desde as primeiras edições do Macau Indies. Vejo-os agora a fazer filmes de uma forma mais madura, em termos de sonoridade, da escrita de guiões. São ainda pequenas produções, mas estão a seguir um caminho. É a parte mais feliz de tudo isto.

Numa das edições do Macau Indies venceu uma produção que abordava a temática da homossexualidade. Os realizadores locais também estão a começar a abordar outro tipo de temas, há uma maior diversidade de assuntos no cinema local?
A.C. – Deveria haver. Mas muitas vezes depende da sensibilidade de cada realizador. Em poucos anos estarão mais focados num ou outro projecto e os temas começaram a ser mais diversos. Isso é bom.

Pensam mais nos problemas da sociedade?
A.C. – No Macau Stories 3 – City Maze [produção da Associação Audiovisual CUT] houve uma ligação ao suspense, com um certo lado negro. Aí os realizadores começaram a abordar esse género e, no futuro, vamos ter cada vez mais abordagens a outros géneros cinematográficos.

R.W. – O CCM tem uma plataforma onde os realizadores têm toda a liberdade para desenvolver os temas escolhidos. Isso vai acontecer mais em Macau, sendo que vão ter de lidar com a pressão do mercado. Vão ter a liberdade para abordar temas sociais sobre os quais tenham interesse ou preocupação.

De certa forma, há ainda uma experimentação?
R.W. – Sim.

A.C. – Há cinco anos, todos eram realizadores. Mas, agora, se quisermos montar uma equipa, há pessoas para os diferentes cargos [necessários para a rodagem e produção de um filme]. Esse é um grande salto, se compararmos com os últimos cinco anos.

Falaram do mercado. Como é que os locais olham para o cinema local, uma vez que os filmes da China ou da Coreia do Sul são muito populares? É difícil às produções locais obterem o seu espaço?
R.W. – Temos de começar primeiro pelas pequenas produções. Não diria que ainda estejam a experimentar, mas têm de se focar em pequenas produções primeiro. Como contar uma história da melhor forma. Isso é o mais importante.

A.C. – Olhar para as intenções do público é também a nossa missão. Queremos atrair mais locais para que venham aqui. É verdade que o público de Macau terá uma tendência para escolher primeiro os filmes coreanos, chineses e até de Hollywood. Isso é porque pensam que as produções de Macau não são boas o suficiente, ou porque é algo artístico que não compreendem. Mas a nossa Cinemateca é uma boa forma para estarmos mais perto do público, para que possam conhecer que as produções de Macau são próximas das suas vidas mas, ao mesmo tempo, têm padrões profissionais. É uma missão de longo prazo para nós.


Inauguração com direito a filme

Rita Wong e Albert Chu confirmaram ainda na conversa com o HM que o dia da inauguração oficial vai servir para mostrar uma pequena produção que contou com a participação de três cineastas de Macau: Tracy Choi, Choi Koiwang e António Caetano de Faria. O contrato com a Associação Audiovisual CUT arrancou no passado dia 1 de Janeiro e está avaliado em oito milhões de patacas anuais.

15 Mar 2017

Revitalização da zona de Mong-Há discutida este sábado

Vários profissionais ligados ao urbanismo vão reunir-se para debater a renovação da zona de Mong-Há. Com “Relink_Revive” pretende-se olhar para as formas de ligação dos vários pontos culturais e habitacionais da zona, sem esquecer o aproveitamento do Canídromo

[dropcap style≠’circle’]Q[/dropcap]ual a utilização que deve ser dada ao actual terreno ocupado pelo Canídromo? Que ligações podem ser estabelecidas em toda a zona de Mong-Há, com mais acessos pedonais? São algumas das questões para as quais vão ser encontradas respostas no debate “Relink_Revive” [ligar e reviver], que vai juntar vários profissionais ligados ao urbanismo.

O encontro terá lugar no Centro de Design de Macau e é organizado pelo Instituto de Estudos Europeus de Macau (IEEM), o departamento de arquitectura da Universidade de São José, o Instituto Politécnico de Milão e o Albergue SCM.

Ao HM, José Luís Sales Marques, presidente do IEEM, explicou que a ideia é abordar estudos de caso e ter acesso a uma visão mais alargada, trazida por profissionais estrangeiros.

A utilização do terreno onde se situa o Canídromo será um dos temas abordados. “Espero que seja um espaço público”, apontou Sales Marques. “Pode ser utilizado para aumentar a área de espaço público para toda aquela zona, que tem uma elevada densidade populacional.”

O arquitecto Francisco Vizeu Pinheiro será um dos oradores e irá revelar um estudo desenvolvido por alunos da USJ para a revitalização daquela zona. “A grande preocupação para o futuro é o que será feito do Canídromo, porque têm aparecido nos jornais diferentes ideias para o aproveitamento do espaço. É importante fazer valer o significado histórico e cultural de Mong-Há”, defendeu.

“Está previsto no Plano de Desenvolvimento Quinquenal que essa zona seja ligada ao lazer e cultura, mas isso não é compatível com a oferta turística actual, que está centrada na Almeida Ribeiro e Ruínas de São Paulo. Temos de ter mais espaços pedonais e zonas que sejam de mais fácil acesso”, disse ainda o arquitecto.

Já Maria José de Freitas, autora da primeira fase de requalificação de Mong-Há e outra das oradoras, aponta que “se o Canídromo sair dali, que seja um lugar que tenha que ver com espaços polivalentes”.

Melhores acessos

Para José Luís Sales Marques, a zona de Mong-Há carece sobretudo de novos e melhores acessos, que liguem os diversos pontos culturais e habitacionais. “A zona do Canídromo está separada de Mong-Há através da avenida Almirante Lacerda, como se fosse um muro. Tudo o que existe na colina de Mong-Há é recente, do final dos anos 90. Criaram-se algumas estruturas, mas não foi feita foi a ligação com o Armazém do Boi e a colina. Há um dado adicional, o edifício do canil municipal, que agora é património. Isso significa que há regras estabelecidas e sem dúvida que todo aquele espaço merece ser requalificado”, lembrou o presidente do IEEM.

Sales Marques acredita ainda que deveria ser feito um trabalho de revitalização olhando para algumas zonas da Areia Preta, onde “começa a aparecer um conjunto interessante de restaurantes, com o próprio Centro de Design de Macau, que é um pólo importante”.

Também Francisco Vizeu Pinheiro fala da necessidade de “revitalizar o património que não está a ser usado”, pois existem “vários pontos culturais que estão desconectados”. “A Avenida Coronel Mesquita poderia ser mais amigável”, referiu.

Aproximar e renovar

A primeira fase de requalificação de Mong-Há foi concluída, mas o segundo projecto acabaria por ficar na gaveta, à boleia da mudança causada pela transferência de administração. Para Maria José de Freitas, seria importante, nos dias de hoje, “aproximar o quarteirão de Mong Há que envolve o Canídromo e os antigos estábulos municipais que, hoje em dia, são o Armazém do Boi”.

“Deve dar-se atenção à área do Canídromo. A colina de Mong-Há tem cerca de 50 metros e, para pessoas com uma certa idade, é difícil chegar ao topo. Era importante ter meios mecânicos de acesso e de ligação entre o topo da colina e a área adjacente”, defendeu.

Maria José de Freitas dá também atenção às casas históricas da Avenida Coronel Mesquita. “Há situações interessantes de moradias que eram de funcionários públicos e que estão abandonadas, e seria mais um tentáculo de ligação. Muita coisa poderia acontecer para que este espaço fosse mais integrado.”

José Luís Sales Marques referiu ainda ao HM que a intenção é que a participação nesta conferência possa dar acesso a pontos para a renovação da licença dos profissionais do urbanismo, tendo já sido submetido um pedido ao Conselho de Arquitectura, Engenharia e Urbanismo para esse efeito. A entrada é gratuita.

15 Mar 2017

Henrique Raposo, escritor e cronista: “Hoje, dou por mim a elogiar os sindicatos”

Henrique Raposo, cronista no semanário Expresso e autor do polémico “Alentejo Prometido”, que será apresentado hoje no festival Rotas das Letras, está em Macau. Estivemos à conversa sobre o Alentejo, os desafios da Europa, as crises de valores e os paradoxos ideológicos que grassam o Mundo, ao som de guitarras portuguesas
FOTO: Eduardo Martins | Rota das Letras

[dropcap]A[/dropcap]presenta hoje, no festival Rotas das Letras, o livro “Alentejo Prometido”, que originou indignação em Portugal. Como explica esta reacção?
Acho que as pessoas que ficaram indignadas não leram o livro. A meu ver, o livro é uma carta de amor ao Alentejo e, como todas cartas de amor, tem momentos de dureza e de ternura. A indignação foi provocada por um clip de uma entrevista ao Pedro Boucherie Mendes que circulou na Internet. Na altura escrevi que admito que me expliquei mal, sou escritor, não sou orador. Mas nada justifica aquilo que se passou. O que se passou é que a esquerda portuguesa vai sempre ter uma má relação comigo porque nasci no povo da esquerda e não sou da esquerda. Nesse sentido, vamos ter sempre uma relação difícil e aquilo foi um pretexto para me baterem.

Portanto, considera a indignação mais política do que regionalista.
Começou com uma reacção epidérmica de alentejanos na Internet, sobretudo miúdos que não têm referências do passado. Aliás, sobre o presente gostava que alguém encontrasse páginas mais luminosas e esperançosas que as minhas. Talvez se eu tivesse dito que o livro está mais próximo do romance, de um trajecto pessoal, do que do ensaio a polémica fosse menor. Depois, como muitos romances, parte do pessoal e abre para o geral, o livro é sobre um desterrado que tenta encontrar a sua identidade, é a minha “estrada de Damasco”. Não tenho problemas de estar na minoria, no campo mediático é evidente que quem é liberal, ou conservador, está em minoria. A esquerda domina o espaço o público, até acho normal. A indignação, a partir de certo momento, foi instrumentalizada pelo PCP, principalmente através das câmaras municipais. Depois há uma certa direita marialva que também não gostou do livro. Não acho que o livro seja político mas, como tenho uma forte carga política devido ao meu papel como cronista, as pessoas não conseguiram ver aquilo como um romance, e quiseram ver, à força, um estudo.

Como vê a ascensão do eurocepticismo na Europa?
Não estou apocalíptico. Estou pessimista, aliás, sou pessimista por natureza. Não se constrói algo como a União Europeia sem crises. O coração da Europa é a França e a Alemanha, tudo se joga aí. Acho que vamos ter boas notícias este ano porque a Le Pen, mesmo ganhando a primeira volta, perde a segunda. Hoje em dias as sondagens valem o que valem, ainda assim todas indicam que a Frente Nacional perde na segunda volta. Quem vota Fillon, quem vota centro-direita, um conservador clássico, não vai votar Le Pen. Mas, atenção, se nada mudar na maneira como os franceses encaram os muçulmanos, nada vai mudar. Melhores notícias ainda estão a vir da Alemanha, onde a CDU continua forte, a Alternative für Deutschland não está a conseguir comer muito eleitorado ao centro-direita. Mas mais interessante é a recuperação do SPD de Schultz, isso é uma boa notícia. É fundamental que o centro seja forte, para aguentar aquilo que parece uma tenaz extremista dos dois lados.

Num plano mais alargado no tempo, não considera que as instituições europeias podem estar em perigo?
A longo prazo ainda sou mais optimista, porque a minha geração, a geração Erasmus, sente a Europa. Eu sinto-me europeu aqui, sinto-me europeu nos Estados Unidos. Sempre fui muito pró-americano e quando fui passar uma temporada nos Estados Unidos julgava que me ia sentir em casa. Todos os meus heróis políticos estão na direita americana, o Lincoln, os pais fundadores. Mas não, eu sou europeu. Posso ter afinidades ideológicas com eles, posso respeitar a república americana, que é o maior projecto político desde o Império Romano, é absolutamente maravilhoso, mas não sou americano, sou europeu.

Mas não acha que sem uma reformulação institucional as tensões dentro da União Europeia podem aumentar?
O que pode haver é um choque na Europa entre o leste e o ocidente. Acho que é muito possível haver uma coisa feia. Não é impossível uma guerra, não é impossível nos Balcãs, nem na zona da Hungria, por exemplo. Vejo mais a possibilidade de conflito entre eles, e depois vejo uma separação cultural, entre o leste e o ocidente europeu. Na questão como abordam os negros, os muçulmanos, por exemplo. Critico muito a esquerda europeia porque recusa, numa perspectiva muito politicamente correcta, integrar o muçulmano no nosso modo de vida, porque ele tem a cultura dele e tem de viver à parte. Abomino esta espécie de Apartheid ao contrário, julgo que isso tem custado caríssimo. Também tenho de criticar a direita da Europa de Leste que é aberta e orgulhosamente racista. Têm orgulho em ter sociedades exclusivamente brancas. São sociedades que vão ser nacionalistas, vai receber muito mal qualquer tipo de pessoa estranha, não querem ser uma sociedade cosmopolita, não confundir com multiculturalista. Por este prisma, não vão conviver bem com a União Europeia, nem com a globalização, como se está a ver agora.

Não teme o nacionalismo no ocidente europeu?
No leste as atitudes são muito nacionalistas. Enquanto os portugueses, espanhóis, franceses, ingleses, tivemos mundo, tivemos império, que não foram nada simpáticos para o resto do mundo. Neste aspecto, detesto o luso-tropicalismo que diz que fomos uns porreiraços para os outros, não fomos. Fomos tão racistas e imperialistas como os outros. Mas isso teve um efeito benévolo hoje em dia, porque temos uma maior facilidade em contactar o outro. Somos cosmopolitas porque fomos imperiais. Nós, em Lisboa, não vamos ter uma direita nacionalista/racista, porque já temos duas gerações a conviver diariamente com negros, muçulmanos, indianos. Da minha geração de intelectuais à direita há uma barragem permanente contra Trump e Brexit, contra Le Pens.

“Fomos tão racistas e imperialistas como os outros. Mas isso teve um efeito benévolo hoje em dia, porque temos uma maior facilidade em contactar o outro.”

Ficou surpreendido com a eleição de Donald Trump?
Trump é a ponta de um iceberg que já tem décadas. Existe um problema enorme na política americana ao nível do financiamento. Transforma a democracia numa oligarquia porque, no fundo, quem decide o voto é o “um por cento” que financia as duas máquinas partidárias. Se acho que em Portugal há demasiados lobbies debaixo da mesa, que deviam ser assumidos e institucionalizados de qualquer maneira para que as coisas não fossem tão obscuras, na América eu acho que se passa ao contrário. Chegou-se a um ponto de centralidade do lobbying que está a desvirtuar tudo. Aliás, há reportagens arrepiantes em que se mostra o dia-a-dia de um congressista, que é estar ao telefone a pedir financiamento para campanha. Não é estar a falar com as pessoas para tentar resolver os problemas delas. Não é estar em diálogo com os outros senadores, ou congressistas, para ter os tais acordos “bipartisan”, que resolvem os problemas. Isto desvirtua tudo.

O investimento em lobby na Europa também tem aumentado nos últimos 15, 20 anos. Acha que há um deficit de democracia também na Europa?
Isso eu não acho, porque a União Europeia é feita por democracias, votamos em democracias nacionais, e temos votado sistematicamente em quem é pró-europeu. Nesse sentido, não acredito no deficit democrático na Europa. Não sou nacionalista, abomino a Le Pen, mas se fizer um texto onde defendo o patriotismo clássico sou apelidado, imediatamente, de fascista, reaccionário, por aí fora. Se critico um muçulmano que bateu na filha ou que matou a filha, e se critico a maneira como nós, europeus, descrevemos essa barbárie dizendo que é um crime de honra, sou apelidado de islamofóbico. Não aceito isso. Há também falta de comunidade, quer à esquerda, quer à direita. O discurso clássico da esquerda tem a sido “a globalização desregulou a economia, acabou com fábricas e sindicatos”. Enquanto critica a desregulação da economia, elogia a desregulação da família, os novos valores, a família tradicional, o casamento que é desnecessário, um discurso libertário nos valores familiares. A direita fez o contrário, critica a desregulação da família, mas depois elogia a desregulação da economia. Mas estamos todos a falar das mesmas coisas, sentimos todos falta de comunidade. A direita sente falta da família, do bairro; a esquerda sente falta dos sindicatos.

Cresceu numa comunidade de cariz socialista.
Cresci num ambiente sindical e, se quiser, isto é um elogio indirecto ao PCP, porque foi o ambiente em que cresci, e eles fazem muito bem uma coisa: bairro! Através dos sindicatos, das associações. Ainda hoje, e regressando ao “Alentejo Prometido”, queria voltar a um bairro imaginário que tive quando era puto, ali na zona de Loures. Já não é o meu bairro, já não me sinto em casa. Hoje, dou por mim a elogiar os sindicatos, apesar de achar que o sindicalismo em Portugal está muito atrasado, continua em guerras dos século XIX. Precisamos de dar empregos industriais às pessoas. Nós, Ocidente, precisamos de perceber que não podemos ser só uma sociedade de consumidores, temos de voltar a fazer coisas, a ter aquele sentido de comunidade que a fábrica dá. Por outro lado, precisamos de voltar a ter respeito pela família, seja de que família for. Casamento gay, para mim, era já amanhã, apesar de isso criar problemas com amigos cristãos que não gostam dessa ideia. Temos de voltar a criar família, laços de comunidade.

Como é possível ser católico, sentir a mensagem de Jesus, numa direita que se afasta da defesa do Estado Social?
Existe uma tensão na direita entre a defesa da família, temos de saber conciliar o que é crescimento económico com a família. Vejo a direita só a falar de mercado e a esquerda a falar de Estado, e no meio onde está a comunidade? Onde é que as famílias moram, onde é que as crianças brincam? Na esquerda há uma tensão entre, por um lado, a defesa dos direitos dos gays, das mulheres e depois a incapacidade de criticar o Islão que é a comunidade mais homofóbica e mais machista. Essa tensão está a custar caríssimo à esquerda, é por isso que o Labor em Inglaterra está como está. À direita a tensão é na defesa da globalização, que eu acho que é positiva, não sei como se pode falar da globalização sem se falar da diminuição drástica da pobreza no mundo inteiro. Sobretudo, aqui nesta zona. Centenas de milhões de chineses saíram da mais abjecta pobreza e são hoje em dia classe média.

Como vê a posição da China neste contexto capitalista global?
É a minha primeira vez na Ásia, no velho e grande Oriente, estou a absorver tudo. Lembro-me de um historiador económico, David Landes, que há uns anos escreveu um livro onde dizia que o capitalismo era a cara chapada dos chineses. Vendo o que se está aqui a passar, o capitalismo muitas vezes desregulado, que existe na China sob a égide de um partido comunista, é uma realidade muito interessante. O que me está a fazer alguma espécie é ver miúdos chineses muito parecidos com os ocidentais. Vejo casais de namorados na rua e são como europeus, ou americanos, têm roupas iguais, os cantores pop que ouvem parecem muito semelhantes. Até agora, a coisa mais fascinante que tenho estado a observar são as modelos chinesas, o ideal de beleza chinês parece ser da chinesa ocidentalizada, na própria face. Apesar de todo o poder asiático, o ocidente continuava a decidir o belo, o que não deixa de ser, para um ocidental empedernido como eu, uma coisa maravilhosa. Quero fazer uma reportagem muito sensitiva sobre o que tenho vivido aqui e depois quero pensar um ensaio sobre isto.

14 Mar 2017

Ho Chio Meng | Oriana Pun assegura defesa do ex-procurador

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] antigo líder do Ministério Público (MP) já tem nova defesa. Depois de ter ficado sem advogado, uma vez que Leong Veng Pun pediu o abandono do patrocínio, Ho Chio Meng passa agora a ser defendido por Oriana Pun, noticiou ontem a Rádio Macau.

Advogada desde 2005, Oriana Pun domina a língua portuguesa e faz parte da Direcção da Associação dos Advogados. O prazo para o ex-procurador constituir nova defesa terminava hoje e Ho Chio Meng evitou, assim, ser defendido por um advogado oficioso.

Leong Veng Pun deixou de defender Ho Chio Meng na passada quarta-feira, alegando falta de condições. A juíza titular do processo decidiu notificar o defensor para esclarecer ao tribunal o motivo do abandono, tendo-lhe lembrado que deve cumprir os deveres estipulados no Código Deontológico dos Advogados, de modo a que o arguido pudesse obter atempadamente a assistência de outro causídico. No mesmo dia, foram suspensas as sessões de julgamento que estavam já agendadas.

Em comunicado, o Tribunal de Última Instância dizia então que, mal estivesse marcada nova data para a realização da audiência, seriam divulgadas ao público as informações sobre o processo. Até à hora de fecho desta edição, ainda não tinham sido anunciados detalhes sobre quando voltará Ho Chio Meng a tribunal.

O julgamento do ex-procurador da RAEM começou a 9 de Dezembro do ano passado. Vai acusado de mais de 1500 crimes. No Tribunal Judicial de Base, arrancou em meados de Fevereiro o processo que tem como arguidos ex-funcionários do MP, familiares de Ho Chio Meng e empresários que alegadamente cometeram os crimes em co-autoria com o antigo procurador.

14 Mar 2017

Pouca liberdade académica, investigações e prestígio: a análise ao trabalho do reitor da UM, Wei Zhao

Em nove anos à frente da Universidade de Macau, Wei Zhao lidou com a mudança da instituição para o campus da Ilha da Montanha e enfrentou investigações de auditoria. Há quem entenda que trouxe prestígio à instituição. Outros dizem que não respeitou a liberdade académica

[dropcap style≠’circle’]E[/dropcap]ntrou em 2008 e deixará o lugar dez anos depois, em Novembro do próximo ano. Está quase concluída a história de Wei Zhao como reitor da Universidade de Macau (UM), após ter decidido não se recandidatar a um terceiro mandato. O Governo reagiu ontem à sua saída da universidade pública através de um comunicado oficial.

“O secretário para os Assuntos Sociais e Cultura [Alexis Tam] respeita a autonomia de que beneficia a UM, assim como a decisão tomada pelo próprio reitor”, lê-se no documento. Além disso, o secretário “reconhece os trabalhos realizados pelo professor Wei Zhao enquanto reitor da UM”.

A UM emitiu ontem um comunicado onde explica que o novo reitor será escolhido com base num processo de recrutamento internacional, levado a cabo por uma comissão que ainda não tem data para ser criada.

“A universidade fez grandes progressos nos últimos anos em termos de desempenho e ao nível da obtenção de reputação internacional, investigação e publicações, e na promoção dos talentos”, considerou Peter Lam, presidente do organismo.

O HM falou com personalidades que não têm uma relação directa com a UM para analisar o mandato de Wei Zhao. Segundo o politólogo Larry So, foi um homem que, acima de tudo, contribuiu para um maior prestígio da universidade.

“A coisa mais importante é que a UM mudou-se para a Ilha da Montanha e tem hoje um campus muito maior do que o anterior. Durante o seu mandato, houve uma maior promoção da UM junto da China em termos de reputação e rankings. Colocou um grande ênfase na construção da reputação da universidade”, apontou.

Pouca liberdade académica

Ainda assim, as críticas chegam quanto à promoção de uma maior liberdade académica. Poderia ter feito mais, mas não fez. “Por norma, a liberdade académica é aceitável [em Macau]. Tanto na UM, como no Instituto Politécnico de Macau a Administração respeita-a, mas diria que há umas certas limitações, uma espécie de autocensura. O próprio reitor nunca fez uma promoção no sentido de existir uma forte liberdade académica ou de expressão. Ele teve bastantes oportunidades para fazer uma melhoria nesse sentido”, acrescentou Larry So.

Jason Chao, activista, é ainda mais claro. “Não posso dizer que tenha sido um grande apoiante da liberdade académica. Não acredito que haja uma garantia da liberdade académica dentro do actual sistema. Independentemente da pessoa que for escolhida para ser o novo reitor, não me parece que as coisas vão mudar.”

Para Éric Sautedé, actualmente a trabalhar em Hong Kong, Wei Zhao não respeitou a liberdade académica, tendo-a ignorado. “O grande erro foi o despedimento de Bill Chou em 2014, por razões possivelmente ‘fabricadas’ e muito dúbias. A liberdade de expressão não foi respeitada e continua a ser esquecida como, por exemplo, para organizar um simples evento para celebrar o 4 de Junho [dia do protesto em Tiananmen]”, apontou.

Polémicas e silêncios

Wei Zhao tem sido um reitor parco em palavras, em que as raras entrevistas são concedidas aos meios de comunicação de língua chinesa. Ainda assim, não teve um mandato fácil.

Um dos casos mais polémicos aconteceu em 2011, quando se soube que o recém-nomeado director da faculdade de Direito, John Mo [entretanto substituído por Gabriel Tong], não era especialista em Direito de Macau. O facto gerou várias críticas por parte da comunidade jurídica, mas o próprio John Mo acabaria por desvalorizar o episódio.

Já em Fevereiro de 2015, o Comissariado de Auditoria (CA) resolveu investigar o “regime de atribuição de alojamento aos trabalhadores da UM”, tema que foi alvo de reportagens devido à existência de alegadas irregularidades e desigualdades na distribuição de apartamentos a docentes no novo campus. Contudo, nada foi apontado à instituição. Foi também analisada a “Instalação da Fundação para o Desenvolvimento da Universidade de Macau”.

O CA analisou ainda a criação do Instituto de Investigação Científica e Tecnológica da Universidade de Macau em Zhuhai, cuja criação “comportou graves riscos” para a Administração. Vários juristas chegaram a apontar ao HM que tal acto constituía uma violação da Lei Básica, mas o Governo optou por não fazer uma investigação por considerar que esta interpretação não constou do relatório do CA.

“Não temos muitas informações sobre essa questão. Se me pergunta se, de certa forma, afectou a continuidade do mandato ou a sua reputação, teríamos de ter mais informações para fazer comentários. Comentar algo de forma especulativa não seria justo nem para ele, nem para a própria universidade”, comenta agora Larry So.

Para Éric Sautedé, Wei Zhao “implementou um sistema bastante opaco de gestão, em que o instituto de investigação em Zhuhai é apenas a ponta do icebergue”.

14 Mar 2017

Lam U Tou: Candidatura à AL? “Não afasto essa possibilidade”

[dropcap style=’circle’]E[/dropcap]studou Ciências Ambientais, mas optou por ter este papel activo junto de associações locais. Porquê?
Tudo começou por acaso. Em 1999, quando acabei a escola secundária, precisava de escolher um curso na universidade. Tinha boas notas, mas era um pouco teimoso. Não queria os cursos que a maioria escolhia e acabei por escolher Ciências Ambientais, porque gostava muito de geografia e da área do ambiente. Na altura vi a notícia de que o Governo iria criar a Direcção dos Serviços de Protecção Ambiental, e aí tive mais certezas da minha decisão, porque as questões ambientais ainda eram uma novidade. Depois comecei na comunicação social, o que me deu uma ideia do que acontecia na sociedade. Entrei para uma associação e tornei-me assistente de um deputado e, desde então, tenho estado ligado aos assuntos sociais. Graças ao meu trabalho nas associações tenho contacto com pessoas de várias classes sociais, e participei directamente em muitos casos. Tudo isso ajudou a que fizesse este caminho.

Decidiu sair da Federação das Associações dos Operários de Macau (FAOM) e criar a Associação Sinergia de Macau. Porquê?
Além de trabalhar na FAOM, também estava na Associação Choi In Tong Sam. As duas entidades são independentes mas, de certa maneira, têm algumas relações. Tratava de casos nas associações e descobri que na sociedade existem diversos problemas que estão por resolver. Há uma coisa que lamento: que as pessoas não resolvam os seus problemas e só façam comentários de uma forma geral. Há pessoas a favor do Governo, outras estão contra o Governo, mas muitas vezes não bastar só ter estas duas opções. O mais importante é fazer um balanço entre os problemas, ouvir as vozes dos vários sectores e tudo isso acontece pouco na sociedade.

Que outras razões o levaram a tomar essa decisão?
Já tenho mais de 30 anos e achei que poderia experimentar um novo caminho. Na Associação Sinergia quero reunir uma experiência de dez anos e melhorar as resoluções para os problemas existentes em Macau. Se me pergunta se tenho grandes objectivos ou expectativas, digo que não, mas acho que devemos fazer uma mudança. Mesmo que não seja eu a fazer, alguém em Macau deve fazê-lo.

Quais as razões para a sua saída da FAOM? Achou que não podia conciliar as duas coisas?
Não. A FAOM é uma associação tradicional e sem dúvida que ocupa uma certa posição social em Macau. Mas quando estava na FAOM muitos atribuíam-me uma categoria, como se eu só representasse os trabalhadores e não tivesse em conta as outras questões. Era uma grande pressão para mim. Percebi que o facto de me estarem a colocar numa categoria iria influenciar a eficiência das decisões e soluções, então decidi sair da FAOM e da Choi In Tong Sam. Na altura, questionei os meus actuais colegas da Associação Sinergia de Macau e percebi que tínhamos ideias semelhantes sobre como Macau deve mudar. A nossa associação tem pessoas de áreas diferentes, e se mantivesse a identificação como membro da FAOM seria difícil unir as pessoas.

Quais os trabalhos que a nova associação se propõe fazer?
Estamos focados em questões políticas e seguimos temas que já vínhamos seguindo, na área do trânsito ou da habitação, que são dois temas muito discutidos pelos cidadãos. Muitos dizem que o Governo não faz um bom trabalho nestas áreas, admito que é verdade, mas temos de ver como podemos avançar e resolver os problemas. Temos de ser racionais.  

Que ideias tem para esses dois assuntos?
Ao nível do trânsito, apresentei várias sugestões quando era membro do Conselho Consultivo dos Serviços Comunitários. Falei do túnel pedonal da Guia, pois pensava que, com isso, haveria mais uma opção para os cidadãos se deslocarem. Recentemente o Governo anunciou a intenção de controlo do número de veículos. Não estamos contra a ideia, mas esse controlo, por si só, não melhora o trânsito em Macau, porque já há muitos veículos a circular. Com base nas minhas observações as autoridades devem encorajar as pessoas a terem mais opções em termos de transportes públicos. Seria também eficaz se pudéssemos andar a pé. Mas quanto ao túnel pedonal da Guia, se existisse iríamos demorar apenas 20 minutos entre a zona da Horta e Costa e o NAPE. Recebi muitas queixas de cidadãos que dizem não conseguir apanhar autocarros nesse percurso por causa do trânsito. Além disso, os serviços de autocarros escolares não satisfazem as necessidades, pelo que os pais optam por levar os seus filhos à escola de carro.

Além da habitação e do trânsito, em que outros assuntos se focam?
Na verdade, não nos focamos num assunto específico. Houve pessoas que me perguntaram se a nossa associação se focava apenas para um lado. Honestamente digo que não. Damos importância a todos os assuntos sociais. Convidamos para a nossa associação todos aqueles que quiserem trazer uma mudança para Macau.

É candidato à Assembleia Legislativa este ano?
Ainda não tenho nenhum plano sobre uma candidatura à AL, mas não vou eliminar essa possibilidade. Aproveitamos todos os meios para participar na sociedade. Claro que os trabalhos de candidatura às eleições da AL são muitos e difíceis. Vamos considerar todas as possibilidades mas, neste momento, não tenho um plano concreto. Como somos uma associação nova, temos muitas restrições. Quer seja na AL, quer seja numa entidade consultiva, a associação vai sempre participar de forma activa, porque queremos de facto implementar uma mudança. Sobre a candidatura é cedo para falar, não tenho planos, mas não afasto essa possibilidade.

Pensa que as eleições vão trazer alguma mudança ao hemiciclo? O que poderemos esperar?
Há algo de irracional na AL, sobretudo ao nível dos candidatos que não distinguem entre a distribuição de benefícios e as eleições. Esse é um dos assuntos mais discutidos na sociedade. É necessário que exista uma fiscalização mais rigorosa. Há violação às normas e há muitos espaços cinzentos. Em termos de instruções, Macau ainda tem de fazer mais. O regime de eleições legislativas não é justo para quem possui poucos recursos e a sociedade não está a dar muita atenção a este assunto. O actual sistema político não encoraja os jovens que queiram contribuir para serviços sociais de forma independente.

De que forma?
Isso tem de ser pensado. Se a sociedade quiser encorajar os jovens a expressar mais a sua opinião, temos de criar um sistema em que eles participem e que os permita irem subindo. Nas entidades do Governo, como os conselhos consultivos, as pessoas trabalham a tempo inteiro ou parcial? As pessoas só recebem montante igual ao índice 10 da tabela salarial da Função Pública quando assistem a uma actividade, se não estou em erro. Poderíamos disponibilizar trabalhos a tempo inteiro aos jovens, para que participem com maior esforço. Há muitos cursos de formação na área da política, mas isso não chega. Precisamos de aperfeiçoar o sistema para criar uma plataforma de participação.

Refere-se também à AL?
O problema é o mesmo. As pessoas dizem que não há novos rostos na AL, porque o sistema deve ser melhorado. As pessoas não têm outra opção. Não há uma subida gradual na sociedade e só se entra directamente na AL. Então é difícil [o acesso] para jovens sem recursos e experiência que queiram servir a sociedade.

Apesar disso, acredita em novos rostos nas próximas eleições?
É difícil prever resultados. Mas, com o que temos visto, não antevemos grandes mudanças. É provável que se mantenham os cenários anteriores.

E previsões para a candidatura da FAOM? Kwan Tsui Hang não deverá ser candidata.
Como saí da FAOM, penso que não é conveniente fazer comentários. A FAOM tem uma boa base e acredito que, se continuar assim, com o seu trabalho bem feito, vai receber votos suficientes dos cidadãos. 

Que análise faz ao funcionamento da Assembleia Legislativa?
Na AL há comissões permanentes e de acompanhamento. Penso que as suas funções devem ter mais destaque, pois têm capacidade para exigir explicações ao Governo. Muitos relatórios de auditoria revelam problemas, mas tenho dúvidas se o Governo dará o devido seguimento para a sua resolução. Por isso, estas comissões devem ter um papel mais prático. Além disso, o número de reuniões realizadas não é suficiente, o que significa que não dão o devido seguimento aos dossiers. Noutros países, este tipo de comissões têm sempre muitos trabalhos em agenda mas, em Macau, isso não acontece. Quanto ao Governo, não dá dados concretos para explicar determinadas políticas. Deve esforçar-se mais nesta área.

É membro do Conselho para a Renovação Urbana (CRU). O modo de funcionamento é o ideal?
Se me pergunta se os trabalhos são feitos de forma muito lenta, digo que sim. Os trabalhos deveriam ter sido feitos pelo antigo Conselho Consultivo para o Reordenamento dos Bairros Antigos, pois o CRU tem um âmbito maior e mais objectivos. Sempre achei importante fazer bem os trabalhos desde o início. O grande problema é sempre a necessidade de os proprietários chegarem a acordo. Já tentámos fazer ver ao Governo que são necessárias normas claras para a inspecção predial, bem como manter o programa de apoio financeiro para renovação de velhos edifícios. Essas ideias já existiam, mas o problema é que é necessário alterar as leis.

Que outros problemas afectam os avanços na renovação dos edifícios?
Depois de atingido o consenso, os proprietários necessitam de pagar mais do que uma vez o imposto do selo sobre a transmissão do imóvel e o imposto do selo especial. Acho que isso não faz sentido e contraria a intenção original. Já fizemos sugestões ao Governo, resta esperar pela legislação. São ainda precisas melhorias ao nível do ambiente, tráfego e instalações das zonas antigas. Há ainda a necessidade de dinamização dos vestígios e património culturais. Estes quatro pontos devem continuar a ser discutidos no CRU, mas o Governo não coordena bem os trabalhos.

Que outros problemas na sociedade destaca?
A doação de órgãos. Em 1998 já tínhamos legislação sobre o assunto e um regime de doação. Como é que, até agora, ainda não podemos doar órgãos? Esse assunto deve ser analisado.

Dedica-se à associação a tempo inteiro?
Nos próximos meses sim, irei trabalhar para cimentar a associação, mas depois terei de arranjar outro trabalho. Quase parece que agora estou de férias. Espero que a associação possa continuar a funcionar com os esforços de toda a gente.

13 Mar 2017

Investigação | CCAC publica relatório demolidor sobre Instituto Cultural

[dropcap style=’circle’]O[/dropcap] resultado da investigação foi dado a conhecer na passada sexta-feira. O Comissariado contra a Corrupção (CCAC) recebeu queixas contra o Instituto Cultural (IC), tendo chegado à conclusão de que, nos últimos anos, o organismo “tem recorrido ilegalmente ao modelo da aquisição de serviços no recrutamento de um grande número de trabalhadores”.

O CCAC considera que têm sido violadas as normas legais relativas ao concurso e ao recrutamento centralizado. “Os problemas que se destacam com esta situação são sobretudo a falta de publicidade de informações sobre o recrutamento, os métodos de selecção menos rigorosos e a suspeita de incumprimento do regime de impedimento.”

A investigação à entidade então presidida por Guilherme Ung Vai Meng teve início em Abril do ano passado. O comissariado constatou que, em 2014, o número de trabalhadores neste regime tinha aumentado substancialmente – eram 112, quando em 2010 eram 58, sendo que o universo total de funcionários também subiu, de 553 para 721. “Mesmo em 2016, o ano em que o CCAC instaurou a investigação em referência, havia ainda 94 trabalhadores recrutados neste regime.

Pelo modo como o comissariado situa as justificações apresentadas pelo IC, dá a entender que não foram suficientemente convincentes. O Instituto Cultural explicou que o recrutamento de trabalhadores em regime de aquisição de serviços tinha que ver com o facto de existir “muito trabalho, pouco pessoal e procedimentos de recrutamento morosos”.

 Além Chui, além Tam

O CCAC aponta um conjunto de problemas gerados por esta prática que, segundo diz, se encontrava generalizada e sistematizada nos vários departamentos da entidade.

Para começar, este modelo de contratação levou à “usurpação do poder do órgão superior no âmbito da gestão de pessoal”. E isto porque, apesar do excesso de trabalho de que se queixou o IC para fundamentar o recurso à aquisição de serviços para contratar trabalhadores, “nos termos do regime jurídico da função pública de Macau, não compete à direcção de serviços recrutar os seus trabalhadores, tal competência pertence ao Chefe do Executivo ou ao secretário da respectiva área governativa”, aponta o CCAC.

O comissariado frisa que, em casos excepcionais, urgentes e devidamente fundamentados, “o concurso pode ser dispensado no recrutamento de trabalhadores em regime de contrato, mediante autorização do Chefe do Executivo ou do secretário” da tutela. “Não compete à direcção de serviços contratar trabalhadores sem que se realize o concurso”, sublinha-se no texto que sintetiza o relatório.

Além disso, diz ainda o comissariado, o IC dispensou as provas de conhecimentos exigidas por lei, sem a necessária autorização do secretário para os Assuntos Sociais e Cultura, o que constitui, “sem dúvida, uma usurpação do poder do órgão superior no âmbito da gestão de pessoal”.

 Família dos chefes

A forma que o Instituto Cultural encontrou para resolver a falta de pessoal deu ainda azo, segundo o órgão de investigação criminal, a um “desvio do regime de recrutamento por concurso”. O CCAC recorda que, a partir de 2009, a contratação de trabalhadores para a Administração passou a estar sujeita à abertura de concurso, com o recrutamento de técnicos superiores e de adjunto-técnicos a só poder ser realizado através dos procedimentos de recrutamento centralizado.

O comissariado descobriu que, no caso dos funcionários em regime de aquisição de serviços, o IC não publicitou as informações sobre o recrutamento, ao contrário do que dita a lei, nem obteve da Direcção dos Serviços de Administração e Função Pública os dados dos indivíduos inscritos na bolsa de emprego. “Aproveitou antes as recomendações entre colegas e amigos para divulgar, num determinado círculo e de boca em boca, as notícias do recrutamento. Estes factos violaram o princípio da publicidade do processo de recrutamento de trabalhadores dos serviços públicos.”

Depois, na selecção dos candidatos, diz o CCAC que o instituto não realizou provas escritas ou testes de aptidão profissional, a aprovação dos “candidatos adequados” fez-se apenas mediante a análise curricular e a entrevista, o que “suscita suspeitas sobre os critérios de selecção adoptados”. O organismo dá um exemplo: houve uma pessoa contratada para monitorizar obras de manutenção de instalações e equipamentos que não tinha formação na área em questão, nem a experiência profissional necessária.

O relatório acrescenta que chegaram a registar-se casos “em que familiares do pessoal de direcção e chefia ingressaram no IC para trabalhar ao abrigo do regime de aquisição de serviços”. Esta situação “contraria a política preconizada pelo Governo da RAEM para um recrutamento de trabalhadores transparente, justo e imparcial”.

 Da casa para a casa

No decorrer da investigação, o CCAC detectou ainda que, em concursos para recrutamento de técnicos ou de adjuntos-técnicos do IC, foram contratados muitos trabalhadores que tinham já exercido funções em regime de aquisição de serviços.

Em 2014 e 2015, o IC recrutou 60 pessoas, sendo que, deste total, 22 tinham trabalhado no IC em regime de aquisição de serviços. Já em 2011 tinha acontecido o mesmo: num universo de 31 trabalhadores, 13 já tinham um passado de trabalho na entidade. No final de 2013, repetiu-se a situação. O CCAC constatou que, nos concursos, “as matérias constantes das provas escritas de conhecimentos que diziam respeito às práticas e operações dos serviços tiveram um peso considerável na pontuação, pelo que os candidatos com experiência nesta área tiveram uma certa vantagem”.

O comissariado descobriu ainda que, num dos concursos, as perguntas para a prova escrita de conhecimentos foram elaboradas pelo júri só depois de este conhecer os currículos e a identidade dos candidatos. “A par disso, os critérios de avaliação da entrevista e da análise curricular foram elaborados só após ter sido conhecida a classificação de todos os candidatos na prova escrita de conhecimentos.” As práticas “não correspondem aos procedimentos normais de abertura de concursos para recrutamento de trabalhadores dos serviços públicos”.

Outro aspecto condenado pelo CCAC é aquilo a que chama “simulação para esconder uma relação de emprego verdadeira”. “O caso mais absurdo é que, para evitar celebrar permanentemente com o trabalhador um acordo com muitas das cláusulas típicas do contrato de trabalho, o IC, decorrido normalmente um ano sobre a celebração do ‘acordo de prestação de serviços’ com o pessoal em regime de aquisição de serviços, passou a celebrar um chamado ‘acordo de trabalho’”. O comissariado explica que era exigida a esse pessoal a apresentação da declaração de início de actividade na qualidade de profissional liberal junto dos Serviços de Finanças.

No “acordo de trabalho” celebrado entre o IC e o referido pessoal não existia qualquer cláusula relativamente ao horário de trabalho, e ao volume e método de trabalho, continua o relatório, nem referência alguma ao regime de assiduidade, “dando propositadamente uma imagem falsa de que o pessoal em questão prestava serviço na qualidade de profissional liberal e não como trabalhador do IC”.

Estes “acordos de trabalho” resultaram no “desvio do regime de declaração de bens patrimoniais e interesses dos trabalhadores da função pública”, outro dos problemas identificados durante a investigação.

O Comissariado contra a Corrupção remata dizendo que há duas questões que devem merecer ponderação. Para começar, “a justiça do processo de recrutamento da função pública tem de ser garantida”; depois, a “política do Governo da RAEM de racionalização de quadros e simplificação administrativa deve ser obrigatoriamente executada”.

 Os 30 dias do secretário

Alexis Tam, secretário para os Assuntos Sociais e Cultura, deu ao Instituto Cultural 30 dias para apresentar um “relatório circunstanciado sobre as medidas entretanto implementadas, ou a implementar, para corrigir as situações irregulares detectadas durante os anos 2010 a 2015”. O objectivo, explica-se em nota à imprensa, é dar “cumprimento integral às recomendações do CCAC, não se admitindo que se repitam situações idênticas que não cumpram escrupulosamente as normas vigentes de recrutamento de pessoal”. Quanto ao cumprimento da declaração patrimonial, o governante exige que a situação “possa ficar regularizada o mais rapidamente possível”. Alexis Tam entende ainda que o conteúdo do relatório do comissariado “deve servir de referência para todos os serviços da sua tutela”.

13 Mar 2017

Rota das Letras | Guineense Abdulai Silá sobre construção da identidade nacional

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Abdulai Silá vê o escritor como um missionário que “vende a ideia de que existe um outro mundo onde as coisas são melhores”. O autor pinta a Guiné- -Bissau como um país que, “não sendo real, pode vir a ser”. Hoje debate com Sérgio Godinho o papel das letras na construção da identidade nacional

[dropcap style=’circle’]O[/dropcap] autor de “Eterna Paixão” – um livro de 1994 considerado o primeiro romance guineense – está em Macau, onde participa no festival literário Rota das Letras, partilhando hoje o ‘palco’ com Sérgio Godinho, num debate sobre o papel do escritor na construção da identidade nacional.

“Todo o cidadão contribui, de uma forma ou outra, para a construção de uma identidade nacional”, principalmente tendo em conta que a Guiné-Bissau é “um país novo, ainda na fase de construção”.

Mas há um grupo “que tem uma responsabilidade particular”, diz Abdulai Silá em entrevista à Lusa, referindo-se aos que “trabalham no domínio da cultura de uma maneira ou de outra, e muito particularmente no domínio da literatura”.

“A identidade nacional é uma coisa que se forma e que tem como um dos condimentos fundamentais a utopia, entendida no sentido da crença naquilo que eventualmente podemos ser, podemos atingir, mesmo não o sendo. Por isso, o escritor tem um papel fundamental, ele pode contribuir mais do que qualquer outro para esse processo de criação do mito”, explica.

Considerando a “situação um pouco anómala” que o seu país atravessa, o que “abala o cidadão comum”, Silá vê a escrita como algo para ajudar “a acreditar na possibilidade de mudança”.

Tendo assistido ao “momento histórico extraordinário”, ao “fim de uma era, início de uma outra” que foi a independência, Silá não concebe uma escrita que não reflicta sobre o país.

“Todo esse sonho que foi construído ao longo dos anos que antecederam e a seguir à proclamação da independência tem vindo a ser adiado de uma forma violenta. Não posso ficar indiferente a esta situação, isso toca-me e acho que, como cidadão, tenho a obrigação de, pelo menos para a geração vindoura, passar uma mensagem fundamental: há espaço para o sonho”, explica.

Aos 59 anos, o escritor mantém a “crença inabalável” de que a Guiné-Bissau vai encontrar a estabilidade: “Tudo o que eu faço, digo e escrevo é nessa perspectiva. Não nos podemos deixar enganar pela dificuldade do momento. A tarefa é vender a esperança, é acreditar no futuro. Quem conhece a história da Guiné sabe que é uma história de vitória. Pode parecer um bocado ridículo tendo em conta a situação actual, mas é isso mesmo. A história é longa, a Guiné é construída por um povo que ultrapassou grandes desafios”.

Uma bomba na editora

Há mais de 20 anos, Silá co-fundou a editora Ku Si Mon, que até hoje publicou “uma quarentena” de livros. “Três amigos juntaram-se e decidiram, num momento específico da nossa história, criar uma editora porque, antes, durante o regime de partido único, não havia essa possibilidade. Havia de facto uma censura. Eu pessoalmente andei mais de dez anos com um livro na mão, a correr de um lado para o outro, a ver se conseguia publicar e acabei por entender que não havia saída”, explica.

Quando se deu a “liberalização política” – Silá não gosta de usar o termo “democracia” por considerar que “de facto não há” –, os amigos aproveitaram a oportunidade. “Tínhamos consciência plena dos desafios que tínhamos pela frente. Tínhamos uma missão específica, publicar livros, banalizar o livro, no sentido positivo. Aqueles que na altura decidiam sobre quem publicava, criavam uma imagem em que o livro era uma coisa que estava nas nuvens, para pessoas privilegiadas. Era preciso acabar com isso”, descreve.

O escritor dá o objectivo como alcançado, mas não sem muitos obstáculos: “Nos quatro primeiros anos, fizemos mais de 20 títulos, entre 1994 e 1998. O que é que aconteceu depois? Em Junho de 1998 houve uma guerra, uma das primeiras bombas caiu na nossa editora e destruiu tudo, perdemos manuscritos para sempre. Ficámos, de 1998 até 2004, sem poder fazer nada. Quando se aproximou o 10.º aniversário reunimo-nos e dissemos ‘Ok, vamos retomar actividade’. Mas a verdade é que a editora nunca mais foi a mesma”.

Apesar da menor produtividade, Silá considera que “o caminho está desbravado” e existem agora outras editoras privadas. “Já é irreversível, já ninguém pode dizer que vai censurar a publicação de um livro, isso está fora de questão”, garante.

O optimismo de Silá é transversal, do futuro do país até à literatura guineense, que diz ter tido “um desenvolvimento extraordinário nos últimos anos”.

“Saímos de uma situação em que, quando se falava do país, dizia-se que não existia no mapa literário para uma em que anualmente são publicadas mais de duas dúzias de livros. Muitas destas publicações são feitas à custa do próprio autor, o que significa que esses autores estão a dar um peso cada vez maior à publicação do seu trabalho. Um livro é, no fundo, a revelação daquilo que um cidadão pensa, sonha, deseja em relação ao seu país”, conclui.[/vc_column_text][vc_cta h2=”” shape=”square” style=”flat” color=”peacoc” css=”.vc_custom_1489410159112{margin-bottom: 0px !important;border-top-width: 1px !important;border-right-width: 1px !important;border-bottom-width: 1px !important;border-left-width: 1px !important;padding-top: 20px !important;padding-right: 20px !important;padding-bottom: 20px !important;padding-left: 30px !important;border-radius: 1px !important;}”]

Fala-se cada vez menos português na Guiné-Bissau, diz escritor

O escritor guineense Abdulai Silá está preocupado com o estado da língua portuguesa no seu país, devido a um sistema educativo “falido”, que, diz, ignora o facto de menos um por cento dos guineenses falar o idioma no dia-a-dia.

“O nosso sistema educativo está falido. Há cada vez menos capacidade de expressão em português. Isso chega ao ponto de ser preocupante, chega ao ponto em que pessoas que têm a língua como principal ferramenta de trabalho não a dominam o suficiente para exercer. Vêem-se acórdãos, até no supremo tribunal, cheios de erros”, lamenta o escritor, em entrevista à Lusa.

Abdulai Silá diz também que há “cada vez mais pessoas a escreverem em crioulo”, o que considera “saudável”, salientando que “essa necessidade de diálogo com o cidadão é cada vez mais forte”, mas alerta para o facto de, por outro lado, haver “uma dificuldade real de utilização do português”.

“Ensinamos o português como se se tratasse de um país onde as pessoas falam português no dia-a-dia. Isso é falso. Menos de um por cento dos guineenses fala português no seu dia-a-dia. Falam outras línguas, uma boa parte fala crioulo, outra nem sequer o crioulo fala. Não se pode ensinar essa língua ignorando essa realidade. O resultado é o que se vê”, critica.

O autor apela a uma “política linguística clara”, que corrija situações como, por exemplo, professores que não dominam o português a ensinarem a língua, como diz ter conhecimento de existirem. “Tenho dois sobrinhos a terminar o 12.º ano e não são capazes de escrever uma nota simples, ou ter uma comunicação básica sobre o estado do tempo. Fazem tantos erros, tantos erros. Não são culpados, são vítimas”, relata.

Com a comunicação oral “praticamente nula”, Abdulai Silá considera particularmente grave que as entidades que utilizam a escrita o façam de forma deficitária.

“É muito difícil, por exemplo, ler-se os jornais, hoje. Na primeira página, erros crassos. Isso é muito mais grave do que se pode imaginar, num contexto em que não se fala, em que uma das formas mais eficientes de melhorar o conhecimento da língua é através da leitura. O guineense não fala português com outro guineense, é muito raro, mas escreve e lê o português todos os dias. Quando esse contacto com a língua não ajuda, porque está cheio de erros, as pessoas ficam na dúvida: será que é como escreveu o jornalista ou como em aprendi noutro local?”, alerta.

Iliteracia, livros de fora

Uma dificuldade ainda anterior a esta é a reduzida taxa de literacia do país, cerca de 60 por cento. Além dos que não sabem efectivamente ler e escrever, Silá lembra que há também “analfabetos funcionais”. “É o que temos e que é muito perigoso, pessoas que nunca pegam num livro, não cultivam a mente”, diz.

Perante esse cenário, o escritor questiona-se: “Vale a pena dirigir-se a uma pequena minoria, essa meia dúzia de indivíduos que decidem sobre o destino do país?”. Para contornar essa situação, a associação de escritores procura “envolver cada vez mais, e através de acções concretas, o cidadão comum, sobretudo o jovem”.

A associação tem cerca de duas dezenas de membros, mas as suas actividades são abertas a todos. Silá destaca os encontros mensais para discutir “a cultura de uma maneira geral”.

“Num ambiente tão tenso como o que se tem vivido ultimamente na Guiné-Bissau, entendemos que deve haver momentos de lazer, momentos de reflexão, momentos de convívio, de pacificação. Há sempre um convidado que fez uma contribuição válida na história da Guiné-Bissau, seja de que área for”, explica.[/vc_cta][/vc_column][/vc_row][vc_row][vc_column][/vc_column][/vc_row]

13 Mar 2017

Lai Chi Vun | Os projectos e as ideias antes das demolições

Muito antes de o Governo decidir deitar abaixo os estaleiros, a povoação de Lai Chi Vun foi alvo de vários projectos vindos do sector privado. A muitos deles, o Governo nunca deu uma resposta, chegando a rejeitar outros. O HM revela três projectos propostos por dois amantes da indústria naval, sem esquecer as ideias de estudantes de Arquitectura

[dropcap style≠’circle’]H[/dropcap]ouve uma altura em que se pensou além do vazio virado para o mar. Sobre Lai Chi Vun já muito se criou antes de se decretar a demolição dos velhos estaleiros. Alunos de Arquitectura e amantes de barcos feitos com madeira dedicaram tempo pessoal a estudar e a apresentar sugestões para revitalizar a povoação.

Muitas propostas foram entregues ao Governo, explicadas ao detalhe, ou então foram discutidas em debates públicos nos quais membros do Executivo estiveram presentes.

Para Lai Chi Vun pensaram-se edifícios multiusos, ligações ao Cotai ou ao campus da Universidade de Macau, museus, um parque temático ligado à indústria naval, pequenas moradias. Muitos destes projectos acabaram por ficar na gaveta, pendentes, à espera de uma resposta que nunca chegou. Noutros casos, houve recusas.

Um dos projectos partiu de Henrique Silva. O seu amor pelos barcos levou-o a preparar um projecto conceptual em parceria com uma empresa que se dedica à construção de empreendimentos navais virados para o turismo. A proposta foi apresentada ao Governo no ano passado.

“Este projecto contemplava a existência de oficinas, que é uma coisa que não existe em Macau para quem precisa de manutenção de barcos, um museu e um clube para iates. E ainda uma escola de vela”, explicou ao HM. 

Além disso, “na zona onde ficaria a marina colocar-se-iam vivendas”, para dar uma oportunidade de investimento ao sector imobiliário.

“Criava-se ali uma zona privilegiada, porque o turista que chega de barco não é propriamente uma pessoa pobre, e ficaria ainda com acesso privilegiado ao Cotai. Todos ganhavam, porque o projecto também ajudaria a desenvolver a economia tradicional de Coloane, sem ter de a destruir. Desenvolvia-se um núcleo diferente, com outro tipo de animações”, apontou Henrique Silva.

A ideia era, assim, criar um complexo náutico “de nível internacional”, uma vez que a Doca de Lam Mau, localizada na zona do Fai Chi Kei, é de mais difícil e longínquo acesso. “Mantinha-se a memória do espaço e depois poderiam ser incorporados mais pormenores”, disse ainda.

Parque temático à beira-mar

Tam Chon Ip estudou arqueologia, é freelancer e um apaixonado pela cultura de um território que o viu nascer. Também ele teve ideias que gostaria de ver implementadas em Lai Chi Vun. A abertura de uma espécie de parque temático foi uma delas.

“O nosso plano visava a preservação dos estaleiros para serem mostrados ao público, com a implementação de uma zona de teatro, um espaço público e outro tipo de infra-estruturas. Teríamos elementos não comerciais, com a conservação da arte e cultura. A parte mais importante seria um parque temático com workshops sobre a construção de barcos. Os participantes poderiam vivenciar a experiência da cultura tradicional de Macau”, resumiu ao HM.

Um dos pontos centrais do projecto seria o estaleiro Liuhe, onde foi construída a Lorcha Macau. “Sempre pensei que indústria de construção de barcos se poderia transformar em algo cultural e criativo, em que o lado tradicional e inovador poderiam combinar. É possível optimizar a povoação para os turistas, moradores e residentes. A própria povoação de Lai Chi Vun é um museu ao ar livre.”

Apesar do esforço, Tam Chon Ip acabou por ver algumas das suas ideias recusadas, ao nível de pedido para financiamento. “Temos vindo a promover o projecto e também nos candidatámos a vários apoios, mas alguns projectos não foram aceites, o que criou dificuldades.”

Este amante da história e da cultura chegou a promover uma pequena exposição sobre os estaleiros em Lai Chi Vun, “mas não houve qualquer novidade depois da visita das autoridades”.

Ligação a Hengqin

Em 2013, a povoação de Lai Chi Vun obteve projecção internacional ao ter sido alvo de um projecto desenvolvido por alunos de Arquitectura do Instituto Politécnico de Milão, no âmbito do Prémio Compasso Volante. José Luís Sales Marques, presidente do Instituto de Estudos Europeus de Macau (IEEM), presidiu ao júri, que contou também com a presença do arquitecto Carlos Marreiros.

“Foi feito um concurso aberto a estudantes de pós-graduação de várias universidades, nomeadamente o Politécnico de Milão, a Universidade de Palermo, uma universidade de Singapura e outra do Japão. Nesse concurso os alunos vieram a Macau, estiveram alguns dias cá e fizeram vários levantamentos sobre a zona de Lai Chi Vun e a história de Macau”, contextualizou.

Os estudantes foram orientados pelos professores, fizeram os projectos e apresentaram-nos primeiro em Palermo, e depois em Milão. “Foi uma oportunidade para expor questões importantes do ponto de vista de reabilitação urbana, e procurar soluções arquitectónicas para problemas que existiam e continuam a existir na cidade”, indicou José Luís Sales Marques.

O presidente do IEEM recorda que foram apresentadas “várias soluções”, incluindo a possibilidade de construir uma ligação entre Lai Chi Vun e a Ilha da Montanha, no pedaço de terreno onde funciona o campus da Universidade de Macau.

“Foi um exercício muito válido e interessante, que envolveu muita gente, uma comunidade internacional bem informada. Os trabalhos estão bem fundamentados, há pormenores, e descrição do ambiente e do local. As soluções apresentadas eram destinadas sobretudo ao lazer, que é muito aquilo que o Governo pretende para aquela zona.”

A importância das técnicas

Numa entrevista concedida o ano passado ao HM, Carlos Marreiros revelou alguns detalhes sobre as propostas que o Governo viu, mas sobre as quais nunca reagiu. Foi pensada “a construção de residências de luxo, com apenas três andares, integradas na colina”, sem esquecer a edificação de “uma pequena marina e um museu, incluindo uma super cobertura integrada com a actual estrutura dos estaleiros. A iniciativa privada fazia as suas contas, o Governo adquiria isto e geria-o”.

À data, Marreiros confessou que sobre Lai Chi Vun não havia nada de concreto. “Fizemos estudos, propusemos ao Governo, não há resposta. Havia uma parte para viabilizar a construção, para construir e ganhar dinheiro”, apontou.

Sales Marques entende que já não é possível deixar os estaleiros como eles estão, mas fala sobretudo da necessidade de manter vivas as técnicas de outrora.

“São construções lacustres, que têm uma grande beleza. São estruturas industriais mas feitas com grande plasticidade, e isso também é importante, porque pode servir de inspiração para outras coisas. Os alunos que vieram de Milão ficaram maravilhados com aquela plasticidade, as soluções, o tipo de construção, como se resolviam problemas de arquitectura, com recurso a meios bastante simples.”

As exposições do Prémio Compasso Volante levaram à organização de um debate no Albergue SCM, mas poucas respostas foram obtidas. “A nossa ideia era fazer uma exposição com a associação de moradores da zona, mas não conseguimos encontrar um local para isso [em Lai Chi Vun]. Fizemos então um debate ao ar livre nas instalações do Albergue, em que estiveram responsáveis do Instituto Cultural. Apresentamos as ideias todas na altura”, concluiu Sales Marques.

O presidente do IEEM frisou que “a questão que se coloca é que não há qualquer resposta”. “É importante perceber o que existe na cabeça de quem manda nestas coisas.”

Sales Marques, que se debruçou sobre o estudo de uma importante indústria naval, recorda que nos idos anos 50 e 60 chegaram a morar cerca de 50 mil pessoas na zona do Porto Interior, nas chamadas aldeias flutuantes. Nos dias de hoje parece não haver vontade de preservar essas memórias.

“O que é triste em Macau é que as pessoas não dão valor a essas coisas, ao simbolismo, às coisas que nós fazemos. É pena que, por inacção, tenhamos de chegar ao ponto em que parece que não há alternativa se não a demolição. Aquele deve ser um espaço público, e não deve ser privatizado para a construção de luxo”, defendeu Sales Marques.

10 Mar 2017

Ella Lei pede autorização ao Chui Sai On para alterar lei laboral

 

Ella Lei entregou um pedido junto do líder do Governo para poder apresentar um projecto de lei de alteração ao diploma que regula as relações de trabalho. A deputada quer resolver a sobreposição de férias e feriados. E não esquece a licença de paternidade

Vítor Ng

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] Chefe do Executivo já tem em mãos um pedido de autorização por parte da deputada Ella Lei para que esta possa apresentar um projecto de revisão da lei das relações laborais. Em conferência de imprensa, a deputada da Federação das Associações dos Operários de Macau (FAOM) explicou que o pedido visa regulamentar as falhas existentes ao nível da sobreposição de feriados e dias de férias, bem como a implementação da licença de paternidade.

“As férias definidas por lei são um direito básico dos trabalhadores”, apontou Ella Lei. “O problema é que a sobreposição de dias representa uma perda para os trabalhadores. Isso significa que existe uma lacuna na lei. Com esta proposta não estaremos a adicionar mais benefícios, mas apenas a lutar para que os trabalhadores passem a ter acesso aos seus direitos básicos e que não percam mais dias de férias”, acrescentou.

A ideia apresentada pela deputada é semelhante ao sistema de compensação de férias que já existe na Função Pública. “Sugerimos que, quando aconteça uma sobreposição, as férias possam ser compensadas e gozadas nos restantes dias de trabalho.”

Lei nada prevê

A lei das relações laborais define que cada trabalhador tem direito a seis dias de férias por ano, incluindo dez dias de feriados obrigatórios. No entanto, como a lei não define a situação da sobreposição de férias, muitos trabalhadores revelaram à deputada que viram os seus feriados reduzidos.

“No caso dos empregados que trabalham por turnos, os chefes podem organizar bem o calendário e evitar a situação da sobreposição de férias. Entretanto, em muitas empresas de serviços, incluindo do sector do jogo, as férias dos empregados não são compensadas, uma vez que calham no mesmo dia dos feriados obrigatórios, por causa dos calendários feitos pelas entidades patronais.”

A deputada garante que as iniciativas de reivindicação são afectadas pelo facto de existirem lacunas na lei. “Mesmo que os trabalhadores nos peçam ajuda não conseguimos apresentar queixas formalmente, porque a situação não está definida.”

Paternidade para quando?

A questão da licença de paternidade é outro ponto que Ella Lei quer ver definido na lei laboral, uma vez que os pais que trabalham só têm direito a dois dias de faltas justificadas; caso contrário, vêem o seu salário reduzido.

A deputada sugere, por isso, que o diploma passe a definir cinco dias de licença de paternidade, gozados de forma contínua ou não, no prazo de 30 dias a contar desde o nascimento do bebé.

Para Ella Lei, é fundamental que o pai possa acompanhar o processo de crescimento do seu filho ao lado da mãe, por forma a partilhar a responsabilidade familiar.

O Chefe do Executivo e os membros do Governo já falaram publicamente sobre a necessidade de legislar sobre a licença de paternidade, mas a deputada Ella Lei critica o facto de, até ao momento, nada de concreto ter sido feito.

“O Governo prometeu que iria apresentar uma proposta em 2016, mas está a demorar muito tempo. Do meu ponto de vista, não é nada complicada para analisar”, apontou. “Estes dois assuntos têm vindo a ser discutidos há muito tempo. Existe consenso social, bem como solicitações junto da sociedade e razões que justificam estas medidas. O Governo deve colocar estes assuntos o mais depressa possível na sua agenda”, referiu Ella Lei.

A deputada explicou na conferência de imprensa que, no ano passado, foi feita uma recolha de assinaturas junto do sector, tendo sido recolhidas mais de 20 mil assinaturas. A maioria ter-se-á mostrado a favor do estabelecimento do regime de compensação de férias e de licença de paternidade.

10 Mar 2017

FIJ | Caso Jinan terá dado origem a casos de auto-censura nos media chineses

A doação de cem milhões de yuan à Universidade de Jinan pela Fundação Macau terá originado situações de auto-censura em alguns meios de comunicação em língua chinesa. É o que aponta o último relatório da Federação Internacional de Jornalistas, que fala de injustiças aquando da visita de Li Keqiang

 

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] mais recente relatório da Federação Internacional de Jornalistas (FIJ), referente ao ano de 2016, tece duras críticas ao panorama da comunicação social em Macau, com foco para situações de auto-censura e alegada pressão exercida por parte de entidades governamentais.

Com o título “Macau discrimina”, a FIJ relata uma situação denunciada pela Associação dos Trabalhadores da Comunicação Social, ocorrida a 13 de Maio do ano passado, sobre a produção noticiosa acerca dos cem milhões de yuan que foram doados pela Fundação Macau (FM) à Universidade de Jinan.

A associação “lançou um comunicado a condenar as acções de diversos jornalistas locais que fizeram auto-censura ao seu trabalho”, sendo que “vários jornalistas recusaram revelar os nomes dos funcionários do Governo que foram fontes de artigos que eles próprios escreveram sobre alegados favorecimentos levados a cabo pelo Chefe do Executivo, Chui Sai On”.

“O comunicado aponta: ‘Os artigos foram eliminados e os comentários mais críticos dos entrevistados foram removidos. Alguns jornalistas deliberadamente começaram a desempenhar outras funções. Um dos órgãos de comunicação enviou uma lista de entrevistados aos jornalistas e disse que deveriam ser contactados aquando da produção de notícias importantes. Os jornalistas foram ainda avisados de que as notícias deveriam ser positivas’”, lê-se.

Segundo a FIJ, a mesma associação referiu que há “razões para acreditar que os órgãos de comunicação social exerceram auto-censura, mas também receberam pressão do Governo”.

O relatório faz referência ao facto de Chui Sai On ser parte integrante da direcção da Universidade de Jinan, ao mesmo tempo que também preside ao conselho de curadores da FM. “Chui Sai On foi acusado de utilizar dinheiros públicos para os seus próprios interesses políticos”, aponta o documento.

Li Keqiang só para alguns

O relatório da FIJ faz também referência ao tratamento dado aos media aquando da visita de Li Keqiang. “Em Outubro, o primeiro-ministro chinês Li Keqiang visitou Macau. Os media locais seguiram todos os procedimentos para pedirem o acesso aos locais de visita, mas pelo menos um meio de comunicação viu ser-lhe negada a permissão para ter acesso à maioria dos eventos, sem que lhe tenha sido dada qualquer explicação”, pode ler-se.

Na prática, um “órgão online independente e livre” terá sido “tratado de forma injusta por parte do Governo” de Macau, aponta a FIJ. Sem apontar nomes, a entidade afirma que este “teve apenas permissão para participar em apenas três dos 12 eventos organizados, enquanto os media tradicionais obtiveram permissão para estar nos 12 eventos”.

O documento refere ainda o facto de as autoridades policiais não terem divulgado informações sobre dois falsos atentados à bomba, um caso denunciado pela Associação de Jornalistas de Macau.

“Quando foram questionados sobre o atraso na transmissão de informação para nós, responderam que ‘Não informamos os media até que todos os riscos tenham sido afastados’”. A associação disse que o acto foi uma clara violação do direito à informação”, esclarece o documento.

Os recados da FIJ

Na visão da FIJ, os meios de comunicação social locais “enfrentaram obstáculos, não só da parte do Governo que atrasou o fornecimento de informação, mas também ao nível da auto-censura imposta pelas direcções [dos meios de comunicação].”

É ainda feito o aviso para a necessidade de maior isenção por parte dos jornalistas. “Consideramos urgente que todos os profissionais de media estejam alerta e que defendam o jornalismo profissional. Devem manter uma solidariedade profissional e manterem-se neutros, precisos, equilibrados e justos. Devem recusar pedidos de manipulação de fontes, questões pré-seleccionadas ou submeter questões para aprovação do Governo ou orquestrar reportagens ‘exclusivas’.”

A FIJ defende ainda que “o facto de as pessoas estarem em silêncio não significa que a sociedade é harmoniosa”. “O papel dos media deve ser o de observar e registar o que acontece, e não assumir este ou aquele lado. Um desequilíbrio de poder entre a elite que governa e as pessoas comuns pode levar a uma sociedade desastrosa, na qual ninguém se sente seguro e respeitado.”

“Os jornalistas devem estar atentos às necessidades das pessoas e evitar suprimir da informação ou transformarem-se em ‘parceiros’ do outro lado da barricada. Se isso acontecer, as pessoas que apoiam a verdade devem dizer em voz alta ‘não!’”, alerta a FIJ.

Ao HM, José Carlos Matias, presidente da Associação de Imprensa em Português e Inglês de Macau (AIPIM), referiu que a entidade não foi contactada pela FIJ. “A nossa associação está a levar a cabo um inquérito sobre questões relacionadas com a liberdade de imprensa e acesso às fontes, estando agora a iniciar o processo de análise e redacção [do relatório]. Quando tivermos o relatório em mãos, vamos tentar ter uma visão sobre os problemas levantados”, concluiu.

10 Mar 2017

China | Diplomacia de Pequim quer contribuir para acalmar crises regionais

Diálogo com os Estados Unidos, uma possível visita de Xi Jinping a Washington, menos fricção no Mar do Sul da China, evitar o pior na península da Coreia. O ministro dos Negócios Estrangeiros da China falou ontem aos jornalistas. Wang Yi faz um apelo à calma, mas não deixa de apontar o dedo aos culpados

[dropcap style≠’circle’]T[/dropcap]êm todos culpa: a Coreia do Norte, porque não desiste das suas intenções nucleares, e a aliança liderada pelos Estados Unidos que, ao promover ensaios militares na região, contribui para a escalada da tensão na península. A ideia foi deixada ontem pelo ministro dos Negócios Estrangeiros da China. Wang Yi encontrou-se com os jornalistas, durante as reuniões da Assembleia Popular Nacional e da Conferência Consultiva Política do Povo Chinês.

O diplomata deixou um apelo às partes envolvidas, pedindo para que refreiem os seus ímpetos, de modo a que se evite uma crise ainda maior. A situação na península, comparou Wang Yi, “é como dois comboios a acelerar, a irem de encontro um ao outro, sem que nenhum deles esteja disposto a ceder a passagem”.

O chefe da diplomacia chinesa reconhece que os mais recentes testes de mísseis levados a cabo por Pyongyang “ignoram a oposição da comunidade internacional”, mas diz também que os exercícios militares conjuntos dos Estados Unidos e da Coreia do Sul vieram acrescentar pressão ao regime de Kim Jong-un.

Para Wang Yi, há apenas uma solução para o conflito: a Coreia do Norte tem de suspender as suas actividades bélicas, e Washington e Seul devem cancelar as simulações em grande escala que realizam com frequência. “As armas nucleares não vão trazer segurança”, sublinhou. “O recurso à força não é solução”, disse também, defendendo que a tensão pode ser diminuída se houver uma “resolução das preocupações de ambas as partes feita de forma recíproca”.

À baila veio ainda o reatamento das negociações a seis. Pequim quer voltar a sentar-se à mesa com a Coreia do Norte, com os Estados Unidos e com os restantes países que, entre 2003 e 2009, tentaram convencer Pyongyang a abandonar o programa nuclear do país. As conversações estão suspensas por iniciativa do regime comandado por Kim Jong-un.

A China é o principal aliado de Pyongyang, apesar de a relação entre os vizinhos ter sofrido alterações nos últimos tempos. No mês passado, o Governo Central suspendeu todas as importações de carvão da Coreia do Norte até ao final do ano, terminando temporariamente com uma importante fonte de divisas estrangeiras para o empobrecido país.

Teoria da aceitação

Ainda no que toca às pastas regionais, Wang Yi deixou algumas ideias sobre a relação de Pequim e Tóquio. O mais alto representante da diplomacia chinesa entende que o Japão tem de ultrapassar a sua ansiedade em relação à China, enfrentar o facto de o vizinho ter hoje uma nova dinâmica e dar passos concretos para a melhoria das relações, em vez de andar para trás.

Recordando que este ano fica marcado pelo 45.o aniversário da normalização das relações diplomáticas sino-japonesas, o ministro pediu a Tóquio que aprenda com as lições do passado – com os resultados do expansionismo militar – e que deixe de se preocupar com o crescimento da China em termos internacionais.

Neste discurso de aparente conciliação não faltou, no entanto, o factor “culpa”, com Wang Yi a acusar o Japão de prolongar o clima de tensão entre os dois países e a garantir que Pequim tentou sempre que as conversações bilaterais fossem retomadas. “A chave [do problema] é o Japão adoptar a forma correcta de pensar e aceitar a realidade do crescimento da China”, vincou.

O ministro dos Negócios Estrangeiros culpa ainda Tóquio e Seul pelo adiamento do encontro trilateral. “Temos de lidar bem com as questões que estão a impedir o desenvolvimento saudável das nossas relações de modo a que se possa assegurar o encontro entre líderes”, comentou.

Há muito que as relações da segunda e terceira economias mundiais estão ensombradas. Às feridas por cicatrizar que ainda restam dos conflitos bélicos de meados do século passado juntaram-se, mais recentemente, as disputas territoriais no Mar do Sul da China.

A este propósito, Wang Yi defendeu que a situação acalmou “visivelmente” desde a decisão do tribunal internacional em Julho. Destacou que Pequim e os vizinhos fizeram progressos para a elaboração de um código de conduta, sendo que o primeiro rascunho foi concluído recentemente.

Ainda no que diz respeito a assuntos marítimos, o diplomata deixou um aviso que é entendido como dirigido aos Estados Unidos, apesar de não ter identificado directamente o destinatário. “Se alguém está a tentar fazer ondas [no Mar do Sul da China], não terá apoio e encontrará a oposição de todas as partes envolvidas”, declarou, assegurando que Pequim não vai autorizar atentados à paz e à estabilidade na região.

Rodrigo Duterte não foi esquecido durante a conferência de imprensa, com Wang Yi a elogiar a postura do Presidente das Filipinas nos processos que envolvem conflitos territoriais. A reviravolta nas relações entre os dois países vai beneficiar as duas partes, assim como a região, salientou.

Friends, pengyou

Já a fechar a conferência de imprensa, o ministro dos Negócios Estrangeiros foi confrontado com a possibilidade de o Presidente Xi Jinping ir aos Estados Unidos ainda durante 2017. “Vai haver boas notícias este ano”, disse apenas.

Uma hora antes desta resposta, o chefe da diplomacia chinesa tinha dado a entender que o anunciado encontro entre Xi Jinping e o homólogo Donald Trump já está a ser coordenado.

“Estamos a ter uma comunicação produtiva para que haja um encontro entre os nossos dois presidentes, bem como a outros níveis”, afirmou, acrescentando que a conversa dos chefes de Estado ao telefone, mantida no mês passado, permitiu criar condições para laços estáveis.

Não obstante, Wang Yi defendeu que as duas nações têm de ser capazes de ultrapassar as suas diferenças para que a relação seja “madura”. “Os nossos interesses estão intimamente interligados. É impossível construir o sucesso de um às custas do outro.”

O diplomata fez uma referência positiva ao novo secretário de Estado norte-americano, Rex Tillerson, que conheceu no encontro de ministros dos negócios estrangeiros do G20 no mês passado, dizendo que é “um bom ouvinte e comunicador”. Por isso, espera – e diz acreditar – que seja possível construírem uma boa relação de trabalho.

Mediador disponível

Noutros temas internacionais na ordem do dia, destaque para a visita iminente do rei Salman bin Abdulaziz al Saud da Arábia Saudita. Wang Yi diz que a China recebe com agrado o monarca, até porque está disposta a desempenhar “o papel necessário” no processo de paz do Médio Oriente.

A luta contra o terrorismo, a conquista de resoluções políticas e a manutenção das Nações Unidas à frente do processo são, para Pequim, três “princípios indispensáveis” que não podem ser abandonados no Médio Oriente. “Existem riscos de que a turbulência possa aumentar, mas também existe esperança de paz”, apontou Wang Yi.

O ministro dos Negócios Estrangeiros apontou o acordo nuclear com o Irão como um exemplo da capacidade política de negociação, um conceito que deve ser colocado em prática sempre que possível. Pequim mostra-se disponível para mediar as negociações para a paz entre a Palestina e Israel.

Wang Yi disse também que a China espera que a Arábia Saudita e o Irão possam resolver os problemas que têm através de um diálogo amigável e justo. “Como amigos de ambos os lados, estamos disponíveis para desempenhar o papel necessário se assim for preciso”, garantiu.

Europa única

Houve ainda tempo para se falar do Brexit e da Europa. A China diz que vai continuar a apoiar a integração europeia independentemente do que o Reino Unido pretenda fazer em relação. O chefe da diplomacia de Pequim explicou que gostaria de ver uma Europa mais unida, mais estável e mais próspera.

“Acreditamos que os desafios com que a União Europeia se depara podem ser uma oportunidade para que se torne mais madura”, defendeu. “Nós valorizamos a importância estratégica e o papel da Europa.”

9 Mar 2017

Eleições | Comissão pede à comunicação social que padronize notícias

 

A Comissão de Assuntos Eleitorais da Assembleia Legislativa propôs ontem aos órgãos de comunicação social que criem um sistema que padronize os conteúdos políticos no período em que a propaganda eleitoral é proibida. A Associação de Imprensa em Português e Inglês de Macau já pediu esclarecimentos

 

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] Associação de Imprensa em Português e Inglês de Macau (AIPIM) avançou ontem com um pedido de esclarecimento das directrizes dadas aos meios de comunicação social para o período que antecede a campanha eleitoral. A informação foi dada pela direcção da AIPIM ao HM, na sequência de uma reunião mantida entre a Comissão de Assuntos Eleitorais da Assembleia Legislativa (CAEAL) e os representantes dos órgãos de comunicação social locais.

Após o encontro, o presidente da comissão, Tong Hio Fong, deu a conhecer os assuntos abordados à porta fechada, sendo que o mais relevante de todos tem que ver com o conselho dado à imprensa para que estabeleça um padrão de forma a não violar a lei eleitoral. Em causa, está o apoio mais ou menos notório que pode ser dado a determinados candidatos, em detrimento de outros, no período fora da campanha eleitoral. “A comissão exige aos media que tome medidas de modo a não chamar a atenção do público para alguns candidatos no período de proibição de propaganda”, disse.

Para o efeito, a comissão considera que é necessário ter em conta alguns conceitos aquando da produção de informação neste período específico. São eles: se os conteúdos dirigem a atenção do público para algum candidato e se fomentam o voto implícita ou explicitamente. Não foram, no entanto, adiantados critérios específicos para a avaliação dos conteúdos.

Chapa três

O presidente da CAEAL sugeriu ainda que, de modo a manter uma conduta isenta, a imprensa local “crie regras internas na concepção de notícias para que os profissionais tenham um padrão a seguir” e, desta forma, poderem trabalhar dentro da legalidade. O objectivo, disse, é a “protecção dos próprios media”.

O foco da atenção deve, segundo o responsável, ser “o cumprimento rigoroso da conduta profissional”, sendo que cabe aos jornalistas “observar com imparcialidade e objectividade de modo a relatar toda a realidade à população”.

De acordo com a lei eleitoral, durante o período de proibição de campanha, é a própria comissão que vai fiscalizar a produção de conteúdos. Quando detectada alguma irregularidade ou suspeita de favorecimento ou detrimento de algum candidato, o processo pode seguir pelas vias legais.

Atenção ao Facebook

As redes sociais não passam despercebidas e até no espaço virtual cabe aos responsáveis da comunicação social ter mão nos comentários dos seus seguidores. Se aparecerem, durante o período previsto, referências capazes de serem interpretadas como ligadas a campanhas, “os jornais podem cancelar a informação”. De acordo com Tong Hio Fong, “quando houver irregularidades, temos de ver de forma objectiva e ponderar se existe negligência por parte dos media”, explicou.

No entanto, Tong Hio Fong não deixou de exultar a liberdade de informação. “Temos de ponderar a liberdade de expressão”, concedeu. “Por exemplo, com iniciativas em páginas do Facebook é a Lei Básica que decide se a liberdade viola a lei ou não.”

9 Mar 2017

Lai Chi Vun | Dois estaleiros foram ontem demolidos

 

O Governo arrancou ontem com a demolição de dois estaleiros na povoação de Lai Chi Vun. Os trabalhos fizeram-se de modo tranquilo, sem revolta dos moradores ou antigos construtores navais. As Obras Públicas vão fazer um concurso público para o novo planeamento

 

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] destruição já se adivinhava há cerca de dois dias na povoação de Lai Chi Vun. Alguns técnicos apareceram no local para fazerem marcações junto aos dois terrenos onde estão localizados os estaleiros em que o risco de queda é maior. Ontem, aquilo que moradores e antigos construtores de barcos mais temiam aconteceu: responsáveis da Direcção dos Serviços para os Assuntos Marítimos e da Água (DSAMA), juntamente com os técnicos da Companhia de Engenharia Sun Hong Kin, procederam à destruição dos dois primeiros estaleiros localizados logo no início da rua.

Tudo começou por volta das nove da manhã, mas não houve registo de tumultos ou protestos. David Marques, porta-voz dos moradores de Lai Chi Vun, tem a sua casa localizada ao lado do primeiro estaleiro demolido. Ao HM, explicou que algumas pessoas se reuniram no local para garantir que nada acontecia às suas moradias, mas não houve sequer a tentativa de travar a demolição.

A DSAMA nunca chegou a avançar a data oficial para o começo dos trabalhos, apesar de a questão ter sido colocada pelo HM. O comunicado de imprensa sobre o assunto só foi tornado público durante a manhã de ontem, quando as máquinas já trabalhavam a todo o vapor em Lai Chi Vun.

O documento aponta que a DSAMA “instou à empresa de construção [Sun Hong Kin] que tomasse medidas para garantir que a obra não afectasse a segurança das barracas e instalações vizinhas”. Por sua vez, o Instituto da Habitação (IH) “aconselhou os residentes das barracas a desocuparem temporariamente as barracas durante a execução das obras”.

O mesmo comunicado apontava ainda que “caso estes tenham necessidades e satisfaçam os requisitos, os serviços competentes podem disponibilizar-lhes alojamento temporário”. Necessidade que, segundo o porta-voz dos moradores de Lai Chi Vun, não parece existir para já.

Si Kong Iao, engenheiro civil responsável pela empresa Sun Hong Kin, disse ao HM que os trabalhos de demolição dos dois estaleiros, incluindo a limpeza dos terrenos, deverão demorar 50 dias. O comunicado explica que depois “proceder-se-á ao nivelamento do terreno, para garantir a segurança pública e salubridade ambiental”.

“A estrutura que dá apoio aos estaleiros estava quase a cair, e o tecto também estava prestes a colapsar. Como engenheiro digo que vale a pena esta demolição porque os estaleiros já estavam em muito mau estado”, referiu.

A Sun Hong Kin será apenas responsável pelos trabalhos relativos aos dois estaleiros. “Não sei qual será o futuro dos restantes”, acrescentou Si Kong Iao.

Concurso para novo estudo

Quanto ao planeamento da zona, a DSAMA adianta apenas que “a Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes irá coordenar os trabalhos relativos ao concurso público para a realização do estudo de planeamento”, isto apesar de já existir um relatório datado de 2012, cujo conteúdo se desconhece em pormenor.

O objectivo é amplificar o “âmbito do planeamento, tendo em conta a realidade da zona, e ponderar, de forma global, o arruamento e instalações públicas da respectiva zona, atendendo às necessidades de desenvolvimento sustentável da vila de Coloane”. Tudo para que se possa oferecer “no futuro um espaço de melhor qualidade para os cidadãos e turistas”.

Sobre os restantes estaleiros, a DSAMA garante que há quatro terrenos “cujo estado de instalações é aceitável e com melhor ambiente”, sendo que a entidade “está a analisar o pedido de renovação das licenças desses lotes”. Há ainda três lotes que foram recuperados nos últimos anos e que se encontram em “procedimento administrativo” por forma a serem entregues “aos serviços competentes após a sua conclusão”.

9 Mar 2017

Clara Law e Eddie Fong, realizadores de cinema: “Sou uma nómada no mundo”

Clara Law e Eddie Fong são um casal que vive para o cinema. Ela nasceu em Macau e cedo foi para Hong Kong, onde conheceu o colega e companheiro. Actualmente, vivem na Austrália. Regressaram ao território para filmar o projecto que têm em mãos e como convidados do Rota das Letras. Ao HM, falaram das origens, do cinema e de como se cruzam nos filmes que fazem

[dropcap]N[/dropcap]asceu em Macau, mas não tem recordações do território.
C.L. – Saí de Macau aos dez anos. Não tenho memórias. A minha família era muito tradicional e eu não estava autorizada a sair de casa ou a andar nas ruas. A minha memória é a ida para a escola e o regresso a casa. Ocasionalmente, a minha mãe levava-me aos gelados e ao cinema ver filmes do John Wayne. Passava também muito tempo com a minha avó a ver filmes em cantonês.

Como é que o cinema apareceu?
C.L. – Formei-me em Literatura Inglesa na Universidade de Hong Kong. Depois do curso comecei a procurar trabalho e não me estava a ver num emprego das nove às cinco. Em dois meses devo ter passado por uns sete trabalhos. Depois falaram-me da Radio Television Hong Kong (RTHK) e que me podia candidatar para dar assistência na realização. Aproveitei a oportunidade e entrei. Assim que comecei a trabalhar, descobri o que realmente gostava. Foi uma paixão. A partir daí quis ir para uma escola de cinema. Queria fazer coisas escolhidas por mim e não vindas de outras pessoas. Fui então para a London Film Academy. Regressei a Hong Kong e conheci o Eddie Fong, que já tinha realizado dois filmes e escrevia guiões. Eu tinha uma ideia, mas não tinha dinheiro. Contactei-o e perguntei se podíamos fazer um filme, mesmo assim, e ele aceitou.

Desde o início da carreira, com “Autum Moon” e “Floating Life”, a questão da emigração e das origens está muito vincada. É de alguma forma uma questão pessoal?
C.L. – O nosso passado transforma-nos no que somos. Nasci em Macau e venho de uma família chinesa. Vivi aqui pouco tempo, mudei-me para Hong Kong e estudei em Inglaterra. É muito difícil dizer onde é a minha casa. O sentimento é o de não saber realmente de onde venho. Cresci com uma educação ocidental e chinesa. Na escola falava inglês e em casa era tudo muito tradicional. Há esta divisão cultural dentro de mim, fez parte do meu crescimento e fez com que não soubesse claramente onde estavam as minhas raízes. Este flutuar interno sem saber onde se está fez com que, mais tarde, fosse à procura da minha veia chinesa. Sou uma nómada no mundo. Não estou nem aqui nem ali.

E.F. – Quando vivemos em Hong Kong sentimos que não pertencemos àquele lugar. É um lugar sem história porque a história está toda na China Continental. O que aprendemos acerca do passado chinês não permite que compreendamos, de um ponto de vista existencial, de onde fazemos parte. Não há nada que possamos ver, tocar ou sentir como parte de um passado. É muito abstracto. Sou chinês, mas sou de Hong Kong, logo não sei bem quem sou. É estranho. Quando começámos a trabalhar no nosso primeiro projecto, estávamos no início da onda de emigração. O nosso primeiro filme era sobre um casal, em que um era ocidental e o outro oriental. Partilhavam a vida e o choque cultural era notório. Esta convivência era muito natural no dia-a-dia mas ninguém falava nisso, pelo menos no cinema. Há um termo especifico para estas pessoas, que na altura designava os académicos que iam para Hong Kong dar aulas e deixavam a esposa e filhos no país de origem: eram os “astronautas”. É um jogo de palavras na língua chinesa que remete para 太空人 – ‘taikongren’, em que ‘tai’ significa mulher, ‘kong’ vazio e ‘ren’ pessoa. A ironia é que, com a distância, as mulheres que ficavam no país de origem acabavam por se envolver com outras pessoas e os “astronautas” ficam sozinhos. Hoje em dia os tempos são outros. Já não há muitos “astronautas” em Hong Kong.

Clara Law

C.L. – Estamos na segunda vaga da diáspora. Há muitos jovens que começam a sentir que Hong Kong tem mudado muito e não é mais um lugar seguro para se viver. As terras e casas estão com valores que não são suportáveis para poderem ter as suas e construírem uma família. Sentem que têm de ir embora. É um tema sempre actual.

Como é que mantêm o contacto com as vossas origens?
C.L. – Tive uma fase, em Inglaterra, em que senti necessidade de ir à procura das minhas raízes de forma mais profunda. Comecei a estudar filosofia chinesa. No regresso a Hong Kong continuei a estudar e li muito, nomeadamente do pensamento que fundamenta a cultura chinesa: confucionismo, taoismo e budismo. Foi um processo para me levar a mim também. Por outro lado, já tinha coisas que identificava como vindas da minha família tradicional chinesa. Hábitos e rituais que aprendemos por os experienciar como o cuidado dos pais quando envelhecem, mas precisava de encontrar o processo de pensamento e foi o que fiz.

E.F. – Temos de fazer a viagem de regresso às origens e estas estão na história do pensamento chinês que, julgo, tem estado perdido nos últimos anos. O processo de afastamento começou com o último império. Com a continuação da história foi sempre a piorar. Basicamente, estamos a perder as nossas tradições de pensamento há perto de 700 anos. Por exemplo, em Hong Kong, ninguém fala sobre isso ou, se fala, não o fazem da melhor maneira porque não sabem. São poucos os que ainda tentam aprender as bases de uma forma real e investigam de uma forma aprofundada o que é que pode realmente significar a cultura chinesa. Este é um assunto que, na actualidade, deveria significar muito para o mundo em geral.

Ainda no âmbito da emigração e com olho nos processos de exílio e acolhimento de refugiados, fizeram “Letters to Ali”.
C.L. – “Letters to Ali” foi feito em 2004 e é totalmente um documentário ou, para ser mais exacta, um ensaio para um documentário. O filme aconteceu porque sentimos que havia alguma coisa na Austrália que estava muito mal depois de sabermos pelas notícias da história de Ali, um menino afegão à procura de exílio. 

A situação dos refugiados também é um assunto do momento. Como é que encaram a questão?
C.L. – Hoje em dia é uma questão mais complexa do que quando fizemos o filme. Na altura era mais clara. As pessoas que procuravam exílio não eram tratadas como humanos, mas sim como coisas que não deveriam existir. Penso que, actualmente, os refugiados não são políticos, mas essencialmente económicos. É também mais difícil definir o próprio termo. Por outro lado, o movimento de refugiados atingiu um número tão grande que as necessidades, além da aceitação do outro, passam por uma aceitação real da sua cultura e capacidade para a convivência. Não se pode acolher pessoas e depois não se saber como lidar com elas e com a sua cultura. A aceitação de refugiados deve ser acompanhada de uma estrutura de apoio e isso, penso, não está a acontecer da melhor maneira. Se aceitam pessoas e depois não sabem como as ajudar a reconstruir as suas vidas, os problemas aparecem e haverá sempre políticos a tomar partido da situação e prontos a lançar um apelo ao medo.

E.F. – O problema dos refugiados é apenas um sintoma. É como se olhássemos para um todo em que esta questão é apenas um sinal. Como na medicina chinesa, não é possível lidar apenas com o sintoma, é necessário tratar da sua origem. Penso que é claro que na raiz está o cada vez maior abismo entre riqueza e pobreza. Ninguém quer deixar o país de origem e as suas raízes mas, quando as pessoas não têm como comer e estão em guerra, são forçadas a procurar um espaço onde possam sobreviver. Ouvimos tantas histórias de pessoas que só querem regressar a casa dadas as dificuldades culturais.

Como é que apareceu a ida para a Austrália?
C.L. – A minha família tinha emigrado para lá e, numa visita, decidimos ficar. Naquela altura, os nossos filmes “Autumn Moon” e “Tentation of the Monk” tinham participado num festival na Austrália e tiveram críticas muito boas. Acabámos por ter produtores a procurarem-nos e a querem trabalhar connosco. Tínhamos uma história que queríamos fazer, seleccionámos uma produtora e fizemos o filme. Foi tudo muito natural. A Austrália, de uma forma geral, é um país simpático e, em Melbourne, conseguimos sentir um certo sentido de comunidade. Se falarmos de multiculturalismo, penso que é um sítio em que se pode vivê-lo realmente.

E.F – Em Hong Kong, a indústria cinematográfica estava a apoiar essencialmente filmes mainstream e não era o que queríamos fazer. Andamos sempre numa espécie de margem. Tentamos ter algumas ideias mais comerciais porque queremos vender os filmes mas, ao mesmo tempo, queremos dizer alguma coisa com o nosso trabalho.

Este regresso a Macau para filmar e participar no festival literário é também o primeiro após a partida. Um filme no território onde nasceu marca um regresso às origens?
C.L. – Sim. O filme acaba por falar de alguém à procura das origens. Tive de voltar para procurar a minha infância em Macau. O engraçado foi mesmo a quantidade de memórias que vieram ao de cima. Por exemplo, fomos a um restaurante português e deram-nos pão com manteiga. O sabor daquela manteiga, um produto que geralmente não gosto, soube-me a infância. A casa onde vivia já não existe, mas tem feito parte dos meus sonhos e já consigo visualizar a rua.

É uma mulher de sucesso no cinema. Acha que é uma área ainda feita essencialmente por homens ou considera que a tendência está a mudar?
C.L. – Nunca pensei sequer que, por ser mulher, seria privada de fazer o que quer que fosse. Sempre achei que faria o que queria e que ninguém me poderia parar. Na estação de televisão não sabia como fazer as luzes, então ia estudar o que sentia que me fazia falta saber. Com o conhecimento vem a confiança e nada nos pode parar. Já sei fazer tudo o que é necessário para filmes.

E.F. – Por termos vivido tanto em Hong Kong, mais uma vez enquanto lugar particular, não sentimos muito as questões de género. Quando nos mudámos para a Austrália sentimos mais a diferença de tratamento. Por exemplo, quando íamos ao banco, o funcionário olhava sempre para mim e eu nem entendia, porque não olhava para a Clara. Notava-se claramente que era suposto ser o homem a tomar as decisões. Estranhámos muito isso.

9 Mar 2017