Andreia Sofia Silva Grande Plano MancheteTurismo | Viagens domésticas na China continuam a dominar face a 2019 Um relatório do Mastercard Economics Institute destaca que o turismo doméstico na China ultrapassou as viagens internacionais. Por outro lado, o Japão atingiu níveis históricos no turismo graças à desvalorização do iene, atraindo mais de três milhões de estrangeiros em Março. Aqui mais perto, Hong Kong conseguiu estadias mais prolongadas Depois de muito tempo com quarentenas prolongadas e fecho de fronteiras que impossibilitaram viagens internacionais, os cidadãos chineses habituaram-se a ir para fora cá dentro, uma vez que os dados relativos às viagens domésticas continuam a superar os das viagens internacionais. Segundo o mais recente relatório do Mastercard Economics Institute (MEI) sobre o sector global do turismo, divulgado na última quinta-feira, “a dinâmica de viagens da China continental mudou, com maior importância [do turismo] a nível interno, uma vez que há uma maior percentagem de passageiros da China que viaja no seu país”, lê-se. O relatório, intitulado “Travel Trends 2024: Breaking Boundaries” [Tendências de Viagem 2024: Quebrando Barreiras], que analisa 74 mercados e 13 só na região da Ásia-Pacífico, refere que um maior número de viagens domésticas constituiu “um impulso para as empresas locais da China”. No primeiro trimestre deste ano, as viagens domésticas estavam 15 por cento acima dos níveis registados em igual período de 2019, antes da pandemia, o que significa que o “tráfego doméstico de passageiros se normalizou totalmente”. O relatório do MEI conclui que “o tráfego internacional deverá recuperar mais tarde”, tendo em conta os dados fornecidos pela Administração da Aviação Civil da China. O tráfego turístico internacional “ainda não recuperou e está actualmente 19,7 por cento abaixo dos níveis de 2019”, também no que diz respeito ao primeiro trimestre deste ano. O MEI descreve que “a história do turismo doméstico [na China] é positiva, com a procura a exceder os níveis de 2019”. Este facto “pode atribuir-se parcialmente a uma mudança nas preferências por destinos domésticos à medida que o interesse no turismo local se expande”. Assim, “as quotas de tráfego de passageiros na China continental reformularam-se nos últimos anos, com ênfase no turismo interno”. A maior recuperação de viagens domésticas no país em relação a voos internacionais fez com que “mercados historicamente dependentes dos viajantes da China continental tenham registado uma mudança de quota correspondente a favor dos viajantes dos Estados Unidos, Europa e resto da Ásia-Pacífico”, lê-se no relatório. Estadias mais prolongadas O relatório, que não menciona Macau, dá ainda conta do aumento do número de estadias em algumas regiões da Ásia-Pacífico (APAC), nomeadamente Hong Kong. Nesta zona do globo, os turistas “estão a prolongar as viagens em média de 1,2 dias até um total de 7,4 dias, motivados por destinados baratos, climas quentes e taxas de câmbio favoráveis”. O MEI aponta que em 2019 a média de estadias era de 6,1 dias por viagem. No caso específico de Hong Kong, “os visitantes estrangeiros estão a permanecer [no território] uma média de 6,4 dias, um aumento, em média, de 1,1 dia em relação a 2019”. O relatório dá conta que, para este ano, é esperado um crescimento adicional em termos da média diária de estadias relacionado com as isenções de vistos na região da Ásia-Pacífico, “tal como um aumento da capacidade de voos internacionais que irão beneficiar destinos como Singapura, Malásia e Tailândia”. “Entre os destinos da APAC com um maior aumento da duração de viagens entre 2019 e 2024 foi a Índia, com mais dois dias, o Vietname, com dois dias mais, e Indonésia, com uma média de 1,9 dias”. Além disso, as estadias no Japão aumentaram, em média, 1,4 dias, “em grande parte devido à fraca inflação dos preços de quartos de hotel durante este período, em comparação com outros mercados”. Bendito iene Relativamente ao Japão, o país está a posicionar-se como um dos maiores destinos turísticos da APAC e do mundo. O fluxo de turistas tem atingido nos últimos meses números recorde devido, em grande parte, à desvalorização do Iene. O relatório descreve que “o Japão tem constituído uma das histórias mais interessantes no sector das viagens deste ano”, com “um fluxo recorde de passageiros impulsionados pelo iene historicamente fraco, o mais baixo registado desde Março de 1990″. Prova do impacto positivo da desvalorização do iene no turismo é o facto de o país do “sol nascente” ter recebido em Março mais de três milhões de turistas estrangeiros (3 081 600), o número “mais elevado de sempre”, tendo em conta que “nem sequer chegámos ao pico da época de viagens”, destaca o relatório. Pelo contrário, “as chegadas de visitantes da China ao Japão diminuíram cerca de 36,5 por cento em relação aos níveis registados em 2019”. Em termos globais, este ano arrancou “com um forte crescimento no sector das viagens”, não apenas “em termos de despesas [dos turistas], mas também do número de pessoas que viajam”. Registou-se, nos primeiros três meses do ano, “um máximo histórico de cerca de 15,9 milhões de americanos que viajaram internacionalmente”, além de que os grandes eventos “estão a impulsionar as tendências de viagem”, como concertos ou competições desportivas. Além do Japão, países como a Irlanda e Roménia “registaram o maior crescimento na percentagem de despesas de turistas em relação ao ano passado”. Estadias mais prolongadas Em todo o mundo verificou-se, nos últimos meses, que “os viajantes estão a prolongar as suas viagens em cerca de um dia, em média”, em relação “ao que era normal antes da covid-19”. Neste caso, as regiões do Médio Oriente e África são as que “mais têm beneficiado com esta tendência, ambas com cerca de dois dias extra incluídos no destino”. Já os Estados Unidos “têm beneficiado menos desta nova tendência, registando um aumento menor na duração das viagens prolongadas”. No que diz respeito ao panorama do consumo, é certo que “os preços [do turismo] continuam elevados, mas o sector das viagens está bem posicionado com um consumidor resiliente”. “Na indústria de viagens e lazer, os preços ao consumidor, especialmente na indústria hoteleira, permanecem elevados em relação aos níveis anteriores à pandemia. Com preços elevados, verificámos que há um número crescente de consumidores a procurar viagens mais económicas.” O MEI explica que os preços elevados se explicam por uma “combinação de capacidade limitada, escassez de oferta e custos laborais elevados”, com exemplos adicionais de “escassez de aviões, pilotos e o aumento generalizado do crescimento dos salários reais”. Há ainda o factor “pressão da procura”, quando há mais turistas a viajar do que a oferta disponível. Assim, o MEI estima, para este ano, que se continue a registar inflação no turismo “induzida pela procura ao longo do ano, em parte devido à economia baseada em experiências e grande extensão das intenções de viagem”. Na área da hotelaria, “os quartos vão continuar a estar totalmente reservados, o que constitui um alívio para hotéis e motéis que ficaram gravemente afectados pelos encerramentos prolongados nos anos de 2020 a 2022”. Em termos gerais, “os preços vão permanecer elevados no sector das viagens, lazer e hotelaria, mas não de forma preocupante”. Munique no top O turismo é, por sua vez, cada vez mais pautado por experiências. “Os viajantes a nível mundial continuam a dar prioridade às experiências. Gastaram mais em vida nocturna e menos em compras a retalho, sector que recuperou a um ritmo mais lento”, descreve-se no relatório. A análise do MEI traça ainda o top 10 dos destinos mais populares para este Verão, com base nos dados de marcações de hotéis e viagens. Munique, na Alemanha, será o destino mais popular para este Verão, tendo em conta que o país vai receber o campeonato europeu de futebol, o EURO 2024. O jogo de abertura será nesta cidade. Segue-se Tóquio, no Japão, tendo em conta “o iene historicamente fraco e um ano inteiro sem restrições” no contexto da pandemia. Em terceiro lugar surge Tirana, capital da Albânia, “que fica a uma curta distância de carro de muitos hotéis costeiros e é muito mais económica em comparação com os principais centros turísticos de outros países europeus”. No top 10 entram ainda Nice, Cancun, Bali, Banguecoque, a ilha de Corfu e Aruba, uma pequena ilha no mar das Caribe.
Andreia Sofia Silva Grande Plano MancheteTDM | O “problema” inicial e o sucesso das emissões, 40 anos depois A TDM nasceu a 13 de Maio de 1984. A data, coincidente com a celebração das primeiras aparições de Fátima, foi escolhida pelo Governador Almeida e Costa. Os 40 anos da TDM foram celebrados na segunda-feira em Lisboa, com uma palestra onde participaram algumas personalidades políticas que recordaram como o projecto da TDM foi “um problema” que acabou por se revelar um sucesso Há 40 anos, o panorama audiovisual local levou uma reviravolta com o nascimento da Teledifusão de Macau (TDM), a estação pública de televisão e de rádio que levou profissionais da RTP para o território para criar conteúdos informativos e de entretenimento sobre Macau, como até então não se tinha visto. A data do nascimento da TDM, celebrada oficialmente na segunda-feira, dia 13 de Maio, foi escolhida pelo Governador Almeida e Costa que, em 1984, liderava a Administração portuguesa, e que coincidia com o dia da efeméride religiosa das primeiras aparições de Nossa Senhora de Fátima aos três pastorinhos. A ideia era fazer um canal bilingue que fosse o espelho de duas línguas e culturas. A transferência de administração portuguesa de Macau para a China estava a chegar e a criação do canal transformou-se num dossier diplomático complexo e parte integrante das negociações. A história da TDM foi recordada na segunda-feira em Lisboa no Centro Científico e Cultural de Macau (CCCM) num evento que reuniu os profissionais da RTP que ajudaram a fazer o canal e a sua informação, mas também personalidades políticas portuguesas que testemunharam e participaram na criação da TDM. Todos destacaram as dificuldades de um projecto complexto que tinha tudo para nascer torto, mas que acabou por vingar. Disso deu conta Nicolau Santos, actual presidente do conselho de administração da RTP. “A TDM é um projecto notável que se afirmou em condições que não eram particularmente fáceis, com muitas pessoas que não falavam português. Esta é uma história de sucesso de que a RTP se orgulha particularmente. A TDM presta um serviço público moderno, eficaz e com forte impacto no território, sendo a defesa da língua portuguesa um dos objectivos estratégicos. Orgulhamo-nos muito do sucesso da TDM, que é a expressão do conhecimento e competências que a RTP possui na área do serviço público.” António Vitorino, figura do Partido Socialista (PS) e secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares do Governo português entre 1983 e 1985, com a tutela do audiovisual, foi mais claro quanto às dificuldades do nascimento da TDM. “A TDM era, na altura, um problema”, começou por dizer. “A TDM estava no coração de um dos temas mais delicados da Declaração Conjunta que era a questão dos direitos fundamentais como a liberdade de expressão e de imprensa, matéria a que a parte portuguesa era sensível. O mérito da intervenção sobre a TDM foi o meu colega de Governo, Carlos Monjardino, que persuadiu o Governador Pinto Machado a incluir a questão da TDM nas negociações sobre o contrato de jogo para garantir a sustentabilidade da televisão de Macau além da administração portuguesa do território”, recordou. Línguas de fora As primeiras emissões da TDM aconteciam apenas no horário das 18h às 23h e intercalavam entre chinês e português. Só mais tarde se criaram dois canais diferentes com conteúdos próprios, sendo que actualmente a TDM tem cinco canais, incluindo um com emissões em inglês. Desde cedo que a TDM se tornou numa questão diplomática, onde o bilinguismo era fundamental, destacou também António Vitorino. Não era apenas importante ter emissões locais em português, mas também em chinês. “O tema do bilinguismo era central nas negociações entre Portugal e a China. Este não era uma arma de arremesso, mas sim uma ferramenta forte utilizada pela parte chinesa para introduzir o chinês como língua corrente na Administração, que na sua maioria era composta por pessoas que tinham o português como língua de trabalho.” Além disso, recorda António Vitorino, Portugal “queria garantir que o português, que seria língua oficial [da RAEM], teria garantias de estabilidade”, sendo “imprescindível a garantia da manutenção de um canal bilingue” nas negociações para a Declaração Conjunta, assinada em Pequim em 1987. Segundo António Vitorino, a TDM com emissões bilingues constituía “um factor de confiança para a população de Macau e esse argumento foi muito bem aceite pela China”. “Um canal marcante” Maria de Belém Roseira, outra figura do PS, ex-candidata à presidência da República portuguesa e administradora da TDM entre 1986 e 1987, recorda que aceitou o cargo numa altura em que a empresa “atravessava problemas financeiros e de recursos humanos”. A responsável, que também classificou o nascimento da TDM como um “dossier complicado”, frisou que “nunca aceitaria ser presidente” e que veio para Macau para fazer os estatutos da empresa. “Quis vir-me embora, mas Pinto Machado achou que deveria continuar e fui ficando”. “Foi interessante perceber a importância estratégica da TDM e de como os chineses atribuíram à TDM uma atenção e sensibilidade que levaram a alguma alteração de comportamentos. Sentiu-se uma postura diferente até à assinatura da Declaração Conjunta e depois, porque as preocupações e princípios passaram a ser diferentes. A transição de Macau estava a prazo e era normal que os chineses tentassem ter uma presença mais marcante e de maior intervenção na gestão diária da empresa.” Maria de Belém falou ainda da polémica surgida em 1987 quando, já com Carlos Melancia como Governador, se tentou privatizar parcialmente a TDM com a entrada de um novo accionista, a Emáudio, ligada a Robert Maxwell. “Era apetecível do ponto de vista comercial um canal daquela natureza”, lembrou Maria de Belém. “Foi aí que surgiram as dificuldades com a Emáudio e Robert Maxwell e empresas que tiveram alguns problemas. Estavam a passar-se coisas que não me agradavam”, disse apenas, sem se prolongar em detalhes. Para a responsável, que também foi ministra da Saúde, a TDM “era realmente um canal muito marcante para a comunidade portuguesa que estava em Macau”, sendo que a língua tem hoje “um papel estratégico fundamental”. A prova de fogo Jorge Silva, um dos principais profissionais da TDM até hoje, recordou as primeiras emissões e os desafios em termos técnicos. “Na altura, a população de Macau via a TVB de Hong Kong e outros canais. A TDM foi uma pedrada no charco porque, pela primeira vez, Macau via-se a si própria, exibindo-se temas e reportagens sobre o território. O interesse da população no canal foi-se renovando e aumentando ao longo dos anos.” Assinada a Declaração Conjunta, começou-se a preparar a transição e a verdadeira prova de fogo da TDM em termos técnicos foi a transmissão em directo das cerimónias da transferência, a 20 de Dezembro de 1999. “A transferência de Hong Kong foi dois anos antes [1997] e aprendemos muito com essas transmissões. Eram muitos os convidados presentes, foram muitas horas no ar, cinco ou seis, e esse foi, talvez, o desafio mais marcante da TDM, tal como a chegada dos Governadores ao território. Tal implicava muitas horas de transmissão, desde o jetfoil até à chegada ao Palácio.” Se a TDM nasceu como projecto bilingue, será que se mantém na sua plenitude nos dias de hoje? Jorge Silva assegura que sim. “O espaço em língua portuguesa continua o mesmo. Com a separação dos canais continuamos a ter o mesmo espaço de emissão, formámos já jovens bilingues na redacção portuguesa, que dominam também o inglês e que são bastante úteis. A TDM está hoje muito virada para a troca de programas com o Interior da China e países de língua portuguesa.” O pivot de informação referiu também que “há o acordo entre a China e Portugal para a manutenção dos dois canais na TDM e seria bom que isso continuasse”. “Penso que a China vai honrar os seus compromissos como tem honrado. Os critérios editoriais são definidos pela própria empresa. Gostaria que esse espaço de liberdade e ideias continuasse na TDM e que Macau mantivesse essa autonomia e identidade própria, com ligação a Portugal, mas mantendo essa diferença no espaço e país em que estamos inseridos, que é a China”, concluiu. Carmen Amado Mendes, presidente do CCCM, destacou que “uma televisão de língua portuguesa em Macau tem, de facto, um papel essencial”. “Foi a televisão que foi dando a conhecer a realidade de Macau e todas as mudanças que foram ocorrendo ao longo de 40 anos. O crescimento da própria TDM é também inegável, tendo passado de um canal bilingue para ter cinco canais. Esperamos estar aqui daqui a 40 anos a falar sobre mais um aniversário e fazemos votos para que este crescimento se mantenha”, adiantou.
Hoje Macau Grande Plano MancheteEstudo conclui que nanoplásticos afectam células da pele de seres humanos e de peixes A exposição a nanoplásticos afecta as células da pele de seres humanos e de peixes, concluiu um estudo realizado por investigadores do Centro de Ciência do Mar (CCMAR) e da Universidade do Algarve (UAlg), hoje divulgado. Para chegar a esta conclusão, os investigadores “desenvolveram uma abordagem inovadora ‘in vitro’” para estudar os efeitos da absorção das minúsculas partículas de plástico nas principais células que compõem a derme, designadas por fibroblastos, explicou a academia em comunicado. O estudo, publicado na revista Science of the Total Environment, pretendeu compreender “como é que os nanoplásticos interagem com a pele”, um dos primeiros pontos de contacto com as partículas que estão em crescente presença no ambiente. De acordo com o investigador do CCMAR e da UAlg, Maoxiao Peng, citado na nota, “esta nova abordagem permite a utilização de linhas celulares da pele em ambiente laboratorial para recolher informação consistente e robusta sobre os efeitos dos nanoplásticos”. Esta utilização, refere o investigador, torna-a “mais ética e mais rápida porque evita a utilização de animais para o mesmo efeito”. A nova abordagem revelou que os nanoplásticos desencadeiam diferentes respostas fisiológicas nos vários tipos de células de fibroblastos, “acumulando-se de forma consistente em redor do núcleo e das membranas das células”. Segundo a investigadora Rute Félix, também citada na nota, foi constatado que os efeitos negativos nas células da pele variam conforme as características dos nanoplásticos, tais como o seu tamanho e a concentração. “Estes resultados sugerem que os nanoplásticos podem comprometer a saúde da pele”, alerta. Por seu turno, a investigadora Deborah Power realça que “este estudo abre caminho para uma melhor avaliação dos riscos e efeitos dos nanoplásticos a nível biológico e ecossistémico”. Face às conclusões do estudo, Deborah Power alerta para a “necessidade urgente” de se reduzir a presença de plásticos no ambiente, “dado o seu potencial para afetar a saúde humana e o biossistema em geral”. Os investigadores concluem que o estudo no contexto do Plastifish, um projecto com Macau e a China apoiado pela Fundação para a Ciência e Tecnologia, representa “um importante avanço na compreensão dos impactos dos nanoplásticos na saúde da pele”.
Andreia Sofia Silva Grande Plano MancheteTecnologia | Jovens e estudantes são os que mais usam IA em Macau A Inteligência Artificial é cada vez mais usada por residentes que procuram benefícios ao nível do trabalho e ensino, sobretudo ChatGPT e Poe. Jovens e estudantes dominam a utilização destas novas tecnologias. As conclusões constam no relatório “Tendências do Uso da Internet em Macau” da Associação para a Investigação na Área da Internet de Macau A Inteligência Artificial (IA) está a popularizar-se em todo o mundo e também em Macau, onde cada vez mais residentes recorrem a ferramentas como ChatGPT ou Poe, para produzir textos para diversos fins ou simplesmente para consultar informação. A conclusão consta do relatório “Internet Usage Trends in Macao” [Tendências do Uso da Internet de Macau], relativo a este ano, que aponta que, dos 1.502 entrevistados, todos residentes, 64 por cento conhece a IA enquanto 27 por cento já usou estas plataformas, “sendo as taxas de conhecimento e de utilização mais elevadas do que em 2023”. No ano passado, 50 por cento dos inquiridos dizia conhecer a IA. O ChatGPT é usado por 78 por cento dos inquiridos, seguindo-se o Poe com 19 por cento. O relatório indica ainda que “os grupos mais jovens e de estudantes apresentam taxas de utilização mais elevadas”. No que diz respeito aos objectivos com que usam estas plataformas, 22 por cento dos internautas espera que a IA “melhore a eficiência da aprendizagem ou o trabalho”, além de que 15 por cento recorre a estas ferramentas para “responder a questões da vida quotidiana”. Dos inquiridos, 49 por cento diz-se muita disposta a usar a IA no futuro, sendo que “a vontade dos jovens e estudantes é maior”. Tal demonstra que “a vontade dos internautas de utilizar a IA generativa está a aumentar gradualmente”. O relatório foi produzido pela Associação de Macau para a Investigação na Área da Internet [Macao Association for Internet Research – MAIR] juntamente com a consultora eRS e-Research, fundada por Angus Cheong, ex-académico da Universidade de Macau. Os 1.502 entrevistados têm idades compreendidos entre 6 e 84 anos, ou seja, foram inquiridas crianças sem idade escolar para terem capacidades de literacia que as habilitem a usar as ferramentas em questão. O relatório conta com Angus Cheong como investigador principal, além de ter sido produzido por Athena Seng, Jing Li, Wandy Mak, Erica Kwok, Candy Fong, Karen U, Holly Ho. As entrevistas realizaram-se em Janeiro deste ano. Os perigos associados Apesar da crescente penetração da IA no território, os autores do estudo não deixam de apontar riscos que estão associados a estas plataformas. “É ainda necessário ter bastante cuidado na aplicação da IA em cenários específicos”, pois os resultados “podem ser afectados por questões como a parcialidade dos dados, preconceitos e incorrecta compreensão semântica”, o que pode levar a IA a “distorcer os factos”. “As pessoas não devem aceitar cegamente a informação gerada pelo modelo, devendo aprender e a avaliar [os conteúdos] com exactidão e racionalidade”. Assim, sugere-se que no futuro “o Governo, o meio académico e empresas possam trabalhar em conjunto para reforçar opções de exploração e aplicação da IA”. “Com um esforço conjunto, Macau pode melhor promover o desenvolvimento da IA, ajudando a inovação e o progresso em vários sectores e proporcionando aos residentes formas mais convenientes e eficientes de aprender, trabalhar e viver”. Tal pode trazer “mais possibilidades e mudanças para o futuro” do território. Uso superior à média Em termos gerais, Macau apresenta uma taxa de utilização de internet de 93 por cento, enquanto a taxa de Internet móvel é de 91 por cento. O relatório destaca o facto de “a taxa de adopção da Internet ser superior à média mundial”, que é de 66 por cento, estando “entre as melhores da Ásia”. Para se perceber a evolução do uso da internet no território, importa referir que, em 2001, a taxa de utilização era de apenas 33 por cento, e que nos últimos cinco anos tem-se mantido sempre acima dos 90 por cento, entre 91 e 93 por cento. De destacar o facto de o Índice de Clivagem Digital ter diminuído para quase zero, sinónimo de que “os residentes de todos os estratos sociais têm iguais oportunidades de acesso à Internet”, sobretudo os telemóveis. Os residentes recorrem à internet sobretudo para fins de lazer e entretenimento, sendo que uma “elevada percentagem de agregados familiares possui computadores”. Destaque para o maior uso do tablet em relação ao computador de secretária ou portátil entre os consumidores locais. O acesso à internet é feito através do telemóvel, mas o estudo releva que “nos últimos anos um número crescente de internautas tem acedido à internet através da televisão”. À noite, a partir das 21h, é quando os internautas mais usam a internet, com a taxa de utilização a essa hora a “registar um crescimento significativo em comparação com dez anos atrás”. WeChat e Taobao ganham Em termos de actividades, a internet é usada, principalmente, para ler, ver e ouvir notícias, e aceder a redes sociais, com a plataforma WeChat a ser a mais usada por quase todos os grupos etários, seguindo-se o YouTube, Facebook e Whatsapp. O consumo de conteúdos audiovisuais surge logo de seguida em termos de popularidade, com o visionamento de filmes e séries em streaming, além de música. O documento refere que “os menores, os jovens e os grupos de estudantes apresentam taxas mais elevadas de participação em várias actividades audiovisuais e de entretenimento” na área do streaming. Nos últimos anos os utilizadores que usam a internet para estarem informados manteve-se nos 80 por cento, enquanto 70 por cento dos inquiridos costuma escrever comentários nas redes sociais. Em termos de comunicação social digital, observa-se que “as pessoas de meia-idade e os jovens, além das pessoas com níveis educacionais mais elevados, são mais propensos a participar em várias actividades relacionadas com a informação online”. Relativamente ao comércio online regista-se uma tendência de aumento, com 76 por cento dos entrevistados a afirmar que já fez compras desta forma, “sendo o Taobao a principal plataforma de compras online”. As compras são, sobretudo, de “produtos de cuidados da pele ou para necessidades diárias”. Um total de 83 por cento dos inquiridos fez pagamentos online. Alerta segurança Os investigadores colocaram ainda questões sobre a segurança online. Num território onde são frequentes os casos de burla online, o relatório mostra que, de facto, metade dos inquiridos diz ter tido problemas de privacidade ou segurança, “sendo o mais comum a fraude online, seguindo-se vírus em dispositivos, roubos de contas pessoais ou de palavras-passe”, ou mesmo “violação da privacidade”. Ainda assim, “cerca de 60 por cento dos internautas avaliam o estado actual da privacidade e segurança da Internet em Macau como seguro, proporção semelhante à registada no passado”. Os autores do estudo consideram que é preciso promover mais a literacia digital e ter em conta a necessidade de preservação da segurança. “As pessoas de meia-idade e os jovens adultos, bem como as pessoas com um nível de educação mais elevado e com emprego têm a probabilidade relativamente mais elevada de se deparar com vários tipos de problemas de privacidade e segurança na internet. Este facto pode estar relacionado com a sua utilização mais frequente da internet e com um maior nível de sensibilização.” Os autores acrescentam ainda que estes números “indicam que, embora o público tenha um certo nível de consciencialização e preocupação com a privacidade e a segurança na Internet, ainda há muitos desafios a enfrentar”. Os riscos nos jovens O relatório destaca também o facto de os utilizadores de internet serem cada vez mais jovens e do impacto negativo que isso pode causar a vários níveis, tornando-se fundamental aumentar a literacia digital dos mais novos. “Actualmente, a utilização da internet por menores centra-se em actividades de lazer e entretenimento. No futuro, estes devem melhorar a literacia cibernética, aprender e dominar conhecimentos e competências e organizar razoavelmente o seu tempo de utilização da Internet para melhor a utilizarem na sua vida e na sua aprendizagem”. Cabe ainda às escolas, famílias e sociedade “orientar os menores para o uso saudável da internet”, devendo as instituições de ensino “incorporar a literacia da internet no currículo para cultivar conhecimentos e competências dos alunos” nesta área, além de que os pais “devem reforçar a educação familiar dos menores para evitar a dependência excessiva da internet”. O uso de internet por parte de menores de idade atingiu 91 por cento, sendo que estes optam, em 95 por cento dos casos, para ver filmes e vídeos, seguindo-se o consumo de música, em 85 por cento dos casos, ou para jogar (88 por cento). No que respeita às redes sociais, 52 por cento usa o TikTok. A literacia digital nos jovens entre os seis e 11 anos é menor, pelo que é necessário “melhorar a segurança na Internet e os aspectos de auto-proteção”, é indicado.
Andreia Sofia Silva Grande Plano MancheteAICEP | Fórum anual focado na Inteligência Artificial termina hoje Chega hoje ao fim a 31ª edição do Fórum AICEP das Comunicações Lusófonas, focado na área da inteligência artificial, que trouxe a Macau representantes do sector das telecomunicações dos países de língua portuguesa. João Caboz Santana, presidente da AICEP – Associação Internacional das Comunicações de Expressão Portuguesa, destaca o desenvolvimento de Macau na área das telecomunicações “Criar Valor com Inteligência Artificial” é o mote da 31ª edição do Fórum AICEP das Comunicações Lusófonas, o encontro anual que junta representantes do sector das telecomunicações dos países de língua portuguesa e que arrancou ontem em Macau e que chega hoje ao fim. O evento, que trouxe a Macau a representante da autoridade reguladora das telecomunicações em Portugal, Sandra Maximiano, presidente do conselho de administração da ANACOM, conta ainda com representantes das autoridades locais na área das telecomunicações, nomeadamente Ebel Chan, vice-presidente comercial da CTM – Companhia de Telecomunicações de Macau, ou Derby Lau, directora dos Serviços de Correios e Telecomunicações. Em entrevista ao HM, João Caboz Santana, presidente da AICEP, frisou a importância de discutir as questões da Inteligência Artificial (IA) em Macau. “A IA suscita ainda muitas questões, existindo poucas respostas. É importante discutir de forma ampla este tipo de soluções, e não vale a pena tentar parar o vento com a mão. A IA traz soluções incontornáveis para as economias e sociedades, e é oportuno discutir este assunto em Macau. Temos um painel específico no fórum para discutir como devemos encarar a regulação deste sector, como é o caso das questões de segurança, privacidade e transparência. Nesta área, os quadros regulatórios dos países são, na maior parte, omissos”, disse. A iniciativa conjunta, que todos os anos se realiza num país ou região diferente do universo lusófono, pretende criar um espaço para discutir soluções com aplicação prática no mercado das telecomunicações. “A AICEP quer dar um importante contributo nas cooperações na área do digital”, frisou João Caboz Santana, que entende que a IA é, actualmente, “um dos mais importantes factores disruptivos do momento”. “Há quem diga que estamos a viver a quarta revolução industrial, e, de facto, no contexto dos importantes desafios que decorrem da transformação digital, a IA está a impactar fortemente todos os aspectos da nossa vida, rompendo, de forma generalizada, os nossos hábitos e formas de trabalhar, sendo importante estudar os seus progressos.” Para o presidente da AICEP, a IA é, cada vez mais, “uma mais-valia para pessoas e organizações”. “Temos de avaliar como conseguimos tirar melhor partido dessas soluções tecnológicas que vão permitir que as organizações melhorem a sua qualidade, aumentem a sua eficiência e reduzam entraves competitivos”, indicou o responsável. Grande “satisfação” Criada na Guiné-Bissau em 1990, a AICEP é constituída por todos os operadores de correios, telecomunicações e órgãos reguladores desta área dos países de língua portuguesa, incluindo Macau. “É grande motivo de satisfação continuarmos com esta ligação importante a Macau a fim de continuarmos com grandes actividades de cooperação em prol do desenvolvimento [do sector], pois, sendo nós uma associação focada no desenvolvimento das comunicações, devemos preservar um dos pilares estruturais da associação, que é a lusofonia.” O fórum, que conta também com a presença de representantes da área das telecomunicações de Hong Kong e China, representa “dois dias de trabalho em prol do desenvolvimento do sector das comunicações que é, talvez, um dos mais importantes motores de desenvolvimento de qualquer economia”. João Caboz Santana destaca a existência de “fortes laços de cooperação com os CTT e CTM em Macau, há vários anos”, entidades que categoriza como “importantes membros do nosso grupo associativo”. “O facto de estarem inseridos numa economia tão diferente da europeia, como é a asiática, faz com que haja uma partilha de desenvolvimento e soluções do que melhor que se vai fazendo nas economias asiáticas, já tão avançadas.” O responsável destaca a possibilidade de Macau, por estar integrada na economia chinesa, poder transmitir conhecimentos e experiências a outros países de língua portuguesa com menor grau de desenvolvimento na área das telecomunicações. “O desenvolvimento das telecomunicações nos países de língua portuguesa não é, de todo, semelhante, e temos de apostar nas soluções dos países mais desenvolvidos. Os países menos desenvolvidos têm, de facto, vantagens e benefícios oriundos dos que já têm um maior grau de desenvolvimento, podendo aprender com o que estão a fazer, evitando erros, saltando etapas e acelerando processos”, referiu. Neste sentido, “Macau, através dos seus membros [na AICEP], tem dado importantes contributos em prol da sustentabilidade e desenvolvimento de economias menos desenvolvidas no mundo português”. Camisola amarela Questionado sobre o grau de desenvolvimento do sector das telecomunicações de Macau face a Portugal e a outros países lusófonos, João Caboz Santana entende que o território está no pelotão da frente. “Macau já tem muito bom estado de desenvolvimento do sector das telecomunicações, com soluções bastante inovadoras e um mercado muito maduro e desenvolvido. Certamente que é um mercado que está na linha da frente no que diz respeito à oferta de produtos e serviços, sabendo oferecer aos mercados e clientes produtos com grande qualidade, a preços acessíveis e tão bons e avançados como o que de melhor se vai fazendo no resto da Europa.” Relativamente à progressiva integração do território na ilha de Hengqin e na Grande Baía, João Caboz Santa diz estar confiante e optimista, ainda que haja entraves a solucionar relacionados com diferenças de acesso a redes sociais e sistemas de pagamentos no mundo digital entre a RAEM e a China. “A ligação de Macau e China ao mundo que fala português é muito forte e ambas as partes desejam que se fortaleça. Há organizações locais, como é o caso do Fórum Macau, que têm feito um trabalho extraordinário no sentido de fazer crescer as relações entre todos. O facto de Macau estar cada vez mais inserido na economia chinesa não tem prejudicado a sua ligação aos países de língua portuguesa, bem pelo contrário.” O presidente da AICEP entende que “é do interesse da China e das regiões a existência de uma forte cooperação e intercâmbio em termos de trabalho, e isso reflecte-se também na área das telecomunicações”. “Macau tem sabido manter o desenvolvimento das comunicações em ligação com as comunidades lusófonas, proporcionando soluções que vão de encontro às necessidades dos clientes”, rematou. O segundo do dia do fórum, que arrancou hoje às 9h, conta com a presença de Raimundo do Rosário, secretário para os Transportes e Obras Públicas, que tem a tutela das telecomunicações no território. No mesmo painel falam ainda João Bento, CEO dos CTT em Portugal, bem como Derby Lau e Vandy Poon, administrador-delegado e CEO da CTM. De Portugal chega Alberto Pimenta, dos CTT em Portugal, que vai falar sobre as últimas novidades na área do comércio electrónico, enquanto Shi Wei, da Baidu AI Cloud, falará da área da IA na China. A regulação sobre a tecnologia em foco na edição deste ano do fórum será abordada no painel das 14h15 com a presença de Derby Lau, dos CTT locais, João Bento e Augusto Mota de Carvalho, presidente do conselho de administração da Angola Cables. Por sua vez, o “Impacto da IA no Mercado de Trabalho” será o tópico a debater a partir das 15h30, com a presença de Ivan Cheung, partner da consultora Delloite, na China ou José Arantes, director institucional e de arquivo da RTP – Rádio e Televisão de Portugal. Além do fórum de debate, realiza-se também a assembleia-geral da AICEP. O evento arrancou ontem no Hotel Sheraton.
Andreia Sofia Silva Grande Plano MancheteZona A | Redução de espaços verdes no plano pormenor não preocupa Anunciado em Março, o Plano de Gestão para a Zona Este prevê uma menor área verde face ao prometido em 2022. Arquitectos desvalorizam a alteração, afirmando que o planeamento de Macau tem de ser feito a uma escala metropolitana ou com foco na zona costeira. Ainda assim, existem críticas ao planeamento dos aterros O futuro mora na zona norte e na conexão que terá à zona A dos novos aterros, criando um novo foco habitacional e societário, com promessas de mais infra-estruturas e acessos. Anunciado em Março, o Plano de Gestão para a Zona Este – Distrito 2, que comporta a zona A e ilha artificial que estabelece a conexão com a zona A, tem, afinal, menos 50 por cento de espaços verdes face ao que foi prometido pelo Governo na consulta pública de 2022. Segundo o portal Macau News, a quebra em termos de espaços verdes ou vazios é hoje 47 por cento menor, passando de 711 mil metros quadrados para 373,719. A grande maioria do espaço contemplado no plano será usado para habitação, que irá albergar cerca de 96 mil moradores. Ainda segundo a mesma fonte, “o plano não menciona se o Governo Central assinou ou não um projecto de recuperação de 0,36 quilómetros quadrados que foi proposto em 2022”. Caso este projecto vá avante, o novo terreno “deverá ser reservado para espaços verdes e será construído na área entre a costa noroeste da Zona A e a costa nordeste da península de Macau”. Nos 373.719 metros quadrados previstos para a área verde do plano, inclui-se a construção de um corredor verde central que atravessa de norte a sul do aterro, prevendo-se ainda a implementação de “corredores de arborização que ligam as extremidades este e oeste da área de intervenção, delimitada por quatro zonas, e um corredor verde marginal a envolver a costa”. A redução de espaços verdes não assusta os arquitectos André Ritchie e André Lui, que preferem olhar para alternativas que se vão criando em torno do rápido desenvolvimento do território. “Relativamente ao ambiente verde da zona A, penso que não nos devemos concentrar apenas na taxa de ecologização, pois trata-se de uma zona com uma importante linha costeira. O planeamento deve centrar-se no aproveitamento da linha costeira como um novo espaço de lazer”, disse André Lui. Já André Ritchie, arquitecto que esteve ligado ao projecto de construção do Metro Ligeiro, considera que está na altura de pensarmos no desenvolvimento urbanístico de Macau de uma forma global e integrada na Grande Baía Guangdong-Hong Kong-Macau. “Não podemos mais pensar o planeamento de Macau e o ordenamento territorial apenas à escala da RAEM. Temos de olhar para a escala da Grande Baía. Não é de todo inconcebível pensarmos que Macau pode ter uma densidade populacional maior e que, à nossa volta, temos espaços verdes disponíveis. No meu caso, moro na Taipa, e demoro menos tempo a ir a Hengqin do que ao posto fronteiriço da futura zona A. Demoro mais tempo a ir até este posto fronteiriço do que depois na ponte a caminho de Hong Kong. Aí faço caminhadas em Lantau, tenho esse contacto com a natureza”, exemplificou. Em termos de integração e interligação territorial, o arquitecto destaca o alargamento das possibilidades de condução, com a política que permite a circulação em Guangdong, e o facto de “as fronteiras serem hoje mais permeáveis”, o que levou as vidas dos residentes a uma “escala metropolitana”. André Ritchie dá também o exemplo de cidades europeias, nomeadamente Lisboa, onde cada vez mais a população vive nos subúrbios, deslocando-se de carro ou transportes e trabalhando no centro. “Temos espaços verdes aqui à volta, e bastante perto. Aí atenua-se um pouco [a falta de espaços verdes], pelo que não encaro esta questão como merecedora de grande preocupação”, apontou. Necessidade de reformulação André Ritchie adiantou que “a grande maioria das pessoas concorda com a criação de mais áreas verdes e esses espaços vazios, que são bem-vindos a Macau, dada a alta densidade habitacional que existe”, sobretudo na zona norte. Contudo, o planeamento do território exige “equilíbrio entre interesses públicos e privados, políticos e económicos”, destacou. “Os planos têm de ser revistos periodicamente. Não sei se entre o período da consulta pública e dois anos depois, se o Governo não terá entendido o enquadramento geral da cidade, no contexto da Grande Baía, com fronteiras cada vez mais maleáveis.” “Com essas mudanças, os planos são revistos e isso tem de ser encarado com alguma naturalidade. Mas poderá levantar-se a questão de eventuais espaços verdes que poderiam estar construídos e que agora não serão implementados”, disse. Oportunidades perdidas O arquitecto Mário Duarte Duque tem uma posição contrária, lamentando a redução dos espaços verdes e afirma que os novos aterros são “intervenções marcantes no desenvolvimento urbanístico da RAEM dada a sua dimensão” que, no entanto, “tiveram poucos avisos em consideração e que, até agora, não consolidaram conhecimento”. Do ponto de vista da forma urbana, os novos aterros “também não nutrem grande entusiamo” por parte do arquitecto. Isto porque “pela primeira vez na RAEM prosseguiram-se com planos de pormenor onde apenas as infra-estruturas estiveram em comando, e não a forma urbana”, pelo que “a geografia e a arquitectura não tiveram intervenção de relevo”. O arquitecto destaca ainda o facto de a elaboração dos planos de pormenor, ao abrigo do novo Plano Director da RAEM, pecarem por tardio em termos de ordenamento. “Promoveu-se a elaboração de planos pormenor para que a ocupação dos lotes não continuasse a ser feita por Plantas de Condições Urbanísticas (PCU) avulsas e discricionárias. O certo é que quando foi efectuada a consulta pública para o plano pormenor da zona A já tinha existido a necessidade de elaborar PCU e os edifícios estavam já em construção. Neste cenário, muito pouco há a recomendar que possa ser de oportuna utilidade.” Questão de temperaturas Mário Duarte Duque realça também as consequências climáticas do excesso de construção. “O facto de, na versão final do plano pormenor, se terem comprometido áreas verdes inicialmente previstas significa que, aí, o espaço urbano será mais quente do que o inicialmente estimado, se é que foi estimado. A temperatura atmosférica das cidades é consequência dos materiais da camada superficial.” O arquitecto entende que o plano pormenor “prepara-se para se apropriar de corpos de água, sem tirar partido do modelo de aterros preconizado”, devido “à possibilidade de compensar a redução de espaço livre com acréscimo de área de aterro”. Tendo em conta que os aterros em construção vieram dotar a RAEM “de um significativo perímetro de frente hídrica”, tal significa que existe uma “importante componente reguladora da temperatura atmosférica”. Reduzir espaços verdes, ou livres, tem um impacto negativo na relação da cidade com a água envolvente e a radiação solar, denota ao HM Mário Duarte Duque. “A água precisa de muito mais radiação solar para elevar a sua temperatura, comparativamente com o solo e com os materiais de que as cidades são feitas. Ou seja, para a mesma radiação solar, a água aquece menos, e essa diferença não só é geradora de equilíbrio, como desenvolve ventos locais nas frentes hídricas, que penetram no espaço urbano mediante uma adequada forma urbana, e que são desejáveis. Prescindir desses corpos de água significa afastar a cidade ainda mais da sua frente hídrica, e anular características que são favoráveis”, rematou. A zona destinada a habitação prevista no plano pormenor da zona tem uma área total de 433.649 metros quadrados, servindo para a construção de 49 lote de edifícios e 15.255 metros quadrados de área comercial distribuídos em três lotes.
Andreia Sofia Silva Grande Plano MancheteFRC | Sandro Mendonça fala hoje do impacto das ‘Big Tech’ Sandro Mendonça, recentemente nomeado Fellow Economist da Comissão Europeia, estará hoje na Fundação Rui Cunha para falar das cinco grandes empresas tecnológicas Apple, Microsoft, Google, Amazon e Facebook e da ligação ao mercado europeu. Ao HM, declara que Macau começa a ter bons exemplos na área da tecnologia Marcas como Apple, Microsoft, Google, Amazon e Facebook fazem parte do dia-a-dia de cada um de nós. Nas regiões administrativas especiais é comum o uso de aparelhos criados por Steve Jobs, bem como a rede social de Mark Zuckenberg, enquanto na China aposta em alternativas, com a Baidu, Tencent, ByteDance ou Temu. O posicionamento que as cinco empresas tecnológicas ocupam no mundo e, em particular, no mercado europeu será hoje tema de uma conferência promovida pela Fundação Rui Cunha (FRC) e que conta com a presença de Sandro Mendonça, professor associado do departamento de economia do ISCTE Business School – Escola de Negócios do Instituto Universitário de Lisboa, cronista da Macau Business. O académico foi recentemente nomeado Fellow Economist da Comissão Europeia, para liderar um projecto de análise ao papel e impacto das Big Tech na Europa até 2040. Aliás, esse será o âmbito da conferência que irá apresentar na FRC, intitulada “The Future of Big Tech” [O Futuro das Grandes Tecnológicas]. Ao HM, Sandro Mendonça destaca que estas empresas dominam “de forma consistente” o sector tecnológico mundial desde 2010, tanto em “termos de capitalização bolsista, lucros ou alcance nos mercados internacionais”. As cinco grandes empresas “estão por todo o lado”, quer “nos sistemas operativos móveis e fixos, na busca na Internet, nas redes sociais, nas vendas por comércio electrónico ou no armazenamento de dados empresariais em nuvem”. Com menor presença na China, embora no país o Windows “esteja por todo o lado, assim como os Iphones”, estas tecnológicas “estão fortemente em Macau e Hong Kong”. “Quando lançamos o escrutínio sobre estas gigantes megapolistas, alguns padrões vêm ao de cima. É notório que nenhuma delas é europeia, tendo, todas o seu quartel-general nos EUA.” O académico destaca ainda “um facto central que pode ser chocante”, no sentido em que “o investimento destas tecnológicas em investigação e desenvolvimento, num só ano, é maior do que todo o esforço conjunto nesta área que os 27 países da União Europeia fazem num programa-quadro, ou seja, em sete anos”. Sandro Mendonça coordenou um estudo sobre a presença destas cinco empresas no mercado europeu para o Directorado-Geral da Investigação e Inovação (DG Research) em Bruxelas, intitulado “O Futuro das Grandes Tecnológicas na Europa” [The Future of Big Tech”, já publicado. “Fome de inovação” Segundo um comunicado da FRC, a conferência de hoje alerta para o facto de estas “Big Tech” terem vindo “para ficar”, tratando-se de empresas que “não conseguem estar paradas, tendo fome de inovação”. Citado pela mesma nota, Sandro Mendonça destaca que as “grandes empresas tecnológicas aproveitam as infra-estruturas em nuvem, os modelos de negócio das plataformas digitais e, cada vez mais, as tecnologias de Inteligência Artificial, para captar áreas de mercado em expansão e alcançar um desempenho superior”, embora continuem a estar mais ausentes do mercado europeu. Há ainda “outros gigantes internacionais a aproximarem-se, como a Alibaba ou a Tencent”. Desta forma, Sandro Mendonça irá debruçar-se sobre o papel da Europa “numa economia totalmente orientada para o mercado” e ainda sobre “as soluções convencionais, como a regulamentação e a política de concorrência”, e se estes instrumentos serão “suficientes para lidar com as repercussões” oriundas do posicionamento destas empresas. “Será altura de passarmos à fase neoliberal e de nos envolvermos num activismo industrial informacional do tipo disruptivo? Ou, pelo contrário, será que o incremento da descentralização empresarial resolverá quaisquer falhas temporárias de competitividade e governação europeias?”, questiona o responsável. Questionado pelo HM sobre a ligação destas grandes empresas tecnológicas ao mercado chinês, o académico defende que o país saído do processo de reforma e abertura liderado por Deng Xiaoping “nunca se deixou enfeitiçar pelo mercado”. “A China usou o mercado, mas não se deixou levar por ele. Parece-me que a China dos nossos dias tem uma base inovadora endógena, o que lhe dá centralidade e criatividade. Dá-lhe também maior autonomia e maior segurança, pois está menos sujeita a chantagens que outros lugares que são dependentes de outros para efeitos de tecnologia, segurança e sistemas financeiros”, declarou. Bons exemplos de Macau Numa altura em que o Governo local quer apostar no sector da tecnologia para diversificar a economia, o HM questionou Sandro Mendonça quanto às reais capacidades do território para o fazer. O autor declarou que o “futuro está perto”, pelo facto de Macau estar incluído no “Silicon Valley chinês”, ou seja, a Grande Baía Guangdong-Hong Kong-Macau. Contudo, na hora de fomentar o desenvolvimento, Sandro Mendonça deixa um alerta: “Macau só serve aos residentes, à China e ao mundo se continuar a ser Macau”, preservando a sua identidade. “Dou um exemplo real e prático, que já é um caso significativo que resulta da cooperação entre Zhuhai, Hengqin e Macau. Hengqin conseguiu atrair uma jovem engenheira de Pequim, Lyu Jinyan, para um projecto radicalmente importante para a China, o desenvolvimento de biomateriais para a área médica.” Neste contexto, foi lançado, no final do ano passado, “um produto complementar a esta agenda de longo prazo”, intitulado “Machloom 麥士能”, virado “para o bem-estar e reparação da fadiga cerebral”, que já marca alguma presença em farmácias locais e que “ostenta o símbolo das Ruínas de São Paulo no símbolo comercial” do produto. Outro exemplo de sucesso destacado por Sandro Mendonça diz respeito às empresas “e-Research Solutions” e da “uMax Data Technology”, consultoras e tecnológicas fundadas por Angus Cheong, formado na Universidade de Macau. Angus Cheong lançou um instrumento multi-modal movido a inteligência artificial chamado DiVoMiner”. Sandro Mendonça lamenta a pouca visibilidade que este projecto tem a nível local. “Tudo isto é mais conhecido lá fora do que em Macau. Lá fora [Angus Cheong] é conhecido, escutam a sua opinião. Não sei porque estas empresas, de raiz local, não são mais conhecidas.” Papel dos portugueses “Vejo aqui o papel histórico de Macau, uma área híbrida em que novas propostas de negócio ganham uma camada cultural que lhes agrega valor e potencial para escalar internacionalmente”, referiu o académico, que aponta “o grande trabalho de contexto” que se encontra em curso, também feito “por portugueses que acreditam nas virtudes das boas relações Oriente-Ocidente”. Sandro Mendonça destaca os casos de Rui Pedro Cunha, presidente da Câmara de Comércio Macau-Europa, Bernardo Mendia, na qualidade de secretário-geral da Câmara de Comércio e Indústria Luso-Chinesa, e ainda Rodrigo Brum, que deixou o Fórum Macau há uns anos para fundar a Câmara de Comércio e Indústria dos Países de Língua Portuguesa na Grande Baía de Guangdong, Hong Kong e Macau (China). “Estamos com boas dinâmicas em curso. Espero que prossigam, pois não é cedo”, remata. A palestra de hoje começa às 18h30 e integra-se no ciclo “Roda de Ideias” promovido pela FRC. Sandro Mendonça está de regresso a Macau depois de, em Abril, ter falado, também na FRC, sobre “A Mudança nas Comunicações: Do 5G à IA através das Plataformas Digitais”.
Andreia Sofia Silva Grande Plano MancheteTurismo | Após quase um século da inauguração, o Hotel Central vai reabrir ao público O Hotel Central vai abrir portas, ainda de forma experimental, a partir desta quarta-feira. A inauguração oficial está marcada para 22 de Julho, data da primeira inauguração há 96 anos. Recordamos histórias de um lugar de luxos e prazeres, que ficou marcado por festas inebriantes, lutas de tríades, espionagem e boatos de canibalismo Manuel Rodrigues teria cerca de dez anos quando o seu pai, segurança pessoal de Pedro José Lobo, o levou ao Hotel Central. O jovem macaense, que em 1969 haveria de partir do território para continuar os estudos superiores em Toronto, no Canadá, tinha curiosidade em ver como se jogava “Fan Tan”, o tradicional jogo chinês. “Fui lá uma ou duas vezes com o meu pai. Nunca aprendi a jogar, mas tinha interesse em ver como se jogava”, recorda ao HM. Lugar de negócios, prazeres e divertimentos, o Grand Central Hotel, conhecido entre os portugueses como o Hotel Central, foi inaugurado a 22 de Julho de 1928 com o nome de Hotel Presidente, passando a designar-se Grand Central Hotel a 31 de Outubro de 1930. Aquele que foi o primeiro arranha-céus de Macau, com 11 andares, ganhou fama, tendo sido retratado nas histórias de James Bond, da autoria de Ian Fleming. Essa notoriedade foi conquistada “tanto por boas como pelas piores razões”, lê-se na biografia de Roque Choi, da autoria de Cecília Jorge e Rogério Beltrão Coelho. Muitas décadas depois, e após um grande interregno ao abandono e de portas fechadas, o Hotel Central ganha um novo capítulo da sua história, abrindo ainda de forma experimental a partir desta quarta-feira, Dia do Trabalhador, sendo inaugurado oficialmente a 22 de Julho, data da sua primeira inauguração há 96 anos. Na semana passada, decorreu uma “soft opening” para alguns convidados. O edifício, propriedade do grupo Lek Hang, foi totalmente revitalizado, prometendo agora ser um espaço que contribui para dar uma nova vida aos bairros mais antigos de Macau. Na mesma biografia de Roque Choi, lê-se que o Hotel Central foi lugar de inovações, pois, segundo Luís Andrade de Sá, foi lá que se instalou “o primeiro sistema de elevadores eléctricos que, num minuto, subiam da entrada ao ‘roof garden’ de onde se desfrutava de uma magnífica vista”. Tendo como gerente Francisco Assis Fong, no Hotel Central existiam “divertimentos europeus e chineses”, incluindo um salão-de-beleza, dois restaurantes e um salão de dança, chamado “Clube Hou Hing”, no sexto andar. Este espaço de dança, ou cabaret, “era o maior salão de dança da cidade, com jazz privativo, divertimentos e bilhar”. A partir de Abril de 1937, por decisão do Governador Tamagnini Barbosa, o Hotel Central passa a ter jogo graças à concessão à sociedade Tai Hing, que arrendou a unidade hoteleira para este fim. Meses depois, abria no sexto andar o novo “Cabaret Grand Central”, ganhando o edifício mais três pisos. Foi nesta sala de jogos que Manuel Rodrigues entrou ainda jovem. Um ar “orientalizado” Entre a inauguração do hotel e a chegada à cena da Sociedade de Turismo e Diversões de Macau (STDM), em 1963, e já com uma nova concessão de jogo, Macau era um território parado, muito marcado pelas agruras da II Guerra Mundial nos anos de 1939 a 1945. Pelo Hotel Central passava toda a movida e negociatas próprias da época. O turismo, ao contrário de hoje, era bastante incipiente. Manuel Rodrigues, conhecido como “Manecas”, recorda que o turismo só ganhou fulgor com a chegada do Governador Jaime Silvério Marques ao poder, em 1959. Até lá “o turismo limitava-se à atracção do Grande Prémio de Macau”, com as apostas em corridas de galgos a atrair mais pessoas a partir dos anos 60. “Macau era um território muito apagado e com poucas oportunidades, mas, olhando para trás, isso tinha a ver com as políticas do Governo de Macau. Em termos económicos, era uma política extremamente restritiva”, recorda o macaense formado em Economia. Nos anos 50 e 60 o Hotel Central era “um dos centros sociais de Macau”, “um local de encontro de empresários chineses, na sua maioria”, além de que, durante a guerra, era também um ponto de encontro para japoneses, sem esquecer “alguns empresários médios, macaenses”. “Os metropolitanos [portugueses] não frequentavam muito o Hotel Central, porque eram na sua maioria militares e funcionários públicos. Frequentavam outros locais, como o Hotel Bela Vista. Depois ao lado, mais abaixo do Hotel Central, havia o Hotel Kuoc Chai, chamado de ‘Estrela de 5 Pontas’. Lá havia bastante animação entre chineses e macaenses”, destaca. Ao HM, João Guedes, jornalista e autor de diversos livros sobre a história de Macau, confirma de facto o pouco gosto que os portugueses tinham por este hotel, por ter um ar “demasiado orientalizado para a comunidade portuguesa daquele tempo”. “O jornal ‘O Petardo’, que se publicava em Hong Kong, diz dele o seguinte: ‘Não é simplesmente um restaurante chinês, um coulau, mas sim uma hospedaria chinesa ricamente mobilada, uma casa de pernoitar onde toda a gente, qualquer que seja a sua condição, pode ser recebida sem se inquirir da sua procedência, dos seus costumes, do seu modo de vida!” O jornal descrevia ainda o Hotel Central como “uma verdadeira casa de prazer, onde se banqueteiam todas as noites, quer nas suas amplas salas, quer no âmbito dos seus quartos de cama, os ‘bons vivants’, quantas vezes piratas”. Com a chegada do jogo, João Guedes fala num fomento da vida nocturna em conjugação com “as meretrizes [que trabalhavam] na Rua da Felicidade”, ali tão perto. “A frequência do hotel era, pelos vistos, composta maioritariamente por polícias que iam lá, de certo modo, fiscalizar o sítio, aproveitando para se divertir, sem esquecer os ladrões e os piratas. Ajustes de contas surgiam entre as seitas que se digladiavam aos tiros e à bomba”, disse João Guedes. Canibalismo: verdade ou ficção? Durante a II Grande Guerra Mundial e a Guerra do Pacífico, a rotina do Hotel Central pautava-se também pela “presença reforçada de militares japoneses que passavam férias e fins-de-semana em Macau hospedados nesse hotel”, bem como alguns militares portugueses, polícias e espiões. “Foi esta atmosfera que jornalistas e escritores captaram em relatos e novelas livrescas, pela Europa e pelas Américas. Tudo isso foi desaparecendo em movimento acelerado até as suas salas de dança, corredores, quartos e restaurantes se pacificarem definitivamente com a chegada da STDM.” Perduraram no tempo as histórias de canibalismo praticado no restaurante do Hotel Central no período da II Grande Guerra Mundial, quando Macau aumentou bastante a sua população com refugiados vindos da China e Hong Kong e a fome grassava por toda a parte. No livro “Macau 1937-1945: Os Anos da Guerra”, do jornalista João Botas, reproduz-se um testemunho da autoria do Monsenhor Manuel Teixeira sobre esta questão. “Como não havia o que comer, alguns hotéis (por exemplo, o Hotel Central), compravam crianças, cozinhavam-nas e davam-nas a comer aos clientes. Tinha um grande amigo, e meu paroquiano, o dr. Juiz Evaristo Mascarenhas, que me confessou ter ido a um desses restaurantes e lhe terem proposto uma refeição de carne humana, “muito saborosa”, segundo o próprio juiz. A fome é má conselheira…” Monsenhor Manuel Teixeira descreveu que este assunto pouco foi falado de forma oficial. “Eram rumores que circulavam por toda a parte, mas não se podiam publicar nos jornais. Mas toda a gente sabia”, lê-se ainda. Manuel Rodrigues diz, porém, que estas histórias associadas ao Hotel Central não passam de boatos sem fundamento. “Ouvi histórias de canibalismo no Hotel Central que nunca foram confirmadas, porque, pelo que os meus pais contavam, tratava-se de histórias fictícias. Se houve canibalismo não aconteceu no Hotel Central. Poderia ter acontecido noutros lugares, mas não em hotéis em Macau. O meu pai, que conhecia extremamente bem os meandros de Macau, pois era segurança de Pedro José Lobo, nunca confirmou que houvesse esse tipo de actividades nos hotéis em Macau.” A partir da década de 60, com a nova concessão de jogo e a construção do Hotel Lisboa, sem esquecer o Hotel Estoril, na praça do Tap Seac, o Hotel Central passou a empreendimento destinado a “hospedarias económicas, para pessoas com mochila às costas, até encerrar sem brilho”, conclui João Guedes. Hotel Central | Renovação custou 2,2 mil milhões Renovar o velhinho Hotel Central demorou três anos e custou ao grupo Lek Han 2,2 mil milhões de patacas. Sio Chong Meng, proprietário da unidade hoteleira, disse à TDM – Rádio Macau que as expectativas iniciais passavam por ter o hotel a funcionar de forma experimental em Março, mas tal não foi possível devido aos atrasos na emissão das licenças necessárias. O responsável referiu que revitalizar o hotel foi o maior desafio da sua carreira de 30 anos pelo facto de o edifício sofrer de problemas estruturais, correndo mesmo risco de desabamento. Contudo, foram aplicadas sugestões de peritos e realizados vários testes que tornaram a construção possível. Sio Chong Meng referiu que a decoração do hotel é inspirada na sua história, sobretudo no período dos anos 20, 30 e 40, tendo um restaurante, um centro comercial com três andares e ainda sete lojas no rés-do-chão. O 11º andar será um telhado com uma vista panorâmica sobre a cidade. O responsável, que comprou o empreendimento em 2016, disse estar confiante no futuro do projecto e do investimento feito. O Hotel Central reabre com o slogan “Que o Hotel Central seja brilhante e viva por mais cem anos”.
Andreia Sofia Silva Grande Plano MancheteEleições | Advogado indica que Rita Santos e ATFPM poderão ter violado lei Rita Santos e dirigentes da ATFPM foram alvo de uma queixa remetida pelo deputado Paulo Pisco, do Partido Socialista, à Comissão Nacional de Eleições. A queixa está a ser analisada pelo Ministério Público. O advogado Paulo Saragoça da Matta considera que pode estar em causa uma violação da lei eleitoral portuguesa. Paulo Pisco diz que provas apresentadas não foram negadas Na sequência das últimas eleições legislativas ocorridas em Março deste ano, Rita Santos e a Associação dos Trabalhadores da Função Pública de Macau (ATFPM) foram acusados de suspeitas de terem protagonizado actos alegadamente violadores da lei portuguesa. Face a esse cenário, o deputado do Partido Socialistas (PS) eleito pelo Círculo da Europa apresentou uma queixa à Comissão Nacional de Eleições (CNE), que, por sua vez, a encaminhou para o Ministério Público (MP), a fim de se apurar a eventual prática de crime. Esta queixa incide sobre duas situações: o facto de Rita Santos ter sido vista à porta do edifício dos correios, em Macau, a tentar recolher os boletins de voto a eleitores, além da suspeita de que membros da ATFPM ligaram a eleitores chineses afirmando que estes “podiam trazer as cartas com os boletins de voto à sede da ATFPM, que eles tratavam de tudo”. Ao HM, Paulo Pisco diz que está na hora de alterar um cenário de alegada fraude que há anos se repete nas eleições. “Tem de haver correcção em todos os actos eleitorais e transparência. Os partidos têm de estar em pé de igualdade. Não pode haver uns que utilizam truques e outros que fazem as coisas como deve ser.” Paulo Pisco aponta que há registo de “provas e evidências” e que a CNE fez a devida confirmação. “Apresentámos as provas de que as coisas se passaram efectivamente assim e a CNE confrontou as pessoas visadas na queixa. As provas não foram negadas. Parte-se do princípio de que elas foram reconhecidas e, portanto, há todas as razões para que esta queixa tenha sido reencaminhada para o MP.” Do MP não há, até à data, novidades sobre o processo, muito menos uma acusação formal. “Confirma-se a recepção da queixa mencionada. A mesma encontra-se em análise”, foi referido ao HM em resposta escrita. O que está em causa O HM quis perceber que crimes podem estar em causa numa eventual acusação a Rita Santos e aos responsáveis da ATFPM envolvidos. O advogado Paulo Saragoça da Matta destaca que, antes de analisar os crimes que poderão ser imputados, é fundamental avaliar as verdadeiras intenções de Rita Santos e do pessoal da ATFPM. “Se olharmos para a lei eleitoral da Assembleia da República, diria que o único crime que se pode enquadrar nesta situação é o artigo 152 [Coação e artifício fraudulento sobre o eleitor ou o candidato].” Este artigo prevê uma pena de prisão de seis meses a dois anos para quem “usar da violência ou ameaça sobre qualquer eleitor” ou “usar de enganos, artifícios fraudulentos, falsas notícias ou de qualquer outro meio ilícito para o constranger ou induzir a votar em determinada lista ou a abster-se de votar”. Assim, para o advogado, “a situação tem de ser muito bem investigada”. “Não sabendo qual o objectivo da senhora, que não conheço, não há indícios da prática de crime. A ser [crime], seria esse, mas com a evidência dos objectivos”, acrescentou. Quanto à possibilidade de se aplicar o Código Penal nesta questão, o advogado fala na possível aplicação do artigo 341, relativo à fraude e corrupção de eleitor. Este artigo pune a pessoa que, com recurso a “artifício fraudulento”, leve eleitores ao voto, os impeça de votar ou ainda os leve “a votar em certo sentido”. É ainda criminalizada a compra ou venda de votos. Nestes cenários, os culpados incorrem em penas de prisão até um ano ou pagamento de multa até 120 dias. Contudo, na visão do advogado, volta a ser imperativo definir, na investigação, as verdadeiras intenções de Rita Santos e dos restantes membros da ATFPM. “A senhora poderá sempre alegar que o que iria fazer era mesmo ajudar as pessoas, remetendo os votos ao seu destino nos termos legais. [Pode estar em causa] o erro quanto ao procedimento que, se não for censurável, exclui o dolo e, assim, a tipicidade. Sendo um erro censurável, aí sim, permitirá dar o tipo [de crime] por preenchido”, declarou. Apesar das hipóteses teóricas, Paulo Saragoça da Matta diz ser pouco provável que se aplique este artigo do Código Penal ao caso “pela simples razão de que são crimes que exigem comportamentos de alguma violência ou intencionalidade específica que a matéria de facto relatada não preenche”. O advogado fala mesmo na possibilidade de o caso vir a ser arquivado. “Uma das questões que se pode colocar é o arquivamento por não estar previsto no Código Penal que, além dos seus artigos, também os crimes eleitorais estão previstos em legislação avulsa.” O HM contactou outros advogados sobre esta matéria, que recusaram comentar casos concretos. Uma questão de credibilidade Paulo Pisco entende que este tipo de situações suspeitas leva ao “descrédito do acto eleitoral e do método de eleição”. “Não pode haver uma violação das regras eleitorais, que são explícitas e não admitem este tipo de situações. Por uma questão de transparência e respeito pelos actos democráticos e sistema de voto, apresentámos a queixa. Espero que possa haver, finalmente, uma modificação dos comportamentos, porque o sistema de voto não pode estar permanentemente sob descrédito.” O deputado do PS considera mesmo que, sendo Rita Santos conselheira do CCP, esta entidade “deve prestar contas em relação a este tipo de situações que lançam descrédito no sistema de votação”. Já Paulo Saragoça da Matta entende que ficam afectadas “a seriedade, transparência e honestidade com que os actos eleitorais são vistos”. É algo que “indirectamente afecta a qualidade da democracia”, mas não as autoridades, pois o advogado destaca o facto de “protestos e queixas feitas por partidos em momentos eleitorais são relativamente habituais”. “É algo que faz parte do jogo político de qualquer democracia”, frisou. Considerando que a queixa na CNE e o processo no MP “afectam a credibilidade da pessoa denunciada”, “todas as entidades envolvidas, e preocupadas com as eleições e a nossa diáspora, vão sempre ter a má imagem que fica da mera existência da suspeita”. Contudo, Paulo Saragoça da Matta recorda o outro lado da moeda no que diz respeito à apresentação de queixas desta natureza. “Quando se impute a alguém a prática de um crime, sabendo que realmente ali não há crime nenhum, estamos a incorrer na prática de um crime de denuncia caluniosa. A legislação prevê isso para desmotivar que as pessoas, até no âmbito da luta política, apresentem denuncias criminais, sabendo que não é verdadeiramente crime, de alguma forma.” O HM questionou Rita Santos sobre o decorrer da análise da queixa no MP português, bem como José Pereira Coutinho, mas até ao fecho desta edição não obteve respostas. Também o actual presidente do conselho permanente do CCP, Flávio Martins, não respondeu às questões colocadas por email.
Andreia Sofia Silva Grande Plano MancheteFórum Macau | As “moderadas” ambições e o lado técnico do plano de acção Terminada a sexta Conferência Ministerial do Fórum Macau, a académica Cátia Miriam Costa destaca as “questões técnicas” saídas do novo plano de acção e a “novidade considerável” que é a inclusão da Zona de Cooperação Aprofundada. Francisco José Leandro, da Universidade de Macau, entende que o plano é “moderadamente ambicioso” Aquele que foi considerado um dos eventos políticos e diplomáticos mais importantes do ano no território, a Conferência Ministerial do Fórum Macau terminou na terça-feira com a apresentação de um novo plano de acção a implementar até 2027, sem esquecer os encontros com empresários dos países de língua portuguesa que trouxeram projectos e expectativas de maior cooperação. Dois académicos analisaram o plano de acção saído da sexta conferência, a convite do HM, e entendem que traz algumas novidades, reforçando o papel de Macau como plataforma de comércio e serviços entre a China e os países de língua portuguesa. Cátia Miriam Costa, académica ligada ao ISCTE – Instituto Universitário de Lisboa e aos assuntos relacionados com a China e Macau, considera que, no novo plano de acção do Fórum Macau, a China “elenca uma série de questões técnicas, como por exemplo, as questões fitossanitárias ou o estabelecimento de seguros de crédito, que são uma novidade”. Na óptica da académica, são temas mais específicos que “constituem de facto obstáculos à circulação de bens e serviços”. Verifica-se, portanto, “a entrada em domínios técnicos específicos no que respeita ao alargamento das relações comerciais e o reforço da ideia de cooperação e outras áreas económicas e sociais como a saúde, a agricultura, ensino e cultura”. Dividido em seis áreas, o plano de acção começa por abordar o tópico “Cooperação no comércio e investimento”, onde se incluem as linhas mais técnicas abordadas pela académica. A China diz-se “disposta a apoiar e facilitar a participação de empresas dos países de língua portuguesa” em feiras de negócios, nomeadamente a Exposição Internacional de Importação da China, Feira de Importação e Exportação da China, Feira Internacional de Comércio em Serviços da China e Exposição Económica e Comercial China–Países de Língua Portuguesa (Macau), “entre outras importantes convenções e exposições”. Pretende-se também, da parte de Pequim, “prestar seguros de créditos à exportação” para empresas chinesas e lusófonas com foco em “sectores prioritários como infra-estruturas, energias e construção naval”. A China quer também “prestar apoio financeiro ao comércio, ajudando as empresas chinesas para expandir as importações provenientes dos países de língua portuguesa”. Além disso, o Governo Central pretende “prestar medidas de facilitação em matéria de inspecção sanitária e fitossanitária dos produtos alimentares e agrícolas importados” do mundo lusófono, além de cumprir o objectivo de criar guias de comércio e de investimento entre a China e os países de língua portuguesa. Uma “ligação directa” Cátia Miriam Costa entende que a sexta Conferência Ministerial veio materializar ainda mais a visão da China sobre Macau, considerando-o “um território essencial para a cooperação com os países de língua portuguesa”. “Agora materializa essa plataforma com uma proposta de ligação directa à China continental”, frisou. Uma das novidades do plano de acção apontadas por Cátia Miriam Costa prende-se com a “indicação da Zona de Cooperação Aprofundada em Hengqin como espaço para desenvolvimento dos projectos que unam a China e os países de língua portuguesa”. Trata-se de um ponto que “reflecte a questão financeira, mas também científica e tecnológica”, sendo “indicador da vontade de dinamizar esta zona de cooperação e alargar o diálogo entre a China e os países de língua portuguesa a Guangdong”. É sinal de que as autoridades de Pequim pretendem uma cooperação que vá “além de Macau e que se projecte para a China continental”. A cooperação na Zona de Cooperação Aprofundada de Guangdong e Macau em Hengqin surge no sexto ponto do plano de acção, intitulado “Cooperação na Plataforma Macau”. Nele lê-se que a China pretende, nesta região, apoiar a construção de uma “plataforma de serviços financeiros” e o desenvolvimento do “mercado internacional de obrigações em renminbi e patacas”. Pretende-se ainda, neste domínio, dar apoio nas áreas da cooperação científica e tecnológica, promovendo projectos que se desenvolvam tanto na China, como Macau e o universo lusófono, e que tenham “condições para ser implementados de forma prioritária na Zona de Cooperação Aprofundada”. A ideia é também, via Hengqin, apoiar Macau “na construção de um mecanismo de cooperação no sector audiovisual” através do “diálogo de políticas” e no fomento de projectos em “co-produção, intercâmbio de programas, cooperação técnica e formação de quadros”. Comércio e saúde Para Francisco José Leandro, académico da Universidade de Macau, o plano de acção sintetiza-se no apoio aos sectores da agricultura e educação, investimento nas áreas dos serviços médicos e turismo, sem esquecer a aposta na cooperação e serviços financeiros “em torno da utilização do renminbi e no desenvolvimento do eixo Cantão-Hengqin-Macau”. Contudo, o académico ressalva a importância de aguardar pela “versão final [do plano de acção] para melhor análise e estudo”. “Há um esforço da parte chinesa no apoio às suas exportações através do crédito, seguros e facilitação da inspecção sanitária”, acrescentou Francisco Leandro. O académico destaca também “o interesse em reforçar o apoio à formação de quadros nos países de língua portuguesa, designadamente nas áreas médicas e da saúde, de turismo, da linguística e do audiovisual”. Em termos gerais, considera que “o plano estratégico de cooperação agora aprovado é moderadamente ambicioso e aposta na continuidade do desenvolvimento das relações entre a China e os países de língua portuguesa”. Relativamente à área da saúde, o plano de acção contempla todo um capítulo destinado à “cooperação médica e sanitária”, com a China a admitir a vontade de aprofundar as parcerias “entre hospitais associados da China e dos países de língua portuguesa”, com a prestação de “consultas gratuitas ou realizando outros projectos médicos de curto prazo”. Relativamente à medicina tradicional chinesa, a China pretende aumentar a formação de quadros qualificados nos países lusófonos através do estabelecimento de centros de medicina tradicional chinesa. Além disso, Pequim quer “enviar aos países de língua portuguesa da Ásia e de África equipas médicas integradas no total por 300 pessoas”. O plano de acção inclui ainda a área da economia azul, domínio onde “os ministros concordaram em promover o estabelecimento de parcerias relacionadas com a economia azul entre a China e os países de língua portuguesa, por forma a estudar e elaborar planos sectoriais, bem como desenvolver projectos de cooperação sustentável” nesta área. Destaque ainda para as promessas de cooperação na área das pequenas e médias empresas (PME), pretendendo-se, através do Fórum, “organizar actividades de intercâmbio” entre empresas chinesas e lusófonas. Além disso, os ministros “acordaram em aproveitar a plataforma de Macau para desenvolver a cooperação em matéria de incubação, parceria e promoção de startups”. Ainda na área do desporto, pretende-se o “reforço do intercâmbio e cooperação ao nível de diversas modalidades desportivas entre países participantes”, além de se “promover a formação de treinadores e outros técnicos”. Seis em vinte A China estabeleceu a RAEM como plataforma para o reforço da cooperação económica e comercial com os países de língua portuguesa em 2003 e, nesse mesmo ano, criou o Fórum de Macau. O organismo integra, além de Macau e China, nove países de língua portuguesa: Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Guiné Equatorial, Moçambique, Portugal, São Tomé e Príncipe e Timor-Leste. A Guiné Equatorial foi o mais recente a aderir, à luz da adesão do país à Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP). Cada país nomeia um delegado permanente em Macau, à excepção do Brasil que ainda não nomeou nenhum representante desde que o Fórum foi criado, mas que nesta sexta Conferência Ministerial expressou vontade de o fazer. Tal foi revelado por Francisco Tadeu Barbosa de Alencar, secretário executivo do Ministério do Empreendedorismo, da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte brasileiro. Citado pela Lusa, este referiu não existir ainda qualquer decisão sobre um delegado permanente do Brasil no Fórum de Macau, mas indicou ser “um instrumento a considerar para fortalecer a relação” com o organismo. Cinco conferências ministeriais foram realizadas em Macau em 2003, 2006, 2010, 2013 e 2016, durante as quais foram aprovados Planos de Acção para a Cooperação Económica e Comercial. Inicialmente prevista para 2019, a sexta conferência ministerial foi adiada para Junho de 2020, mas com a pandemia da covid-19 acabou por não se realizar. Em 2022, houve apenas um curto evento online que culminou com a assinatura de uma declaração ministerial.
Andreia Sofia Silva Grande Plano Manchete25 de Abril | Como era Macau no ano da Revolução dos Cravos Em Macau, a notícia do derrube do Estado Novo tardou e a censura apenas foi abolida em Maio. A vida no território era bem mais simples do que é hoje: grande parte da comunidade chinesa vivia em barracas, a primeira ponte para a Taipa estava quase acabada, os telefones eram pouco mais de 10 mil e os japoneses dominavam as nacionalidades dos turistas Chegaram tarde a Macau as notícias sobre o 25 de Abril de 1974. Os primeiros sinais de que algo se passava na então metrópole foram chegando através de canais de informação estrangeiros, nomeadamente a BBC de Hong Kong, pois em Macau a imprensa portuguesa era sujeita a censura. Por ironia do destino, o 25 de Abril de 1974 aconteceu a uma quinta-feira, tal como hoje. E nesse dia os jornais locais de língua portuguesa noticiaram a espuma dos dias, com artigos que hoje nos permitem percepcionar a vida provinciana que então se vivia no pequeno território com administração portuguesa. O Clarim, à data bissemanário, noticiou em grande destaque a ida do Governador Nobre de Carvalho à Assembleia Legislativa (AL), uma notícia semelhante também publicada no diário Notícias de Macau. A actualidade informativa não variava muito de publicação para publicação e era comum publicarem-se comunicados ou discursos na íntegra, espalhados nas várias páginas do jornal. Nobre de Carvalho foi à AL apresentar o panorama geral do território nomeadamente a “situação financeira, análise da conjuntura económica, actividade bancária, turismo, problema habitacional, segurança pública, actividade municipal, plano de fomento, telecomunicações e energia eléctrica”. Há 50 anos, as autoridades repensavam a cobrança de impostos à população devido à “necessidade de actualização”. Propunha-se, assim a actualização do imposto de consumo pela importação de veículos automóveis, a revisão das taxas de sisa “que incidem sobre a transmissão de imobiliários por título oneroso e do regime de isenção da contribuição predial e outros benefícios fiscais de que gozam os prédios edificados de novo, melhorados ou ampliados”, além de se propor a actualização das “taxas da tabela das profissões liberais e técnicas que servem de base à liquidação do imposto profissional dessas classes; actualização da tabela geral do imposto de selo”. Nobre de Carvalho dizia esperar que a actividade bancária se tornasse “cada vez mais um instrumento impulsionador do progresso de Macau, promovendo o seu desenvolvimento económico através da melhoria dos mercados monetário e financeiro”. 480 mil turistas em 1973 A economia local, pautada já pelo jogo, sector fabril e comércio de ouro, conheceu pujança quando foi dada nova concessão de jogo à Sociedade de Turismo e Diversões de Macau (STDM) de Stanley Ho, em 1963. Desde aí, foi sempre a crescer. O Governador admitia perante o hemiciclo que essa “actualidade” tornava-se “dia a dia mais importante dentro do quadrante da economia da província”. Os números nada anteviam, contudo, o boom turístico que o território iria conhecer 50 anos depois. Em 1973, Macau recebeu 480 mil turistas, “obtendo-se uma taxa de crescimento de 20 por cento”, descreveu o Governador. Em 1972, os turistas tinham sido apenas 380 mil. À época, a China permanecia um mistério para a maioria dos portugueses e macaenses, com fronteiras quase intransponíveis, tendo em conta que Portugal não reconhecia o regime comunista da República Popular da China. Assim, se hoje os turistas chineses dominam o sector, à época dominavam os japoneses, que tinham atingido a fasquia dos 250 mil em 1973. Seguiam-se “os cidadãos britânicos, com 105 mil, e americanos, com 37 mil”, graças à influência da vizinha Hong Kong. A população era na sua maioria chinesa, vivendo em barracas na zona norte e trabalhando sobretudo em fábricas e empregos pouco qualificados. Nobre de Carvalho tinha, assim, em mãos um grave problema habitacional. “O Governo continua a dar a atenção que é possível a este sério problema que afecta o sector economicamente mais débil da população – na sua maioria a residir em construções provisórias, de madeira (…).” Os portugueses ocupavam as habituais posições de funcionários públicos em comissão de serviço ou no atendimento ao público, tal como os macaenses, que iam traduzindo ou estabelecendo pontes entre dois mundos distintos. Casas com mais telefones Há 50 anos, ir a Taipa e Coloane era sinónimo de férias para os adultos ou de tempos livres em colónias de férias para os mais novos. Ia-se de barco e a viagem demorava o seu tempo. A vida fazia-se sobretudo na península, sendo que os telefones domésticos, numa população que não ia além das 300 mil pessoas, eram ainda poucos. O Governador Nobre de Carvalho disse na AL esperar que até final de 1974 fosse implementada a segunda fase do desenvolvimento de telecomunicações, esperando-se “o pleno funcionamento de cerca de 10.500 telefones, ou seja, o dobro dos existentes em Maio de 1973”. Em 1974, terminavam as obras na primeira ponte do território. A construção da ligação Macau-Taipa, que ficaria conhecida como ponte Nobre de Carvalho, tinha sido adjudicada em 1969 por 14 milhões de patacas, valor que passou a 20 milhões em 1971 devido a um “contrato adicional”, explicou o Governador no hemiciclo. Macau, tal como os restantes territórios ultramarinos portugueses, tinha o orçamento dependente dos Planos de Fomento do Governo português. De frisar que no plano para 1974 já constavam projectos de obras públicas ou infra-estruturas como a construção de estradas na Taipa e Coloane, instalações portuárias em Ka-Hó, “resgate de terrenos” ou mesmo o desenvolvimento do “plano geral do aeroporto”. Spínola na capa As notícias do 25 de Abril saíram nas notícias locais com um dia de atraso. A imprensa estava ainda sujeita à censura, mas depressa a Comissão de Censura à Imprensa e a sua fiscalização se tornaram num pró-forma. A 27 de Abril de 1974 a Gazeta Macaense colocava em manchete “A hora presente da Nação”, com o rosto de Spínola na capa e a informação de que havia sido criada a Junta de Salvação Nacional. Desta fez parte, além de Spínola e outras personalidades, um antigo Governador de Macau, Jaime Silvério Marques. Também o Notícias de Macau escreveu, no mesmo dia, o seguinte: “A data do 25 de Abril de 1974 assinala um novo capítulo na História de Portugal”. Acrescentava-se que “O general António de Spínola foi proclamado ‘CHEFE DE PORTUGAL NOVO'”. O Clarim escreveu, a 28 de Abril, em primeira página, sobre “A nova ordem política em Portugal”, publicando na íntegra as primeiras palavras do Movimento das Forças Armadas. Além dos órgãos estrangeiros terem noticiado o 25 de Abril, os boatos de que algo tinha acontecido em Lisboa chegaram pela via do cantor Rui Mascarenhas, que estava em Macau para participar no festival “Abril em Portugal”, que decorreu no restaurante “Portas do Sol”, no Hotel Lisboa, entre os dias 13 e 28 de Abril. Nas páginas dos jornais portugueses ostentava-se o anúncio do espectáculo com o “Príncipe do Fado” de Portugal que acabou por falar, na rádio, sobre os novos acontecimentos. Do espectáculo fazia ainda parte o “dinâmico grupo” intitulado “Portugal a Cantar”. Em entrevista à rádio TSF, Miguel de Senna Fernandes, presidente da Associação dos Macaenses, recordou que soube da revolução pelo seu pai, o escritor Henrique de Senna Fernandes. Com 13 anos, recorda-se de a professora ter dito que “ia mudar tudo em Portugal”. O também advogado recordou que a comunidade chinesa passou ao lado deste acontecimento, pois, para a elite chinesa, imperava meramente a continuidade da estabilidade social e política em prol dos negócios. A censura à comunicação social terminou oficialmente a 3 de Maio depois de os directores dos jornais terem reunido com Lages Ribeiro, chefe de gabinete de Nobre de Carvalho e último presidente da Comissão de Censura à Imprensa. Constituiu-se depois uma comissão ad-hoc. Da revolução saíram novos partidos políticos, nomeadamente o CDM – Centro Democrático de Macau e a ADIM – Associação da Defesa da Instrução dos Macaenses. Macau mudou de Governador logo no ano da revolução e começou a trabalhar em prol do Estatuto Orgânico, implementado em 1976 em consonância com a nova Constituição portuguesa. Dele saiu a composição de deputados que hoje existe na Assembleia Legislativa e as garantias de autonomia administrativa e financeira em relação a Lisboa. Um novo futuro começava a traçar-se.
Hoje Macau Grande Plano MancheteFórum Macau | Os benefícios para Macau e as queixas dos empresários Terminou ontem a sexta Conferência Ministerial do Fórum Macau e o balanço é positivo, tanto da parte do Governo como de políticos locais. Empresários lusófonos queixam-se dos entraves para entrar no mercado chinês devido à política de vistos ou dificuldades na obtenção do BIR. Brasil promete nomear primeiro delegado para o Fórum Há oito anos que os representantes do Fórum Macau não se reuniam para uma conferência ministerial, à excepção de um encontro online realizado em 2022 que resultou numa declaração ministerial. Este longo silêncio, pautado, em grande parte, pela pandemia, foi colmatado este fim-de-semana com a realização da sexta Conferência Ministerial, que decorreu até esta segunda-feira, sendo que ontem o evento diplomático encerrou com uma sessão exclusivamente destinado a empresários dos nove países de língua portuguesa que, juntamente com a China e a RAEM, integram o Fórum Macau, criado em 2003. Este evento teve como temas principais a “transformação digital” e o “desenvolvimento verde”. À margem deste evento, alguns empresários aproveitaram para falar das dificuldades que ainda persistem no acesso ao mercado chinês, nomeadamente quanto à obtenção de vistos para a China ou obtenção de residência em Macau. Rui Rodrigues consegue enumerar várias barreiras ao negócio dos moçambicanos na China. Dificuldade na obtenção de vistos, elevado custo das ligações aéreas e limitações ao nível da produção são algumas. “Nesta fase, queremos apenas ver resolvido, para já, o problema dos vistos, ou seja, pelo menos para ter acesso e resolver a questão das viagens”, disse em Macau aos jornalistas o representante da consultora Zhuhai Hengqin África Oriental. Resolver a questão dos vistos é “um grande ponto de partida”, já que os empresários moçambicanos reconhecem “muita dificuldade no acesso à documentação e muita burocracia” para poder visitar a China. A obtenção de residência em Macau pode ser um próximo passo: “A seguir, logicamente, iremos tentar falar sobre o problema da residência, porque os investidores também querem resolver de uma forma estável para que possam seguir com os seus investimentos”, referiu. Medidas mais específicas para a fixação de residência são também uma aspiração do tecido empresarial português, de acordo com um representante da Agência para o Investimento e Comércio Externo de Portugal (AICEP). “O que recebemos de ‘feedback’ dos nossos empresários é que de facto, porque gostariam e procuram que exista um regime que seja mais específico, que seja, do ponto de vista administrativo, mais expedito. E é legítimo que assim seja para todos esses processos administrativos e de obtenção de residência”, afirmou Luís Rebelo de Sousa. O vogal executivo do Conselho de Administração da AICEP notou que “essa maior diligência” pode contribuir “obviamente para que Macau seja uma região mais competitiva para atracção de investimento português”. A menos que seja criado um regime de excepção, neste momento, o acesso ao cartão de residente de Macau (BIR) “é só para pessoas que reúnam critérios de talentos”, como estipulado pelo regime de captação de quadros qualificados, aprovado no ano passado, disse à Lusa o deputado José Pereira Coutinho. “Da forma como está feita [a lei], neste momento, não vejo janela que possa de facto reunir essas condições, mas se o empresário, em termos profissionais, reunir as condições que estão estabelecidas ao abrigo da nova lei, é possível. Mas somente como empresário, simples empresário, não vejo que haja seguimento”, completou. “Penso que deve ser do interesse de Portugal tentar arranjar aqui uma estratégia, porque Macau é importante para as nossas relações”, reagiu um membro da Associação de Jovens Empresários Portugal-China, também presente no encontro. Pedro Ferreirinha acredita que Macau ainda é uma oportunidade: “Depois é uma questão de custos. Do que tenho falado com os jovens empresários é uma questão de ponderar (…) custos. Às vezes compensa mais investir directamente na China do que passar por Macau. E agora tem havido outras dificuldades, que é a na obtenção dos BIR, que também vem aqui complicar”. Balanço positivo Tendo discursado neste fórum destinado a empresários, o secretário para a Economia e Finanças, Lei Wai Nong, fez um balanço positivo da sexta Conferência Ministerial do Fórum Macau. “Com os esforços de todos os sectores da comunidade, foi implementada de forma eficaz uma série de medidas de apoio do Governo Central à construção da plataforma sino-lusófona de Macau”. O governante considerou também que as funções do território como plataforma de comércio e serviços “tem vindo a expandir-se, sendo vocacionadas principalmente para a cooperação económica e comercial”. Lei Wai Nong entende ainda que esta plataforma, que visa o “desenvolvimento de sinergias em várias áreas continua a aprofundar-se” tendo uma “substantiva conotação”, considerando que a estratégia de diversificação económica apontada pelo Executivo “proporcionará maiores oportunidades de desenvolvimento para as empresas chinesas e lusófonas”. Recorde-se que um dos seis pontos do novo plano de acção do Fórum Macau, que define as linhas de actuação da entidade até 2027, dedica-se inteiramente às oportunidades oriundas da Zona de Cooperação Aprofundada entre Guangdong e Macau em Hengqin. Desta forma, o secretário para a Economia e Finanças lembrou ontem que desde o início deste ano que se tem acelerado a construção deste projecto de integração e cooperação regional, tendo destacado a “entrada em vigor de uma série de políticas preferenciais de tributação”. Lei Wai Nong lembrou também o “lançamento oficial dos métodos de gestão de actividades da conta de comércio livre multifuncional” nesta zona no passado dia 3 de Abril, bem como “o progresso do ordenamento e construção do Parque Industrial de Manufacturas de Topo de Gama na Zona Industrial de Marcas de Macau”. Existem, assim, “condições mais favoráveis para a construção do Centro de Comércio Internacional entre a China e os Países de Língua Portuguesa na Zona de Cooperação Aprofundada”, projecto que está bastante ligado aos objectivos do Fórum Macau para os próximos anos. Vistos e mais vistos Neste contexto, a possível entrada de Portugal na lista de países isentos de visto para entrar na China voltou a ser abordada à margem das sessões do Fórum Macau, desta vez por Bernardo Mendia, secretário-geral da Câmara de Comércio e Indústria Luso-Chinesa. Este assumiu, em declarações à TDM Rádio Macau, ter informações de que Portugal irá incluir o próximo grupo de países isentos de visto definido pelas autoridades chinesas, considerando que este é um “passo importante” para a maior flexibilização de empresários e para a “consolidação dos interesses económicos de Portugal no gigante mercado” chinês. Recorde-se que o ministro português da Economia, Pedro Reis, referiu esta segunda-feira ter “sinalizado essa matéria” no âmbito da realização da Conferência Ministerial. Políticos elogiosos Quem destacou a importante posição assumida por Macau nesta sexta Conferência Ministerial do Fórum Macau foram os representantes do território à Assembleia Popular Nacional (APN). Segundo o jornal Ou Mun, Chui Sai Peng, engenheiro civil e também deputado à Assembleia Legislativa local, defendeu que este evento significou um encontro amigável entre as várias partes que o compõem, proporcionando ganhos mútuos aos países membros, além de impulsionar o intercâmbio entre a China e os países de língua portuguesa. Chui Sai Peng adiantou que todos os sectores sociais e económicos de Macau devem apostar ainda mais nas conexões que se podem fazer tendo em conta o papel de plataforma atribuído ao território e os contactos que daí podem surgir. Por sua vez, o empresário Kevin Ho apontou uma maior influência da cooperação comercial entre a China e os países de língua portuguesa e o pragmatismo com que está a funcionar o conceito de “uma base” comercial atribuído pelas autoridades à RAEM. O empresário, que é accionista do grupo português Global Media, através da KNJ Investment, e sobrinho de Edmund Ho, primeiro Chefe do Executivo da RAEM, adiantou que hoje a cooperação entre a China e os países de língua portuguesa tem uma maior influência e atinge mais áreas. Lau Pun Lap, economista e presidente da Associação Económica de Macau, defendeu ainda que as propostas saídas do plano de acção estão em consonância com as orientações em prol de um desenvolvimento diversificado da economia do território. Segundo o canal chinês da Rádio Macau, o responsável apontou que as novas linhas de acção do Fórum Macau vão contribuir ainda mais para reforçar o papel de plataforma do território e expandir a área dos serviços comerciais e de negócios. Já Lee Chong Cheng, antigo deputado local ligado à Federação das Associações dos Operários de Macau, e actual membro da Conferência Consultiva Política do Povo Chinês, disse que tanto as autoridades como a própria sociedade devem reflectir mais sobre a plataforma sino-lusófona e apresentar mais ideias e projectos a fim de reforçar o posicionamento que o Estado chinês atribui a Macau e para que o território possa ter maiores ligações comerciais com os países de língua portuguesa. Com um número mais reduzido de ministros, mas não de empresários, o Fórum encerrou ontem com algumas sugestões e promessas. Uma delas foi feita por Y Ping Chow, empresário radicado em Portugal há vários anos e presidente da Câmara de Comércio de Pequenas e Médias Empresas Portugal-China, bem como da Liga dos Chineses em Portugal. Segundo a TDM Rádio Macau, o responsável defendeu que a emissão de dívida pode ajudar o desenvolvimento das pequenas e médias empresas locais. Promessas brasileiras Outra das novidades saídas do Fórum prende-se com a vontade do Brasil de querer utilizar mais a entidade a fim de fortalecer relações com a China. O secretário executivo do Ministério do Empreendedorismo, da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte brasileiro, Francisco Tadeu Barbosa de Alencar, lembrou que a China é o parceiro comercial mais importante do país sul-americano, uma relação cuja importância é “muito clara” para o Governo do Presidente, Luiz Inácio Lula da Silva. “Os números da economia brasileira têm ali a relação com a China como um grande instrumento da retomada do crescimento económico do país que foi muito garroteado nos últimos anos”, sublinhou. Sobre o plano de acção do Fórum de Macau para 2024-27, o responsável disse estar convicto “que é um bom plano” que vai orientar as relações comerciais” entre os países do organismo. Barbosa de Alencar avançou não existir qualquer decisão sobre um delegado permanente do Brasil no Fórum de Macau, cargo que actualmente não está preenchido, mas indicou ser “um instrumento a considerar para fortalecer a relação” com o organismo.
Andreia Sofia Silva Grande Plano MancheteFórum Macau | Novas linhas de acção focadas na Zona de Cooperação Aprofundada Mais guias de comércio e investimento, financiamento agrícola, criação de 3 mil vagas para formação, mais bolsas de estudo para alunos lusófonos na China, maior cooperação no sector aéreo e fomento do mercado financeiro na Zona de Cooperação Aprofundada. Eis as novas linhas mestras de intervenção do Fórum Macau até 2027 saídas da VI Conferência Ministerial Foram ontem divulgadas as principais linhas orientadoras da acção do Fórum Macau até 2027 no âmbito da realização da VI Conferência Ministerial. São seis as medidas da China para a Promoção da Cooperação Económica e Comercial entre a China e os Países de Língua Portuguesa, dedicadas às áreas do comércio e investimento, cooperação sectorial, cooperação para o desenvolvimento, recursos humanos e cooperação médica e sanitária. O documento oficial revela, em termos gerais, a vontade de Pequim de investir na formação de mais e melhores recursos humanos, conceder mais bolsas de estudo para o ensino superior, financiar projectos que possam melhorar as condições de vida das populações dos países lusófonos ou ainda fomentar o comércio e investimento. Estas linhas orientadoras dão destaque à “cooperação na plataforma de Macau”, mais concretamente, com a Zona de Cooperação Aprofundada entre Guangdong e Macau em Hengqin. Desta forma, a China diz estar “disposta a suportar a Zona de Cooperação Aprofundada entre Guangdong e Macau em Hengqin” através do apoio à “construção da plataforma de serviços financeiros” e ao “desenvolvimento do mercado internacional de obrigações pelo uso de renminbis ou patacas” através da Zona de Cooperação. Ainda em relação ao território, a China pretende “apoiar Macau na construção de uma plataforma de cooperação científica e tecnológica” com os países de língua portuguesa, através da promoção de “projectos que reúnam condições para ser implementados prioritariamente” na Zona de Cooperação Aprofundada. Pretende-se ainda fazer uma aposta no sector audiovisual entre a China, Macau e os países de língua portuguesa, nomeadamente no desenvolvimento de “projectos de diálogo de políticas, co-produção, intercâmbio de programas, cooperação técnica e formação de quadros”. Ao nível do comércio e investimento, o primeiro ponto das seis linhas de acção, salienta a “elaboração de guias de comércio e investimento entre a China e os países de língua portuguesa”, apostando-se ainda no reforço “do intercâmbio sobre políticas comerciais e de investimento” nestes países. Além de facilitar a presença de empresas em feiras de comércio e negócios, Pequim pretende “prestar seguros de créditos à exportação de empresas da China e dos países de língua portuguesa em sectores prioritários”, como é o caso das “infra-estruturas, energias e construção naval”. Outro dos objectivos passa pelo “suporte financeiro ao comércio, ajudando empresas chinesas a expandir as importações provenientes dos países de língua portuguesa”. A “facilitação em matéria de inspecção sanitária e fitossanitária dos produtos alimentares e agrícolas importados” dos países lusófonos é ainda um outro ponto em destaque. Entre a terra e o ar Na área da agricultura, a China sugere a criação de “zonas emblemáticas de cooperação agrícola nos países de língua portuguesa interessadas”. O objectivo é que, através do Fórum Macau, se possa “melhorar a produção, transformação ou armazenamento de produtos agrícolas”. Relativamente à ciência e tecnologia, pretende-se continuar a fomentar o desenvolvimento de “projectos conjuntos de investigação científica” e o estabelecimento de “laboratórios [de investigação] conjuntos”. Outro ponto de destaque nestas linhas orientadoras, passa pelo “reforço da cooperação no transporte aéreo” com o mundo lusófono. A ideia é “negociar e assinar acordos de transporte aéreo”, bem como promover as “liberdades no ar”. Focando-se na área social, a China diz-se disposta a implementar “projectos pequenos, mas inteligentes”, que ajudem a melhorar “o bem-estar da população conforme as necessidades dos países de língua portuguesa da Ásia e África”. Estes projectos devem focar-se “na construção de pequenas instalações ou fornecimento de materiais generalizados e cooperação técnica”. Estudar e formar Relativamente aos recursos humanos, a China continua a assumir-se, através do Fórum Macau, como a figura de proa na formação de quadros e estudantes universitários. Assim, Pequim quer “oferecer 3.000 vagas para formação aos países de língua portuguesa”, a fim de “formar quadros profissionais especializados em governação e administração”. A ideia é apostar na “redução da pobreza”, numa maior “interconectividade, gestão ecológica e do meio ambiente e ainda desenvolvimento verde”. Fica também a promessa de mais bolsas de estudo governamentais destinadas aos alunos lusófonos para estudarem nas cidades do interior da China. Encoraja-se o Governo local “a conceder bolsas de estudo aos estudantes dos países de língua portuguesa para estudar em Macau”. As autoridades locais devem ainda “convidar pessoal dos países de língua portuguesa para a realização de formação e estágios em Macau nos domínios do turismo, serviços médicos e saúde”. Ainda na área da saúde, além da aposta na medicina tradicional chinesa, a China diz estar “disposta a enviar aos países de língua portuguesa da Ásia e de África equipas médicas integradas no total de 300 pessoas”. Palavras matinais A VI Conferência Ministerial do Fórum Macau começou ontem de manhã, tendo sido pautada por discursos de todos os intervenientes, representantes dos nove países lusófonos que fazem parte da entidade. Na primeira intervenção, o vice-presidente do comité permanente da Assembleia Popular Nacional, Li Li Hongzhong, defendeu a necessidade de reforçar o papel de Macau na cooperação entre a China e os países de língua portuguesa para a “construção conjunta de uma economia mundial aberta e inclusiva”. Para isso, o responsável propôs incentivos à exportação da China, como seguros de créditos, e também mais acordos comerciais para agilizar a importação de produtos lusófonos. Em representação do Governo português, o ministro da Economia, Pedro Reis, defendeu a necessidade de continuar “a tirar partido das potencialidades” do Fórum Macau enquanto “plataforma privilegiada para um diálogo contínuo e frutífero” entre a China e o bloco lusófono. “Desejamos que o Fórum se afirme cada vez mais como verdadeira plataforma de cooperação ao serviço do desenvolvimento comum, com resultados tangíveis para todos”, disse. Para os próximos anos, o “principal desafio será a crescente consolidação do valor acrescentado e da marca distintiva”, tendo Macau um “papel crucial a desempenhar na dinamização das atividades do Fórum”, centradas no diálogo, na cooperação e no trabalho conjunto. O valor da herança O governante português lembrou que a criação do Fórum de Macau, em 2003, representa “o reconhecimento pela China do valor estratégico da herança linguística e cultural no território e da importância económica” dos países lusófonos. Os representantes dos países lusófonos destacaram a importância do organismo como mecanismo de solidariedade e de cooperação bilateral, mas também a necessidade de reforçar o desenvolvimento das oportunidades de negócio, sem deixarem de elogiar a persistência da China em manter esta plataforma de cooperação entre Estados-membros. Para o ministro do Comércio chinês, Wang Wengtao, o novo plano de acção 2024-27 será “a força motriz” do desenvolvimento do Fórum Macau. Esta entidade integra a China, Macau e nove países lusófonos, nomeadamente Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Guiné Equatorial, Moçambique, Portugal, São Tomé e Príncipe e Timor-Leste. Cinco conferências ministeriais foram realizadas no território em 2003, 2006, 2010, 2013 e 2016, durante as quais foram aprovados Planos de Acção para a Cooperação Económica e Comercial. Inicialmente prevista para 2019, a sexta conferência ministerial foi adiada para Junho de 2020, devido às eleições para a Assembleia Legislativa de Macau, mas com a pandemia da covid-19 acabou por não se realizar. A VI Conferência Ministerial terminou com um jantar oferecido pelo Governo. No seu discurso, Ho Iat Seng, Chefe do Executivo, declarou que os resultados deste evento diplomático “irão proporcionar um novo ciclo de oportunidades de desenvolvimento para todas as partes envolvidas”. Hoje, decorre um evento complementar exclusivamente destinado a empresários dos países lusófonos presentes em Macau. A.S.S. / Lusa “Afinar” o fundo O ministro português da Economia, Pedro Reis, disse ontem haver espaço “para afinar o regulamento” do Fundo de Cooperação e Desenvolvimento China-Países de Língua Portuguesa, com regras de acesso criticadas por membros do bloco, mas rejeitou ser necessário outro fundo. “Às vezes, há espaço para afinar o regulamento do fundo, não tem necessariamente que dar um salto tão quântico a criar outros fundos para responder às expectativas”, disse à Lusa o governante. O fundo de cooperação, no valor de mil milhões de dólares, foi criado há 10 anos pelo Banco de Desenvolvimento da China e pelo Fundo de Desenvolvimento Industrial e Comercial de Macau. Este mecanismo já investiu 500 milhões de dólares nos países lusófonos, anunciou, em Outubro, Shi Wenju, presidente da entidade gestora, o Fundo de Desenvolvimento China-África. No que diz respeito ao investimento de metade do fundo num total de dez projectos no espaço de dez anos, Pedro Reis notou que “não é tão pouco significativo como” se tem ouvido falar. “Acho que é um arranque. Seria de esperar agora uma aceleração, até porque, mesmo nesta matéria dos fundos, às vezes os primeiros anos são menos projetos, e depois ganha uma tração natural. Muitas vezes, nos fundos, a segunda fase tem muito mais capacidade de investir”, disse.
Hoje Macau Grande Plano MancheteFórum Macau | Tudo a postos para o arranque da 6.ª Conferência Ministerial Arranca hoje oficialmente a sexta Conferência Ministerial do Fórum Macau de onde sairão novas linhas de orientação para a cooperação económica, comercial e cultural entre a China e os países de língua portuguesa. O Chefe do Executivo, Ho Iat Seng, aproveitou a presença da comitiva portuguesa para reunir com Pedro Reis, ministro da Economia A China e os países lusófonos voltam a reunir-se hoje no território após um interregno de oito anos e o fim da pandemia da covid-19, para relançar o comércio e investimento. A sexta conferência ministerial do Fórum para a Cooperação Económica e Comercial entre a China e os Países de Língua Portuguesa (Fórum Macau) decorre até amanhã e inclui a assinatura de um novo plano de acção para as relações entre a China e os países de língua portuguesa, que vigorará até 2027. O documento vai abranger novas áreas, como economia digital, comércio electrónico, desenvolvimento sustentável ou mudanças climáticas, conforme disse, no mês passado, o secretário-geral do Fórum de Macau, Ji Xianzheng. Ontem, começaram a chegar a Macau os representantes de todos os países de língua portuguesa que fazem parte do Fórum, tendo participado num jantar de boas-vindas com as autoridades locais, mas é hoje que decorrem os principais eventos: a cerimónia de abertura do evento esta manhã e a cerimónia de assinatura do “Plano de Acção para a Cooperação Económica e Comercial (2024-2027)”, durante a tarde. Amanhã decorre um encontro com empresários destes países e também da China, para o qual o número de representantes de organizações de promoção do comércio e de empresas lusófonas aumentou mais de 40 por cento comparativamente com a última edição, em 2016, disse o Instituto de Promoção do Comércio e do Investimento de Macau (IPIM). Este encontro deverá reunir cerca de 600 empresários. No sábado chegaram a Macau as delegações de São Tomé e Príncipe, lideradas pelo vice-presidente da Assembleia Nacional, Abnildo Nascimento De Oliveira, e a delegação de Portugal, liderada pelo ministro da Economia, Pedro Reis. Ontem, chegaram as delegações dos outros setes países lusófonos, nomeadamente Cabo Verde, Timor-Leste, Angola, Guiné-Bissau, Brasil, Guiné Equatorial e Moçambique. Primeiras impressões O ministro português da Economia, Pedro Reis, que participa na conferência, disse que o evento é uma oportunidade para “o reforço da internacionalização da economia portuguesa”, com a China a oferecer “um grande potencial de crescimento” para os exportadores portugueses, nomeadamente em sectores como “o agroalimentar, o das infraestruturas e transportes, o do turismo e o da economia azul”. Cabo Verde e Guiné-Bissau foram ainda outros países que já levantaram a ponta do véu relativamente às expectativas para este evento. Olavo Correia, vice-primeiro-ministro de Cabo Verde, defendeu há dias, em Washington, que a cooperação com a China tem de ser “na base do benefício mútuo” e não “meramente comercial”, que obrigue a um elevado endividamento público dos países africanos. Também o presidente da Câmara de Comércio de Sota-vento de Cabo Verde, Marcos Rodrigues, disse pretender “que haja investimento da China em grande escala no país” em outras áreas além do comércio e da construção civil. Para o delegado de Timor-Leste no Fórum de Macau, António Ramos da Silva, “atrair mais fluxos de capitais da Grande Baía (…) é a principal missão” da delegação timorense, liderada pelo vice-primeiro-ministro, Francisco Kalbuadi Lay. Por sua vez, a Guiné-Bissau apresentará vários projectos para candidatura ao fundo de cooperação da China, assegurou à Lusa o ministro das Finanças do país, Ilídio Vieira Té, mas admitiu que “não cria grandes expectativas” em relação a resultados. “Temos um leque de projectos a serem apresentados no Fórum de Macau e acho que podemos conseguir algo positivo, mas eu gosto de estar com os pés assentes na terra. Vamos apresentar, e se aparecer alguém que esteja interessado, não há problema para o país, mas não crio grandes expectativas nisso. Se acontecer, tudo bem”, advogou, sem entrar em detalhes sobre os projectos sujeitos a candidatura. Francisco José Leandro, docente da Universidade de Macau e estudioso do Fórum Macau, disse à TDM Rádio Macau que a vontade política de cooperação não esmoreceu entre a 5.ª Conferência Ministerial e o evento que hoje começa apesar das muitas alterações geopolíticas que aconteceram no mundo nos últimos anos. O responsável disse ainda que o facto de não estarem presentes chefes de Estado e de Governo nesta conferência não impede que se definam prioridades no contexto do Fórum Macau para os próximos anos. Dinheiro e frustrações A China criou o Fórum de Macau em 2003. Cinco conferências ministeriais foram realizadas no território nesse ano e também em 2006, 2010, 2013 e 2016, durante as quais foram aprovados Planos de Acção para a Cooperação Económica e Comercial. Além disso, um fundo de cooperação, no valor de mil milhões de dólares americanos, foi criado há 10 anos pelo Banco de Desenvolvimento da China e pelo Fundo de Desenvolvimento Industrial e Comercial de Macau. No entanto, as regras de acesso têm sido alvo de críticas por parte de países membros do Fórum Macau, que pedem uma flexibilização no acesso aos fundos existentes. Dados estatísticos oficiais do Fórum Macau mostram que o volume total do investimento directo chinês nos mercados lusófonos aumentou 122 vezes desde 2003, atingindo 6,9 mil milhões de dólares em 2022. O Secretariado Permanente do Fórum integra actualmente três secretários-gerais adjuntos: o timorense Danilo Afonso Henriques (indicado pelos países lusófonos), Xie Ying (nomeada pela China) e Casimiro de Jesus Pinto (nomeado por Macau). O Secretariado Permanente inclui ainda nove delegados dos países de língua portuguesa: Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Guiné Equatorial, Moçambique, Portugal, São Tomé e Príncipe e Timor-Leste.
Andreia Sofia Silva Grande Plano MancheteCentros de explicações | Estudo fala de “indústria sombra” no sector educativo Nos últimos anos, os centros de explicações multiplicaram-se em Macau. Os alunos procuram tirar dúvidas geradas num sistema de ensino tradicional, mas também para passar tempos livres devido à excessiva carga horária dos pais. Estas são algumas das conclusões de um estudo de Alberto Pablo, docente da Universidade Politécnica de Macau Em Macau é comum inscrever um filho num centro de explicações, sobretudo para tirar dúvidas sobre a matéria abordada nas salas de aulas ou para passar tempo livre enquanto os pais estão a trabalhar. Alberto Pablo, docente da Universidade Politécnica de Macau (UPM), realizou um estudo sobre o fenómeno da proliferação de centros de explicações em Macau e a sua sobrevivência durante a pandemia, intitulado “A influência dos centros de explicações – Sistema social de educação não superior de Macau em tempos de crise pandémica da covid-19”. O artigo foi publicado na edição de Março da revista académica “Sociologia – Problemas e Práticas”. O estudo concluiu que os centros de explicações no território constituem “um grande negócio para o sector educacional não formal privado, que toma mesmo a forma de uma outra indústria educativa à sombra da educação escolar formal”. Estes espaços, que obrigam a uma despesa familiar adicional, servem também “como local absolutamente necessário para ‘depositar’ filhos e filhas que, além do apoio educativo, recebem também alimentação, cuidados e transporte”. A prestação destes serviços adicionais é indicada como um trunfo preponderante para a sobrevivência durante a pandemia. Aliás, é descrito que “as salas de explicações locais se adaptaram bem mais rapidamente ao impacto económico da crise pandémica”, tendo sido pagos, na maioria, pelas oito mil patacas dos cartões de consumo atribuídos aos residentes pelo Governo neste período. O autor escreve ainda que “contrastando com muitas lojas comerciais, pequenos restaurantes, agências de viagens e outras pequenas e médias empresas que desapareceram, provavelmente sem retorno, com a crise pandémica de covid-19, não consta nem se anunciou o encerramento de qualquer espaço de explicações e apoio educativo”. Segundo o académico isso demonstra que é uma “indústria próspera, mesmo em períodos com os piores ‘ventos e tempestades'”. Porquê ter explicações? Os inquéritos realizados para este estudo realizaram-se a partir de 9 de Janeiro de 2020 a estudantes do ensino superior de Macau, residentes permanentes, que frequentaram o ensino secundário e complementar em escolas privadas e que fizeram os exames de acesso à universidade. O autor quis analisar, em parte, porque os alunos e encarregados de educação optam pelos centros de explicações. Um total de 90 inquéritos online gerou 78 respostas escritas válidas, correspondendo a 87 por cento do total. Houve ainda 12 estudantes que não responderam por não terem frequentado estes centros com regularidade ou por “completo desinteresse pelo tema ou dificuldade em escrever respostas pessoais às perguntas solicitadas”. Em 78 respostas validadas, 28 alunos disseram ter recorrido aos centros para ter explicações de matemática ou de uma língua não materna, enquanto 26 o fizeram para se preparar para testes e exames. Apenas 11 estudantes usaram os centros de explicações para ocupar os tempos livres, enquanto que oito procuraram melhorar as notas na escola. Apenas cinco estudantes foram a centros de explicações para “recuperar de resultados negativos”. O estudo de Alberto Pablo indica que a escolha dos centros de explicações prende-se com lacunas existentes no próprio sistema de ensino, em que os alunos sentem dificuldades em colocar questões ou dúvidas na sala de aula. “A totalidade das respostas repetiu a conhecida impossibilidade de se levantar questões e pedir esclarecimentos durante as aulas da escolaridade formal por imperar sempre algum tipo de constrangimento em relação à autoridade dos docentes, os quais não dispunham de tempo suficiente ‘para ler os manuais’ ou os ‘powerpoints’ (na verdade, um texto projectado)”. Assim, “não restaria espaço lectivo para atender e resolver dúvidas pessoais dos alunos”. O caso da EPM O estudo refere o caso dos alunos do ensino secundário da Escola Portuguesa de Macau (EPM), que “destacaram a frequência regular de explicadores particulares – por vezes professores ou ex-professores da própria escola – a quem pagavam entre 300 e 500 patacas por hora, recebendo geralmente seis horas semanais, ou mais, de explicações de português e matemática”. Alberto Pablo entende afirma que são “montantes pecuniários bastante elevados, mesmo para os padrões económico-sociais de Macau, rondando uma média mensal muito expressiva e onerosa entre 5.000 e 12.000 patacas por estudante, valor que normalmente duplica em função da família nuclear dominante de dois filhos”. Os estudantes das escolas chinesas privadas, cujos inquiridos dizem ter frequentado centros de explicações durante 20 e 28 horas semanais, entre segunda-feira e sábado, três a quatro horas por dia, mediante pagamento mensal de cinco mil patacas. O estudo destaca, ainda quanto aos resultados, “o número significativamente baixo de inquiridos que recorreu aos centros de explicações para contrariar o que se poderia designar como insucesso escolar”, apenas cinco alunos. Verifica-se ainda “a quantidade pouco expressiva de inquiridos que procuraram apoio extraescolar por terem obtido resultados ‘baixos’ nas avaliações formais escolares”, ou seja, apenas oito, dez por cento do total. Desta forma, “69 por cento dos inquiridos frequentaram regularmente espaços de explicações durante o período da escolaridade secundária e complementar obrigatória para preparar testes e exames, mas mais ainda para recuperar de dificuldades e disfunções na aprendizagem nos domínios da matemática e língua não materna”. Segundo Alberto Pablo, a grande dificuldade reside no “inglês falado e escrito”. Uma mentalidade própria O estudo demonstra que os centros de explicações são um sector à margem do ensino formal porque os estudantes do ensino não superior são “‘empurrados’ para recorrerem regularmente” a estas instituições, devido à existência de um “sistema de ensino muito tradicional, factual e positivista, orbitando o manual, a memorização, testes e exames recorrentes”. Há ainda uma carga social e cultural em torno destes centros, porque, como refere o autor, estes estudantes “são socialmente ‘obrigados’ a marchar diariamente depois do fim das aulas escolares porque os seus pais e encarregados de educação trabalham por turnos nos casinos e afins, cumprem jornadas intensivas de trabalho, mantém pequenos comércios abertos todo o dia ou labutam nas áreas da intermediação e do transporte”. Tal faz com que os pais não tenham “tempo útil disponível para dedicar aos problemas de escolaridade dos seus educandos”, que ficam “entregues ao cuidado geral dos centros de apoio extralectivos”. Mas mais do que dar resposta às famílias com horários laborais intensos, os centros de explicações têm muita procura graças à “mentalidade cultural dominante entre as famílias chinesas de Macau, que confiam quase exclusivamente a promoção social futura ao sucesso na escola no presente”. Pouca transparência O trabalho de Alberto Pablo descreve também que “a esmagadora maioria dos centros de explicações não apresenta organização clara, métodos pedagógicos ou planos didáticos”, sendo que o investigador também não conseguiu ter acesso a relatórios de contas e actividades que “não são conhecidos”. “É difícil chegar aos responsáveis por estes espaços – acreditando que os há – sendo ingrata a tarefa de questionar, o que gera desconfianças inultrapassáveis”, refere-se. Os centros de explicações são, assim, um “peculiar mercado de trabalho”, e é “muito difícil de apurar e mesmo de estimar”, pois integra “diferentes trabalhadores com escolas formais, associações, empresas e intermediários”. Estes permanecem “neste lucrativo campo cultivado pelas ‘explicações’ à sombra também das patacas pingues de Macau”. Além disso, o Governo “continua a certificar e subsidiar os espaços de explicações sem cuidar de fiscalizar as habilitações académicas necessárias do pessoal de apoio pedagógico”. Local e não global Se a pandemia trouxe o debate em torno da digitalização do ensino, a verdade é que não levou à modernização do sistema em vigor nos centros. “A maior parte destes espaços privados foi mesmo incapaz de evoluir no sentido das soluções ‘globais’ online, antes pressionando política e socialmente para um rápido regresso à sua actividade de ‘explicações’ habitual.” Assim, conclui-se que “a multiplicação dos espaços de explicações [em Macau] é, sobretudo, um processo de localização”, não se conseguindo adaptar a novidades curriculares à escala global. Em Macau, os centros apresentam “características muito próprias”, e são um sector “hostil a algumas futuras formas de transnacionalização da educação não superior, dos currículos às avaliações”, além de “hostil também a algumas modalidades de globalização dos sistemas educativos de aprendizagem”. Esta localização dos centros explica-se ainda “pela sua especial capacidade de continuar a prosperar apesar dos devastadores efeitos da pandemia na economia de Macau”. Existem actualmente no território 558 empresas com alvará de centros de explicações, um número bastante mais elevado em relação às 77 escolas existentes, dez delas públicas. As instituições de ensino são frequentadas 75 mil alunos, 96 por cento deles matriculados em escolas privadas.
Hoje Macau Grande Plano25 Abril | Em “maus lençóis” com a PIDE, revolução permitiu a Ramos-Horta ficar em Timor Por Isabel Marisa Serafim, da agência Lusa Com sérios problemas com a PIDE (Polícia Internacional e de Defesa do Estado), a revolução de abril de 1974 permitiu ao atual Presidente timorense, José Ramos-Horta, continuar em Timor-Leste, disse à Lusa o prémio Nobel da Paz. José Ramos-Horta tinha dado uma entrevista, em 14 de janeiro de 1974, a um jornal australiano a afirmar que, em alguns anos, o Timor português iria ser independente e o assunto chegou a Lisboa e o governador de então, Alves Aldeia, não o conseguiu “proteger”. “’Você tem feito e dito muitas coisas e eu sempre a procurar protegê-lo e desta vez não vai ser possível, porque já chegou a Lisboa. O que é que você quer que lhe aconteça ir para a prisão ou sair de Timor? Sair de Timor, senhor governador’”, contou à Lusa José Ramos-Horta ao recordar a conversa com o governador Alves Aldeia. A saída de Timor ficou marcada para 27 de abril e para não haver grande polémica estava prevista ser publicada num jornal local uma notícia (falsa) a dizer que José Ramos-Horta tinha ido para a Austrália, com uma bolsa, estudar jornalismo. Mas dois dias antes da partida um técnico de telecomunicações, que “tinha a mania que era agente da PIDE”, mas “não fazia mal a uma mosca”, recordou o Presidente timorense, disse-lhe que tinha havido um golpe em Portugal. “Como eu já estava em ‘maus lençóis’ com a PIDE, fingi indiferença”, disse José Ramos-Horta, salientando que a confirmação lhe foi dada por um “grande abraço” de um oficial português, que estava destacado em Timor. “Entretanto, o governador Alves Aldeia, muito bom homem, chamou-me para o gabinete dele. Você ouviu as notícias em Portugal, já não tem de sair de Timor-Leste”, contou. Questionado pela Lusa sobre o ambiente político em Timor nos anos 1970 ou se já havia algum movimento a defender a independência do território, o Presidente timorense referiu que havia, mas era incipiente. “Nos anos 1970 já havia um incipiente movimento pró-independência, mas muito incipiente, sem organização, sem liderança, com um grupo de nós, que se reunia regularmente à volta de uma refeição e conversávamos”, disse. “Mas, fora disso, Timor-Leste era um país completamente isento ou imunizado em relação às grandes movimentações nacionalistas que surgiram nas áfricas do pós-segunda guerra”, referiu. O Presidente timorense lembrou o 25 de Abril de 1974 como uma “bela revolução” para a “realização do sonho da liberdade e democracia para o povo português”, para a resolução da guerra colonial e pela forma como decorreu sem “sangue e sem fuzilamentos”. Para José Ramos-Horta, o resultado do 25 de Abril de 1974 é o “que é Portugal hoje, um dos países mais democráticos do mundo”. O prémio Nobel da Paz salientou também que Portugal “melhorou muito” desde que visitou a primeira vez o país, em 07 de dezembro de 1975. “Portugal hoje é economicamente mais desenvolvido, lidera nas áreas da ciência, tecnologia, medicina, tem muito prestígio na Europa, prestígio Internacional. Portanto, é a razão para celebrarmos os 50 anos do 25 de Abril”, concluiu. José Ramos-Horta realiza uma visita de Estado a Portugal a partir de 20 de abril, no âmbito da qual participa nas cerimónias de celebração dos 50 anos da Revolução dos Cravos.
Hoje Macau Grande Plano25 Abril de 1974: Descolonização, um “dossier” complicado e traumático A descolonização portuguesa proposta pelo Movimento das Forças Armadas (MFA) foi um dos principais pontos de divergência política no próprio dia do golpe militar de 25 de abril de 1974, provocando rupturas que ainda hoje se mantêm. “A nossa intenção era boa, mas a alteração do Programa, no próprio dia 25 (de abril de 1974) na Pontinha (Posto de Comando do MFA), donde se retirou a referência ao direito dos povos à autodeterminação e independência, por ação do Spínola, complicou tudo”, explica o coronel Vasco Lourenço numa longa entrevista à historiadora Maria Manuela Cruzeiro, do Centro de Documentação 25 de Abril da Universidade de Coimbra, e publicada em livro em 2009, “Vasco Lourenço – do interior da Revolução”. Em plena Guerra Fria, as declarações de independência dos antigos territórios coloniais portugueses em África, enquadradas no processo de descolonização, provocam o “retorno” de mais de meio milhão de pessoas a Portugal e a eclosão de violentas e prolongadas guerras civis em Angola e Moçambique entre os vários partidos armados – com a morte de milhares de civis. Numa primeira fase, verificou-se a supremacia da influência do bloco soviético e a imediata reação armada por parte do regime do ‘apartheid’ sul-africano e da Rodésia. Em Timor-Leste, a FRETILIN declarou a independência unilateral em novembro de 1975, durante a guerra civil, tendo as forças militares portuguesas retirado do território. O complexo caso timorense fica marcado pela invasão da ex-colónia por parte da Indonésia. A ocupação prolongou-se de 1975 até 1999, tendo a independência sido oficialmente “restaurada” em 2002 – ao som do hino anticolonial e na presença de um presidente português, Jorge Sampaio. Mas isso só aconteceu após uma consulta popular que deu a vitória à independência em 1999 e a um período de administração liderado pelas Nações Unidas. O caso particular de Macau, território chinês sob administração portuguesa até ao dia 20 de dezembro de 1999, conheceu um longo processo de transição, que decorreu quase em paralelo com o processo de transição da ex-colónia britânica de Hong Kong que terminou em 1997. Resta resolver a esquecida questão de Cabinda que, do ponto de vista dos independentistas do enclave, está longe de estar solucionado e que acusam Angola de invasão e anexação em 1975 com apoio de forças cubanas e Portugal pelo alheamento em relação aos tratados firmados no século XIX no sentido da autodeterminação e independência. Em Portugal, do ponto de vista social, em virtude do processo de descolonização, o regresso de milhares de portugueses apontados como “retornados” – em plena crise económica mundial – é ainda hoje motivo de divisões políticas e debates ideológicos. E perduram no tempo os grupos de portugueses “espoliados” que reclamam direitos perdidos em 1975, mas cujo regresso de forma abrupta acabou por marcar a sociedade. De acordo com a investigadora Maria Inácia Rezola, da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, a questão colonial foi desde o início um motivo de fricção entre os militares do MFA e o general António de Spínola, que se opunha “frontalmente” à proposta de “imediata” concessão da independência às colónias. “Há muito que Spínola manifestara ser o portador de um projeto – assente nas teses que defendera em “Portugal e o Futuro” – que contrariava os desígnios do MFA nesta matéria. Na proclamação que, como presidente da Junta de Salvação Nacional, dirigira ao país, na madrugada de 26 de Abril (1974), afirmara a sua vontade de garantir a ‘sobrevivência da Nação soberana no seu todo pluricontinental’”, escreve Maria Inácia Rezola, no livro “25 de Abril – Mitos de uma Revolução” publicado em 2007. Spínola, antigo governador da Guiné e primeiro Presidente da República, não eleito, após o golpe militar do 25 de Abril, faz mais tarde várias menções à possibilidade de realização de consultas populares nas colónias. Foi o que fez no encontro que manteve com o presidente dos Estados Unidos, Richard Nixon, no dia 19 de junho de 1974, nos Açores. Apesar das divergências, em julho, o novo primeiro-ministro, Vasco Gonçalves, revela, na tomada de posse, que o Conselho de Estado tinha aprovado uma lei constitucional que reconhecia o direito dos povos à autodeterminação “com todas as consequências, incluindo o direito à independência”. A lei, publicada no Diário do Governo do dia 19 de julho de 1974 como Lei 6/74, refere a aceitação “da independência dos territórios ultramarinos”. A pressão internacional é constante, as negociações com a FRELIMO sobre Moçambique já estão em curso e os próprios militares portugueses no terreno exigem o cessar-fogo. Spínola, a 27 de julho, num discurso transmitido pela televisão dirigido ao povo português de “aquém e além-mar”, refere-se pela primeira vez à descolonização como um processo que conduz à independência dos povos. Vasco Lourenço que o “problema” da descolonização foi “ultra complicado” porque os militares do MFA (Movimento das Forças Armadas) tinham boas intenções em termos de princípios, mas que acabaram por ser ultrapassados pelos acontecimentos e pelos protagonistas político-militares. “Estávamos convencidos de que seria viável fazer as coisas com calma, mas o que é facto é que havia o outro lado. A guerra tem dois lados. E se do lado do colonizador se fala em descolonização, do lado do descolonizado fala-se em independência. O facto é que nenhum colonizador deu independência ao colonizado, sem ter havido, da parte deste, luta pela mesma. Isto é, a independência não se dá nem se recebe. Conquista-se! Na maior parte das vezes através da luta armada, como era o nosso caso em Angola, Guiné e Moçambique”, disse. Vasco Lourenço sublinha também que foi o tempo da palavra de ordem “nem mais um soldado para as colónias” e que já “ninguém queria dar tiros” numa guerra já reconhecida como “ilegitima”, apesar de se verificarem situações de extrema tensão no terreno. “Havia que tentar manter a força, para melhor negociar. É sempre assim, e os Movimentos de Libertação também o sabiam. Por isso, a sua intensificação no esforço da guerra, E posso garantir: se houve alguém que se esforçou para manter as nossas forças organizadas e operacionais foi precisamente o MFA. Agora, mais uma vez afirmo, só estando lá, só vivendo as situações se pode falar, quem nunca pecou que atire a primeira pedra!”, concluiu Vasco Lourenço.
Hoje Macau Grande Plano MancheteFórum Boao | Relatório prevê crescimento de 4,5% da economia asiática Arrancou ontem em Hainão mais uma edição do Fórum Boao. O relatório anual que dá início às reuniões estima um crescimento de 4,5 por cento da economia asiática este ano. O fórum, que termina na sexta-feira, tem uma agenda focada em temas económicos, financeiros e na iniciativa “Uma Faixa, Uma Rota” Começou ontem, na ilha de Hainão, no sul da China, a edição deste ano do Fórum Boao, dedicada a debater assuntos económicos a nível global, o fomento de cooperação ao nível da iniciativa criada por Pequim, “Uma Faixa, Uma Rota” ou mesmo a presença da inteligência artificial em cada vez mais áreas de actividade, nomeadamente a economia e as finanças. No dia de arranque do Fórum Boao, tido como o “Davos asiático”, foi divulgado o relatório anual das perspectivas económicas e progressos da integração da Ásia. As conclusões apontam para o crescimento da economia do continente em 4,5 por cento este ano, fazendo com que continue a ser o “maior contribuinte para o crescimento económico mundial”. Apontando a existência de “vários desafios externos”, o documento ressalva que a economia asiática vai manter “uma taxa de crescimento relativamente elevada” graças ao consumo e a políticas fiscais pró-activas. A organização do evento perspectiva que o leste asiático deve registar um crescimento anual de 4,3 por cento, o sul da Ásia 5,8 por cento, a Ásia Central 4,3 por cento e a Ásia Ocidental 3,5 por cento. “Em termos de paridade de poder de compra, a quota das economias asiáticas no PIB [Produto Interno Bruto] global aumentará de 48,5 para 49 por cento em 2024”, é acrescentado no relatório que deu o pontapé de partida da iniciativa. Problemas com o emprego Embora seja estimado que as economias asiáticas invertam a tendência negativa em termos de comércio e investimento, graças a factores como a integração regional, também é realçada uma perspectiva “não particularmente optimista” para o emprego. O relatório referiu que o “fraco” crescimento do emprego nas regiões do Leste e do Sul da Ásia significará que a taxa global de crescimento a nível continental será inferior à média mundial. O crescimento do rendimento “continua a enfrentar uma pressão significativa”, especialmente devido à situação no leste asiático, onde o número de horas trabalhadas continuará a ser 1,4 por cento inferior ao de 2019. Esta situação, aliada a factores como o fraco crescimento da produtividade, torna “difícil alcançar um crescimento significativo dos níveis de rendimento na Ásia”, com algumas áreas a registarem mesmo declínios, embora as pressões inflaccionistas “diminuam ainda mais” este ano. Uma agenda cheia Segundo a agência Lusa, o Fórum realiza-se numa altura em que a China regista uma quebra no investimento e de transacções comerciais com o exterior. Assim sendo, a conferência deste amo vai incluir painéis de discussão e mesas redondas com directores executivos e representantes de multinacionais, segundo a agenda divulgada na página ‘online’ oficial do evento. O tema da conferência deste ano é “Ásia e o Mundo: Desafios Comuns, Responsabilidades Partilhadas”. Os painéis vão abranger temáticas como o investimento na Ásia, o aprofundamento da cooperação financeira asiática e os esforços para transformar a Ásia num centro de crescimento da economia mundial. Os tópicos vão centrar-se no aumento da confiança dos investidores, a melhoria do ecossistema de investimento, o aumento da atractividade para investimento estrangeiro, o avanço da cooperação financeira na Ásia a fim de impulsionar a economia real, e o reforço da cooperação industrial e das cadeias de abastecimento entre as nações asiáticas, segundo a informação fornecida pela organização do fórum. A agenda do evento prevê também discussões sobre inteligência artificial, o futuro dos veículos eléctricos e a cooperação no âmbito da Iniciativa Faixa e Rota, o gigantesco projecto de infraestruturas que se tornou parte central da política externa da China. O jornal China Daily ouviu vários especialistas que apontaram que os painéis e debates do Fórum vão centrar-se sobretudo nos desafios mundiais, numa altura em que há dois conflitos na Europa e Médio Oriente, nomeadamente Ucrânia-Rússia e na Faixa de Gaza. Zafar Uddin Mahmood, conselheiro político e secretário-geral do Fórum, declarou ao jornal estatal que “a ideia de trabalhar para ‘uma comunidade de futuro partilhado para a humanidade’ através das iniciativas de Segurança Global, Desenvolvimento e Civilização é um caminho a seguir para enfrentar os desafios que o mundo enfrenta actualmente”. Por sua vez, Atul Dalakoti, director-executivo da Federação das Câmaras de Comércio e Indústria da Índia, frisou a necessidade de paz mundial, uma vez que “no mundo existem ainda quatro a cinco mil milhões de pessoas que precisam de ter muito melhores empregos, uma vida muito melhor, fundamentos económicos muito melhores… A única forma de crescer é ter paz”. Atul acrescentou ainda que “a ideia de desenvolvimento comum apresentada pelo Presidente Xi Jinping é o caminho a seguir”. Numa altura em que a Índia se prepara novamente para ir a eleições, Dalakoti disse ainda ao China Daily que o país “tem trabalhado em estreita colaboração com a Ucrânia e com a Rússia para ver se existe uma possível hipótese de alcançar a paz”. Carl Fey, professor de estratégia na BI Norwegian Business School e um dos académicos que marcará presença em Hainão, falou dos dois conflitos na Ucrânia e em Gaza, que opõe israelitas e as forças do Hamas. “Existem muitas possibilidades para uma maior colaboração e isso é muito necessário”, defendeu. A aposta nos eléctricos A ilha de Hainão anunciou em 2022 um plano para proibir a venda de todos os veículos movidos a combustível até 2030, tornando-se a primeira província da China a anunciar uma medida deste género. Dois em cada cinco veículos vendidos na China são eléctricos, representando estas vendas 60 por cento do total mundial. De acordo com estimativas do banco suíço UBS, até 2030, três em cada cinco veículos novos vendidos na China serão alimentados por baterias e não por combustíveis fósseis. A dimensão do mercado chinês propiciou a ascensão de marcas locais, incluindo a BYD, NIO ou Xpeng, que ameaçam agora o ‘status quo’ de uma indústria dominada há décadas pelas construtoras alemãs, japonesas e norte-americanas. Ainda no evento, estão previstas palestras sobre a fragmentação no comércio global, as perspectivas geopolíticas e económicas globais, a chamada “Iniciativa de Segurança Global” na abordagem dos desafios de segurança e promoção da paz mundial, e a superação de obstáculos políticos para enfrentar a crise climática global. Proposta pelo Presidente chinês, Xi Jinping, a “Iniciativa de Segurança Global” visa construir uma “arquitectura global e regional de segurança equilibrada, eficaz e sustentável”, ao “abandonar as teorias de segurança geopolíticas ocidentais”. Em particular, a proposta chinesa opõe-se ao uso de sanções no cenário internacional. A conferência decorre num período em que a China tenta injectar um novo ímpeto nas suas relações com o exterior, abaladas pelo encerramento das fronteiras, durante a pandemia da covid-19, e tensões regionais, incluindo com o Japão e os países do sudeste asiático. O deteriorar dos laços com os Estados Unidos e a Europa é outro aspecto que marca o momento político chinês. A China registou no ano passado o menor volume anual de Investimento Estrangeiro Directo (IED) desde a década de 1990, numa altura em que os países ocidentais apostam numa estratégia de redução de dependências económicas e comerciais face ao país. Apesar deste cenário menos positivo, a directora-geral do Fundo Monetário Internacional (FMI), Kristalina Georgieva, declarou, no Fórum de Desenvolvimento da China, que decorreu domingo, que a China vai continuar a ser um contribuidor central para o crescimento da economia a nível mundial, com mais de três por cento tanto este ano como no próximo, noticiou o Diário do Povo online. Desde 2002 que o Fórum Boao se realiza em Hainão, na cidade de Bo’ao, sendo encarado como a resposta asiática ao Fórum Económico Mundial de Davos, na Suíça, centrando-se mais no posicionamento económico chinês e de outras economias vizinhas. Paralelamente a este fórum, Pequim organiza ainda o “Invest China”, com o objectivo de atrair investimento estrangeiro.
Andreia Sofia Silva Grande Plano MancheteMacau Jockey Club | Do trote ao descalabro financeiro A dias de encerrar portas definitivamente, persiste o impasse no Macau Jockey Club na relação com os donos dos cavalos. Tam Vai Lam, que detém oito animais, aponta o dedo ao Governo e diz que os donos vão procurar apoio jurídico. Eis o fim conturbado de um espaço fundado há 40 anos que nunca conseguiu cativar turistas e a população local como o Canídromo outrora o fez É já na próxima segunda-feira que chegam definitivamente ao fim as apostas em corridas de cavalos em Macau. O encerramento do Macau Jockey Club constitui, assim, o virar da página de uma história que durava há 40 anos sen nunca ter sido bem-sucedida: se o Canídromo, com as apostas em corridas de galgos, chegou a atrair, a partir dos anos 60, muitos turistas e apostadores locais, o mesmo nunca aconteceu com o Macau Jockeu Club, que fechou portas devido a perdas financeiras sucessivas. Na verdade, o primeiro capítulo do Macau Jockey Club centrou-se nas apostas em corridas de cavalos a trote, tanto que o nome inicial chegou a ser Macau Trotting Club, instituído em 1980 pelo empresário de jogo local Yip Hon, inspirado nas populares corridas da América. Ao HM, Jorge Fão, dirigente da Associação dos Reformados, Aposentados e Pensionistas de Macau (APOMAC), confessa que as corridas a trote “estavam na moda” e a ideia era trazer esse modelo para o território. “Aquilo foi inaugurado de forma pomposa, mas não deu resultado e nunca criou entusiasmo ao povo de Macau nem da China, porque mesmo que o chinês goste de jogar, nada se compara às apostas no Jockey Club de Hong Kong”, confessou. A partir de 1989, foi criado oficialmente o Macau Jockey Club, já sem as corridas a trote, “para se assemelhar às corridas de Hong Kong”, lembrou Jorge Fão. O dirigente associativo e ex-deputado considera que, depois do fecho do Canídromo, em 2018, e agora do Macau Jockey Club, encerra-se também “parte da nossa história de jogo”. Numa altura em que “o Canídromo tinha mais entusiastas”, Jorge Fão recorda que as corridas de cães sempre criaram o rebuliço que os cavalos não souberam gerar. “As corridas de cavalos não conseguiram enraizar-se em Macau, enquanto as corridas de cães conseguiram. Nos primeiros 10 ou 15 anos havia muitos apostadores, mas os cavalos quase nunca conseguiram atrair essa enchente de pessoas.” “O Canídromo recebia apostas lá dentro, da parte da assistência, mas também tinha o chamado sistema ‘booking’, a aposta externa, em que pessoas aceitavam as apostas feitas por outras. Era um sistema um pouco à margem da lei, mas todos sabiam que funcionava. Os ‘bookings’ sempre existiram nas corridas de cavalos, mas mesmo assim aquilo não funcionou”, recorda Fão. De mão em mão Aquela que foi a primeira pista de corridas de cavalos a trote na Ásia parecia ter tudo para vingar, com 2.110 metros de comprimento, mas a verdade é que o interesse acabou ao fim de pouco tempo. Segundo o portal Macao News, que cita declarações de Vu Ieng Kan, presidente da Associação de Jornalistas de Corridas de Macau, dadas ao jornal Ou Mun, “o [número total de] apostas passou de três milhões de patacas no dia da abertura para apenas dois milhões de patacas em menos de meio ano”. Seguiu-se a passagem do testemunho de mão em mão, como que numa tentativa de lidar com um negócio que acabou por se tornar num problema. O Macau Trotting Club fechou portas em 1988 face ao insucesso das corridas, tendo sido vendido a uma empresa de Taiwan que fundou então o Macau Jockey Club em 1989. Sem conseguir gerar lucros, tal como o seu antecessor, a empresa encerrou a actividade apenas passado um ano, tendo o negócio passado então para as mãos de Stanley Ho, que o adquiriu em consórcio. Actualmente era a sua quarta esposa, e já viúva, Angela Leong, que estava à frente do negócio. As perdas financeiras sucederam-se, e já em 2019 os deputados da Assembleia Legislativa questionaram as razões para o Governo renovar com uma empresa, em 2018, que só apresentava enormes prejuízos. “O Governo prolongou o prazo do contrato até 2042 e entendemos que precisa de dar um fundamento para este prolongamento. Na passada sessão legislativa não facultou informações sobre os investimentos e em Agosto o Executivo apresentou um plano de investimento e outros documentos complementares”, disse Lei acrescentando que “a concessão já foi feita e o Governo não explicou claramente as razões para a renovação”, disse, à data, a deputada Ella Lei. Aquando da renovação do contrato já era exigido que a empresa reembolsasse 150 milhões de patacas em dívida em três anos. Previa-se um investimento no terreno na Taipa na ordem dos 3,5 a 4,5 mil milhões de patacas, com a ideia de ali desenvolver um parque temático com cavalos e instalações para aulas de equitação, e ainda um hotel e um aparthotel. Tudo isso caiu por terra, e, com a pandemia, o fosso financeiro só aumentou. A mão de Stanley Ho Apesar de acabar sem glória, houve tempos em que o Macau Jockey Club gerou algum burburinho, muito por conta do cunho pessoal de Stanley Ho, que soube atrair algumas personalidades e patrocínios. Adquirido pelo magnata dos casinos por 400 milhões de patacas, o Macau Jockey Club chegou a ter estrelas das corridas de cavalos como Lester Piggott ou Frankie Dettori, que competiram no território em 2002. Logo nos anos a seguir à transição, nomeadamente em 2003 e 2004, a empresa chegou a atingir nove mil milhões de patacas de lucros, organizando mais de 1200 corridas com cerca de 1200 cavalos, mais do que a entidade congénere de Hong Kong tinha à época. O Macau Jockey Club chegou mesmo a ser cenário para a produção de filmes de Hong Kong, tendo recebido apoios de celebridades como o actor Eric Tsang ou Li Ning, antiga atleta olímpica chinesa. Segundo o portal Macao News, o percurso de sucesso do Jockey Club mudou quando Stanley Ho sofreu um ataque cardíaco em 2009 e não mais teve a capacidade de intervir pessoalmente na projecção do espaço de corridas. A quebra foi tão grande que, na última temporada de corridas, existiam apenas 220 cavalos em competição. Com 254 trabalhadores residentes e 316 não residentes empregados pela companhia, num total de 570 trabalhadores, o Macau Jockey Club iniciava a sua temporada de corridas em Setembro, terminando em Agosto do ano seguinte. Todas as semanas decorriam duas corridas, transmitindo também as competições da congénere de Hong Kong. Já nos anos 90, o Macau Jockey Club começou também a destinar muitos milhões para caridade. A partir de 1995 começou a organizar-se o Dia da Caridade anual, além de terem sido atribuídos apoios para bolsas de estudo. Foi ainda criado o fundo de caridade “Macau Loving Heart Charity Fund”, em 2003, destinado a apoiar entidades locais e da China dedicadas ao apoio social. Em Janeiro deste ano o fim foi anunciado, com o secretário para a Administração e Justiça, André Cheong, a admitir que “as referidas actividades têm vindo a tornar-se cada vez menos atractivas para os residentes locais e turistas nos últimos anos”. Não haverá nova concessão de corridas de cavalos, assegurou o Executivo. Donos de animais ainda sem respostas da empresa Tam Vai Lam, dono de oito cavalos de corrida, o proprietário com maior número de animais no Macau Jockey Club, acusa a empresa de, até à data, não ter apresentado um plano concreto sobre a forma como os animais vão ser tratados após o fecho das corridas, além de não ter dado uma resposta sobre os pedidos de indemnização pelo fim das competições. “Há cerca de 300 cavalos lá, contando com os que já não correm, e como são alimentados por mão humana desde sempre não é possível agora libertá-los num ambiente selvagem. Por essa razão é necessário que continue a haver pessoas a cuidar deles, até porque alguns vão ser transferidos para outras regiões e esperamos que possam manter a capacidade de corrida. Contudo, até ao momento, o Jockey Club nunca nos disse quais os recursos humanos de que dispõe para cuidar dos animais”, contou o proprietário ao HM. Tam Vai Lam investe em corridas de cavalos há mais de 30 anos e diz sentir-se “desapontado” com a súbita rescisão do contrato, dizendo que os proprietários têm sido “ignorados” em todo o processo, “ao nível da negociação e na defesa dos nossos direitos”. “Tentámos contactar directamente com o Jockey Club para negociar as nossas exigências, mas nunca nos foi dada uma resposta oficial. Apenas recebemos documentos, e quem falava connosco não tinha poder para decidir. Muitos donos dos cavalos vão contactar advogados para exigir soluções, por meios jurídicos, ao Macau Jockey Club”, adiantou. ANIMA atenta Do lado da ANIMA os contactos apenas têm sido feitos junto do Instituto para os Assuntos Municipais (IAM) quanto ao destino a dar aos animais, e poucas novidades existem a dias do Jockey Club fechar. Há cerca de duas semanas, os donos dos cavalos fizeram chegar uma carta com reivindicações. Ao HM, Zoe Tang, presidente da ANIMA, disse que o IAM continua a dialogar com o Jockey Club sobre o destino que será dado aos animais. Tendo ainda em conta os gatos que existem nas instalações do Jockey Club, a ANIMA tem vindo a dar apoio na alimentação e esterilização, sendo que, desde Fevereiro já foram esterilizados dez animais. Mas Zoe Tang confessa a falta de fundos da associação para continuar a desenvolver esta acção. “Quando o Governo recuperar o terreno, o que vai acontecer a estes gatos? Quando ninguém puder entrar para os alimentar vão morrer de fome ou o IAM vai capturá-los, com o risco de estes serem abatidos?”, questionou. Com Nunu Wu
Andreia Sofia Silva Grande Plano MancheteChina-UE | Embaixador chinês deixa alertas em conferência no Porto Zhao Bentang, embaixador chinês em Portugal, deixou vários recados numa conferência na Universidade do Porto sobre o relacionamento entre a China e a União Europeia, alertando para o facto de questões como o afastamento da Huawei nos concursos da rede 5G ou a maior supervisão face ao investimento estrangeiro trouxeram “desnecessárias turbulências e obstáculos ao desenvolvimento das relações” entre os dois campos Os recentes episódios menos positivos no relacionamento comercial e diplomático entre a China e a União Europeia (UE) foram abordados num discurso de Zhao Bentang, embaixador chinês em Portugal, esta terça-feira, no âmbito da “Conferência Relações China-UE” que decorreu no Porto promovida pela Associação dos Amigos da Nova Rota da Seda (ANRS) e pela Universidade Lusófona. No evento, que não contou com a presença física do diplomata, foi lido o discurso do embaixador onde se chama a atenção para a ocorrência de “desnecessárias turbulências e obstáculos ao desenvolvimento das relações entre a China e a UE” graças a episódios como o afastamento da Huawei de leilões da rede 5G por parte de alguns Estados-membros da UE, nomeadamente Portugal, ou a chegada de uma nova legislação promovida pela Comissão Europeia que vai reforçar a supervisão do investimento estrangeiro que chega ao mercado da UE, incluindo da China. “O lado europeu tomou recentemente uma série de iniciativas na área do 5G, na revisão do investimento estrangeiro ou na política competitiva que geram grandes preocupações para o Governo chinês, empresas e media.” Segundo Zhao Bentang, “a China sempre encarou a UE como parceira estratégica, tendo desenvolvido o relacionamento com a Europa com a maior sinceridade e boa vontade. Há uns anos, um documento político oficial europeu elevou a China a grande parceiro, um dos maiores competidores e, ao mesmo tempo, uma variável sistémica [no relacionamento]. Contudo, tem vindo a ser provado que essa posição tripartida não está em linha com os factos e não é viável.” Recorrendo à metáfora, Zhao Bentang comparou esta relação ao acto de “conduzir um carro numa zona com três sinais: vermelho, verde e amarelo, tudo ao mesmo tempo”. “Como pode um carro conduzir nestas condições?”, questionou. “Esperamos que tanto a China como a UE possam estabelecer uma percepção correcta, manter um entendimento mútuo e confiança, bem como respeito, não fomentando uma relação como rivais apenas devido às diferenças existentes nos seus sistemas, nem reduzir a cooperação apenas devido à competição, ou entrar em confrontos apenas devido à existência de diferenças. O desenvolvimento da China constitui uma oportunidade, não um risco, para a Europa”, frisou. Destacando os diversos encontros que Xi Jinping, Presidente chinês, manteve com líderes europeus nos últimos anos, nomeadamente Charles Michel, presidente do Conselho Europeu, e Ursula Von der Leyen, presidente da Comissão Europeia, ou ainda “líderes da Alemanha, França, Espanha e outros países europeus”, Zhao Bentang destacou que “os dois lados transmitiram sinais positivos em prol de mais esforços para fomentar essa força relacional”. Assumindo uma visão pragmática, o embaixador frisou que “quanto mais profunda for a cooperação entre a China e a UE, mais inevitável será o crescimento de visões e diferenças”. “Não deveremos evitar os problemas, mas temos de admitir que essas diferenças significativas em termos de sistemas sociais e níveis de desenvolvimento podem não ser solucionados a curto prazo. A chave é procurar campos comuns [para a cooperação] no meio dessas diferenças, e não ignorar eventuais consensos devido a diferenças a título individual. Não podemos também deixar que a cooperação, em termos gerais, sofra constrangimentos devido a diferenças locais”, disse ainda. Portugal, aquele modelo O embaixador não esqueceu o facto de Portugal “desempenhar um modelo a seguir na cooperação entre a China e a UE”. “Tendo como ponto de partida a perspectiva histórica, China e Portugal deveriam juntar as mãos e aprender com as experiências dos últimos 45 anos de desenvolvimento, trabalhando em conjunto para promover um progresso ainda maior, sendo um parceiro estratégico global na relação entre a China e a UE. Tal está em linha com os interesses de longo prazo da China e da Europa, bem como as expectativas comuns da comunidade internacional”, adiantou. O diplomata citou também, no discurso, um inquérito realizado pela Câmara de Comércio da UE na China que fala da importância que o país continua a desempenhar para a visão estratégica das empresas europeias. Este inquérito “revela que grande parte das empresas europeias na China continuam a ter lucros, e mais de 90 por cento das empresas inquiridas continuam a olhar para a China como um destino de investimento”. Enquanto isso, disse Zhao Bentang, “59 por cento das empresas entrevistadas considera a China como um dos três principais destinos de investimento”. “Mais importante é criar um sistema e ambiente de mercado aberto, justo e não discriminatório para os intervenientes de ambos os lados. Os esforços da China para expandir a abertura e melhorar o ambiente de negócios são óbvios para todos, mas tal não se verifica no lado europeu”, acusou. O responsável entende que se deve fomentar “uma cooperação aberta e com mútuos benefícios”, sendo que “aprofundar o relacionamento entre a China e a UE não é apenas uma medida paliativa, mas uma escolha estratégica com benefícios mútuos, numa situação que proporciona ganhos mútuos”. Ainda referindo alguns dados estatísticos, o embaixador lembrou, como prova da bem-sucedida relação comercial entre a China e a UE, que entre 2013 e 2022 o comércio entre os dois lados aumentou de 125.2 biliões de USD para 847.3 biliões. Abaixo o unilateralismo Zhao Bentang aproveitou também para referir algumas ideias em matéria de diplomacia que são, aliás, bastante referidas nas orientações de política externa chinesa, incluindo pelo próprio Xi Jinping. Foi referida, nomeadamente, a ideia de que “a China e a UE devem opor-se ao unilateralismo, mantendo o sistema internacional com a ONU [Organização das Nações Unidas]” como o centro desse mesmo sistema. Além disso, Zhao Bentang acredita que a China e a UE devem unir esforços no apoio a países africanos em desenvolvimento não apenas em termos económicos, mas também noutras áreas, nomeadamente a saúde. “A China já apresentou à Europa algumas ideias em prol de uma cooperação tripartida, esperando também que cooperações relevantes possam ser implementadas o mais cedo possível para o benefício das populações dos países em questão.” Dentro desta cooperação, “o lado estratégico da relação China-UE vai ser importante”, salientou. “Ambos os lados estão comprometidos com o multilateralismo, e a favor de uma gestão correcta das disputas mundiais em termos diplomáticos e políticos. Ambos os lados estão também contra o uso da força em resposta à ameaça da força”, disse, defendendo que o mundo “está hoje a atravessar uma grande mudança como não é vista há 100 anos”. O recado para o futuro ficou dado. “À medida que a turbulência aumenta, mais é necessário trabalharmos em conjunto para enfrentar os desafios. A China e a UE são duas forças principais, dois grandes mercados e duas grandes civilizações. Quanto mais conturbado for o panorama internacional e quanto mais desafios globais surgirem, mais importante e indispensável é a cooperação entre a China e a UE”, rematou Zhao Bentang.
Andreia Sofia Silva Grande Plano MancheteEstudo | Incentivo de pais determinante para alunos de espanhol Em “O contexto familiar e a escolha da Filologia Hispânica entre os estudantes de artes liberais na China” conclui-se que a decisão dos jovens chineses de estudar espanhol é fortemente influenciada pela família. O estudo indica que “os valores parentais” contam bastante para redefinir as motivações do aluno Na hora de escolher um curso superior baseado numa língua estrangeira, nomeadamente o espanhol, quais as verdadeiras motivações dos alunos? Até que ponto as decisões e vontades dos pais influenciam directa ou indirectamente a escolha dos filhos em relação à carreira e áreas de estudo específicas que vão seguir? Segundo o estudo “Family background and the choice of Hispanic Philology among liberal arts students in China” [O contexto familiar e a escolha da Filologia Hispânica entre os estudantes de artes liberais na China”, os pais desempenham um papel fundamental nesta escolha, definindo-a e moldando-a. O estudo, desenvolvido pelos académicos Wenxuan Gao e David Doncel Abad, da Universidade de Salamanca, foi recentemente publicado no “International Journal of Chinese Education” do Sage Journal, publicação do foro académico. O trabalho, desenvolvido com estudantes do ensino superior da área das línguas de várias cidades na China e também de Macau, centra-se “na forma como os antecedentes familiares afectam a escolha de estudar Filologia Hispânica na China”. Para tal, foram analisados, mais concretamente, “os efeitos mediadores da motivação da escolha e o efeito indirecto condicional dos valores parentais”. Conclui-se que “a escolha dos estudantes foi influenciada pelo contexto familiar”, sendo que as motivações intrínseca e extrínseca na escolha do curso tiveram “um papel parcialmente mediador” na decisão. Já os valores parentais afectaram “a força e a direcção dessa relação como variável moderadora”. Os académicos realizaram um extenso trabalho de campo, enviando um questionário a diversos investigadores especialistas em Sociologia da Educação e um outro, respondido de forma presencial e através de diversas plataformas online, que contou com 960 respostas válidas de 1060 estudantes chineses da área das artes liberais de 21 universidades de Tianjin, Xangai, Hubei, Zhejiang, Jiangsu, Heilogjiang, Jilin, Sichuan, Gansu e Hubei. Alunos de Macau também participaram no estudo. Dos 960 questionários validados, 500 dizem respeito a estudantes de Filologia Hispânica e os restantes 460 estão ligados a outras licenciaturas do ramo das artes liberais. Os académicos tiveram em conta variáveis familiares já usadas noutros estudos, nomeadamente a ocupação dos pais dos estudantes e também a sua cultura. O início da investigação centrou-se “na relação entre os antecedentes familiares dos estudantes e a sua escolha de curso”, com o foco posterior nos “efeitos mediadores para determinar se os estudantes de meios familiares diferentes escolhiam cursos diferentes, influenciados pela sua motivação para o curso”. Foi ainda testado “o modelo segundo o qual o contexto familiar influencia a motivação para a escolha é limitado pelos valores parentais”. Entre vontades e conselhos Ainda dentro das conclusões, David Doncel Abad e Wenxuan Gao concluem que os valores dos pais constituem uma espécie de “fronteira”, mediando “as motivações intrínsecas e extrínsecas na relação entre o contexto familiar e a escolha da licenciatura”. De frisar que as motivações intrínsecas prendem-se com as escolhas dos próprios alunos, nomeadamente com a reflexão quanto à “capacidade pessoal para ser bem sucedido na licenciatura” ou “o interesse pessoal na área”. Seguem-se as motivações extrínsecas, como o peso do mercado laboral e se o curso em questão “tem melhores perspectivas de emprego”. Neste rol incluem-se ainda ideias relacionadas com “maiores oportunidades” na província de origem do aluno, uma vez que “as universidades chinesas reservam mais lugares para estudantes da sua própria província, pelo que a classificação mais baixa para um estudante nativo pode ser muito inferior à classificação exigida a um estudante que se submeta ao exame noutras províncias”. Destaque ainda para a motivação externa dos “conselhos dos pais”, quanto à ideia de que os pais aconselham o aluno a escolher determinada licenciatura. O estudo vem, assim, validar “a teoria da transmissão intergeracional no domínio da escolha da licenciatura, bem como a ideia de que “o contexto familiar tem influência na escolha da licenciatura através da motivação da escolha”. O lugar do privilégio Os académicos consideram ainda que o trabalho em questão vem reforçar algumas ideias que circulam no país relativamente a factores socioeconómicos das famílias e na sua relação com as escolhas no ensino superior. Assim, corrobora-se “um rumor que circula na China, segundo o qual os estudantes que frequentam universidades de línguas estrangeiras provêm predominantemente de meios familiares privilegiados”. Foi ainda validada a hipótese de que “os estudantes com antecedentes familiares mais vantajosos têm uma maior probabilidade de escolher a licenciatura em espanhol”. Além disso, a investigação “fornece uma referência importante para atenuar os efeitos negativos de um meio familiar desfavorecido na escolha da licenciatura, ajustando os pensamentos dos pais”. A ideia é que “os pais de meios desfavorecidos adquirem valores positivos através da aprendizagem e, implicitamente, levam os filhos a fazer escolhas racionais e correctas”. As limitações Os autores não deixam de apontar algumas limitações neste trabalho, referindo a possibilidade de poderem ser usados outros critérios, definidos por outros autores, para melhor compreender as escolhas dos estudantes chineses “de diferentes classes sociais”. Podem, assim, incluir-se factores como “o custo da educação, incluindo mensalidades, livros e despesas de moradia”, a “probabilidade do sucesso na matrícula” ou ainda “os retornos esperados no mercado de trabalho”. Assim, David Doncel Abad e Wenxuan Gao consideram que “trabalhos futuros podem continuar a explorar os efeitos mediadores de outras motivações na escolha na relação entre o background familiar e a escolha do curso superior”. É também referida a importância de “continuar a testar a relação interna entre o contexto familiar e os valores parentais”. Entende-se também ser fundamental “explorar, em estudos futuros, um leque mais alargado de antecedentes familiares, como a adição de variáveis maternas”, além de que “podem ser realizados estudos mais subdivididos quanto à escolha da licenciatura, centrando-se numa das variáveis paternas”, nomeadamente “o efeito mediador do nível de escolaridade paterno na escolha da licenciatura”.
Andreia Sofia Silva Grande Plano MancheteChina-Europa | José Sales Marques defende que estratégia de segurança económica da UE é “exagerada” O economista José Sales Marques defende que a actual estratégia de segurança económica levada a cabo pela União Europeia tem como principal alvo a China e que contém laivos de “exagero”, além de que o posicionamento da Comissão Europeia estará muito além das responsabilidades que cabem aos Estados-membros nesta matéria. Sales Marques defende um maior debate público sobre como deve ser a relação entre Bruxelas e Pequim “A Política Económica e de Segurança da União Europeia (UE) e suas consequências no relacionamento com a República Popular da China (RPC)” foi o tema que o economista José Sales Marques levou recentemente às Conferências da Primavera do Centro Científico e Cultural de Macau (CCCM), em Lisboa. Ao HM, o ex-presidente do Instituto de Estudos Europeus de Macau (IEEM) diz ser fundamental pensar melhor a relação da UE com a China e debater publicamente o impacto da nova Política Económica e de Segurança da UE, apresentada em Junho de 2023, com a agregação, em Janeiro deste ano, de um conjunto de medidas e propostas neste âmbito. “Penso que não é segredo para ninguém que esta estratégia tem como alvo principal a China. Não ponho de parte que em alguns aspectos esse alvo seja também a Rússia, mas a UE não tem com Moscovo um comércio regular nem uma cooperação multifacetada do ponto de vista económico como tem com a China. A questão que levanto é se a UE não está a criar riscos a si própria ao encetar uma política dessas”, começou por dizer. Para Sales Marques, “há a ideia de que a Comissão Europeia está a colocar o pé longe demais e a entrar em áreas que são da competência dos Estados-membros. Trata-se de aspectos de segurança que são da responsabilidade dos Estados-membros e há questões que mereciam maior debate.” Neste sentido, o responsável não deixou de alertar para a aproximação das eleições europeias, este Verão. “Como as eleições europeias estão próximas, já não será a actual Comissão Europeia a propor esta legislação [sobre a segurança económica], mas sim a próxima. A questão é até que ponto tudo isto é minimamente debatido ao nível da própria opinião pública europeia. Não acho que seja. Nas eleições portuguesas, pelo que vi e li, praticamente não se discutiu política externa. O mesmo irá acontecer nas eleições europeias, porque praticamente não se debatem [em Portugal] políticas da UE, mas sim política nacional”, disse. Medidas em causa Sales Marques deu como exemplo de medidas subjacentes a esta nova política de segurança económica de Bruxelas a monitorização dos investimentos estrangeiros na UE. “Nem todos os países dispõem dessa lei, por se tratar de uma competência nacional, mas propõe-se essa monitorização, que não se destina apenas à China, mas que faz a triagem do investimento feito por outros países. A questão que aqui se coloca é que os investimentos gerados dentro do espaço europeu venham a ser monitorizados apenas porque, segundo a Comissão Europeia, as empresas sejam dominadas por determinados capitais estrangeiros, ou mesmo quando haja investimentos em áreas sensíveis, as chamadas áreas de dupla utilização, seja civil ou militar.” O ex-presidente do IEEM questiona “a quem compete monitorizar esses investimentos”, tratando-se de algo “que nunca foi feito” e que “deverá ser da competência dos Estados-membros”. Foi também apontado o exemplo de que, segundo as novas medidas, possam ser levantadas restrições ao nível da cooperação científica ou académica com a China. “Em termos gerais, se por iniciativa ou vontade de alguém se levantarem problemas em projectos de cooperação conjunta com a China, isso poderá acontecer, porque poderão ser encontradas certas vírgulas ou palavras que permitirão criar algumas restrições. Isso levanta-nos um problema de fundo, que é a avaliação do risco que a China representa para a UE. Acho que há um exagero nessa avaliação”, apontou. O impacto negativo Sales Marques destaca que “a China não considera a UE como uma ameaça em termos estratégicos” e que Pequim até coloca “certas áreas da sua indústria fechadas a capitais estrangeiros”, tratando-se de “uma medida de cuidado [do país] que tem a ver com a segurança nacional”. “Também não ponho em causa a legitimidade da UE de repensar estas questões. Temos de compreender que a UE está numa situação de guerra, com a existência de tensão geopolítica, e percebemos que a UE está a tentar recuperar certas indústrias que perdeu.” Contudo, o economista fala dos impactos negativos que este posicionamento de Bruxelas pode trazer no relacionamento com Pequim. “Pode-se discutir uma certa regressão, e estamos a ver o regresso a um certo proteccionismo, relacionado com a política industrial que a UE está a tentar pôr de pé, nomeadamente a França. Mas tal também se deve ao facto de a UE querer desenvolver a sua indústria de armamento.” “Que relação quer a UE ter com a China?”, questionou. “Tudo isto me parece acontecer sob pressão da NATO e EUA, e também devido a várias vozes muito fortes dentro da própria UE, alguns Estados e até dentro da própria Comissão. Esta questão também se coloca em relação a Portugal, se o país deve alinhar [nesse posicionamento da Comissão] ou que tipo de crítica deve fazer.” Para Sales Marques, existe o receio de que “o exacerbar dessas medidas venha a cortar muitas pontes que existem com a China”, criando-se “uma situação geopolítica complicada”, sobretudo tendo em conta o aproximar das eleições presidenciais nos EUA e a escalada ao poder de Donald Trump. De frisar que, durante o seu mandato, o mundo acompanhou a intensificação de uma guerra comercial com a China. “Estão a chegar as eleições do outro lado do Atlântico, e depois? E se o resultado for desfavorável para a Europa? [Com a vitória de Trump]. A China é sempre um parceiro com quem a UE pode contar”, frisou. O “estranho processo” da Huawei Confrontado ainda com o facto de Portugal não integrar a nova lista de países europeus isentos de visto para a entrada na China, Sales Marques diz que não está em causa uma eventual retaliação de Pequim devido à posição portuguesa face à Huawei e o leilão da rede 5G, processo que diz ter sido “estranho e nebuloso”. “Como português que vive em Macau seria extremamente útil que estivéssemos isentos de visto para a China, nem que fosse apenas por 15 dias. A China terá o seu critério para abrir a lista [dos países isentos de visto], e parece que o está a fazer gradualmente. Portugal não fez parte dos dois primeiros grupos, mas a Grécia também não, e é um país amigo da China. A própria Hungria só surgiu no segundo grupo de isenção de vistos. Acho que há espaço para que Portugal venha a fazer parte da lista de países isentos de visto, e não vejo que haja uma ligação [ao caso da Huawei]. Até porque Portugal “tem tido posições mais flexíveis, amigáveis e simpáticas do que alguns países que tiveram a isenção de visto”, lembrou Sales Marques, falando do caso da Holanda, que chegou a proibir a exportação de equipamentos de produção de chips para a China, e fez parte do primeiro grupo de países isentos de visto. “É muito cedo para fazer balanços”, diz Sales Marques José Sales Marques tem sido, nos últimos anos, um dos rostos da comunidade macaense fervorosamente dedicados ao funcionalismo público e a tantas outras actividades do foro cultural e académico. No passado dia 29 de Fevereiro decidiu não se recandidatar a mais um mandato como presidente do Instituto de Estudos Europeus de Macau (IEEM), devido “ao desejo de se aposentar”, conforme descreveu numa carta enviada a uma amiga e colaboradora, e partilhada com o HM. Nessa carta, Sales Marques descreve os 22 anos de trabalho no IEEM e a oportunidade de ter conhecido “tantos governantes, parceiros, colegas, estudantes e membros do público cujo apoio e amizade significaram muito para mim e contribuíram para transformar a minha carreira numa experiência verdadeiramente agradável e diversificada”. Ao HM, Sales Marques confessa ser ainda “muito cedo para fazer balanços”, esperando agora poder “contribuir através da vida associativa” para se manter ocupado, tendo em conta os “muitos e diversos interesses em áreas em que trabalhei no passado”. Causas públicas Entre o desejo de se dedicar à família e a pensar num doutoramento, algo que faria apenas por “satisfação pessoal”, José Sales Marques pretende dedicar-se, a curto prazo, à organização da edição deste ano do Encontro das Comunidades Macaenses, que se realizará em Macau, pela primeira vez de forma presencial, desde a pandemia. “Vai ser um grande projecto para organizar e vou precisar de muito tempo e energia para, em conjunto com a minha pequena, mas dedicada equipa, garantir o seu sucesso em termos organizacionais.” Formado em economia em Portugal, José Sales Marques regressou à sua terra natal para, aí, desenvolver uma longa carreira, que começou em 1983 quando se tornou funcionário público na Direcção dos Serviços de Turismo, onde permaneceu durante dez anos, assumindo funções de sub-director entre os anos de 1993 e 1999. Depois, foi presidente da antiga Câmara Municipal de Macau / Leal Senado entre 1993 e 1999, incluindo da Câmara Municipal Provisória no período após a transição da administração, entre os anos de 2000 e 2001. Além do IEEM, José Sales Marques esteve ligado à Fundação da Escola Portuguesa de Macau, preside ainda ao Conselho das Comunidades Macaenses e pertence à comissão organizadora do Festival Internacional de Curtas-Metragens de Macau. No total, Sales Marques esteve 42 anos dedicado à causa pública.
Andreia Sofia Silva Grande Plano MancheteCCCM | Antigo embaixador na China destaca actualidade do confucionismo José Manuel Duarte de Jesus, investigador e antigo embaixador português em Pequim, destacou, no Centro Científico e Cultural de Macau, vários exemplos da actualidade do pensamento de Confúcio e a sua constante presença nos discursos políticos de Xi Jinping. O confucionismo “sempre constituiu um dos pilares do pensamento e da cultura chinesa” Filósofo conhecido em todo o mundo, nascido na China, Confúcio criou, há cerca de dois mil anos, por volta do século V a.c., o chamado confucionismo, corrente de pensamento ainda hoje presente na sociedade, cultura e sistema político chinês. O debate em torno da modernidade desta forma de pensar a postura do homem e o seu lugar na sociedade decorreu na última quarta-feira, em Lisboa, no âmbito das Conferências da Primavera promovidas pelo Centro Científico e Cultural de Macau (CCCM). Coube ao investigador e antigo embaixador de Portugal em Pequim, José Manuel Duarte de Jesus, apresentar “A actualidade do pensamento de Confúcio”, tendo este começado por destacar que o confucionismo está hoje muito presente no discurso político do actual Presidente chinês, Xi Jinping. Existe, assim, “actualidade no pensamento [confuciano] independentemente de o mesmo ter, obviamente, existido num contexto histórico totalmente diverso”. “Diria que é neste quadro da actualidade do confucionismo que vemos, por exemplo, Xi Jinping, depois da sua tomada de posse, ir à terra natal de Confúcio prestar-lhe homenagem, além de ter estado presente nas comemorações oficiais do seu aniversário. Temos ainda as diversas citações de Xi Jinping em muitas intervenções públicas. Posso dizer que em todos os discursos que tenho lido de Xi Jinping, é raro ver citações de Karl Marx, mas as citações de Confúcio são permanentes”, destacou o antigo diplomata. José Manuel Duarte de Jesus lembrou mesmo o discurso de Xi proferido a 23 de Outubro de 2014, sobre a ideia de acelerar a construção do Estado de Direito socialista, em que o Presidente refere “as ideias de Confúcio sobre os homens e relativas ao que deve ser uma boa governação”. A 18 de Janeiro de 2017, na sede da Organização das Nações Unidas (ONU), Xi Jinping citou também a frase de Confúcio, presente nos seus “Analectos”, que remete para a seguinte ideia: “Trata e julga os outros como gostavas que te fizessem a ti, não faças aos outros o que não queres que te façam a ti”. Trata-se da referência a uma sociedade harmoniosa, “a construção de uma nova sociedade compartilhada no futuro”, exemplificou Duarte de Jesus. Um lado racional Apesar do lado actual do confucionismo, a verdade é que esta corrente de pensamento “sempre constituiu um dos pilares do pensamento e da cultura chinesa”, representando um lado “racionalista e pragmático” no que diz respeito às visões do que deve ser um Estado, um Governo, um cidadão e o relacionamento entre culturas e etnias. O antigo embaixador destacou que “Confúcio não faz parte de um mito, é uma figura histórica concreta”, tendo trabalhado na Administração chinesa e ensinado aos outros o seu pensamento, recorrendo também a discípulos, à semelhança de outras figuras históricas como Jesus ou Sócrates. Há vários princípios em torno do confucionismo, e um deles é a “ideia de que a sociedade mundial é uma família”, ou de que “o civil é mais importante do que o religioso”. “Diria que a principal virtude que Confúcio defendeu foi a humanidade, a ideia de humanismo”, destacou José Manuel Duarte de Jesus, que não esqueceu o conceito de Li, “que poderíamos definir como regulamento, protocolo”, e que “está na base da ideia de um Estado de Direito, constitucional”, onde se dá a primazia à constituição no funcionamento e organização de um país. Está depois muito presente, no confucionismo, a ideia de “reciprocidade”, tratando-se de “um elemento fundamental em todas as teorias modernas de relações internacionais”. Considerando que o pensamento de Confúcio tem um lado de “flexibilidade”, é a importância que é dada aos mais velhos, “ao mesmo tempo que se dá atenção ao moderno”. “Penso que Confúcio, exprime, de resto, a ideia de se conhecer o presente para se saber o que será o futuro, e entender o passado para se conhecer o presente”, disse ainda o antigo diplomata que recordou uma conversa que teve com uma senhora chinesa aquando da sua vivência em Pequim. Nesse diálogo, a senhora recordou a ideia confuciana de que “pelo menos quatro gerações de uma família devem sentar-se à mesma mesa, para que os mais novos aprendam com os mais velhos e os mais velhos aprendam com os mais novos”. Não é religião Ao contrário do que podem dar a entender as manifestações populares relativamente a Confúcio, com a construção de templos em toda a China, a verdade é que José Manuel Duarte de Jesus não considera o confucionismo como sendo uma religião, mas sim uma filosofia ou corrente de pensamento. Este destacou, na sua apresentação, o “racionalismo [de Confúcio] face à religiosidade do seu pensamento”. “Confúcio não se pode definir como ateu, mas como agnóstico, pois manteve uma postura mais agnóstica face às divindades. Há, evidentemente, formas populares [de representação], mas que não têm nada a ver com o confucionismo. A mesma coisa acontece com o taoísmo, que com frequência se considera uma religião. Não é. É uma filosofia com laivos de misticismo e metafísica.” O responsável defendeu, neste sentido, que o “confucionismo é, essencialmente, um pensamento racionalista e, na ligação com os antepassados, não se pode considerar que tenha matéria religiosa”. “Considero que Confúcio foi um pensador laicista e fundamentalmente agnóstico. Os seus discípulos foram, depois, quase ateístas”, frisou. Se o pensamento de Confúcio é hoje actual e está bastante presente no discurso político, a verdade é que nem sempre foi assim, tendo sido praticamente banido do país entre finais do século XIX e inícios do século XX, no chamado período da “Nova Cultura”, e mesmo no período do maoísmo e da Revolução Cultural, já nos anos 60 e 70. Contudo, “Confúcio ganhou um novo fôlego na época actual, e particularmente com Xi Jinping.” Confúcio “não esteve ligado a nenhuma religião” e foi “fundamentalmente um político, cuja principal ambição foi a convivência pacífica entre homens e Estados, sendo esse o objectivo do confucionismo”. Outro dos pontos do pensamento confucionista é a ideia de que o homem deve subir na vida e na carreira através do mérito e do estudo e não por pertencer a boas famílias ou por conhecimentos próximos. “Confúcio sempre foi um militante contra a nobreza de sangue, sendo a favor da nobreza [de carácter] com ligação à instrução”, tendo distinguido entre o “homem de pouco” e o “homem nobre”. “No decurso da história da cultura da sociedade chinesa, assistimos à importância do estudo nas categorias obtidas nas academias confucionistas e da determinação das categorias sociais na Administração imperial. Sabemos que era mediante os graus obtidos nas academias que os chineses obtinham maiores ou menores graus no mandarinato. Pode, assim, afirmar-se, que o confucionismo sempre apontou para uma sociedade epistémica, em que as categorias sociais não se definem pela riqueza ou nobreza de sangue, mas pela instrução”, concluiu.
João Santos Filipe Grande Plano MancheteComité Olímpico | Corpos Sociais prestaram juramento diante de secretária Segundo a Carta Olímpica e os estatutos do Comité Olímpico, os comités estão obrigados à neutralidade política. Porém, os novos corpos sociais prestaram juramento diante de Elsie Ao Ieong U, secretária para os Assuntos Sociais e Cultura. O presidente da direcção, o deputado Chan Chak Mo, recusa leituras políticas da situação Apesar de os estatutos do Comité Olímpico e Desportivo de Macau, China (CODM) definirem que a entidade deve “salvaguardar a sua absoluta autonomia, alheando-se de todas as influências de natureza política, religiosa ou económica”, os membros dos novos dos corpos sociais da instituição prestaram juramento diante a secretária para os Assuntos Sociais e Cultura, Elsie Ao Ieong U. A cerimónia decorreu na noite de quarta-feira, e as fotografias divulgadas pelo comité mostram os vários membros da direcção, entre os quais os deputados Chan Chak Mo, Ma Chi Seng, o presidente do Instituto do Desporto, Pun Weng Kun, ou o empresário Kevin Ho, de braço no ar a ler o juramento. Contudo, os estatutos do comité definem no artigo 4.º que o CODM “não tem fins lucrativos, devendo assegurar os recursos indispensáveis a um funcionamento independente e estável e ser absolutamente alheio a quaisquer iniciativas ou influências de natureza política, religiosa ou económica”. A ideia de independência política é igualmente reforçada pelo 7.º artigo, que define como objectivos do comité olímpico “salvaguardar a sua absoluta autonomia, alheando-se de todas as influências de natureza política, religiosa ou económica”. Também a Carta Olímpica, que o CODM tem de seguir, sob pena de não cumprir com as exigências do Comité Olímpico Internacional, define como quinto princípio fundamental a neutralidade política: “Reconhecendo que o desporto se inscreve no quadro da sociedade, as organizações desportivas do Movimento Olímpico aplicam a neutralidade política”, consta do documento. Sem interferência Confrontado com a situação, Chan Chak Mo, presidente da nova direcção, considerou que o facto dos novos corpos sociais terem jurado diante da secretária não deve resultar em nenhuma leitura política. “Não há qualquer tipo de interferência política [no comité]. A secretária foi uma convidada de honra da cerimónia, porque tem a responsabilidade de supervisionar todas as actividades desportivas em Macau. Foi um gesto de boa-vontade, e uma medida de cortesia”, afirmou Chan Chak Mo. “Ela foi convidada para subir ao palco, porque todos os comités desportivos e actividades estão sob a supervisão da sua secretaria”, foi acrescentado. O presidente da direcção e deputado argumentou igualmente que o conteúdo do juramento não menciona qualquer subordinação do comité ou dos corpos sociais à secretária. “O conteúdo do juramento diz que o nosso compromisso é com o desenvolvimento do desporto em Macau, e não menciona o compromisso face a ninguém”, explicou. O deputado garantiu ainda não haver qualquer influência do poder político nas decisões do organismo: “Não há nenhuma interferência política nas decisões, funcionamento e actividades do Comité Olímpico. A secretária foi a nossa convidada de honra porque é responsável pelo desenvolvimento de todo o desporto, através do Instituto do Desporto, e nós representamos o Comité Olímpico. Também recebemos financiamento deles”, destacou. Segundo o HM apurou, o juramento dos corpos sociais do CODM diante da secretária para os Assuntos Sociais e Cultura ou face ao presidente do Instituto do Desporto não é uma tradição nova. Contudo, desta vez seria impossível prestar juramento diante do presidente do Instituto do Desporto, Pun Weng Kun, porque também faz parte da direcção do comité, como vice-presidente. Em declarações ao HM, o gabinete da secretária para os Assuntos Sociais e Cultura recusou que o acto de testemunhar o juramento resulte interferência na autonomia do comité: “O facto de os dirigentes participarem no evento e testemunharem o juramento dos corpos, a convite do Comité, é um acto que revela o apoio ao trabalho do Comité, o que não afecta a sua autonomia”, foi respondido. O procedimento é muito diferente do que acontece em outros países, como, por exemplo, em Portugal. Em 2022, num vídeo que está disponível online, quando se realizou a cerimónia de tomada de posse dos novos órgãos sociais do Comité Olímpico de Portugal, não houve nenhum membro do Governo convidado para o palco nem para “receber” a prestação de juramento. A cerimónia de tomada de posse decorre com a simples assinatura de um livro. Pontos que se tocam Os novos corpos sociais do Comité Olímpico e Desportivo de Macau, China têm como presidente da direcção Chan Chak Mo, que é igualmente deputado da Assembleia Legislativa e membro do Conselho Executivo. Este é um órgão político que aconselha o Chefe do Executivo na tomada de decisões e na apresentação de propostas de lei à Assembleia Legislativa. A forte componente política é atestada pela exigência de todos os membros terem de ter nacionalidade chinesa. O vice-presidente é Pun Weng Kun, que é igualmente presidente do Instituto do Desporto, desde 2016, um cargo de nomeação política, embora o ID tenha autonomia administrativa. Nos novos corpos sociais consta igualmente O Lam, membro da delegação de Macau da Conferência Consultiva Política do Povo Chinês (CCPPC) e vice-presidente do Instituto para os Assuntos Municipais. O Lam é vice-presidente da Mesa da Assembleia Geral do Comité, pelo que não surge nas fotografias do juramento. Pai e filho Segundo a constituição dos novos corpos sociais do CODM, a direcção tem como membros, além de Chan Chak Mo e Pun Weng Kun, o empresário e sobrinho do ex-Chefe do Executivo, Kevin Ho. Ma Chi Seng, deputado e filho do presidente da Assembleia Geral do próprio comité, é outro dos membros da direcção, assim como Hoi Lok Man, Lai Pak Leng, Chan Weng Kit de Noronha e Sharon Ao Ieong. A nível da assembleia-geral do comité, o presidente é Ma Iao Hang, pai do deputado Ma Chi Seng. Os dois fazem parte da família do falecido e influente empresário Ma Man Kei. A assembleia-geral é ainda constituída por O Lam, António Fernandes e Lam Man Iam. O conselho fiscal é liderado por Chang Chi Nam contando igualmente com Lam Un Mui e Chang Veng Chong como membros. História | Comité fundado em Dezembro de 1987 Actualmente, com a denominação Comité Olímpico e Desportivo de Macau, China (CODM), a instituição foi fundada a 22 de Dezembro de 1987, à altura intitulado como Comité Olímpico de Macau, e com as associações desportivas locais como membros. O grande reconhecimento internacional do comité aconteceu dois anos depois, durante a Assembleia Geral do Conselho Olímpico da Ásia, em Dezembro de 1989, em Bali, o Comité Olímpico de Macau foi aceite como membro do Conselho Olímpico da Ásia. Também no ano de 1989, Macau estreou-se a ganhar medalhas nos palcos internacionais, quando o atleta Li Man Yam conquistou o bronze, nos Campeonatos Asiáticos de Wushu. Em 1994, o Comité Olímpico e Desportivo de Macau, China recebe a denominação actual, com a criação de novos estatutos. O passado como Comité Olímpico de Macau não é negado e surge no portal online do organismo. Após a transição, o comité teve envolvido na organização de um dos eventos mais marcantes a nível desportivo da RAEM, os Jogos da Ásia Oriental de 2005. Embora o sonho antigo de ver as cores de Macau a participar nos Jogos Olímpicos tenha sido abandonado pelos actuais dirigentes, o Comité Olímpico e Desportivo de Macau participa regularmente nos Jogos Asiáticos, como aconteceu no ano passado, no Interior, em Hangzhou. Actualmente, o CODM conta com 49 associações como membros, como a associação local de natação, ciclismo, futebol, ginástica, wushu ou de automobilismo.