2016 chegou ao fim

[dropcap style≠’circle’]M[/dropcap]ais um ano que passou. Acho que a maioria irá concordar que o ano não correu muito bem. Para o espírito português tendencialmente pessimista e trágico, tudo o que aconteceu neste querido 2016 deixou os nossos corações de sobressalto, a esperar sempre o pior. A expectativa é de que o ano de 2017 não venha a piorar estas ansiedades, mas que tranquilize… Nós queremos histórias felizes. Nós queremos conquistas justas e inclusivas.

O ano passado de 2015 acabei o ano com um artigo que revia as grandes vitórias legais de inclusão e de desenvolvimento do domínio sexual e de género. Houve alguns desenvolvimentos interessantes, não houve? Foram aprovadas leis (por todo o mundo), e popularizaram-se trends, que suscitaram saudáveis discussões sobre o tema do sexo e do género. Este ano não consigo estar tão satisfeita. A verdade é que, a meu ver, houve um retrocesso severo na forma como certas temáticas sexuais foram abordadas. Podem olhar de perto para o que está acontecer na Polónia sobre o aborto, ou para os Estados Unidos com a nova presidência e a assuntos relacionados com homossexualidade, educação sexual e outros temas que são considerados polémicos. Talvez o 2017 nos traga mais coisinhas boas, mais abertura para falar daquilo que temos vergonha e pouco à vontade – mas que deve ser discutido. Mas claro que nem tudo foi assim tão mau:

– Fu Yuanhui foi a rainha dos Jogos Olímpicos porque falou sobre a m-e-n-s-t-r-u-a-ç-ã-o, o período, o Benfica, o sangue entre as pernas, aquela altura do mês. Não falou assim tanto quanto isso, mas referiu-o de boca cheia! Sem vergonhas;

– Sun Wenlin e o seu parceiro Hu Mingliang tentaram pedir recurso a uma tentativa de legalizar o casamento homossexual, foi recusado, mas foi considerado um dos maiores momentos pelo movimento LGBTQ+ na China;

– Houve a oportunidade de fazer sexo com o planeta, colectivamente, numa instalação artística em Novembro em Sydney, uma oportunidade de divulgar formas de amor pelo planeta e a eco-sexualidade.

– Na Turquia, depois de muita manifestação e indignação nas ruas, foi possível parar uma proposta lei que iria absolver violadores se estes casassem com as suas vítimas. Uma vitória para a voz popular feminina.

– Houve uma maior preocupação (e.g. graças a um jornal britânico e à sua rubrica vaginal dispatches) com as questões vulvares e vaginais. Tentou-se perceber como se parece, como cheira, como reage. O mistério feminino desvenda-se no entendimento anatómico e fisiológico das partes femininas que precisa de uma atenção contínua e que irá continuar para o ano 2017.

Nem tudo foi mau, mas muita coisa foi má, e para não alimentar o pessimismo não irei listar essas coisas tristes. Queremos pensar no futuro, no optimismo e na esperança que servem de combustível para todos movimentos de luta e justiça em todos os campos da nossa vida, incluindo no sexual.

Depois de um Natal cheio de comida, e já que andamos a rebolar de doces e coisas boas, desejo a todos uma passagem de ano cheia de amor e, quiçá, cheia de sexo se assim vos aprazer, para queimarem essas calorias extra. O ano 2017 que vos traga marotices de todos os tipos, inspiradas pela imaginação, sabedoria e educação do que é uma sexualidade livre, consentida e bem informada. Porque já chega 2016! Não podemos mais contigo. 2017: chega bem rápido.

28 Dez 2016

Sexus Festivus

[dropcap]P[/dropcap]ara os que estão cansados do tradicional Natal e que gostavam de ter uma alternativa, aqui está uma proposta: o Festivus do Sexo. A inspiração vem directamente da celebração inventada pela família de um dos escritores da série Seinfeld, que acabou por incluí-la num episódio e torná-la muito popular. No enredo conta-se a história de como o pai do George inventou uma nova celebração para Dezembro, de forma a substituir o Natal. O dia não é o mesmo, mas o de 23 de Dezembro, e para quem nunca acompanhou a série e não sabe o que raio é o Festivus, uma explicação detalhada é requerida.

O Natal, apesar da original condição re- ligiosa, tem sobrevivido com uma crescente dependência consumista. As crianças que- rem ver um Pai Natal generoso e as pessoas querer agradar a tudo e a todos com prendas, prendas e mais prendas. O Festivus resultou de muita frustração natalícia, o que levou a uma família a criar seu próprio feriado com tradições muito peculiares associadas. Não há árvore de Natal, mas sim um poste de alumínio completamente nu, desprovido de qualquer decoração. Antes de começar o jantar, que não tem um menu específico, cada pessoa tem direito a verbalizar as suas queixas e frustrações em relação aos presentes nesta celebração. Se um filho não dá atenção suficiente aos pais, os pais que lhe digam na cara! Se a sogra é um pesadelo, a nora que se queixe! No fundo esta é uma tentativa de socializar e tornar tradição a má disposição que também é tão típica natalícia, apesar da expectativa ser sempre a contrária. Ainda há mais uma tradição, as proezas de forças, onde o anfitrião desfia um convidado para uma luta de corpo a corpo, até que um seja declarado o vencedor.

Para os casais solitários a passar um Natal a dois (que acontece a muitos quando estão fora dos seus países de origem) e não há fa- mília alargada por perto, a proposta é de um Sexus Festivus. Esta será uma festa crítica ao consumismo natalício mas altamente sexual. O poste de alumínio tradicional, podia-se converter num strip pole. Este seria o símbolo do Sexus Festivus e o incentivo para o pessoal tirar a roupa, de forma sensual, acompanhada da sua música favorita. Homens e mulheres por igual. O objectivo é despirem-se por completo.

Claro que o tradicional ‘momento de queixas’ não se encaixa no espírito deste meu evento criado. A minha proposta seria mais sensual e simpática. Em vez de queixas, devem elogiar o seu parceiro por todas os momentos sexuais proporcionados no último ano, detalhadamente. Para mostrar que se preocupam e que estão de facto agradecidos por terem um parceiro tão sexualmente gratificante (não há nada como reforçar o bom comportamento). As proezas de forças é que não se alteraria muito do formato original, não seria uma luta de corpo a corpo, mas sexo de corpo a corpo, do mais desenfreado e inspirado. Ganha quem mais conseguir proporcionar orgasmos, se quiserem manter o factor competitivo na equação.

O jantar para o Sexus Festivus caria à descrição das mentes sexualmente inspiradas. Poderiam querer alimentos de especiarias afrodisíacas, ou mesmo formas fálicas e vulvares criadas pelas frutas e legumes de eleição. A imaginação poderia ainda sugerir fazerem um daqueles jantares de ‘sushi body’ onde o corpo nu seria utilizado como a plataforma onde a comida é apresentada, neste caso, sushi. Mas poderia ser de outra coisa qualquer! Esta seria a altura ideal para todos os aficionados por sito lia (sexo+comida), ou simplesmente curiosos, misturarem o sexo com os prazeres do estômago num jantar muito especial. O jantar Sexus Festivus!

Acho que todos concordamos que o Natal até pode ser divertido, mas não há nada como criar a nossa festa cheia de tradição sexual. Um exclusivo para os que podem, porque muitos que até querem terão que se contentar com o bacalhau, as couves, as rabanadas, as prendas pouco inspiradas e as intrigas familiares. Desejo-vos a todos um feliz e tranquilo Natal, e os que se atreverem, um muito orgásmico Sexus Festivus.

20 Dez 2016

A Psicanálise

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] sexo teorizado complexifica-se na sua diversidade ideológica, e reduz-se a uma possível doutrina. Estas ideias e experiências do sexo bebem um pouco daquilo que sabemos e daquilo que experimentamos, que depois se misturam em discursos ricos e especializados sobre o tema (isto para dizer que no que toca a sexo, especialmente, a ideologia não é o único preditor para a forma de como ela é sentida e imaginada).

A psicanálise trouxe uma perspectiva do sexo a domínio público, e só por isso (independentemente do seu conteúdo) foi recebido com algum choque/fascínio – ou recusado de todo. A este discurso estavam associadas não só perspectivas do sexo mas perspectivas psicoterapêuticas que em muito contribuíram para a forma como percebemos a doença mental hoje em dia, e o sexo tornou-se conceito chave da psique humana. Com a grande praga histérica do séc. XIX, médicos tentavam perceber o que é se passava com a mulheres, que entravam em grandes estados de ansiedade, irritabilidade e tendências ‘promíscuas’. Até então julgavam que elas padecessem de um mal físico – o seu útero estaria fora de controlo. Não é por acaso que histeria vem do termo grego hiteros, que quer dizer útero. Desde a antiguidade clássica que se entendia a explosão emocional feminina como uma desconexão do útero e das suas necessidades, ou seja, o útero era uma entidade própria e potencialmente problemática, e por isso, o foco do problema. Um tratamento possível (mas extremo) era uma histeroctomia.

Mas Freud veio mudar o paradigma ao reforçar a condição psíquica/mental do conflito sexual, sendo esta a principal razão para a manifestação histérica. A cabeça é que devia ser tratada, não o órgão reprodutor per se. Com o desenvolvimento de terapias do foro ‘psico’, assim fundou a psicanálise, que incluía uma teoria do desenvolvimento humano que girava em torno da sexualidade. E assim um neurologista se tornou psicanalista.

Já se passaram mais de 100 anos desde que estas ideias psicanalíticas vieram a público, e o imaginário sexual que fora descrito continua entre nós, presente e activo. Na gíria popular ouvem-se conceitos de especificidade psicanalítica: fala-se de recalcamentos, líbido, mecanismos de defesa, ego, inconsciente, complexo de Édipo. Mas sempre me perguntei sobre qual seria a ‘lição’ retirada desta teorização para forma como o sexo (e o género) é entendido hoje em dia. As teorias feministas têm a dizer uma ou outra coisa, já que a linguagem psicanalítica sobre as mulheres veio atrasar tentativas de emancipação ao longo da história. Problemas: (1) define um estado de inveja do pénis como parte do desenvolvimento psicossexual feminino (2) entende que a satisfação sexual é alcançada através da penetração vaginal, única e simplesmente (3) define a condição feminina através da maternidade (4) considera que tudo fora do comportamento ‘normal’ feminino da época, é automaticamente problematizado. Entre outros.

Claro que tudo isto acontece como uma pescadinha de rabo na boca. As ideias psicanalíticas vieram reforçar ideologias heteronormativas, e as ideias (expectativas) heteronormativas da sociedade em geral reforçaram teorias e perspectivas académicas.

Não sou especialista em psicanálise para poder espremer outras considerações acerca das consequências reais da psicanálise. Surpreende-me, contudo, que seja uma perspectiva psicológica muito popular na cultura pop, encontramo-la nos filmes, nas artes plásticas, na música ou na literatura. Dá que pensar o que a psicanálise poderá ainda dizer sobre nós, como sociedade, e da nossa forma de pensar o sexo. Talvez somente mergulhando nos meandros simbólicos e inconscientes do sexo contemporâneo poderemos ver uma inveja do pénis ainda – ou o medo da castração masculina. Talvez ainda possamos assistir ao desejo do filho de matar o pai por ciúmes da mãe, ou dos ciúmes da filha, chamado complexo de Electra. Pode ser que nos recantos do nosso inconsciente ainda faça sentido que o sexo vaginal de penetração seja o único tipo de sexo que nos satisfaz e que nos dá sanidade. Talvez nada disto faça sentido e a sexualidade permanece como sempre foi, um mistério.

13 Dez 2016

Sexo

[dropcap style≠’circle’]T[/dropcap]er sexo não qualifica ninguém a uma licenciatura, muito menos um mestrado em sexo. A aprendizagem é perpétua.  Como anda o pessoal a aprender, re-aprender e a explorar o sexo? Pornografia, sabemos nós bem, não é grande demonstradora da realidade sexual. Nem os filmes mais populares são grandes exemplos de como relacionamentos se desenvolvem. Permitam-me uns devaneios sobre a questão sexual mundial, e de quem gostaria de viver num mundo melhor. Poderei alertar-vos, contudo, que meu pessimismo é lixado para estar com ansiedades adolescentes de mudança. A ansiedade optimista não anda a marcar pontos ultimamente, está bastante fraquinha.

Li algures que quanto mais sexo tiveres, mais próximo de Deus te poderás sentir. Se é verdade ou não, não me interessa, mas achei uma perspectiva interessante. Eu acho que o sexo pode ter algo de divino, sim. Porque é pessoal e colectivo ao mesmo tempo, há cuidado, amor e protecção connosco próprios e com os outros, e o poder de estar num momento preso, sem grande percepção de tempo ou espaço. Poder estar ali. E se não houver esta ligação de imediato, há uma procura, uma aprendizagem colectiva daquilo que nos faz bem e nos deixa confortáveis. De muito verdade que essa é a nossa dificuldade contemporânea, aprender a gostar de nós próprios e dos outros de uma forma tranquila (se quisermos extrapolar para todas as áreas da nossa vida). No man is an island! Já dizia o outro. E de facto, por mais que tentemos ser eremitas, há uma natural tendência em querer ter relações humanas de todo o tipo. Não é por acaso que o maior mal contemporâneo é a solidão.

Sexo, que é essa experiência tão repleta de mindfulness, focada no acto sensorial, nem sempre é percebida como esta terapia ‘divina’ entre o self e o outro. Daí que me pergunto continuamente, não deveriam haver mais workshops, tertúlias, conversas, programas de televisão, que pudessem tratar de sexo como ele deve ser tratado, como o sexo é? Quem diria que o sexo, o prazer, a procriação ou o nascimento fossem tópicos tão polémicos que não permitissem uma conversa franca e segura sobre aquilo que nos preocupa. E assim cair em práticas atrozes que magoam, afectam a saúde mental e perpetuam desigualdades sociais. O desespero é imenso quando vemos o crescimento de  práticas conservadoras de protecção que só escondem a informação que deveria estar ao acesso de todos, independentemente da idade, orientação sexual, religião ou etnia.

O dia 1 de Dezembro foi o dia Mundial da Luta contra a Sida. Esta vírus de taxa de transmissão muito ligada à prática sexual (apesar de haver outras formas de contagio) põe o sexo no centro das atenções, apesar de não ser um problema estritamente sexual. É um problema social, de classes, de desigualdades o acesso a cuidados médicos. Isto é só um exemplo de como às vezes falar sobre sexo é na verdade falar em muitas outras coisas que lhe estão intimamente ligadas. Não é novidade para ninguém que o mundo é de uma complexidade incompreensiva. O véu de vergonha que o sexo leva por aí, garanto-vos eu, só atrapalha quando queremos dar os nomes certos às coisas certas. Por isso é complicado explicar uma sexualidade segura sem risco de infecções, quando se tenta evitar falar sobre sexo por completo.

Tantas coisas que deveriam ser mudadas que não dependem de mais ninguém do que de nós próprios. Relacionamentos abusivos, discriminação de género, mutilação genital, agressão sexual, não são problemas que estão longe de nosso alcance. No que toca a sexo, não há grandes diferenças entre o mundo dito ‘desenvolvido’ e ‘por desenvolver’. Não se iludam: as mulheres não têm direitos ‘suficientes’, nós não somos abertos o ‘suficiente’, não se fala sobre sexo o ‘suficiente’. No que toca ao sexo e aos nossos corpos há tanto ainda para aprender. Nem as televisões, a pornografia, as séries sensacionalistas conseguem fazer jus ao sexo. Se não o entendem, procurem-no. O sexo é a forma mais íntima de ser, e não há nada de errado com isso.

6 Dez 2016

Genitália

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap]s monólogos da vagina tornaram-se numa peça de extrema importância nos anos 90 porque a divulgação da condição vaginal (feminina) era necessária. Necessária na altura, e necessária ainda hoje. Cada vez mais as vulvas e as vaginas são expostas teórica e praticamente para melhor entender o lado lunar, ou o lado feminino.  Dos genitais do sexo feminino podemos falar sem parar há uma série de crónicas que falam daquilo que todos nós já deveríamos saber, mas tínhamos demasiado medo de perguntar. Homens, mulheres e todo o espectro por igual.

Como é toda uma zona por vezes escondida por um arbusto negro, mas até mesmo quando totalmente descoberta, o mistério reina a sua caracterização. Qual é o aspecto normal de uma vulva? Qual é o seu cheiro? Porque saem umas coisas esquisitas da vagina? Se formos explorar as profundidades inconscientes que a vagina suscita, facilmente deparamo-nos com uma imagem suja. Daí que haja uma perspectiva hiper-higienizante do órgão sexual feminino. Por isso temos que limpá-lo continuamente com a gama de produtos detergentes existentes. Os duches vaginais que nos tentam ser incutidos são mais problemáticos do que saudáveis. Aliás, os anúncios a pensos higiénicos mostram que são desenhados para manter esta limpeza incolor e livre de cheiros.  Isso só mostra um grande desconhecimento em relação ao que se passa ali em baixo. A vagina tem um sofisticado sistema de auto-limpeza e sabe cuidar-se de si própria, mas tem as suas particularidades. Se não soubermos que são normais, nunca seremos capazes de aceitá-las.

O mesmo se passa com o aspecto físico da vulva. É tão desconhecida ao ponto de todos saberem desenhar um pénis e ninguém saber desenhar uma vulva. Nunca se viu uma vulva escrevinhada na porta de uma casa de banho pública, por exemplo. Sendo desconhecida, ninguém sabem muito bem o que é normal e acreditam que certas especificidades vulvares podem ser atípicas. E assim as labioplastias crescem em popularidade como nunca. As mulheres agora recorrem a cirurgia plástica para aperfeiçoar as suas vulvas ao reduzir o tamanho dos lábios menores e maiores ainda que ninguém saiba o que é que a normalidade aparenta. Mas se soubéssemos que as diferenças anatómicas são desproblemáticas, talvez esta necessidade exacerbada de controlo corpóreo fosse menos acentuada. Como se fosse extremamente simples de lidar com a questão coisa que nunca é! Se há mulheres a reduzir o tamanho dos seus lábios genitais, há outras a aumentá-lo. Manualmente! Puxam-se os lábios vulvares porque acreditam que é visualmente estimulante e que aumenta o prazer sexual. Uma prática em países da África subsariana.

Como não é muito fácil olhar para os genitais femininos de uma perspectiva pessoal sem ajuda de um espelho, o auto-conhecimento é dificultado no processo, em combinação com todo o nosso bem conhecido tabu do sexo. Vivemos numa sociedade tão dependente de imagens e da sua estética que não será de admirar que a vulva também seja alvo de alguma expectativa de beleza, mesmo que seja totalmente desconhecida. Não que o pénis não seja alvo de alguma expectativa também, especialmente de tamanho. Mas é que no caso das mulheres, tratam-se de expectativas de uma zona do corpo que já temos dificuldades de aceitar de qualquer forma. Acrescentar-lhe uma exigência que tende a retirar muito das suas características (como a labioplastia), reflecte o quão problemática é a relação entre a vulva e o mundo. Sejamos honestos, os órgãos genitais não são espectacularmente bonitos mas podem sê-lo se houver algum cuidado e dedicação em aceitá-los, exactamente como são.

É claro que não quero ignorar condições patológicas que atrapalham o nosso bem-estar e a nossa vida sexual. Há cenários onde o tamanho dos lábios menores da vulva pode ser causa de desconforto e se for esse o caso, um aconselhamento médico é recomendado. Mas acho que a nossa obsessão estética deve ter limites, se já vivemos como escravos de expectativas de beleza inatingíveis é muito ingrato que uma vulva sofra de tal pressão. Há muitos projectos que tentam divulgar a diversidade vulvar para percebermos que a normalidade não é um conceito estanque. Muito menos quando vemos tendências para lábios mais reduzidos e outras tendências para lábios aumentados. Interessam-nos vulvas felizes, despreocupadas e positivas. Fica aqui a dica:  labialibrary.org.au

29 Nov 2016

Sexualidade Ecológica

[dropcap style≠’circle’]S[/dropcap]e não andamos a pensar no perigo iminente das alterações climáticas, devíamos. Ainda há pessoal descrente que acha que as alterações climáticas são uma invenção chinesa. Os ‘indiferentes’ não fazem nada em relação a isso e andam a desrespeitar todas as recomendações mundiais. E finalmente temos os ambientalistas, mais ou menos radicais, com ideias que obrigam as pessoas a pensarem o planeta e a protegê-lo. Os ecossexuais, a sexualidade ecológica, o eco-sex faz parte deste último grupo.

Existem perto de 100.000 pessoas neste mundo que se auto-proclamam de ecossexuais. Alguns fazem desta categoria a real-definidora da sua identidade sexual e, sendo assim, preferem ter os seus orgasmos em interacção com os elementos do nosso querido planeta Terra. Um dos objectivos é mudar a metáfora da Mãe Terra para a Amante Terra. A explicação é de que se tratarmos a Terra como amante, faremos de tudo para não a trair, ofender ou magoar. A metáfora da Mãe Terra não é tão eficaz – como filhos achamo-nos no direito de fazer tudo o que nos apetecer, na esperança de que seremos sempre perdoados. Pois a Terra já não tem como nos perdoar, já não há grandes sistemas de regeneração que nos possam auxiliar. Por isso, se tratarmos a Terra como uma parceira romântica, espera-se que o cuidado seja maior. Nós como grandes poluentes e destruidores que somos, merecíamos ser ‘deixados’. Se a Terra tivesse juízo e se estivesse a ser acompanhada por uma terapeuta casal, já se tinha livrado de nós. Os humanos são nocivos. Os ecossexuais tentam quebrar este ciclo. Eles amam o planeta e os seus constituintes e tentam reparar o ódio que já lhe foi lançado – e um futuro cenário apocalíptico de inundações, secas e desastres ecológicos poderá ser evitado.

As grandes impulsionadoras deste movimento são Annie Sprinkle e Elizabeth Stephens que o têm divulgado com os mais variados tipos de eventos – e até escreveram um manifesto. Eco-sexualidade é identidade, comunidade, crença, estilo de vida, prática e activismo. Envolve muito amor, sem dúvida. Há abraços a árvores, massagens à Terra com os pés e conversas eróticas com as plantas. Há carícias a pedras, masturbação em cascatas e admiração das suas ‘curvas’. Estas duas artistas/activistas ainda organizam casamentos com a Terra, e nós podemos escolher com que elemento desejamos casar. Com o mar, com o ar ou com as estrelas, o importante é que seja para sempre ou, como elas dizem, ‘até que a eterna morte nos torne ainda mais próximos’.

Para os que ainda acham a ideia de fazer amor com a Terra um pouco esquisita, não esquecer que a questão ecológica deve ser incluída nas nossas preocupações sexuais e amorosas de qualquer forma. Tem que haver consciência do nosso possível impacto ambiental, até na cama. Por mais cuidadosos e ecologicamente preocupados que sejamos não nos podemos esquecer dos contraceptivos e dos nossos brinquedos sexuais que contribuem para a dependência de combustíveis fósseis. Há um livro todo dedicado a estas questões ‘Eco-sex’ onde são discutidas questões de como ser verdadeiramente verde na cama e na vida amorosa. Já pensaram como um preservativo é poluente? Como não se degrada com facilidade? Talvez da próxima vez não o atirem pela sanita abaixo para não poluir outros ecossistemas. Querem oferecer uma prendinha? Façam decisões ecológicas e pensem duas vezes antes de comprar aquele ramo de flores que foi tratado com pesticidas cancerígenos em países onde se aproveitam de mão-de-obra barata.

Tudo bem, fazer amor com o planeta é uma ideia difícil de conceber (para os curiosos – houve um encontro de ecossexuais em Sidney há bem pouco tempo) mas não se esqueçam que o amor – Respeito! – pelo ambiente natural que nos rodeia é absolutamente necessário. Vivemos tempos onde a biodiversidade está em risco e onde os nossos filhos irão assistir em primeira mão ao dizimar da magia natural que nos criou e nos protegeu. Os ecossexuais acreditam que todo este amor pode ser usado para salvar-nos das catástrofes que nos esperam. E tu? O que já fizeste hoje para amar um pouco mais a tua Terra?

22 Nov 2016

Conversando

[dropcap style≠’circle’]N[/dropcap]ão vivemos no mundo dos contos de fadas, dos finais felizes ou dos desejos realizados. Das duas uma, ou engolimos sapos ou conversamos sobre as coisas até chegarmos a um acordo sobre o que queremos. Com o amor e o sexo passa-se a mesma coisa, nem sempre vemos acontecer aquilo que queremos que aconteça. Entretanto, muitos corações partem-se e muitos relacionamentos deixam de existir mas outros se calhar precisam de ser melhorados. O aconselhamento matrimonial/de casal/sexual está constantemente a exigir mais e melhor comunicação entre as pessoas. Mas o que é que isso quer dizer? O que é que quer dizer comunicar melhor?

Depois de um dia de trabalho intenso e cansativo, chegamos a casa perto do nosso mais que tudo e não pensamos conscientemente sobre esta questão comunicativa. A comunicação simplesmente acontece, quer queiramos ou não. Em momentos de tensão esta comunicação parece refugiar-se no véu da introspecção e da individualidade. Enganamo-nos se pensamos que nada passa cá para fora. E não há nada de errado com isso, ter maus dias e ter dias de stress é normal. Estes obstáculos emocionais são normais. Eles podem ser a causa (ou consequência) daquilo que sentimos como pessoas, enquanto casal ou enquanto pessoa em sociedade.

Tal como as dores de crescimento, estes momentos de tensão são necessários ao desenvolvimento de um relacionamento mais forte, mais seguro, mais profundo connosco próprios e com os outros. Num relacionamento temos que lidar com o dupla problematização entre o indivíduo e o colectivo que é uma daquelas coisas chatas e difíceis de conseguir. A solução simples a ser sugerida é a boa comunicação, a complicada, é praticá-la.

Uma boa comunicação não é debitar tudo aquilo que pensamos sem qualquer filtro. Boa comunicação sugere uma abertura e honestidade que está em sintonia com o que o outro pode receber, digerir e assimilar. Não me interpretem mal, não estamos totalmente à mercê do outro, mas o outro tem que ser considerado. Se a comunicação não é dialógica, trata-se de um monólogo.

Vamos por um exemplo, imaginem uma terrível incompatibilidade sexual. Vocês engatam, dão beijinhos vão para a cama e a coisa corre verdadeiramente mal. Mas talvez se pudessem falar sobre isso a coisa poderia melhorar, se a linguagem corporal não conseguir veicular a mensagem, talvez umas palavras conseguirão. O que dizem? Olha, isto não correu muito bem, o que podemos fazer para melhorar? Soa tão diplomático, não soa? Mas poucos o fazem porque é muito pouco romântico. Resolver problemas não é romântico ou sexy, é chato porque é muito real. Quem é que aguentaria encontrar o amor da sua vida e perceber que ele afinal não sabe proporcionar um bom cunnilingus? Ele pode aprender! Mas se não derem a entender que a tarefa não está a ser bem desenvolvida, ele nunca saberá que há espaço para melhorar. A falar é que a gente se entende pode soar a cliché mas é talvez das condições mais necessárias para uma vida amorosa e sexual feliz. Ninguém lê a tua mente, ninguém sabe como lê-la, por isso é melhor explicar o que se passa na tua cabeça.

Eu percebo que falar sobre dificuldades não seja muito divertido, mas pode ser. Sugiro que tentem incluí-la saudavelmente na vossa vida sexual. Se tiverem sessões temáticas do tipo, a noite BDSM, brincadeiras marotas na banheira,  o dia do coito ao ar livre, porque não, o sexo das dúvidas. Um dia programado para mexer no corpo um e do outro e reagir em tempo real, falando abertamente sobre o que gostam e não gostam. Se sentem as bochechas a corarem só de pensar em tamanha honestidade, podem planear uma sessão de dúvidas às escuras, o que interessa é que experimentem com o à vontade que o sexo tão precisa. Sem ofender ninguém! É preciso ter tacto. Dizer o teu sexo oral é terrível faz com que o ouvinte se sinta envergonhado e pode fazê-lo fechar-se ainda mais à discussão. Não esquecer de dizer as coisas com jeito e pensar na sinergia, afinal, o sexo é a dois (ou a mais) e não é de responsabilidade isolada de um ser. Não é o outro que simplesmente não tem técnica de língua, o que recebe é que também não gosta muito da forma como é feita. Isto para reforçar que o melhoramento sexual não é universal não há uma técnica universal na cama. O que funciona para uns, não funciona para outros. Daí a importância da dinâmica criada entre o casal. Os dois é que juntamente criam o seu universo sexual, as suas fantasias e desejos. O sexo é partilha, quando bem comunicada.

15 Nov 2016

América

[dropcap style≠’circle’]N[/dropcap]ão posso deixar de constatar o óbvio. O juízo final está para muitíssimo breve, as presidenciais americanas estão finalmente aí. Não fossem os EUA das maiores potências mundiais e as presidenciais não nos interessariam um chavo, mas interessam… e muito. O resultado interessará além fronteiras porque as consequências irão além fronteiras, ainda que um deles queira fazer um muro. Nos últimos meses temos assistido à desgraça de campanhas políticas que têm surpreendido (negativamente) o mundo inteiro. No fundo, os americanos terão que escolher um de dois males. As agendas democratas e republicanas estão definitivamente lá, levada a esteróides por duas personagens com comportamentos e ideias muito distintas.

Surpreendentemente ou não, o sexo veio muitas vezes à baila e foi ferozmente discutido, seja ele levado por políticas públicas ou pela misoginia de certos candidatos. Talvez em qualquer outra eleição presidencial o sexo não estivesse tão presente, mas desta vez foi diferente. Falamos de dois candidatos: um homem e uma mulher. Claro que ter uma presidenta eleita para representar a grande potência económica é um passo gigante  para a forma como as mulheres são representadas e o movimento feminista, mas acho que todos nós concordamos que isso não pode ser a única razão. Não se vota com a vagina. Ponto. Mas muito menos se aceitam comentários machistas onde uma candidata é reduzida ao cliché feminino de fragilidade, ou pelas palavras do opositor falta de stamina.

O outro candidato é de uma imbecilidade já familiar já estamos cansados de o ouvir. Mas não sou capaz de deixar de relembrar a pura misoginia que o indivíduo tem tão levianamente espalhado, sem grandes consequências à sua popularidade. Como é que as contínuas denúncias de assédio sexual, como é que palavras, comentários e actos de desrespeito contra mulheres (e a que o mundo foi testemunha) não fazem fraquejar a sua posição? O mistério pode ser desvendado se nos depararmos com uma América pequena que pratica exactamente o que este sujeito de cabelo amarelo pratica: ignorância. Eis um exemplo: Os bebés são arrancados do útero das mães dias antes do parto. Esta é a fala quasi-verbatim proferida no último debate em reposta ao facto da mulher da parada ter votado a favor de mais e melhores apoios para quem decidisse pelo aborto. O tópico é bem polémico, é certo, mas não significa que a discussão possa ser feita à toa sem qualquer conhecimento sobre o procedimento. No fundo pretende-se chocar os que são contra a prática com pormenores gráficos de fetos mortos antes de tempo, sem de facto saberem que isso é mentira. Mas o que importa? Há que castigar as mulheres que o façam anyway.

Ainda deste mesmo candidato, ainda há pouco tempo saiu um vídeo de 2005 onde ele explica como gosta de tratar as mulheres eu beijo-as, agarro-lhes a c***, eu posso fazer tudo que quiser. Para além de que as mulheres são gordas, porcas e animais nojentos. Não interessa o que as mulheres escrevem, desde que tenham um pedaço de rabo apetitoso. As mulheres devem ser tratadas como galdérias. A fulana é feiosa ou beltrana é gorda. E este é o dia-a-dia do candidato republicano. Não será de estranhar que ele era (já não é) o dono da maioria dos concursos de beleza, não fossem estes concursos o enaltecer da objectificação do sexo feminino. As alterações propostas por ele foram basicamente diminuir o tamanho dos fatos de banho e aumentar o tamanho dos saltos altos para serem usados pelas candidatas, e humilhar grandemente quem ele não achasse bonita e que não tivesse as proporções correctas.

Por isso, sim, há motivos para ficarmos preocupados. Por um lado temos uma mulher a carregar Wall Street ao colinho e  por outro temos um homem que merecia experienciar a ira das senhoras que passam por tamanha misoginia e machismo. Porque parece-me deveras preocupante que ele nem tenha vergonha ou filtro social para perceber que esta forma de tratamento é atípica no séc.XXI, e absolutamente ofensiva para as mulheres (e todas as outras pessoas que ele tem ofendido nos últimos meses).

Mas seja o que o povo americano quiser. Resultados, tarda quase nada.

8 Nov 2016

O sexo dos pandas

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap]s pandas são muito preguiçosos para se envolverem numa actividade sexual. Eles só dormem, comem e julgam qualquer outra actividade para além das suas possibilidades. Julgam-nos assexuados, detentores de uma libido baixíssima. O recorde de envolvimento sexual vai nos 7 minutos e 45 segundos, quando a média é normalmente de 1 minuto. Quando é que eles vão conseguir finalmente procriar? Ninguém sabe. Já é difícil o suficiente saber quando é que uma panda fêmea está a ovular, que normalmente dura uns 3 dias por ano. Uma janela de possibilidade estreitíssima para podermos garantir a continuação da espécie.

Como o habitat natural do panda está em risco, os preocupados na matéria viram-se obrigados a levar pandas para serem tratados em cativeiro. A partir do momento que os pandas se viram no ambiente artificial de zoológico, a sua libido caiu ainda mais, sendo por isso muito difícil fazer com que os pandas procriem nestas condições. A criatividade e o desespero dos cientistas e dos seus tratadores fizeram com que aparecessem soluções verdadeiramente originais, uma delas é a pornografia pornografia de pandas. Com o auxílio de uma televisãozita, obrigam os pandas a verem outros pandas na sua performance sexual. Como devem calcular a eficácia deste tratamento é duvidosa, mas há quem julgue o contrário. Os pandas, como fofos e amorosos que são, têm todo o planeta a torcer pelo seu sexo, custe o que custar. Nós queremos mais pandas  bebés! Mas prova-se uma tarefa difícil.

Os estudos recentes começam a perceber que, porque estes animais estão em cativeiro, há certos processos naturais de corte e namoro que se tornam impossíveis. No habitat natural eles têm a possibilidade de deixar dicas de desejo, através de uns gritos aqui e ali, e de deixar cheiros a sinalizar a chegada do cio. Acima de tudo, os pandas têm mesmo que gostar do parceiro para se envolverem com ele. Sim, sim, há quem o chame de amor ou simplesmente desejo, mas eles precisam de uma ligação. Quando nós achávamos que os pandas não podiam ser mais adoráveis, eles tornam-se ainda mais adoráveis! Não fossem eles o símbolo da maior instituição de protecção animal e ambiental.

O que provavelmente não sabiam é que a China pratica frequentemente a diplomacia do panda os pandas estão directamente envolvidos na criação de laços internacionais por todo o mundo. Basicamente, desde os anos 50 que os pandas eram usados como oferenda comum a zoológicos de muitos países, contribuindo para o bom relacionamento político. Agora o serviço já não é tão gratuito. Os pandas são emprestados por períodos de 10 anos pela módica quantia de 1.000.000 USD por ano. Para além de que todos os bebés que nascem destas aventuras para além fronteiras são indiscutivelmente propriedade chinesa. Mas como já devem ter percebido, ter bebés não é coisa que aconteça muito regularmente. E se acontecer, irá aparecer no telejornal das 8.

O sexo dos pandas é como o sexo dos anjos, um mistério ainda por resolver. Na sua tentativa de ser verde, esta luta pela procriação do panda gigante continua a contribuir às tão generosas oferendas que vêm a fortalecer ligações diplomáticas – mas ainda não sabemos que desenvolvimento terá. A China tem a fama de não ter uma posição clara em relação às estratégias externas utilizadas. Com discursos e acções que contribuem para uma visão múltipla de posições, ficamos na expectativa do que é que vem para aí muitos mais pandas, provavelmente. Pandas que nos presenteiam com a sua fofura e simpatia, capazes de derreter corações por onde passam, mas que têm muita dificuldade em ter sexo.

O que vale é que os pandas são criaturas divertidíssimas. Com uma sexualidade desastrosamente trapalhona, ainda podem deleitar-se com os vídeos que foram apresentados como incentivo ao sexo dos animais algures online. Não é por acaso que este é um animal com fãs por todo o planeta. Nem é por acaso que os pandas são os embaixadores de uma China repleta de fofura.

1 Nov 2016

-ismos

[dropcap style≠’circle’]H[/dropcap]á uma tendência para definir o outro, de um contexto cultural distante, como sofredor do mal machista ou misógeno, com consequências potencialmente dramáticas como o feminicídio (essa palavra tão em voga estes últimos dias). Julga-se que a misoginia é mais comum na Ásia, no Médio Oriente (se quisermos generalizar ao medo muçulmano vigente) ou na América Latina. As secções ocidentais ditas civilizadas não sofrerão de forma alguma com preconceito e o ataque contra mulheres. E sim, estou  a ser sarcástica.

As mulheres têm o poder de fazer tudo o que quiserem; Já há igualdade de sexos; e etc. são comentários comuns. Em países ditos desenvolvidos e em contextos urbanos, parece que é normal julgarmos que mais nada há a fazer pela igualdade de género. Mas enquanto nos ocupamos a apontar o dedo a burkas, niqabs e hijabs, esquecemo-nos de olhar para o nosso umbigo civilizado. Temos como exemplo a brilhante performance do candidato à presidência dos EUA (como é que deixaria passar as presidenciais americanas sem um único comentário?) que nas últimas semanas tem sido acusado de assédio sexual por várias mulheres. Sem nunca esquecer os seus comentários nada tímidos ao facto da sua oponente ser uma mulher ofensas a rodos para todas aquelas que são detentoras de uma vagina.

Há um filme polaco absolutamente brilhante sobre um cenário futurista onde só existem mulheres (e dois homens aparecem para criar o caos no mundo exclusivamente feminino). Muita gente acha que ser feminista é isso mesmo, tornar esse mundo utópico real, e estar numa posição radical de extermínio masculino ou da masculinidade. O pessoal fica preocupado porque se julga pôr em causa uma estrutura que tem sobrevivido milhares de anos desde a antiguidade clássica.  Contudo, estudos recentes revelam que em sociedades mais antigas que as greco-romanas, a igualdade de géneros era algo… natural. Leram bem, a desigualdade parece que não está de todo associada a condições biológicas distintas. A desigualdade aparece com a ajuda de processos de uma complexidade bastante maior: processos bio-psico-sociais.

Chego a pensar se o preconceito não estará somente na mulher em si, mas em tudo o que se julga representar a mulher. Se a violência doméstica é um problema sério para as mulheres deste planeta, pode sê-lo para os homens também, mas torna-se muito mais difícil de ser denunciado. Conhecem-se casos de homens que vão à polícia fazer queixa e que em vez de receberem ajuda, são gozados por não serem homens. O problema, por isso, não é julgarem os homens superiores a tudo, mas por julgarmos a ideia de homem forte, inteligente, racional, prático o valor máximo da condição humana. E não permitir, assim, as formas que se julgam exclusivamente femininas (mas que tanto homens como mulheres poderão expressá-las) dignas de respeito ou encará-las como funcionais para lidar com os vários problemas das nossas vidas. Basta pensar em mulheres em lugares de chefia, somos remetidos automaticamente a uma mulher de características masculinas, porque assim a julgamos capaz de levar com o seu trabalho a bom caminho. Normalmente não há espaço para lamechices ou vulnerabilidades, ou do que normalmente se encara como feminilidade.

Esta dicotomia de valores, que mais fazem lembrar o ying e o yang daoista, não deixará de existir se persistirmos nesta luta feminista. Tenta-se, sim, lutar contra uma associação de posicionamentos intrinsecamente positivos ou negativos de uma e outra. Há uma grande diferença entre assumir a diferença e hierarquizar a diferença (e atrevo-me a sugerir uma reflexão sobre a diferença em todas as áreas das nossas vidas, não só as de género). O problema é que este é um exercício mais difícil na acção do que no pensamento mas o meu optimismo acredita que devagarinho somos capazes de chegar a um lugar melhor.

Pelo fim do feminicídio, pelo fim da violência. Nem uma menos. Ni una menos.

25 Out 2016

À procura de refúgio

[dropcap style≠’circle’]C[/dropcap]ada um de nós, em alguma altura das nossas vidas, precisou de refúgio. O pedido de asilo – o pedido de ajuda – seja por razões socio-políticas, geográficas ou simplesmente emocionais, é um acto de coragem por si só, porque ninguém gosta muito de se mostrar vulnerável. O refúgio dá-nos casa, conforto e segurança, onde podemos ser aquilo que queremos ser – aquilo que verdadeiramente somos.

Nestas coisas do sexo, o refúgio é um lugar importante para as múltiplas identidades sexuais. Vivemos em sociedades de conservadorismo sexual com alguns laivos de progresso e onde identidades e práticas ‘diferentes’ são vistas de lado. Se procurarem em humansexmap.com vão ver como cada um de nós tem grupos de pertença de acordo com aquilo que gosta (por mais estranha a actividade vos pareça), criando então um mundo de fantasias onde há espaço para todas e todos, com todas as suas manias.

Se no sexo há espaço para tudo, no mundo também deveria haver espaço para todos. A questão dos refugiados que está neste momento tão em voga pode não ter que ver directamente com sexo, mas certamente que tem implicações. Fala-se sobre questões de direitos humanos, de protecção, de cuidado dos que mais necessitam, misturando variáveis como religião, género ou idade. Se a crise dos refugiados que a Europa agora enfrenta (sobre a qual se comporta vergonhosamente) parece um assunto distante e incompreensível, tentem pensar nas vossas vidas, nas vossas necessidades diárias de amor, carinho, sexo ou simplesmente, condições de higiene básicas. Fazem falta a todos. Pior será perceber que esta crise tem alimentado esquemas de tráfico humano que exploram as mulheres e crianças que vieram à procura de um lugar sem guerra – um refúgio. Os testemunhos de quem passou por campos de refugiados contam histórias de mulheres a serem violadas, de partos mal acompanhados ou de cesarianas onde o período de pós-operatório é no chão, ali mesmo, onde têm que dormir todos os dias acompanhadas de terra e às vezes lama.

A procura por um refúgio é um direito universal, ainda que teoricamente. Temos uma história onde (em retrospectiva) aprendemos que temos que salvar os justos e castigar os monstros e o refúgio é um lugar de direito, onde algo como a solidariedade pode ser praticada (esse raro acto de altruísmo!). Mas se for verdade o que um grande amigo e professor sugeriu, o sexo é um reflexo de quem verdadeiramente somos. Assim podemos perceber se somos altruístas, possessivos, brincalhões, sérios ou simplesmente aborrecidos em pleno acto, revelando a nossa ‘essência’. Para além do coito ter o potencial de ser um puro acto de amor e o amor estar inerente à condição humana. A ausência do amor, contudo, em assuntos como este, de alta preocupação internacional, continua a deixar-me perplexa (muito porque eu sou o fruto de manias hippies nascidas há 60 anos atrás). Falta amor no dia-a-dia.

Decidi, por isso, que esta verborreia semanal teria que vir a exigir um refúgio, pelos refugiados de anos e anos que precisam de espaços de segurança e que insistem em não aparecer. Precisava deste exercício de vocalização pela insatisfação ao mundo, pela ignorância do sexo, pela ignorância do que é experiência do outro e pelo contínuo desentendimento do que é solidariedade ou amor. Um refúgio, caramba, será assim tão difícil de o criar? Refúgios que não sejam tendas encafuadas sem condições, mas um porto seguro de gentes hospitaleiras.

Mas nem sempre é claro saber o que podemos nós fazer. Eu vivo no verdadeiro tormento de não perceber como. Contudo, se formos relembrados que as fronteiras são ténues e que quem as reforça somos nós, até pelo comum mortal que vai para o trabalho todos os dias e que se sente despojado de qualquer capacidade de controlo. Sim, somos nós que criamos as fronteiras do sexo, que criamos pré-conceitos sobre o outro e que os confirmamos, cegamente, com as notícias, com o que se fala no café, com o que se fala entre amigos. Temos direito a um refúgio e o dever de o criá-lo.

18 Out 2016

Digitais II

[dropcap style=’circle’]R[/dropcap]elembrando o conteúdo da semana passada, a revolução digital trouxe facilitadores à vida romântica e sexual de muita (mas muita) gente, com vantagens e desvantagens à mistura. Vantagens: conhecer pessoas que de outras formas seriam impossíveis de conhecer – e viver grandes histórias de amor. Desvantagens: uma objectificação quasi-comercial de pessoas e relacionamentos com um simples ‘swipe’ para esquerda ou para a direita.
Apesar de tudo, acho que é fácil adoptar uma de duas posições acerca desta nova tendência. Ou se é um optimista ou um pessimista sobre como estas aplicações e sites andam a influenciar a vida das pessoas. Mas opiniões e futurismos à parte, o ideal será sempre manter uma relação saudável com o real e com o virtual e com o universo de pessoas que os constituem. Com um aumento da exposição pessoal no mundo digital, surgiram algumas dificuldades em lidar com certos abusos. A partir do momento que as pessoas se protegem através de um ecrã, devem julgar-se protegidas pelo anonimato, e por isso julgam-se no direito de desrespeitar e ofender outros utilizadores. As estatísticas apontam para um maior abuso por parte dos homens do que mulheres, o que sugere alguma vulnerabilidade das utilizadoras do sexo feminino neste contexto. Talvez não seja de grande surpresa descobrir que um dos criadores do Tinder foi acusado por assédio sexual por uma das co-fundadoras (a única mulher a fazer parte da equipa de criação da aplicação). Não querendo isto dizer que as aplicações são machistas ou o que quer que seja, mas que se nem os fundadores da app mais utilizada para efeitos romântico-sexuais sabem respeitar mulheres, talvez não tenham havido considerações sobre certos abusos que pudessem decorrer online.
Diria que para usar este tipo de serviços são necessárias considerações sobre respeito, educação e práticas positivas. Por isso é preciso ensinar certas pessoas a não enviar fotos do seu pénis (por mais bonito que seja) caso não tenha sido expressamente consentido, por exemplo. Mas não são estas aplicações ou sites que são perigosos ou desrespeitosos – nem a temática do sexo em geral – é preciso culpabilizar pessoas (e certos sistemas) que não entendem o que é abusivo e que se protegem ao não darem a cara.
As contínuas queixas, maioritariamente por mulheres (apesar de homens sofrerem por este tipo de assédio), fez com que mulheres empreendedoras tentassem criar conceitos similares às populares aplicações, com funções onde as mulheres estão mais ‘em controlo’ e podem simpaticamente evitar situações desagradáveis. Parafraseando o que li algures, se já é difícil encontrar o homem ideal, acrescenta-se a dificuldade de encontrar a aplicação/site ideal. Isto pode ser decisivo para um processo de procura mais eficaz e simples, e felizmente que temos agora opções com uma atenção feminina.
A tipa que saiu da direcção do Tinder – porque todo um escândalo se gerou à volta das acusações de assédio – decidiu criar uma outra aplicação que tenta proteger as mulheres de certas interacções infelizes (Bubble). Houve quem tentasse que a selecção de possíveis pretendentes fosse feita de uma forma menos superficial, tornando públicas as imagens dos participantes quando estes assim desejam (Willow). Outras aplicações só escolhem pretendentes se tiverem amigos em comum (Hinge) em outras a escolha depende somente da mulher, da sua ‘dating pool’ (Wylfire) ou onde a procura fica totalmente a cargo da mulher, podendo escolher o que quer mostrar e que tipo de encontros pretende (Siren). Muitas destas aplicações são de mulheres para mulheres, por isso um pouco mais sensíveis à necessidade feminina.
Se acho que devem haver muitas queixas masculinas também? Diria que sim, mas já que o mundo tecnológico está dominado por homens, pelas suas ideias e pelo seu sentido empreendedor, diria que as mulheres só trazem uma diversidade saudável, para a forma como podemos escolher uma aventura romântica (ou um parceiro a longo termo) e ao mundo do negócio hi-tech. Precisamos de um Sillicon Valley mais feminina? Muito provavelmente.

11 Out 2016

A Revolução Digital

[dropcap style≠’circle’]S[/dropcap]e já ponderei sobre o futuro do sexo em artigos anteriores, talvez fosse útil falar do sexo no presente, o presente altamente digital, electrónico e cheio de gadgets. Não me refiro a revoluções no sexo per se, apesar da pornografia online e de fácil acesso ter um papel importante na sexualização de muitos por ai, mas tem contribuído para a forma como as pessoas se conhecem e se relacionam.
Comecei a constatar (e julgo que muitos concordarão) que é difícil conhecer pessoas novas quando se é adulto. Antes andávamos na escola e na universidade, com pessoas diferentes a entrar e a sair e tínhamos a possibilidade de criar uma maior rede de conhecidos. Mas quando chegamos a uma idade onde as redes sociais estão mais estagnadas, pior ainda, quando decidimos migrar e começar novas amizades do zero, os maiores de idade encontram grupinhos de amizades já feitos e uma maior dificuldade em socializar com pessoas diferentes. Normalmente, procuram-se pessoas através de hobbies e outras actividades para encontrar possíveis amigos ou parceiros românticos com gostos similares aos nossos. E agora temos disponíveis outras estratégias.
As saídas à noite sempre foram um seguro veículo para encontrar uns beijinhos, uma ida para a cama com companhia, talvez para encontrar o amor e talvez para encontrar um relacionamento. O álcool, as luzes que piscam incessantemente e a música alta tem sido os facilitadores para uma ‘noite de sorte’. Agora existem aplicações para facilitar esta nossa ‘sorte’ possibilitando um tiro mais certeiro para uma noite de divertimento. As novas apps romântico-sexuais aproximam estranhos improváveis através de gostos pessoais, critérios de personalidade ou, simplesmente, o aspecto físico. As possibilidades são muitas dependendo do objectivo, seja uma noite de loucura até um relacionamento sério. Temos o Tinder, Grindr, Bumble, Happn, Siren, Hinge… Tudo para todos os gostos – e para todas as orientações sexuais.
As histórias dos utilizadores destas plataformas são mais que muitas. Para além das aplicações mais recentes que são utilizadas maioritariamente por um público mais jovem, os solteiros mais velhos já tinham começado a usar sites para encontrar o amor das suas vidas. Não há, ou pelo menos não deveria haver, estigma por usar estes facilitadores amorosos. Eles têm contribuído para histórias com finais felizes – que têm continuado com casamentos felizes.
Contudo, o potencial viciante destas aplicações fez-me pensar sobre como as pessoas passam a ser encaradas e como se começam a relacionar. Em relação a uma aplicação como o Tinder (as outras também são muito similares), aquele movimento do dedo para a esquerda e para a direita na ânsia de encontrar um ‘match’ única e exclusivamente através do aspecto físico de um tipo ou de uma tipa, por mais divertido que seja (porque o é), traz que consequências? A superficialidade do conceito faz-me lembrar uma ida ao supermercado com toda a mercadoria exposta e pronta a ser escolhida. A aplicação em si não é tão dramática, mas sinto que traz a sensação de que relações humanas são descartáveis – que depende de uma fotografia e do quão giro és – e se não resultar, há muito, mas muito mais, por onde escolher.
Usar o Tinder e outras aplicações que tais não é mau nem desaconselhado – pode ser mesmo muito divertido – mas deve ser ajustado às expectativas de cada um e usado com sensatez. O mundo digital romântico rege-se por normas que ainda não foram totalmente exploradas e onde homens e mulheres trazem esperança, desejos e pré-concepções que não se ajustam com a de muitos outros. Se há pessoas no Tinder à procura de amor verdadeiro, há outros que procuram uma one night stand. E tem que haver, acima de tudo, respeito pelo outro.
Mas como uma discussão sobre aplicações (e sites) de procura romântico-sexual é um assunto que traz pano para mangas, e porque ainda nem sequer tive tempo de me debruçar sobre women firendly apps – para a semana há mais.

5 Out 2016

Divórcio

[dropcap style=’circle’]N[/dropcap]ão podia deixar passar o divórcio mais badalado dos últimos tempos sem um mísero comentário. Não me importo muito com a Angelina ou com o Brad, mas gostava de opinar sobre o divórcio – o divórcio das estrelas (já que toda a gente o faz). Há a ideia subjacente de que os ricos (famosos) e os pobres têm potenciais de longevidade relacional diferente. Os ricos atraentes vivem o amor de contos de fadas, enquanto que todos os outros feiosos vivem o romances menos românticos que terminarão em divórcio.
Eu sou pró-divórcio porque sou anti-casamentos. Não acredito na santidade do matrimónio, não percebo na utilidade da união e nunca me apanharão vestida de branco a caminhar para um altar com flores. Julgo-me uma desesperada romântica atípica porque só consigo apreciar um casamento se for uma simples convidada e nunca o ‘alvo’ do casório. Mas se há o direito de atar o nó, há o direito de o desfazer (hurrah!). O casamento acaba ao meterem os papéis num advogado, um outro rito de passagem para a mudança nas nossas vidas. Digamos que se trata de uma outra celebração mais dolorosa, a separação que doi a todas as partes e a famílias inteiras, mas que é verdadeiramente necessária pela saúde mental (e por vezes física).
Ora não querer citar a lógica da batata nem invocar o Capitão do Óbvio, parece-me um desejo inútil da minha parte. A Angelina e o Brad, como tantos outros casais giros, ricos e famosos, casaram-se e depois divorciaram-se. O que não percebo, realmente, é como é que o discurso é todo algo como ‘o casal maravilha não funcionou! A crença no amor morreu’. De facto, que desgraça. Pior ainda será pensar que o casal, que inspirou a história do filme Eat, Pray, Love, divorciou-se recentemente também. Já não há provas de amor eterno, se aqueles que nós conhecemos ‘bem’ através da televisão e do cinema terminam relacionamentos. O amor, afinal, não é para sempre? 27916p19t1
Não é, ou por outra, pode não ser. O amor é de uma complexidade tremenda e por isso não há receitas bem-definidas para a sua eternidade. Nem para os giros e famosos como a Angelina e o Brad (e lembram-se do Brad e da Jennifer?). O que há são terapeutas de casal que tentam desenvolver estratégias para perceber se o divórcio é a única solução possível para a resolução dos problemas sentidos.
O amor pode não ser para sempre mas ele existe – e é isso que temos que entender bem. O amor existe e às vezes resulta a curto, médio ou a longo prazo, depende de uma panóplia de factores. Os contos de fadas que pregam um ‘feliz para sempre’ naturalmente fácil de conseguir, são pura fantasia. A vida real tem coisas mágicas e tem coisas como o divórcio, que não é (que não deve ser) o fim do mundo. O divórcio é um dos muitos tratamentos necessários para a felicidade também. Mas eu percebo que é muitas vezes difícil de ver como tal. Eu, que nunca passei por um casamento nem por um divórcio, tenho muito pouca autoridade para falar sobre estas coisas. Só tive a oportunidade de vê-las em várias fases da minha vida, como espectadora.
A responsabilidade de proceder com um o processo de divórcio de uma forma humana e funcional é tremenda, especialmente quando há filhos envolvidos (e a Angelina e o Brad têm imensos!). Porque o divórcio traz muita negatividade em nós, muitas confusões e muitos medos. A preocupação será de não inundar as crianças com a sensação de desgraça disfuncional porque não é. O divórcio existe porque é funcional. Um mundo de possibilidades pode nascer à nossa frente. Novas pessoas, novos momentos e, até, novas famílias. Isto para dizer que se pensam que a família que não é composta pelo pai e pela mãe é uma família ‘disfuncional’, desenganem-se. Não há tríades obrigatórias – muito menos para famílias.
Talvez se nos deixássemos de viver na fantasia que as revistas cor de rosa incutem sobre o amor e o casamento, conseguiríamos perceber que o casamento não é um fim em si mesmo mas um processo de altos e baixos. Até para Angelina e para o Brad.
O divórcio é o fim e o renascer.

27 Set 2016

Pompoar

[dropcap style=’circle’]A[/dropcap]arte de pompoar data uns 3000 anos e tem sido desenvolvida dentro de vários nichos culturais asiáticos – Índia, Japão, Tailândia e China – para desenvolver formas de prazer sexuais. Quem já foi à Tailândia lembra-se bem de ter sido insistentemente incomodado por senhores de tuk-tuk a soprar as palavras ‘ping-pong’ para os vossos ouvidos. Os interessados certamente que foram ver vaginas a atirar bolsas de ping-pong a distâncias incríveis, estas são vaginas com uma vida muito peculiar – até se viam vaginas fumadoras. As suas detentoras têm um controlo incrível da sua pélvis porque praticam o pompoarismo, e por isso conseguem entreter o público com todo um número de actividades – vaginais.
Desenganam-se se acham que este é um tipo de actividade para os ‘escolhidos’ e que é um dom dos deuses do entretenimento sexual. A verdade é que com alguma prática, muito exercício e perseverança, qualquer detentor de uma vagina será capaz de praticar a arte de pompoar. Para quê? Pensarão vocês ‘Eu não a quero exibir truques vaginais tabagistas – nem atirar bolas de ping-pong a ninguém’. Claro, o objectivo não será a exibição (contudo, não há julgamento absolutamente nenhum se quiserem desenvolver a prática dessa forma), o objectivo será o de ter controlo sobre os vossos músculos pélvicos, desenvolve-los e fortificá-los, para um sistema reprodutor feminino mais saudável e feliz.
Esta prática foi inicialmente desenvolvida para intensificar o prazer sexual. Quando se tem um controlo tão aprofundado do vosso interior feminino, poderão excitar um pénis sem ter que mexer as vossas ancas de uma forma agitada – o vosso interior e o vosso controlo sobre ele tratará disso – para além de que sentirão com mais detalhe tudo o que se passa dentro de vocês. O exotismo asiático contribuiu para que esta arte milenar se tornasse numa forma de entretenimento – mas houve quem entendesse o potencial médico e de prevenção. O Dr. Kegel adaptou alguns exercícios para o fortalecimento dos músculos pélvicos na prevenção de incontinência urinária, prolapso do útero ou da bexiga, que são problemas comuns de quem já tem uma certa idade. O pompoar traz, por isso, todas estas vantagens para a saúde, com esquemas de exercícios regulares, mas sobretudo, traz auto-reconhecimento. O nosso sistema reprodutor que ovula, menstrua, orgasma, lubrifica, limpa, produz muco, cria vida e mantém-na protegida durante nove meses, merece algum reconhecimento e atenção. Pompoar também é uma forma eficaz de preparação pré-gravidez e parto, estimulando elasticidade e força.
Isto é quase como a revolução mindful da vagina, bem sei que corro o risco de soar new age, mas se cada vez mais se promovem exercícios para potenciar saúde e bem-estar através da meditação, na atenção no aqui e no agora, penso que as nossas partes íntimas começam a ser merecedoras de atenção focalizada que vai para além do coito. Não esquecendo, claro, que deveríamos perceber melhor a nossa própria fisionomia, como é que é composta e como é que funciona. Saber identificar as mucosas e o corrimento saudável e o não saudável, perceber quando ovulamos, perceber a nossa menstruação e saber atenuar a dor. Para quem já tem um controlo invejável das paredes pélvicas depois de muitos anos de pompoar fala de vantagens invejáveis em práticas sexuais – a solo ou com um parceiro – de uma flora vaginal restabelecida, de mais saúde e de um maior conforto no geral.
Os programas de práticas de pompoar são diversos e só precisam de perder uns minutos do vosso dia a treinar a vossa vagina com exercícios passivos ou activos, por vezes, com a ajuda de acessórios. Surpreendentemente, a internet tem alguma informação sobre pompoar, mas não muita. Para isso tenho que recomendar a Carmo Gê Pereira, com quem tive o grande privilégio de muito recentemente fazer um workshop de pompoarismo. A Carmo é uma educadora sexual para adultos que sempre recebeu práticas, ideias, conceitos e identidades sexuais de braços abertos – e partilha com os demais. Passem no site e desfrutem: carmogepereira.com. Se estão à procura de um novo hobby, porque não pompoar?

20 Set 2016

O consumo responsável na cama

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] mania, que não é bem mania, mas a saudável tendência de começar a explorar produtos mais naturais para o corpo e a mente, tem ganho alguma popularidade. As pessoas agora procuram produtos ecológicos, recicláveis, saudáveis, biológicos e ‘verdes’. Depois de uma era industrial onde tudo era feito da forma mais lucrativa, independentemente de custos pessoais e ambientais, vivemos numa altura onde já há alguma consciência e regulamentação. Já podemos comprar do bom e do melhor – e do menos tóxico. Apercebi-me recentemente, contudo, que ainda não há regulamentação na produção de brinquedos e acessórios sexuais (!) e que, a produção de dildos, vibradores ou até de lubrificantes está parada no tempo. Falo-vos de algo que é como a idade da pedra industrial, onde as coisas são feitas da forma mais barata, sem cuidado com a toxicidade e perigo de uso. Isto é problemático: os brinquedos sexuais que são tão encorajados para a exploração sexual saudável, podem ser nocivos para a saúde.
Os malfamados ftalatos (= phthalate) são dos perigos número um. Essa substanciazinha é normalmente adicionada a plásticos para contribuir à elasticidade, transparência, durabilidade e longevidade, muitas vezes utilizada em vibradores para tornar o plástico ‘mais confortável’ e mais atraente. Mas as evidências de que os ftalatos são tóxicos são mais que muitas, e facilmente se encontram nos brinquedos sexuais que vão parar aos nossos recantos mais sensíveis, e bastante propícios a doenças e traumas. Como não há regulamentação, não podemos confiar num vibrador que diga ‘isento de ftalatos’ porque 7 em 8 vibradores que foram testados pela Greenpeace, chumbaram no teste. Os efeitos são cumulativos (cancerígenos), mas há situações onde o mal-estar é instantâneo – ao ponto de ficarmos com as nossas partes de baixo a arder de desconforto.
Como ainda há alguma vergonha em admitir o uso de tais acessórios, uma ‘defesa do consumidor sexual’ também está por desenvolver. Porque, vejamos bem, quem é que se atreve a devolver um dildo por causa de ardor? São raras as pessoas que voltariam às sex shops com reclamações ou a verbalizar insatisfação do produto. E muito honestamente, acho que são poucos os que sabem que esta falta de regulamentação tem consequências tão absurdamente nefastas. Os ftalatos são só a ponta do iceberg das problemáticas de produção. Também há questões sobre a porosidade do plástico, quanto mais poroso, mais recantos as bactérias têm para se esconder e maior propagação de doenças – e por isso é sempre importante usar preservativos como protecção e fazer uma limpeza cuidada dos brinquedos. Também os lubrificantes vaginais e anais deverão ser cuidadosamente escolhidos. Se pensarmos que a vagina, especialmente, esse micro-clima super sensível com um pH ideal e uma flora vaginal estrategicamente desenvolvida para sua protecção, pode ser desequilibrada por uma panóplia de produtos e substâncias – muitos lubrificantes têm cheiro, por exemplo, o que quer dizer que têm açúcar e que é um banquete para muitos fungos vaginais. Há lubrificantes que ainda têm parabenos, substâncias que já foram proibidas em muitos países da Europa.
A lista de problemáticas é extensa e não irei falar sobre elas em detalhe, mas recomendo leituras para um entendimento mais extenso. Vale a pena. Este é mais um aviso para quem está a pensar encher a sua despensa sexual para fazê-lo bem informado. Porque apesar de haver muitos produtos não controlados, existem lojas e sites que já são sensíveis a estas questões e que são organizadas por comunidades informadas e que promovem o uso de brinquedos sexuais não tóxicos, procurando fábricas, marcas e comercializadores com a mesma preocupação.
Se querem uma sugestão de nicho de mercado aqui está: comecem uma linha de produtos sexuais ecológicos, recicláveis, saudáveis, biológicos e ‘verdes’. Os consumidores agradecem. #nontoxicsextoys

13 Set 2016

Na praia com o preconceito

[dropcap style≠’circle’]P[/dropcap]orque ainda estamos nos meses de Verão, e porque muitos ainda se despem e se banham em praias paradisíacas, não podemos deixar de falar do que aconteceu ainda no nosso querido mês de Agosto, desta vez, no sul de França. O que é que aconteceu na praia no sul de França? Medidas um tanto ou quanto xenófobas.
E o que isso tem que ver com sexo? Tem muita coisa – especialmente com o género e o corpo feminino. Ideologias ditas democráticas e liberais ditam que a mulher não tem que esconder o seu corpo. Deve ir à praia despir-se o mais possível – as mais aventureiras mostram a barriga ou as maminhas – mas o que importa (supostamente) são as normas progressivo-europeias que permitem as mulheres tomarem controlo das suas decisões corpóreas.
Contudo, parece que é extremamente difícil perceber o que é liberdade de expressão e de que forma as mulheres se podem sentir empoderadas com o seu corpo: a fórmula não é aplicável a toda e a qualquer pessoa. Não é universal a ideia de que uma mulher só é emancipada quando se sente no direito e no à vontade de se despir – nunca é assim tão simples.
Refiro-me à parvoíce que foi quando o burkini foi proibido nas praias do sul de França. Eu ainda dou a mão à palmatória porque o ataque em Nice não foi há muito tempo e as pessoas estão com medo. Mas essa é só a reacção inicial – mentes que pensam rapidamente chegam à conclusão que a generalização religioso-racial de profundo preconceito não traz vantagem nenhuma à sociedade. Aliás, ódio e atitudes estigmatizadoras é tudo de bom para o Daesh, porque de alguma forma precipita processos de radicalização – mas não entrarei por aí.
O que foi verdadeiramente chocante foi a forma como a polícia de choque, equipados de metralhadora e com caras de mau, andava a patrulhar as praias e a multar mulheres, por estarem vestidas demais. Porque já houve o tempo quando a polícia andava a multar e a ridicularizar as pessoas que estavam vestidas de menos: voltámos a um tempo antigo demais, onde a liberdade de expressão é estrangulada pelos conservadorismos de muitos.
Diz a criadora do burkini que as vendas têm atingido níveis nunca vistos, por isso, pelo menos, a proibição fez com que esta peça de moda de praia tenha aumentado em popularidade. Nas várias entrevistas realizadas acerca do que se passou em França, a criadora Libanesa-australiana tem insistido que a peça deveria ser um símbolo de diversão, bem-estar e fitness. Oferecendo a flexibilidade de vestuário que a mulher muçulmana tanto necessitava para se mexer como quer e fazer o que quer.
Mas o ocidente gosta de contrariar as formas (criativas) que as pessoas arranjam para serem elas próprias e definirem a sua identidade. Para quem acha que usar um hijab, um niqab ou uma burka e, agora, um burkini é obrigatoriamente um sinal de uma mulher extremista, desengane-se, e sugiro muita calma nesses pré – conceitos. Estas são mulheres que querem ir à praia, tranquilamente, e que querem usar algo que as faça sentir bem. Repito: são diversas as formas de empoderamento: podes estar nua ou tapada da cabeça aos pés, depende de cada um.
Não foi há muito tempo que as mulheres chinesas começaram a moda do facekini, uma visão bem mais assustadora (tipo, Jason do Sexta-feira 13 a ir à praia), com o simples propósito de proteger a pele facial do tão indesejável sol. Totalmente legítimo, mas ainda bem que nenhuma desgraçada teve a feliz ideia de usá-lo nestas praias patrulhadas a favor de exposição solar! Acho que teria confundido o esquadrão de serviço.
O mais incrível é que este tipo de políticas discriminatórias não contribuem para absolutamente nada, só para irritar as pessoas e não permitir as mulheres muçulmanas de ir à praia. Vai parar a radicalização? Não. Vai parar com a repressão feminina? Não. Vai parar com a estupidez humana? Nunca.

6 Set 2016

Jogos Olímpicos

[dropcap style=’circle’]A[/dropcap]gosto é de praia e férias, mas Agosto de anos bissextos também é de Jogos Olímpicos de Verão. Este Rio 2016 proporcionou material para conversa na área feminista e sexual. Dois pontos importantes que foram debatidos foram o tom pouco igualitário dos comentadores e a menstruação de Fu Yuanhui.
Os comentadores e os jornalistas que trabalharam ao serviço dos jogos olímpicos, de vários países, revelaram-se, um tanto ou quanto, machistas. A surpresa persiste porque vivemos no ano de 2016, mas parece que as pessoas estão um pouco… desactualizadas. Desde a fazerem comentários sobre o corpo das atletas até atribuírem o seu sucesso aos seus maridos, ouviu-se de tudo. O escrutínio sensato pôs-se de mãos à obra, criticando severamente as bestialidades que se foram dizendo. E ainda bem.
Tema também de grande debate foi a menstruação da nadadora chinesa Fu Yuanhui. Após uma prova que correu pior, a atleta, muito naturalmente, falou sobre a menstruação e as dores que estava a sentir para um canal chinês. De imediato tornou-se numa sensação das redes sociais chinesas – e não chinesas. Não só pelas suas fantásticas expressões faciais, mas porque puseram as pessoas na China a pensar sobre como é que se nada com a menstruação (sem deixar a piscina toda vermelha) e na chatice que será estar menstruada quando se compete em provas de alta competição.
Como o tampão é ainda um objecto alienígena na China, isso justifica muitas das reacções de surpresa pela população chinesa. Se és estrangeira a viver na China continental bem sabes que não é um objecto de bem comum. Eu, por exemplo, via-me obrigada a levar a minha mala carregadinha deles. Era simplesmente impossível encontrar esses algodões em supermercados locais. O que nos poderia safar de momentos sangrentos, especialmente quando nos impõem actividade extrema (e.g. nadar)? Pouco ou nada, porque tampões são uma caça ao tesouro feminino alucinante. Há quem diga que é a medicina chinesa que desaconselha por ser demasiado intrusivo e há quem diga que é puro desconhecimento – desconhecimento esse que não gera procura e por isso não gera produção. Mas não se preocupem, porque o momento de ribalta do tampão está em pura ascensão: espera-se, muito em breve, produção nacional chinesa. Este tampão ‘awareness’ deve-se muito em parte a um simples comentário público de que a menstruação teria aparecido no dia anterior a Yuanhui. Se calhar ela até estava a usar um copo menstrual (copinho de silicone reutilizável que retém o fluxo menstrual e que deve ser esvaziado e limpo a cada 3-4 horas): a divulgar nas próximas olimpíadas.
No ocidente o choque nada teve que ver com o método de retenção de fluxo debaixo de água, mas o facto de se falar do período. Sim, o tabu do período volta a atacar. Não há ninguém a pensar muito sobre a menstruação, muito menos em mulheres atletas de alta competição. Falar sobre menstruação é inconveniente, desconfortável e nunca será visto como ‘simples’. Os estudos que entendem a relação entre menstruação e performance são incrivelmente escassos, num mundo onde muitas mulheres são treinadas na sua modalidade por homens. O tabu persiste, mas a Fu Yuanhui é agora descrita no wikipédia como a protagonista da menstruação no Rio 2016.
Os Jogos Olímpicos deveriam ser daqueles eventos que promovem cooperação e compreensão entre nacionalidades e diferenças (enquanto se está a competir para estabelecer quem é melhor – irónico). Mas, por alguma razão, os ideais de privilégio do homem branco conseguem desvendar-se nestas pequenas coisas: nas bocas, nas descrições e nas reacções. O que nos salva é o bom senso de tantos muitos, que refilam quando há comentários machistas e que dizem as coisas que têm que ser ditas.
A Yuanhui que se orgulhe da sua medalha, das suas palavras e o seu jeito de ser. O seu jeitinho está a atirá-la para a fama, divulgando a menstruação e o tampão. Quanto aos comentadores, esperemos que reformulem o seu discurso – e isso veremos em quatro anos.

30 Ago 2016

Agosto é Praia

[dropcap style=’circle’]O[/dropcap]nosso querido mês de Agosto começa com umas palavras de ânimo. A todos aqueles que se encontram no hemisfério norte a curtir o calor na praia, espera-se o mês do corpo de Verão. Um corpo que curte o Verão e está presente na mais fantástica das estações. Fizéssemos nós uma tarefa de associação livre ao conceito de ‘corpo de Verão’ e provavelmente uma definição tão simplista não apareceria, muito provavelmente teríamos resultados como: esbelto; sem celulite; sem gordura extra; tonificado ou jeitoso.
Mas sobre imagem corporal já estamos nós fartos de ouvir e ler. Estamos todos cansados de saber que é um problema real e a ter em atenção entre mulheres e homens de igual forma. A cada primavera começa-se a falar das mil e uma dietas milagrosas, e pelo Verão descobrem-se formas de exaltar os atributos ou esconder o que se considera fisicamente indesejável. Mas Agosto deixa aqui as sete dicas para o corpo de Verão (de praia) que sempre sonhámos.
1º Atrevam-se a escolher os calções de banho, biquini ou fato-de-banho que nunca pensaram usar, saiam da vossa zona de conforto e testem os vossos limites. Não deixem que as imagens distorcidas que a nossa mente maliciosa cria à frente do espelho se apodere das vossas decisões. A nossa mente às vezes prega partidas e tem que ser fortemente ignorada (pela nossa saúde mental). Experimentem o biquini mais bonito que alguma vez viram – e não se preocupem com mais nada.
2º Ignorem o fascismo anti-pêlo. Esta não é fácil de respeitar no mundo ocidental, quando a guerra à pelosidade é feroz e trata processos naturais corpóreos como aberrações da natureza. Experimentem a deixar um ou outro pêlo nos sovacos e exibem-nos com orgulho. Já que o vintage está na moda… não vejo forma mais fiel à tendência.
3º Comam quando tiverem fome e comam o que vos der prazer. Este que é o mês de férias de tanta gente… querem mesmo reduzir a experiência do palato por conta da superficialidade estética? Comam boooooooooolas de Berlim com ou sem creme na praia directamente, ou deliciem-se com outros petiscos. Comam croquetes e façam-se croquetes! A rebolar na areia. Comam na praia, fora da praia – deixem o vosso estômago contente.
4º Imaginem que a praia é um palco, uma passarela para desfilarem com orgulho. Mostrem as curvas, os corpos de tantos tamanhos diversos, abanem as gorduras gelatinosas com corridas, saltos e mergulhos. Exponham a textura de corpos porque só torna a vida colorida! E muito pouco aborrecida.
5º Protejam-se do sol com um bom protector solar porque há que cuidar da nossa bela pele e dos nossos belos sinais. Podem expor toda a pele que quiserem (em locais adequados – nunca sugeria um topless no Dubai, por exemplo) com o maior decoro e respeito pelos outros. Dispam-se de preconceito e vergonha do corpo e deixem que o sol vos beije interminavelmente, em áreas nunca expostas.
6º Usem e abusem do vosso tacto e sintam a areia e o mar pelo maior órgão do corpo: a pele. Foi-nos ensinado que o mar só traz coisas boas (saudáveis) e por isso, aproveitem para estender os exercícios tácteis ao namoriscar na água, para uma experiência kinky e fiel ao mote marítimo. Inspirem-se de romantismo que o Agosto vos oferece para a maior história de amor das vossas vidas! Romances de Verão são pura inspiração.
7º Façam o vosso tão fantástico corpo um manifesto contra a cultura da aparência, das regras estéticas pré-definidas por grupos e gentes que nos são alheios. Já que o corpo é tão alvo de conversa e crítica, porque não usá-lo como manifestação político-social?
Aproveitem as férias, a praia e o calor. Tragam felicidade ao vosso corpo de Verão.

2 Ago 2016

Piropos

[dropcap style=’circle’]A[/dropcap]arte do piropo é extensa, normativa em certos contextos culturais e bastante praticada nas ruas de muitas cidades. Os nossos passeios citadinos são muitas vezes acompanhados de umas bocas aqui e ali. De quem? De quem não conhecemos.
O piropo acompanha-se de uma apropriação de um extenso espaço físico e mental que interfere com o das outras pessoas. Sempre me perguntei sobre a utilidade do piropo aleatório e das tentativas de atenção masculina. Há quem acredite que é uma forma genuína de elogiar o outro ou que faz parte do jogo de sedução… Mas se alguém conseguiu um encontro romântico a quem gritou ‘Ó estrela, queres cometa?’, por favor que me diga, porque terá activado processos psicossociais que, para mim, seriam impossíveis de concretizar.
Quando foi formalizada a criminalização do ‘piropo’ (até três anos de prisão), em Portugal, em Dezembro do ano passado as opiniões dividiram-se. Falou-se de um muito citado ‘histerismo feminista’ e de uma falta de prioridades da agenda socio-política do país. Vale a pena frisar que a discussão sobre o piropo foi provavelmente uma grande vantagem de toda a polémica que causou. O que é que é criminalizado, afinal? O que é um piropo ofensivo? A preocupação está nos tão desagradáveis piropos de teor explicitamente sexual como ‘comia-te toda’, que de pouco ou nada têm de inocentes. Palavras, leva-as o vento, mas não tanto. Em Portugal, especialmente, a partir do momento que se começa a mostrar um corpo de mulher, adolescente, enquanto ganha forma, somos introduzidas ao grande mundo dos comentários desagradáveis por gerações e gerações de homens. Porque ‘piropar’ não é actividade de poucos, mas de muitos. Diria até, é um reconhecido hobby para tantos que se sentam num jardim para observar a ocasional pessoa e mandar boquinhas totalmente desnecessárias – e ofensivas.
A ofensa tenta ser diminuída atribuindo alguma responsabilidade a quem recebe o piropo. Há a expectativa de uma reacção, quando a maior parte das vezes tenta-se mostrar indiferença e tenta-se fugir daquela situação. Isso não quer dizer que uma pessoa não se sente invadida e ofendida. Mas agora que há reconhecimento legal, talvez comecem a surgir mais reacções e mais denúncias. Porque se há uma cultura onde comentários sexualmente intrusivos fazem parte do dia-a-dia, até que ponto a verbalização se torna acto? Esta não é de todo uma lei desnecessária, mas também não resolve todos os problemas de desigualdade de género que primam a legitimidade pela violência verbal e física contra as mulheres. O piropo pode ser uma forma de assédio, e é isso que se tenta criminalizar.
É claro que uma tentativa de mexer com o status quo e de desafiar certas ideias pré-concebidas (i.e. mandar um piropo é OK e é elogioso) reacende conflitos ideológicos (porque ser feminista, aparentemente, é de um radicalismo extremo). Mas o que me faz impressão é que narrativas onde são expostas histórias de alto desconforto são totalmente descartadas sem qualquer conhecimento de causa. Ora uma boa experiência social: vestir homens de mulheres, pô-los de mini-saias a andar por aí sujeitos a assédio, só porque sim. Afinal, que raio ainda é preciso para criar empatia e perceber que isto é um problema? Isto são coisas que prendem e estrangulam a forma como nos sentimos em relação a nós próprios e ao que podemos fazer. Não somos coitadinhas porque ouvimos coisas desagradáveis, nem heroínas se oferecemos pancada de volta. Isto nem sequer deveria ser um problema. Simples.
Há lugares piores que outros, isso vos garanto. Usar uma saia acima do joelho no Brasil foi das experiências mais piropo-assustadoras que alguma vez já tive – que jurei nunca mais repetir. Senti-me objectificada, desconfortável e com medo. Se nos direccionam comentários hiper-sexualizados como perceber que não passam só disso?

26 Jul 2016

Políti-sexo

[dropcap style=’circle’]T[/dropcap]udo é política, ou tudo pode ser política. Se vivemos o nosso dia-a-dia mergulhados numa estrutura socio-política, não somos ‘neutros’, nem tão pouco ‘despolitizados’. O sexo não é excepção.

A agenda politico-sexual varia de país para país e de ideologia para ideologia. Há uma expectativa socio-cognitiva de base para quem se associa mais à direita, à esquerda ou ao centro e, de uma forma ou de outra, também existem expectativas na forma como se possa pensar o sexo, no espectro politizado. Teremos que salvaguardar que há muitas (muitas) excepções, mas o conhecimento mundano indica-nos que o sexo é mais problematizado e censurado por ideias que tendem para a direita, e desproblematizado e discutido por ideias que vão para a esquerda.

Até aqui, tudo bem, refiro-me a um nível de análise que pressupõe interacções onde a política e as ideias são discutidas diariamente, aqui, ali e nos media. Estes são espaços onde a discussão e a contestação pode ser praticada. Mas o pano de fundo onde tudo isto acontece não pode ser ignorado, isto é, as políticas governamentais implementadas. Estas carregam o poder legal para o desenvolvimento de certas práticas e, por isso, a discussão (e as práticas diárias) estão limitadas por aquilo que nacionalmente se considera correcto e favorável para todos.

A tendência será desenvolver políticas públicas mais inclusivas, fomentadoras da compreensão da complexidade da sexualidade humana. Pensei eu. A verdade é que nem sempre é assim, em contextos ditos desenvolvidos e democráticos vê-se muito disparate, já para não falar da regressão de práticas que contradizem o desenvolvimento para uma sociedade informada sobre sexualidade.

Falo mais especificamente sobre educação sexual, esse veículo de informação nas escolas. Vim a descobrir que na Polónia, muito recentemente, a educação sexual começou a ser vista como ‘promotora de pedofília’ e que, por isso, querem passar uma lei onde os professores que ensinam educação sexual nas suas turmas podem ir de cana até dois anos. Isso mesmo, educação sexual pode passar a ser criminalizada nas escolas polacas. Ainda mais dramático será pensar que todas as pessoas que fizeram carreira a formar professores e a dar workshops a crianças e adolescentes sobre sexualidade podem, potencialmente, ir para a prisão por fazerem aquilo que sempre fizeram.

A política do sexo não é um capricho, muito menos visto como desnecessário. Já é cliché pensar na negatividade que este mundo carrega e na falta de esperança pelo progresso: e quando falo em progresso, falo em, acima de tudo, abertura – transparência – informação. Não é só a educação sexual que está ser severamente atacada em contexto Polaco, a pílula do dia seguinte (que podia ser adquirida facilmente em qualquer farmácia) só pode ser adquirida com receita médica, receita essa que o médico pode moralmente recusar-se a prescrever. Mas qual é a direcção do pensamento humano? Onde está o progresso e humanismo? (sim, pensem nos ‘Trumps’ que por aí existem, no Brexit e a legitimização do discurso racista e xenófobo, nos ataques terroristas e na trivialidade da vida humana ou na violência diária, persistente e recorrente). Onde está a mudança?

Talvez a desobediência civil seja o caminho. Dá vontade de entrar por escolas dentro com réplicas anatómicas de órgãos sexuais com gritos de protesto que descrevem as funcionalidades dos ditos. Oferecer contracepção a todos. Falar sobre as coisas. Qual é o perigo? Sexo? Novidade do dia: a sociedade está sexualizada de tal forma que o sexo não está de todo escondido (basta ir ver qualquer clip de música pop para perceberem do que falo). O sexo está aí, infiltrado nas nossas vidas e nas nossas práticas. Depois a agenda política contribui para o que quer: a) uma população censurada e confusa pelas representações do sexo na sociedade ou b) uma população bem informada sobre as suas escolhas sexuais mantendo práticas saudáveis? Nunca percebi porque é que a escolha é difícil.

19 Jul 2016

Asfixia

[dropcap style≠’circle’]À[/dropcap]s vezes sentimo-nos asfixiados, por várias razões. Levamos uma vida que asfixia a nossa criatividade ou o nosso prazer. Tentamos ser humanos e tentamos inserirmo-nos nas normas bem estabelecidas, nas normas que deveriam guiar o nosso pensamento e a nossa acção. Asfixiamo-nos a nós próprios e, com sorte, apercebemo-nos quando ainda não é tarde demais. Há sempre qualquer coisa a asfixiar-nos, com o trabalho chato, com o patrão que é pouco razoável, com as memórias que nos atormentam, com os traumas que não desaparecem, com os filhos que choram e não percebemos porquê. Asfixiamos a nossa sexualidade porque tentamos ser normais, ou às vezes asfixiamo-nos mesmo, literalmente.
A asfixia erótica ou (autoerótica) tem os seus primeiros registos no século XVII quando se começou a reparar que homens condenados à forca tinham muitas vezes uma erecção no momento da morte. O mecanismo de supressão de sangue ao cérebro estimula sensações de prazer e facilitadoras do orgasmo e, por isso, houve quem usasse a técnica de asfixia para o tratamento de disfunções erécteis. Mas não só, os curiosos do sexo experimentavam-no sozinhos e acompanhados. Mas atenção que este fetiche (que é considerado uma parafilía) pode levar à morte acidental. Para um adepto de bondage, a ideia de ter alguém a apertar o seu pescoço é excitante o suficiente, os outros praticantes dependem da questão fisiológica: a asfixia erótica pode ser tão viciante como a cocaína. Orgasmos exaltados pela ausência de sangue no cérebro.
Desconfia-se que a primeira morte acidental por asfixia erótica tenha sido de um homem que, de facto, pediu assistência profissional para levar a cabo a experiência – uma prostituta de uma Londres de alguns séculos atrás – mas que gostou tanto que decidiu continuar, mesmo depois de ela ter-se ido embora. Sozinhos somos menos capazes de travar o que é que seja que provoque a asfixia. Estima-se que acidentes desta natureza sejam frequentes, mas nem sempre são identificados. Para os adolescentes que são encontrados mortos com os órgãos genitais em mão e pornografia ao lado, a família tende a ‘limpar’ o cenário, para que a sua última imagem não seja tão sexualizada.
Mas a asfixia pode culminar das mais variadas circunstâncias – talvez vinda de um campeonato europeu de futebol? São jogos futebolísticos que para além de causadores de stress, não permitem o oxigénio circular livremente no corpo. Uma tensão (e asfixia) não erótica, no verdadeiro sentido do termo, mas potencialmente sexy. Jogadores a correrem de pernas ao léu de lá para cá, de cá para lá, com o calor do verão a fazer-nos transpirar que nem porcos, mas a guinchar de excitação. Chutos e pontapés mal dados que fazem saltar um batimento cardíaco, acoplados de sorrisos que nos fazem ter esperança…
A asfixia pode ser tanta coisa, na prática e no conceito. Contudo, só pode ser exercitada com cuidado (muito cuidado), e às vezes com algum entusiasmo. Nos últimos dias desta pobre alma que vos escreve, a asfixia tem sido a descrição básica diária. Mas, quem poderia adivinhar? Portugal ganha o Campeonato Europeu de Futebol e parece que nada mais importa. Na asfixia quotidiana e (ocasionalmente) sexual, o alívio de ter um orgasmo prevalece, e aquela soneca pós-coito impõem-se, como sempre, com sonhos de vitória.
Depois de doze anos a suster a respiração pelos 11 (mais pelos jogadores e menos pelos milhões), já podemos respirar de alívio. Já se alcançou o objectivo, já vimos os meninos jeitosos a abanarem os bícepes sem camisa. O orgulho da diáspora Portuguesa exaltou-se! Usam-se camisas vermelhas e verdes, ou ‘verde bebés’.
A expansão e a retracção de oxigénio mal explicada pelo futebol, contribuí para a popularidade do jogo, onde se usa uma bola (e não duas). Especialmente, enquanto analisava asfixia erótica ( assuntos sérios!) – algo aconteceu em Paris que deixou o pessoal contente, até a mim. Dedico, por isso, o que é que seja de sexo, ao futebol de Portugal. A asfixia fica para a próxima.

12 Jul 2016

Orlando

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] Orlando em Orlando vai a uma discoteca à noite para dançar. O lugar chama-se Pulse e não discrimina nem rejeita ninguém. Esta foi a primeira ida à discoteca e não foi difícil para o Orlando adorar o ambiente, a música e as pessoas.
Mas o Orlando em Orlando não estava à espera de presenciar o terror tão de perto, tão pessoalmente. Ninguém entende à primeira o que se passa. Uma discoteca, por definição, é um lugar barulhento, confuso e escuro. Quanto entra um homem a disparar com uma arma de fogo, o ruído dos tiros podiam ser parte da música. Mas não eram.
Foi a tragédia na qual o Orlando de Orlando saiu ileso quando muitos foram fatalmente alvejados e outros ficaram em estado muito grave. Os olhos do mundo viraram-se para Orlando e para a pequena discoteca que viu o que nunca esperaria ver: medo, violência e morte. O resto vimos nós nas notícias. Mas o Orlando de Orlando é fictício, apesar de poder descrever qualquer sobrevivente desta fatídica noite de saída nocturna, à partida inofensiva.
A discoteca Pulse é uma discoteca gay, frequentada por gays, simpatizantes, exploradores, pessoas que acreditam e respeitam a liberdade sexual de cada um. O atirador que entrou ali dentro matou sem dó nem piedade por razões que ainda não são claras. Poderão ser sido razões ideológicas, psicológicas ou sociais. O comportamento social humano é assim, muito complexo, complexo demais para reduzir qualquer infeliz acto à tendência Trump-tizada que justificam comportamentos e pensamentos islamofóbicos. O atirador era, muito provavelmente, um homem com dificuldades psicológicas e emocionais que se desenvolveram ao longo dos anos, em combinação com uma ou outra pressão social por aceitação e bem-estar, e a cereja em cima do bolo, o fácil acesso a uma arma de fogo. Um criminoso carrega em si uma complexidade imensa de entendimento do mundo em que dá sentido a actos atrozes como este. Para este homem, o que é que seja que o tenha movido, o alvo seriam os homossexuais. O alvo foram as pessoas que amam livremente, fora da norma expectável homem – mulher e que muitos ainda julgam ‘imoral’ e pouco ‘natural’.
Não consigo deixar de reparar que esta violência contra um grupo, é movida por um ódio incompreensível que existe e que se generaliza a todos os membros afiliados. Os ‘gay,’ os ‘muçulmanos’, os ‘judeus’, os isto, os aquilo, os, os… São discursos e actos comunicativos que espalham uma norma onde é aceitável discriminar pessoas, só porque as percebemos como parte de um grupo diferente, desconhecido e pouco compreendido. A violência ainda existe contra os homossexuais, todos os dias, de todas as formas. A mais recente tendência preconceituosa onde julgam todos muçulmanos terroristas, cresce as olhos vistos. Isto tem que parar.
Ultimamente que a comunicação social traz ao nosso conhecimento o que de horrível tem acontecido, o desespero e o stress colectivo e individual aumenta. E é perfeitamente normal, envolvermo-nos em ideias ainda mais rancorosas perpetuando a violência e a incompreensão é que não. O amor, aquele sentimento mais puro e que une as pessoas, tem que ganhar. É por amor que nos juntamos, é por amor que somos homossexuais, heterossexuais ou bissexuais. O amor vencerá se amarmos esta humanidade que mais parece podre de ideias generalistas, preconceituosas e discriminatórias. O Orlando foi à discoteca para conhecer alguém, para dar uns beijinhos, para sair umas quantas vezes e para se divertir. Celebrava-se a liberdade no amor quando, inesperadamente, o cenário mostrou-se uma banheira de sangue. O Orlando só queria ser feliz.
O Orlando somos todos nós, nós pessoas que saímos e nos divertimos esperando unicamente uma valente ressaca no dia a seguir. O Orlando somos nós à procura do amor e a procurá-lo nos sítios que julgamos certos, com as pessoas certas. Nós somos todos Orlando, quer queiram, quer não.

21 Jun 2016

Queres beber café comigo? Não?

[dropcap style=’circle’]H[/dropcap]ão-de ter reparado na inundação na imprensa internacional do caso da ‘mulher inconsciente’ e do seu agressor, Brock Turner, e do caso da menor brasileira que ‘engravidou de mais de 30’, pelas palavras dos estupradores. O consentimento sexual não parece estar no vocabulário destas pessoas.
No Brasil começa-se a falar da cultura do estupro. Uma cultura que não condena o abuso sexual. Um grupo de 33 homens violou uma menor de 16 anos no Rio de Janeiro e o caso veio a ser descoberto porque alguns desses homens gravaram cenas e postaram-nas nas redes sociais. Sem medo de represálias. Num grupo de 33 homens ninguém achou anormal ou estranho o que se estava ali a passar. Os vídeos gravados mostram o corpo semi-nu de uma jovem inconsciente, enquanto que eles se punham em posição de selfies e faziam comentários jocosos. A reacção pública foi diversa, mas muitos sugeriam que certamente que a jovem fez alguma coisa para merecer aquilo. Quem manda usar mini-saia? Quem manda ser sensual? Quem manda ser mulher?
O entendimento vigente do que pode ser considerado uma violação ou uma relação sexual consentida perde-se em difusas interpretações onde as mulheres continuam a ser desconsideradas. A culpabilização da vítima continua a ser a estratégia mais utilizada para proteger e perpetuar a hegemonia masculina. Os casos são tantos que já irrita.
Como é que duas raparigas são assassinadas no Equador por resistirem uma violação e ainda assim foram culpabilizadas, por, talvez, terem usado calções curtos? Como é que um puto de 19 anos foi apanhado no acto de abusar uma mulher inconsciente e não foi automaticamente de cana? Como é que 30 homens julgam uma violação colectiva perfeitamente aceitável? Como é que só muito recentemente se percebeu que uma violação é uma violação, mesmo em contexto matrimonial? Como é que uma juíza pode ignorar uma queixa de violação porque ‘a vítima é uma mãe adolescente, por isso claramente tem tendência para o acto’? O que é se passa com as pessoas? Como é que no século XXI, o século do futuro, da inovação e do progresso, tudo isto ainda aconteça?
O instinto sexual não é uma micção urinária, não é inevitável. Não se descontrola ao ponto de mijo escorrer pelas pernas abaixo. Sexo não é um direito pessoal, uma afirmação categórica nem uma obrigação. O estímulo, o impulso e o acto não têm uma ligação directa, imediata e inevitável. Não há vestido sexy no mundo que sugira uma violação, nem álcool (demais ou de menos) que preveja um abuso.
Mas mesmo assim o corpo da mulher é percebido como um objecto, e para essa concepção contribuímos todos. Não se trata de um homem isolado de mente disruptiva e comportamento desviante. Os media, os tribunais, os juízes e a população em geral perpetuam princípios onde só os homens brancos estão no topo da cadeia (cadeia hierárquica, god forbid se fosse a prisão). Todas as fotos publicadas do Brock Turner, o agressor sexual de um caso na universidade de Stanford que tem corrido muita tinta, mostram-no de carinha laroca, de cara inocente, sorridente e angelical. Foi julgado com seis meses de prisão porque ‘não tem antecedentes de actos agressivos’, como se todos os agressores sexuais não tivessem começado com um primeiro acto, sem antecedentes. Até o pai do agressor escreve ao juiz a pedir-lhe que uma carreira tão promissora (sim, porque o menino estava numa universidade da liga ivy com uma bolsa de desporto) não fosse destruída por ‘20 minutos de acção’. Acção essa que não foi consentida, com uma mulher inconsciente atrás de contentores. Mas o que é que isso interessa? Como é que interessa a forma como este rapaz destruiu a vida desta rapariga? Como a fez sentir-se humilhada, como a obrigou a ter que se defender em tribunal dos ataques de um advogado de defesa que insinuava um ‘historial potencialmente promíscuo’? Porque a defesa é assim, a escrutinar o possível consentimento que ela poderá ter dito quando inconsciente, mas que nunca existiu.
O consentimento sexual não deveria ser um conceito complicado de entender. Queres beber café comigo? Não. Talvez. Silêncio absoluto. Estas são as opções que sugerem não consentimento. O consentimento implica iniciativa absoluta, até ao final. Se vocês já estão na cafeteria e já pediram o café, ambas as partes ainda estão no direito de o recusar. Imaginem o estranho que seria forçar alguém a beber um café por um tubo enfiado pelo esófago. Simples de entender, não é?

14 Jun 2016