Tânia dos Santos SexanáliseToque [dropcap style≠’circle’]Q[/dropcap]ual é o maior órgão do corpo responsável pelo prazer? A pele. Acho que esta pergunta já foi usada em tom de anedota – não tenho muito jeito para anedotas – mas as palavras ‘prazer’ e ‘grande’ leva a pensarmos em formas fálicas, muito naturalmente. Temos a pele como a estrutura que nos protege do mundo exterior e a que conduz as mais variadas sensações, sejam elas de dor ou de prazer. No sexo, este prazer do toque é central para uma união sexual mais inteira, mas todos estão convidados a discordar. Desde cedo que aprendemos que os órgãos genitais estão no centro do prazer sexual sem reflectir acerca das periferias do corpo e o seu contributo. Quem tem fetiches particulares provavelmente terá uma noção mais alargada do sexo – para além dos seus genitais. A pele tem um papel importante nisto, ou por outra, o toque subtil ou violento estimula os nossos centros de prazer de forma mais integrada para quiçá, um bom preliminar ou um bom orgasmo. Temos o toque tão garantidamente presente. Quando nos privamos do toque enlouquecemos. Não me refiro somente ao contexto sexual, mas em tudo das nossas vidas. Quando é que sentiram que um abraço com o toque de um corpo com o outro poderia fortalecer o sentido de ser, um sentido de ligação quando estamos particularmente sozinhos na nossa experiência. Seres intelectuais que somos vivemos preocupados com a nossa mente, preocupamo-nos em viver com a ‘cabeça’, com racionalidade. Esquecemo-nos das sensações do corpo e da pele que a acompanha em formatos mais ou menos do nosso agrado – quem é que se sente totalmente confortável na sua pele? Vão-se perdendo sentidos porque vivemos demasiado agarrados ao passado ou no futuro, nunca no presente. O sexo vive disso também, de uma sensação de presença temporal que deveria ser obrigatória, e facilitadora pela pele. Prendemo-nos no(s) outro(s) à espera de percebermos mais sobre nós próprios, sobre o nosso corpo e a nossa sensação. Nada de pensar na lista de compras, nas tarefas ainda por fazer, nos problemas familiares ou num outro qualquer macaquinho na cabeça. Não – deixem-se ir. Se esta fosse a normal perspectiva do sexo, teríamos pessoas mais felizes? É provável que sim. Não que seja a solução perfeita para a doença mental, mas ajuda – nascemos sensíveis em todas as pontas do corpo para nos protegermos do perigo, para nos mantermos vivos, para nos sentirmos. Quantas vezes já se queimaram com água a ferver e tiveram a perfeita sensação de alívio por só ser uma pequena área do dedo? O contrário do prazer é a dor, e por mais que nos confundamos com a linha ténue de diferença, o prazer – mais ou menos intenso – ensinou-nos como é que nos tratamos bem. Mas é isso, somos tanto pelo hedonismo simplificado – da mesma forma que se criam robôs hedonistas sensíveis à aprendizagem pelo prazer – que bem podíamos dar complexidade ao prazer e à sensação, para nos deixarmos de prazer básico, e de consumo rápido. Queremos o prazer certeiro de roçar de genitais, ou será que queremos perder mais tempo (eu sei, ninguém tem tempo estes dias) a procurar formas de prazer mais sofisticadas, pele com pele, corpo com corpo e mente? Não quero complicar a vida de ninguém, mas se somos seres conscientes com potencial de prazer imenso, porque é que nos acomodamos? Procurem o prazer, conscientemente, lentamente. Compliquem o prazer para descomplicar tudo outra vez.
Tânia dos Santos Sexanálise VozesAssédio a sério [dropcap style≠’circle’]Q[/dropcap]uem tem acesso à imprensa internacional provavelmente deparou-se com uma avalanche de notícias que cogitam os sentidos do assédio sexual. O que nos parece surpreendente, é que alguém de grande nome internacional e prestígio tenha sido actor de assédio e violação durante anos. A pergunta natural é de como é que esta situação nunca fora denunciada? Como é que se manteve silenciosa? O que eu julgo que é uma explicação para este fenómeno, é a normalização do assédio. Na nossa experiência limitada pensamos que a realidade social está bem delimitada entre o certo e o errado, e por isso, (achamos que) o assédio será automaticamente reconhecido e denunciado. Contudo, somos seres complexos que contam narrativas acerca do nosso posicionamento social e daquilo que fazemos, e o assédio não é explicado de forma simples. As formas de avanço masculino muitas vezes dançam por entre as linhas ténues do que é normal ou não. E como nós nos regemos por expectativas de género fixas, até somos incapazes de reconhecer assédio sexual nos homens – porque julgamos os homens sempre predadores e as mulheres sempre as vítimas. A primeira reacção costuma ser sempre: provavelmente isto aconteceu porque ela ou ele estava a pedi-las. E isto as pessoas à nossa volta vão ajudar a confirmar. Mas para o assédio ser levado a sério teria que ser melhor discutido sem grandes complicações. Num mundo ideal-hipotético, o assédio poderia ser denunciado sem grandes consequências, mas não é isso que acontece. Denunciar o assédio não traz só repercussões ao agressor, mas a quem denuncia. Num outro momento já me debrucei sobre a temática da agressão sexual mais explícita, denunciando as práticas (que roçam a humilhação) a que as vítimas são normalmente sujeitas. Há sempre aquela ideia de que ‘ela/ele merecia’ e que contribuiu com alguma responsabilidade para todo o desenlace. No caso do tal produtor de Hollywood que anda a fazer títulos de jornal com a legião de mulheres que têm denunciado o seu comportamento desapropriado, temos visto alguma justiça. O caso tem sido tão mediático que conseguiu pôr uma quantidade de mulheres à vontade de denunciar a sua conduta para com o sexo feminino. A academia de cinema quer-lhe tirar o Óscar e tudo! Isto talvez sirva de exemplo para tantos outros por aí. Mas será que vale de alguma coisa? É quase como se presenciássemos o privilégio da realeza cinematográfica que arranjou um bode expiatório numa única criatura – quando o problema continua a ser estrutural. Também não vou ser pessimista ao ponto de não ficar contente agora que várias mulheres puderam vir cá para fora, mostrando que é possível denunciar assédio e que isso traz consequências. Nada disso. Mas será que influencia as ‘zé-ninguéns’ como eu, será que nos dá voz? Será que me vão ouvir? Será que se começa a levar o assédio a sério? Enquanto se objectifica o sexo como uma ferramenta comercial para produzir lucros e audiências dificilmente vejo um resultado diferente. A indústria cinematográfica, essa mesmo que tem lidado com o escândalo do assédio, tem contribuído para isso mesmo: continua a utilizar o sexo como uma estratégia de audiências, continua a objectificar o corpo humano, tendencialmente feminino, mas também o masculino, exaltando o culto da juventude. No geral, continuamos a lidar com questões de género de forma extenuadamente sexualizada – já ouviram falar das empresas que obrigam as mulheres a usar saltos altos? Para levarmos o assédio a sério precisamos de mais, muito mais do que a condenação de um produtor de Hollywood.
Tânia dos Santos VozesPorque é que se faz sexo? [dropcap style≠'circle']E[/dropcap]ste pedaço de texto apresentar-se-á como um desabafo – porque existem pessoas altamente competentes, i.e., com doutoramentos e essas oficializações de inteligência e de respeito, que poderiam falar das sua disciplinas de forma diferente. Tenho a impressão que a ciência e as suas várias disciplinas desenvolvem ideias bizarras sobre os humanos e o comportamento, e tentam de alguma forma comunicá-las ao mundo de forma nua e crua. Um dos problemas teóricos nunca resolvidos é… porque é que se faz sexo? Não há respostas claras para isto, do ponto de vista da evolução. Porque aparentemente, não há vantagem em termos sexo – copular a dois para trazer filhos a este mundo. Sempre pensei que a variabilidade genética fosse a causa principal para nos termos tornado seres sexuais em vez de assexuais e de reprodução por mitoses sucessivas. Parece que não é bem assim, por isso vieram agora com a explicação que talvez seja o contacto com os micróbios e na criação de resistência a agentes estranhos. Mas também não se tem a certeza – e sobre a evolução é difícil ter a certeza porque não estávamos lá para assistir. Estas são apenas algumas explicações de porque é que há milhões de anos atrás viemos todos de seres unicelulares que se desenvolveram em seres que nós somos hoje. Se traz alguma coisa para o sexo de hoje em dia? Tenho sérias dúvidas. Mas há quem ache que sim, e que insiste em trazer estas dúvidas teóricas de quando éramos coisas, possivelmente, sem consciência, para os problemas do sexo hoje em dia. Afinal, porque raio é que fazemos sexo? Se pensarmos no comportamento humano como resultado de impulsos meramente biológicos embrulhados em algum conteúdo social, então sim, porque é que ainda nos incomodamos com esta prática de troca de fluídos? Os algoritmos da natureza e da evolução estão a ser utilizados para a evolução computacional e é bastante interessante ver que a nossa ‘estratégia sexual’ não é utilizada de todo. Isto é, o sexo não vale de nada para o mundo dos computadores – e se os computadores que têm o potencial para serem mais inteligentes que nós não precisam de sexo, a pergunta continua a insistir, porque é que nós ainda precisamos? Vou dar uma explicação ateórica, fruto de introspecção – é que eu fico mesmo incomodada quando explicam a nossa humanidade de forma tão mecanizada e oportunista. Nós, ao contrário dos robots, temos uma caixa negra dentro do nosso crânio que aprendeu que o sexo é bom, prazeroso e, quiçá, romântico. Também aprendemos que o sexo é socialmente difícil de ser trabalhado, e que se rege por perspectivas e práticas muito distintas, fruto do que nós somos e gostamos de ser. Freud, o menos mecanicista de todos, envolveu o sexo em tanto mistério que lhe atribuiu a responsabilidade da nossa saúde e bem-estar. Nós já não temos sexo com a desculpa de ter bebés, nós temos sexo porque procuramos prazer e intimidade. Para os que se identificam como sexuais – excluindo os assexuais – o sexo é um veículo pessoal e social para nos descobrirmos e ao(s) outro(s). Acho que não digo nenhum disparate quando me atrevo a julgar o sexo como quasi-transcendental, e isso os computadores nunca saberão o que é.
Tânia dos Santos Sexanálise VozesPlayboy [dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] Hugh Hefner, o criador e fundador da revista Playboy, faleceu a semana passada com 91 anos. Há quem o considere um ídolo, um homem que lutou e viveu os seus sonhos e não o dos outros – citação do próprio – ou há quem exalte os valores filantrópicos e liberais do ‘Hef’ e da luta política-social pelo sexo livre e sem preconceitos. Mas também há quem reflicta se se pode considerar feminista o homem que tornou a pornografia um lugar-comum. Andei a vasculhar nos meios de comunicação o legado do homem-lenda Hugh Hefner, para rapidamente perceber que é polémico. Se há quem esteja de luto porque o símbolo da revolução sexual deixou este mundo, outros estão a mostrar as garras de raiva porque muitos continuam a pintá-lo como um libertador do sexo, quando provavelmente desenvolveu outro tipo de cativeiro. Talvez… um cativeiro para coelhinhas? Mulheres feitas coelhas que, com fatos de corpetes apertadíssimos, peitos generosos, pernas descobertas, orelhinhas acetinadas e, normalmente, de cabelos loiros, eram treinadas e incentivadas a serem o protótipo da mulher sexy. Elas passeariam por entre os homens que frequentavam o Clube Playboy ou seriam um dia fotografadas para a revista, desta vez, nuas. Do homem fala-se da inteligência extraordinária que foi precocemente reconhecida, apesar de se ter desinteressado da escola. Cresce, aparece, e começa a ter ideias que vêm a revolucionar a forma como a cultura popular vê o sexo e o corpo feminino nu. Nos anos 50, sem grandes expectativas no que ia dar, lança primeira edição da Playboy com a Marilyn Monroe vestida, na capa, e nua nas páginas centrais. A ideia era criar uma revista que pudesse entreter o homem contemporâneo: com textos de autores bem respeitados (e.g. Kerouac) ilustrado com mulheres lindas de morrer a mostrarem-se tal qual como vieram ao mundo. Esta revista popularizou-se de tal forma que veio contribuir para a revolução sexual que durante os anos 60 e 70 tiveram o seu pico de expressão. Por isso, sim, as ideias do falecido trouxeram algum empoderamento sexual ao mundo, mas ao mundo predominantemente masculino. Esta figura mítica veio capacitar os homens a re-descobrirem a sua sexualidade de forma a gozarem o desejo sexual de forma livre e desinibida – normalmente com uma revista Playboy escondida debaixo da cama. Se trouxe alguma coisa à sexualidade das mulheres… aí é que as opiniões divergem. Parece que as opiniões caem entre julgá-lo um feminista ou um chulo. As evidências políticas apontam para uma preocupação da sexualidade feminina – ao ter apoiado a distribuição livre de contraceptivos femininos ou pela legalização do aborto. Mas o resto do pacote comercial que passava cá para fora… aquela mansão, as sete namoradas, todas loiras e ‘plastificadas’ por um cirurgião ou as constantes entrevistas em que reforça a ideia de que as mulheres são e serão objectos do sexo… Eu consigo reconhecer o que de bom o homem trouxe ao nosso sexo e à sociedade globalizada. Aliás, os mais de cinquenta anos de existência do conceito constitui uma bela colecção de como o corpo da mulher (e o padrão de beleza) tem-se alterado. De mulheres com corpos de ampulheta, mamas de grandes e variadas aréolas mamárias vimos transformarem-se em mulheres mais esguias e de peitos mais artificialmente avantajados. Dizem as más línguas que era o próprio Hefner que insistia (e contribuía financeiramente) para os implantes das colecções mais recentes de coelhinhas-namoradas. Também dizem as más línguas que as namoradas eram sujeitas a um tipo de tratamento pouco digno, que eram obrigadas a recolherem-se aos seus aposentos todos os dias às 9 da noite, vestidas de pijamas de flanela cor-de-rosa. Os rumores também conjeturam o sexo programado e (provavelmente) forçado entre coelhinhas e um homem idoso. Graças a ele temos o sexo livre e graças a ele temos mulheres ainda em menor controlo da sua própria sexualidade. Vamos ver agora qual a herança do império do sexo porque o homem já foi. Agora descansa no jazigo ao lado do da Marilyn Monroe, a quem outrora fez capa de revista – sem nunca lhe ter pedido permissão.
Tânia dos Santos Sexanálise VozesÉ difícil ser mulher [dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] regular leitor deste excerto temático saberá que tenho uma natural tendência para discutir a condição feminina nos dias que correm. Às vezes ser mulher não é fácil, já cantava a Tammy Wynette, que termina com um refrão que só exalta a representação feminina de dependência daquela altura – stand by your man. Esses eram tempos nos 60s de música country que espelhavam realidades conjugais ainda bastante tradicionais. Agora já se fala do amor, do matrimónio, de homens e mulheres de maneira diferente, ou pelo menos tenta-se. Contudo, e isto parece persistir ao longo do tempo, ser mulher continua a não ser fácil. Como todos bem sabem, há países onde as mulheres ainda não têm direitos. Na Arábia Saudita só muito recentemente lhes foi concedida a possibilidade de assistirem a um jogo de futebol num estádio – e isto não podia ser mais mundano. As mulheres permanecem limitadas na sua expressão mental, emocional e sexual com risco de serem mortas porque dizem e fazem aquilo que querem. Estive atenta à história de Qandel Baloch no Paquistão, uma estrela das redes sociais, que foi morta pelas mãos do irmão por estar a ‘desonrar’ a família com a sua honestidade online. Até em sociedades ditas civilizadas e onde os direitos políticos e de representação já foram atingidos, há dificuldades que teimam a ser ultrapassas. Reparem na Google, que muito recentemente se viu alvo de atenção pública em torno da diferença salarial entre mulheres e homens. Uma empresa tão incrivelmente progressiva, com políticas de bem-estar laboral de ponta! Mas surpresa: paga muito mais aos homens do que às mulheres. O pior é que ainda tem de se discutir se esta é uma questão ou não, porque os nossos problemas estruturais e endémicos dificultam o reconhecimento de que a discriminação de género ainda é uma realidade. Culpo os papéis de género que tornam as expectativas sociais demasiado estáticas, demasiado inflexíveis, e por vezes, demasiado incompatíveis. Ser mulher é ser cuidadora, esposa, mãe, filha, emocional, bonita, que se cuida, carinhosa, frágil e vulnerável, sempre muito vulnerável. Estas características frequentemente se contrapõem com outras formas de ser e estar e entram em conflito pessoal e social. Dou-vos outro exemplo igualmente mundano: em pleno séc. XXI, uma mulher com pêlos nas pernas ainda é uma ‘novidade’ e vai ser alvo de olhares de surpresa e provavelmente de algum desdém. Para além da representação feminina temos também a anatomia feminina – o corpo de mulher – que não é de todo a característica de definição exclusiva. Esta anatomia de mamas, útero, ovários, vagina e vulva exige cuidados e um entendimento particular do corpo, corpo esse que está preparado para o sexo, para menstruar e parir. As mulheres, porque são mulheres e carregam uma história de discriminação e negligência, vêem os seus corpos a serem entendidos por poucos. As femininas mais militantes dirão que esta negligência, em particular, no contexto médico, é uma forma de controlo social – eu diria que não é tão propositado, mas sintomático do que a mulher sempre representou ao longo de tanto tempo. Não é por acaso que sintomas relacionados com o transtorno pré-menstrual ainda são mal diagnosticados. Contudo, ser mulher não é sempre difícil, depende muito das coordenadas da nossa nascença, que ditam a facilidade com que se pode ser do sexo feminino. Ser mulher, acima de tudo, pressupõe uma ou outra batalha que ainda tem que ser travada. As representações populares do feminino precisam de uma reviravolta de vez em quando, para agitar os (ainda demasiados) corações tradicionais e conservadores. Querem-se mulheres com ou sem mini-saia, com ou sem pêlos nas pernas, emocionais e analíticas, enfermeiras e engenheiras. Mulheres que querem ser elas próprias.
Tânia dos Santos Sexanálise VozesLentamente [dropcap style≠’circle’]P[/dropcap]ara quem é um ávido consumidor de pornografia vai-se deparar com sexo muito rápido e insistente. Imaginamos ‘coelhinhos/as’ a saltar uns em cima dos outros/as, violenta e prazerosamente. A lentidão parece que não se encaixa na representação do sexo per se, somente nos controversos momentos de preliminares é que parece que lentamente se tira proveito dos momentos de prazer – mas que a penetração não tem como aproveitar da lentidão – o slow motion. Parece que o sexo lento é o segredo melhor guardado dos senhores-mestres-deuses do sexo. Nem sequer é contra-intuitivo, é simplesmente romântico. Mas sejamos honestos, quantos de nós foge do romance? Daqueles momentos em que os corpos se entrelaçam em trocas de almas, em trocas do mais íntimo de ser? Tantos! E assim o segredo se mantém segredo, sem grande razão de ser. O prazer continua a ser negado e negociado por representações populares-pornográficas e a lentidão continua a estar na prateleira, em lista de espera. Não fosse o sexo lento muito bom! Para todos, para ele e para ela, para eles e elas. Porque estas manias não são tendencialmente femininas – apesar de ser um catalisador de prazer feminino. A vantagem é a sensação e sensibilidade de milímetros de consciência. Porque aqui também se aplica a história da lebre e da tartaruga… a lentidão não é de perdedores mas de vencedores audazes, na corrida orgásmica do sexo. Digamos que o bom sexo pode ser um sprint, mas é certamente uma maratona. Mas ninguém consegue inteirar-se da lentidão porque vivemos em tempos muito rápidos. Não se deve andar devagar, conduzir devagar, trabalhar devagar. Vai contra os princípios da produtividade – apesar da sabedoria popular sugerir que ‘devagar é que se vai ao longe’, ‘depressa e bem, não há quem’, etc. O sexo é assim mesmo, bom sexo exige tempo, despreocupação e lentidão para acordar os sentidos sensuais que possam estar perdidos e esquecidos. E sim, a lentidão favorece o orgasmo feminino. Mas qual é o parceiro/a que não quer privilegiar o orgasmo mais intenso todos, o de quem desejamos? Nem que seja momentaneamente. Ora pensemos heterossexualmente: se um homem em média ejacula em 7 minutos e as mulheres atingem o clímax em 45 minutos, o sexo lento parece uma óptima solução para resolver este desequilíbrio. Assim o coito é prolongado em minutos, ou em horas para os mais corajosos, e o culminar orgásmico é intensificado. Podem até não se deixar levar à primeira vinda do orgasmo, mas controlar (torturar) o êxtase leva a um acumular de desejo que resulta em orgasmos mais intensos e prazerosos. Não acreditam? Pois este é outro segredo dos senhores-mestres-deuses do sexo: adiem o prazer por mais que puderem. Não sejam consumistas em quantidade mas em qualidade, vão ver que triplicam (ou quadruplicam) o vosso bem-estar sexual. Uma abordagem estritamente capitalista ao sexo, i.e., de consumismo rápido, priorizando a quantidade (muitas vezes descurando a qualidade), pensado que o sexo é uma perda de tempo – e o tempo é dinheiro! – é uma injustiça pela nossa vida sexual. Claro que não quero aqui insinuar que o sexo rápido à coelhinho não valha a pena, nada disso. Mas o sexo não pode ser só isso. Dar o tempo necessário à nossa vida sexual, com a lentidão desejada, com o prazer que daí advém é um direito universal. Pronto, não é mas devia ser. Porque já dizia o Freud que a nossa saúde mental e física é afectada por uma vida sexual decrépita. Mais vale apostar na prevenção e tentar um sexo bem lento de vez em quando – pela nossa saúde.
Tânia dos Santos SexanáliseGlossário do Sexo [dropcap style≠’circle’]A[/dropcap]s palavras usadas para descrever a verdadeira diversidade sexual são mais que muitas. No dia-a-dia mundano estes significados podem passar-nos ao lado porque vivemos uma realidade tendencialmente binária, e perdemos a noção do pluralismo sexual. Isto é, estamos mais atentos à dinâmica feminina-masculina heterossexual e esquecemo-nos do que se encontra entre uma coisa e a outra. Não há nada como um lembrete da nomenclatura que pode ser estranha a muitos. Para além de que é útil percebermos que a normalidade tem de ser alargada para uma total liberdade sexual de ser e de estar. Ora vamos por partes, a biologia do sexo não tem nada que saber: existem vaginas, pénis e outros formatos anatómicos que não são nem uma coisa nem outra. Imaginem um espectro de biologias que desafiam o normal desenho do órgão sexual e dos cromossomas a ele associados. A perfeição do sexo é coisa que não existe, mas há agora um espaço designado por interssexualidade para anatomias menos típicas – menos prototípicas. Mas para além destes factores biológicos, que não ditam experiências subjectivas de género, encontramos combinações de biologias, identidades e de preferências que vestem constelações e vivências sexuais únicas e particulares a cada um de nós. Imaginem-me uma mulher transsexual lésbica, ou como andrógena bissexual. Também posso ter um género fluído e ser assexual, posso ser agénero e demissexual ou identificar-me como mulher e ser pansexual. Este vocabulário não nasceu por acaso, nasceu da necessidade de reconhecimento e denominação. Isto porque frequentemente as minorias sexuais carecem de redes sociais directas que ajudem a esta identificação – porque vivemos num mundo onde ‘sair do armário’ continua a não ser um processo simples. Aqui vai uma lista com alguns termos que ainda possam ser desconhecidos. Agénero (adj.) – alguém com pouca identificação com o sistema de género mais comuns, não se identifica com os conceitos feminino/masculino. Andrógeno (adj.) – alguém que expressa elementos tanto do género feminino como o masculino, também pode ser usado para quem possua anatomia feminina e masculina. Demissexual (adj.) – um indivíduo que normalmente não sente atracção sexual, à excepção quando se cria uma forte ligação emocional com alguém, normalmente numa relação romântica. Fluidez de género/sexual (adj.) – descreve um identidade que não é fixa, que é capaz de se transformar ao longo do tempo. Pansexual (adj.) – uma pessoa que sente atracção romântica e sexual com todas as identidades e expressões sexuais (cisgénero/transgénero/agénero). E pronto, este é apenas um pequeno auxiliador para dar o nome certo a algumas identidades, práticas e desejos (atenção que existem muitas mais!). A semântica é importante porque espelha a diversidade sexual: fá-la real. Porque afinal, às vezes sentimos coisas que não podemos explicar e as pessoas à nossa volta também falham em explicar-se. No que toca ao sexo, toda esta pluralidade semântica veio facilitar a liberdade de sermos o que quisermos – o importante é que ninguém se intrometa a achar o que quer que seja. Porque se há quem ache que existem palavras a mais, há quem continue a manifestar-se porque as palavras ainda são de menos, e que uma semântica de liberdade é um requisito para a liberdade do sexo.
Tânia dos Santos SexanálisePoliamor [dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] poliamor é um estado de relação que não se rege por expectativas monogâmicas. A palavra de ordem é a do amor livre – amor livre de pre-concepções socialmente (biologicamente?) impostas. Uma forma de amor entre mais do que duas pessoas que partilham de forma consensual, ética e honesta, um relacionamento. Mas o conceito tem sido uma ideia difícil de encaixar porque mexe com as narrativas do amor e do sexo vigentes. Afinal o que é que é natural para a nossa espécie? Amor a dois, a três ou a quatro? Será que podemos estender o nosso relacionamento para uma constelação mais numerosa? Desde a invenção da agricultura que se lida com o amor como uma troca comercial. Eu (homem) tenho interesse em ter uma mulher para dar-me os filhos e eu (mulher) preciso de um homem para garantir que quando estiver mais vulnerável (com uma barriga gigante de oito meses) alguém vai poder ajudar-me. Na altura dos caçadores-recolectores parece que a história era ligeiramente diferente, as formas sexuais eram muito mais livres e a comunidade não se limitava a parelhas. Todos estavam em movimento à procura de recursos e, por isso, davam-se a outro tipo de práticas (e de liberdades). Isto só prova que até somos bastante flexíveis na forma como vivemos o sexo e o amor. Ora, hoje em dia, não estamos tão limitados por mecanismos de sobrevivência ou por exigências culturais (que estão sempre em transformação). Nós somos agora capazes de propor e negociar as formas amorosas e sexuais que nos trazem mais felicidade como por exemplo, um relacionamento a três. Não se trata de uma prática, mas de uma identidade sexual onde se estabelecem relacionamentos profundos, íntimos e carinhosos com mais do que uma pessoa. Não se enganem se pensam que o poliamor se rege pelos mesmos processos do que vulgarmente chamamos de traição, nada disso. O poliamor pressupõe um conjunto de pessoas que consente o seu envolvimento, e que se assumem como felizes e ‘poliamorosos’. Se o poliamor não for esclarecido nem discutido, garanto-vos que não vai funcionar. Porque, como devem saber, há algo de humano e emocional que poderá lixar um pouco a expectativa de se puderem ter múltiplos relacionamentos ao mesmo tempo: os ciúmes. Considero os ciúmes um mecanismo sintomático de uma relação pouco comunicada, uma coisa que acontece quando há insegurança. Nada de bom poderá sair da expressão ciumenta normalizada – nunca foi nem será uma forma genuína de amor (coisa que acontece regularmente). Mas de alguma forma os ciúmes não são um problema em relacionamentos poliamorosos porque simplesmente não existem. Por isso, mesmo que se queira achar o conceito do poliamor esquisito, talvez casais monogâmicos possam aprender alguma coisa, nem que seja perceber que os ciúmes são uma fabricação de necessidade possessiva, e não amorosa. Já que chegámos tão longe no nosso desenvolvimento e auto-descoberta (ao ponto de negociarmos significados sexuais em conjunto!) talvez não fosse má ideia de todo focarmo-nos na inutilidade que é o ciúme. Só mesmo porque isso faz-nos mais felizes, e aos relacionamentos também. Aliás, podemos permitir-nos criatividade e honestidade na busca do que queremos num relacionamento íntimo e no sexo – e podemos sair do armário do tabu sexual para aquilo que nos dá mais prazer.
Tânia dos Santos Sexanálise VozesSexting [dropcap style≠’circle’]S[/dropcap]e há quem defenda que a revolução digital não alterará a nossa forma de nos relacionarmos, eu não faço parte desse grupo de pessoas. Os nossos exercícios de sedução já sofreram o upgrade dos novos desenvolvimentos tecnológicos, seja isso com os famosos dating websites, o tinder, ou simplesmente porque agora estamos todos muito mais contactáveis, e à distância de um click. Sexting, que é a maneira inglesa de nomear mensagens de teor sexual, surgiu como uma nova tendência na forma como seduzimos e queremos ser seduzidos. Contudo, da mesma forma que a big data desenvolve novos desafios para as práticas sociais e no desenvolvimento de políticas públicas, também o sexting é alvo de alguns desafios conceptuais e de regulação. Ora vamos por partes. Não há nada de errado em trocar mensagens de teor sexual, com fotografias de corpos desnudados ou pormenores de órgãos sexuais excitados, desde que seja totalmente consensual. Um casal que ande a trocar mensagens marotas para praticar novas formas de sedução faz parte da nossa sexualidade se assim o quisermos – até mesmo se o fizermos com estranhos. Repito: desde que seja consensual, não vejo nada de particularmente problemático. Só que estas novas formas de lidar com o sexo já tiveram os seus problemas. Material de conteúdo sexual, seja ele escrito, mas predominantemente imagético, é por vezes re-utilizado para outros fins. Quantas vezes é que já ouvimos histórias de casais onde um dos elementos publica as fotos íntimas do outro? Já ouvimos umas quantas – e o medo, irritação e consternação são mais do que legítimos. Já para não bastar de ver as fotos da intimidade espalhadas pelo mundo virtual, acontece que as comunidades que nos rodeiam não vão envergonhar a pessoa que publicou conteúdos que não era de seu direito, mas a pessoa que viu a sua confiança traída pelo ex-companheiro. Quando se é adolescente então, estes processos são particularmente problemáticos porque no meio de tanta fase de transição e de hormonas a saltitar, este tipo de vergonha parece intransponível. As vítimas que passam por este tipo de situação – que carregam este tipo de vergonha e que se sentem sem controlo do que se está a passar – por vezes tomam medidas mais drásticas ao porem um fim às suas vidas. Estes são casos dramáticos que inicialmente começam por uma troca inofensiva – à primeira vista segura – e consensual de imagens de teor sexual. Os governos, ao verem um desenvolvimento tão dramático a estes casos fazem o que acham melhor: ilegalizar o sexting ou promover campanhas onde nunca se deve trocar este tipo de imagens com absolutamente ninguém. Mas em vez de se educar para uma sexualidade saudável, continua-se a promover tabus e restrições que (normalmente as mulheres) têm que resolver – seja isso a vergonha, a culpabilização ou a acusação de que são umas galdérias por algum dia terem pensado em fotografar-se semi-nuas e quererem partilhar isso com quem mais intimidade sexual têm. Pensemos na prevenção rodoviária como um exemplo: não só se responsabilizam os condutores pelo que fazer (ao regular comportamentos) mas também se desenvolvem veículos mais seguros e tecnologias de protecção mais eficazes. É isso que falta na narrativa do sexting também – uma preocupação digital para contornar estas questões. Porque este é um problema que reflecte a forma como vemos o sexo ou a nossa expressão sexual e que realça alguns dos problemas relativos à privacidade digital – porque as redes sociais ainda estão na sua infância, e um entendimento de como regulamentar certas práticas também está numa fase muito embrionária. Há quem diga que a tecnologia amplifica os nossos piores comportamentos… Eu acho que o potencial de promover comportamentos seguros e bem informados deveriam ser bem maiores. Se pudermos investir numa educação sexual e digital menos melindrada, talvez possamos proteger com eficácia a nossa integridade e a liberdade de expressarmos a nossa sexualidade.
Tânia dos Santos Sexanálise VozesA Biologia do Amor [dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] complexo sistema hormonal que cada um de nós possui alimenta as sensações amorosas do nosso corpo. Nós sabemos quando estamos com tesão, apaixonados ou enamorados porque interpretamos os sinais ao nosso redor, ao mesmo tempo que interpretamos os sinais do nosso próprio corpo e mente. Há quem vá ainda mais longe para perceber estes sistemas que nos sustentam, ao ponto de explorar estas normais palpitações corpóreas para um mapeamento mais fidedigno do amor – da sua biologia, fisiologia e anatomia. Há neurocientistas por todo o planeta a perceber como é que o cérebro trabalha quando se apaixona ou quando se ama. Porque queremos perceber melhor estes processos? Porque assim podemos trabalhar com as melhores estratégias para garantir (escolher) um bom parceiro e assim investir num relacionamento duradouro e feliz. A investigação está tão avançada que já sabemos bastante acerca das zonas cerebrais que são activadas quando estamos apaixonados; conseguimos explorar o comportamento sexual e as suas bases inatas – ou as suas tendências evolutivas – e tenta-se perceber porque é que o amor acontece, se não é o cupido a lançar umas setas pr’áli e pr’acolá, que raio se passa então? Todas estas tentativas de desmanchar estes mecanismos poderiam desfazer a magia do amor romântico mas, lá por sabermos a receita do melhor bolo de chocolate do mundo, não quer dizer que vamos deixar de ter prazer em comê-lo. Contudo, esta visão atomista do amor – que é feita de mecanismos e processos cerebrais – mostra-nos uma realidade descontextualizada do mundo vivido. Por isso é que uma das mais conhecidas investigadoras na área do amor e das neurociências, Helen Fisher, é uma optimista acerca da história do amor e do seu futuro. Eu cá aconselho muita cautela nestas interpretações. Não só porque sou uma pessimista, mas porque não conseguiria funcionar sem uma representação do mundo complicado em que vivemos. Será que o amor se manteve o mesmo ao longo de tantos de existência da nossa espécie? Que são entre 200.000 e 100.000 anos? Eu diria que não. O amor, que é uma forma tão inata de ser, de estar e de cuidar, por mais natural que possa parecer, não é totalmente reproduzida de geração em geração. O sexo, que também é daquelas necessidades biológicas básicas das nossas vidas, também não se manteve o mesmo na nossa espécie. Estas necessidades levam uma roupagem cultural e social que lhe conferem variabilidade e imensa criatividade – que é trabalhada e transformada em conjunto. Por exemplo, quando alguém me vem dizer que o amor em nada se alterará mesmo que as nossas artes de sedução se tenham alterado drasticamente (e aqui estou a pensar nos auxiliares tecnológicos), porque os mecanismos do amor (no cérebro) são sempre os mesmos… Eu pergunto-me: exactamente como? Quando é que nos limitamos a sentir o corpo como um ditador de funções e não ouvimos as nossas complicadas cabecinhas acerca de quem somos, onde estamos, para onde queremos ir ou do que é que estamos rodeados? Por mais que se queira reduzir o amor a um processo neuro-cognitivo eu não deixo de pensar no conteúdo deste processo que é muitas vezes ignorado (e dado como redundante) nestas perspectivas mais neurológicas. Não estou de todo a julgar o ser humano como umas tabulas rasas do sexo e do amor e a pensar-nos totalmente permeáveis a tudo o que acontece à nossa volta. Nada disso! O amor há-de ter uma essência semi-universal para a forma como nos relacionamos e criamos laços vinculativos com os nossos parceiros românticos e amantes. Mas que as formas de expressão são mais que muitas, disso não tenho dúvidas nenhumas. O sexo transforma-se não só naquilo que precisamos, mas naquilo que desejamos que o sexo seja – e o amor também.
Tânia dos Santos Sexanálise VozesCrises [dropcap style≠’circle’]N[/dropcap]inguém gosta muito da ideia de que está a envelhecer. A determinada altura das nossas vidas recusamos aniversários porque são a lembrança de que estamos a contabilizar anos nos nossos ossos, músculos e pele. A meia idade talvez seja dos momentos mais difíceis: lembramo-nos que a melhor metade das nossas vidas já se foi e que a próxima provavelmente será de declínio. Daí que haja um momento de profunda confusão onde o passado e o futuro se encontram, que é como quem diz, a ‘crise de meia idade’. As consequências para a forma como nos vemos sexual e romanticamente, são tremendas. Vemo-nos menos desejáveis e, sexualmente, começamos a encontrar outro tipo de obstáculos ao prazer pleno, inerentes ao envelhecimento do corpo. Estes são normais momentos de transformação física e psicológica que têm que ser trabalhadas de forma individual ou em casal. Muitas vezes os divórcios coincidem com estas alturas – Por alguma razão será, não é? As nossas identidades têm que se ajustar a uma realidade do envelhecimento… numa sociedade que preza o culto da juventude. Ninguém ensina ninguém a envelhecer graciosamente, a sociedade ensina-nos que temos que controlar a corrida do tempo de todas as formas possíveis. Tanto os homens como as mulheres nestas condições de meia-idade, e particularmente, no estatuto de recém-solteiros, começam a perceber que não é tão fácil engatar. As mulheres temem confirmar que a sociedade já não as acha bonitas como antigamente e os homens procuram desesperadamente provar que ainda têm controlo das suas vidas amorosas e sexuais. Eu sugiro que as tentativas de adaptação serão diferentes dependendo do género a que nos referimos. Por uma questão prática, e não factual, vamos pôr uns homens num saco estereotípico e as mulheres noutro. A crise de meia idade masculina vai ter a minha particular atenção. As tentativas de lidar com uma auto-estima estilhaçada passam por comprar carros desportivos e ‘experimentar’ coisas novas. Coisas novas que passam por fazer novos piercings, começar frequentar saídas nocturnas e dançar ao som do novo milénio, com os mesmos passos de dança dos anos 90. E sim, esta é uma fase de vida que já foi gozada vezes sem conta na cultura popular, mas se me permitem o tom pessimista, acho muito triste que a ansiedade e depressão sejam alimentadas pelo simples reconhecimento de que ninguém vai para novo. O envelhecimento é um facto irrefutável da condição humana, que se tentarmos lutar contra ele, o resultado será longe de positivo – vai ser destrutivo. Entretanto aturamos as dificuldades psico-emocionais de alguns homens que não conseguem olhar para os desafios da outra metade da vida de forma saudável. Ora, todos nós passamos por momentos difíceis, mas estas crises mostram-se particularmente relacionais e desenvolvem-se nas expectativas dos papéis de que homens e mulheres desempenham. Se me permitem a queixa, homens com quase 50 anos que procuram jovenzinhas para puderem saciar os desejos de juventude é um cliché daqueles que já me irrita. A semana passada tive a oportunidade de explorar a ideia de que o amor não escolhe idades e acredito genuinamente nisso. Mas também sei que certas dinâmicas relacionais dão espaço para perpetuar estas ‘crises’, particularmente masculinas, que evitam agarrar pelos cornos a ideia de que estão a ficar mais velhos, mais feios e mais flácidos. Mas se há quem consiga viver em negação é o homem que consegue seduzir mulheres mais novas. Não há nada como a fantasia de que o tempo na verdade não passa, e que a continuidade ou descontinuidade desta dimensão, é irrelevante.
Tânia dos Santos Sexanálise VozesO amor não escolhe idades [dropcap style≠’circle’]J[/dropcap]á diz a sabedoria popular que o amor não escolhe idades, seja isso porque o amor pode vir a qualquer fase das nossas vidas ou porque as nossas preferências amorosas não se prendem única e exclusivamente por sujeitos da mesma faixa etária. Se o amor não escolhe idades, o sexo também não escolhe idades. Não me venham cá com lenga-lengas de que relacionamentos com parceiros mais velhos ou mais novos são reflexo de ‘recalcamentos’, má resolução de processos de vinculação ou que possam ser encarados como problemas psico-emocionais. Aconselho muita calma nesses julgamentos. Todos já reparam que o mais recente presidente francês tem uma esposa com mais 24 anos do que ele. Por causa disso, o Macron já foi acusado de ter um casamento de fachada porque é um homossexual não assumido – casado com uma mulher só para satisfazer as expectativas heterossexuais. O que é que é problemático nesta discussão? Para mim, nem é a homofobia associada, mas o facto de uma mulher de 60 anos ser automaticamente cunhada como não desejável – porque raio um homem se sente amorosa e sexualmente por uma mulher com rugas? Deve ser homossexual! Pois, a assumpção social não é a regra, felizmente. Olhemos agora para o mais recente presidente brasileiro, que tem uma esposa 43 anos mais nova do que ele. Alguém acha atípico? Nem pensar. Devem pensar que o dinheiro compra esposas belas, novas e jeitosas, mas ninguém dúvida da virilidade do homem, vulgo, da heterossexualidade do homem. Porque estar com uma mulher mais nova é mais natural do que estar com uma mulher mais velha. E assim o pessoal anda a julgar relacionamentos heterossexuais de acordo com as expectativas de beleza femininas. Porque, infelizmente, as mulheres (mais do que homens) têm um prazo de validade mais precoce. O que faz com que seja normal que homens com mais de 70 anos tenham mulheres jovenzinhas, mas o contrário seja mais criticado e duvidado até (!) – talvez seja altura de pôr essas ideias em causa, para paramos de encontrar homens que digam qualquer coisa como: ‘achei uma mulher de 50 anos sexy, o que é se passa comigo?’ Não se passa nada de errado com ninguém. Acho que ninguém dúvida que o cupido possa enviar umas setinhas românticas a casais com diferenças de idades de mais de 20 anos – e que possa haver paixão, tesão e desejo. Seja ele o mais velho ou ela a mais velha, sejam casais heterossexuais ou homossexuais. Os desafios, é que são uns quantos, sim. Os julgamentos do sociedade alheia podem não ser muito simpáticos – são mais vezes reprovadores que outra coisa. Os ditos ‘especialistas’ em relacionamentos cunham certas constelações relacionais como trágicas à partida. Mas na minha humilde opinião, o que me parece desafiador num relacionamento entre dois seres com uma grande diferença de idade (quasi-geracional) não se prende tanto com questões de maturidade-imaturidade (que todos sabem que não depende da idade). Por mais que os membros de um casal possam ser feitos um para o outro e encaixem na perfeição na forma de ser e de serem, uma pessoa de 25 anos e uma pessoa de 40 anos podem perspectivar objectivos de vida diferentes – e isso pode ser problemático. Se antes era dado adquirido que todos trabalhavam para terem uma casa, puderem casar e ter filhos, hoje em dia a imagem não se pinta bem assim, e a panóplia de possibilidades e de estilos de vida multiplicam-se. E as constelações, até as mais perfeitas, podem partir-se, por não estarem em sintonia com o que um e o outro querem fazer. Imaginem lá uma mulher de 35 anos a querer ter filhos com um homem de 25, que se calhar não se sente tão capaz de se aventurar na paternidade? O amor não escolhe idades, mesmo. E o amor também não escolhe tão acertadamente trajectórias de vida semelhantes e/ou momentos que possam estar em mais sintonia. Para além disso não há mais nada, nem daddy issues, nem complexos de Édipo mal resolvidos. Descompliquem!
Tânia dos Santos Sexanálise VozesSexo a longo-prazo [dropcap style≠’circle’]Q[/dropcap]uando um casal já tem muitos anos de convivência, o sexo vai sofrendo algumas alterações. Se no início da relação o sexo é gozado durante horas e com frequência, quando uma relação já tem uns anos, é normal que a frequência sexual se reduza. São nestes momentos que comuns mortais tendem a debruçar-se acerca do segredo para um relacionamento duradouro e uma vida sexual feliz. Há livros, filmes e conversas que tentam auxiliar na (re)descoberta do sexo quando o casamento já tem mais do que 30 anos. A reflexão pode ser geracional, social, relacional ou familiar: há várias formas de olharmos este caleidoscópio dos relacionamentos duradouros e do sexo. Podem pensar no envelhecimento, e na tendência de se julgar que o sexo deve ser gozado por um grupo etário somente. Podem pensar nas dinâmicas familiares e na vinda de uma criança, que afecta o estilo de vida e a disponibilidade para nos sentirmos sexy e querermos mais e bom sexo. A Esther Perel, no seu livro que se intitula ‘Mating in Captivity’ – versão Brasileira ‘Sexo no Cativeiro’/versão Portuguesa ‘Amor e Desejo na Relação Conjugal’ – tenta ir mais além ao explorar o paradoxo do amor e do sexo. A proposta vai contra a forma que normalmente achamos que o amor e o sexo se relacionam. O amor e o sexo não são necessariamente duas faces da mesma moeda, são duas necessidades relacionais, sim, que apesar de estarem interligadas, precisam de um equilíbrio que tem que ser trabalhado – como um malabarista. Se o amor vive da intimidade e da familiaridade, o sexo vive da descoberta, do entusiasmo e do imprevisível. A proposta para manter um relacionamento saudável é de manter vivo o paradoxo de que a intimidade e a paixão não são resolúveis, e que fazem parte de uma aventura que tem que ser abraçada. Aviso-vos de antemão que o erotismo e a intimidade não conseguem sobreviver com base em ‘prescrições’. Ou seja: a razão pela qual não é possível arranjar soluções fáceis e práticas para o paradoxo intimidade/erotismo é porque nem uma, nem outra, pode ser facilmente resolvida. A intimidade não se desenvolve porque se tem uma conversa sobre isso, nem o erotismo é fabricado. Não que queira desvalorizar o nossos esforços de manter uma relação íntima e erótica, porque eles são válidos (e.g. fazer jantares românticos semanais, falar sobre fantasias sexuais e tentar concretizá-las, etc.), mas um relacionamento é feito a dois, com as nossas emoções, desejos e dificuldades, que complica a dinâmica. O que precisamos de ter em mente é que a aventura tem que ser tida como uma aventura, e não como um problema a ser eficazmente resolvido. Isto sugere que o modus operandi de qualquer relacionamento é exactamente este – tentar lidar/articular ideias e desejos totalmente opostos. Mas a Esther, no livro supracitado, sugere uma forma de abordar a questão. Visto que temos dois valores em conflito, a familiaridade/intimidade versus o desconhecido/excitante, ela sugere que por mais próximos que nos sintamos com o nosso parceiro, temos que manter algo (um estado de ser) que também seja só nosso. O casal não pode ser uma amalgama sobreposta e única. Em culturas mais individualizadas, diz a Esther, é preciso criar limites do ‘nós’, do ‘eu’ e do ‘tu’ para que o casal funcione. O que é que isto quer dizer na prática é muito mais complexo do que isso, mas é assim explicado no abstracto: para que o sexo e os sentimentos eróticos ainda estejam a ‘bombar’ após 30 anos de convivência é preciso manter um estado descomplicado individual, para além do casal. Assim o sexo é alimentado pelo nosso sentido de mistério/individualidade e melhorado pela nossa proximidade como casal. Não consigo fazer justiça aos conceitos e ideias explorados pela Esther Perel em tão curto espaço de escrita, mas queria convidar o leitor a reflectir sobre esta dinâmica da relação conjugal e a procurar maior teorização acerca do que somos como pessoas e como parelha (ou família poliamorosa, como quiserem). A sujeita também tem muitas palestras online para melhor reflectir acerca do relacionamento – e de que formas podemos redefini-lo e entendê-lo. Mas também sugiro cautela, porque quando opinamos sobre determinado tópico, fazemo-lo com base num registo/referência sócio-cultural que não se aplica a todos. Mas no que toca ao amor e ao prazer do sexo, do que custa reflectir?
Tânia dos Santos Sexanálise VozesPés de Lótus [dropcap style≠’circle’]O[/dropcap]s pés de Lótus já são difíceis de encontrar. Em 2015 ainda se encontravam as últimas 50 mulheres na China com pés de Lótus, mas em 2017 já ninguém sabe quantas são ao certo. Estas são mulheres com idades avançadas, muitas delas com uma centena de anos. A aspiração por uns pés de lótus (felizmente) caiu em desuso, e ninguém das gerações chinesas mais recentes, que se saiba, desenvolveram a prática. Aliás, é uma prática proibida, durante o período de Mao, nos seus desejos de libertação de uma China feudal antiga, as mulheres foram proibidas de continuar tradição de reduzir os seus pés aos desejos masculinos. Na altura houve uma campanha de censura, onde os polícias faziam questão de pendurar as ligaduras dos pés nas janelas das pessoas que ainda continuassem com a prática – para que fossem publicamente humilhadas. Estas são mulheres que quando tinham cinco e seis anos começaram a amarrar os pés para encaixar nas expectativas de beleza e sensualidade que persistiram na China durante muitos séculos. Um pé de 7,62 cm era considerado uma flor de lótus de ouro, outros tamanhos maiores recebiam medalhas de prata ou de latão. A competição era feroz. As mulheres podiam assim usar os famosos sapatinhos, de tamanhos pequenos, mas de grande beleza. Como podem calcular a locomoção não era o seu grande forte. Há quem considere que esta exigência estética servia para reduzir as mulheres a um papel imóvel, dependente e estritamente sexual. Contudo, os poucos passos que estas mulheres conseguiam fazer sinalizavam alto estatuto social. Só quem não trabalhava é que se podia dar ao luxo de não poder andar. Mas quando andavam, dizem certas fontes, estes pequenos e meticulosos passos permitiam uma dança de ancas altamente erótica, parte integrante do imaginário sensual chinês. Há quem diga também que esta forma particular de exercitar o sistema locomotor permitia um reforço sem precedentes da área pélvica e dos músculos da vagina, garantindo o prazer durante o coito. Portanto, esta tradição não era respeitada por uma questão puramente estética, havia uma expectativa sexual associada. O esforço certamente que não valia a pena: esta era uma prática que envolvia muitas dores, maus-cheiros, cuidados extremos, e potenciais consequências extremas, como gangrena. Mas na altura esta tradição permitia que as mulheres tivessem mais controlo sobre as suas vidas, e assim encontrar um bom marido e subir para classes mais dignas. E isto envolvia partir os ossos dos pés, vezes e vezes sem conta, de forma sistemática e cruel. O alívio é geral quando pensamos que já ninguém se envolve nestas práticas, mesmo que tenham sido outrora uma norma social respeitável. A última fábrica de sapatos-mini fechou no final dos anos 90, simbolizando um fim de uma era de tortura. Porque é que esta forma de lidar com os pés femininos se tornou uma tradição é que ninguém sabe ao certo. A teoria mais mencionada tem que ver com uma dançarina da corte, Yao Niang, que dançava para o seu imperador com os pés atados em forma de meia lua, ornamentados com fitas e pedras preciosas. A partir daí provavelmente pegou por entre outros membros da corte, e virou moda. Mas não nos podemos iludir em pensar que as mulheres já não têm certas pressões para aparecerem de certo modo ou falarem de certo modo nos dias que correm. Há algum orgulho em pensar que já ultrapassámos práticas violentas contra mulheres, como é o caso de partir os ossinhos dos pés, mas ainda estamos longe de chegar a uma fase livre de exigências. Se não são os pés, são outras coisas, que levam as mulheres a desenvolverem certas práticas ou a irem a cirurgiões plásticos – desde muita tenra idade – porque querem o corpo de certa forma, para ir ao encontro do que os outros esperam que ela seja.
Tânia dos Santos Sexanálise VozesMais Amor [dropcap style≠’circle’]J[/dropcap]á não é a primeira vez que me debruço sobre a temática do amor, e muito provavelmente não será a última. O amor sustenta as complicadas relações humanas, não fossem estas necessárias para a nossa sobrevivência. Digo isto porque nós, seres humanos, para além de dotados de uma cognição individual, somos parte de um colectivo material e imaginário que cria e recria os nossos significados e conteúdos que mantêm a nossa espécie – graças às nossas capacidades relacionais. Por seu turno, o amor romântico é a tentativa supra-relevadora de levar os nossos significados, facilidades ou dificuldades a uma interacção a dois. Imaginem-se a dançar um tango em contexto de competição sem nunca sequer ter tido aulas de dança! Acho que os relacionamentos românticos podem partilhar um misto de excitação e de nervoso miudinho, ao mesmo tempo que percebemos que não sabemos o que raio estamos a fazer, nem com o amor, nem com as pessoas que amamos. Mas quando percebemos e começamos a afinar algumas das aprendizagens… então aí o amor consegue transportar os relacionamentos humanos ainda mais além do espaço e do tempo, e de uma forma ainda mais intensa. Uma coisa que já reparei é que ninguém ensina ninguém sobre o amor e sobre o quão difícil os relacionamentos podem ser. Por isso é que esta semana me disponho a tomar essa posição explícita: o amor não é fácil. Não é fácil de encontrar e também não é fácil de ser mantido no tempo, com as mesmas formas e características. O amor está sempre em mutação, seja porque é uma representação social (da sociedade) sempre sujeita a vectores discursivos ou seja porque cada um vive (percebe) o amor à sua maneira e depois tenta fazer sentido em conjunto, com um parceiro. Talvez porque o amor é daquelas invenções humanas que nunca esteve destinado a ficar-se por um estado estático e aborrecido. Iniciado o mote, gostaria de alertar que o objectivo não é assustar ninguém acerca da exequibilidade do relacionamento amoroso, porque disso não tenho dúvidas que seja possível. Contudo, acredito para que de facto isso aconteça é preciso trabalho, trabalho, disponibilidade, disponibilidade, este mantra sucessivo, esta lenga-lenga interna de que são necessários alguns cuidados para que as coisas possam funcionar. Tudo o resto nos diz que o amor é mágico, maravilhoso e fácil. As pessoas conhecem-se, dão-se muito bem, querem-se muito ou precisam-se muito e embarcam numa aventura amorosa et voilá! Mas temos que reforçar que nem mesmo um perfeito fit inicial pode ser um preditor de um relacionamento para a vida… Vão sempre acontecer percalços, que serão mais do que supérfluos, vão ser profundos. Ao relacionamento trazemos as nossas características positivas, mas também levamos a nossa bagagem emocional, fruto de experiências pouco agradáveis, mas que tentam formatar as nossas cabeças para lidar com os outros. O amor nasce, por isso, de uma aprendizagem pela intimidade e cumplicidade que se acompanha dos nossos medos. Estas são dificuldades relacionais e emocionais que todo o mundo tem. Garanto-vos que não há homo sapiens neste planeta que esteja limpo de problemazinhos que afecta a forma como nos vemos e vemos os outros. Eu gostava que me tivessem dito isso, que os nossos problemas e complicações voltam sempre, mesmo que tenhamos conhecido o parceiro das nossas vidas. E que aprender a lidar com estas coisas faz simplesmente parte do processo e não há mal nenhum nisso. Mas é preciso que as expectativas em relação ao amor romântico estejam adequadas. O amor não nos salva de estarmos sozinhos, ou de todos os males que nos assolam, mas ensina-nos a estar em conjunto e em parelha. Desde que consigam manter a lenga-lenga de que um relacionamento romântico e sério exige trabalho e suor, posso dar-me por satisfeita. Porque precisamos sempre de mais amor, o amor nunca está de menos. Mas saber lidar com ele é como domar uma fera que só conhece a excitação dos espectáculos de circo e que agora lida com o mundano, com o quotidiano, e com as dificuldades emocionais de cada um. O amor que nos traz o êxtase, também nos traz insegurança e é esse o desafio que temos que aprender a ultrapassar. Precisamos sempre de mais amor, e depende de ti adicioná-lo. Aqui e ali, e no mundo.
Tânia dos Santos Sexanálise VozesSabem o que aconteceu durante a semana passada? [dropcap style≠’circle’]S[/dropcap]abem? Não? Permitam-me que me refira a alguns eventos relacionados com sexo e género dos últimos dias. Hoje cá me fico a enumerar e a comentar muito brevemente o que se passou, que poderá (mais ou menos) ter passado despercebido. 1. Mais direitos LGBT a Taiwan! Pois é, confesso que não estava a espera de ver acontecer tão cedo em países asiáticos. Foi com imenso orgulho e satisfação que recebi a notícia de que Taiwan tornará o casamento homossexual uma realidade. Haver reconhecimento constitucional e político das minorias sexuais, é um passo gigante na luta contra o preconceito que ainda ronda. Quando este reconhecimento ainda não existe, como em Macau, é normal que as pessoas se sintam privadas de direitos, ou, se sintam ‘cidadãos de segunda’. Estas conquistas são ainda mais importantes quando pensamos que ainda durante esta semana, na Indonésia, dois rapazes foram chicoteados 83 vezes em público (a sanção original era de 85 chicoteadas mas como passaram dois meses na prisão, retiraram-lhes duas) porque foram apanhados a fazer amor. Na Chechénia ainda existem campos de concentração com o único propósito de maltratar e ‘re-educar’ homens homossexuais. Com este clima internacional, é com ânimo que ouvimos acerca desta tão merecida conquista da comunidade LGBT. 2. Mexeu com uma, mexeu com todas Vou mudar o foco geográfico para esta: sabem o que aconteceu na queima das fitas do Porto este ano? Muita bebedeira, como sempre. Entre outros incidentes que vocês possam imaginar, é lançado um vídeo num autocarro, com imensa gente a assistir, do que parece ser uma clara prática de abuso. Um miúdo (com o apoio da sua turminha) abre a braguilha das calças de uma rapariga que está completamente ‘fora’ de bêbeda, e começa a tocá-la, enquanto riem de gozo. Ora, este infeliz incidente expôs uma discussão muito séria na esfera pública portuguesa: afinal o que é abuso? O que é consentimento? As respostas dos media e da sociedade em geral não foram muito satisfatórias, daí que tenha incentivado um pequeno movimento de ‘mexeu com uma, mexeu com todas’. Em várias cidades portuguesas mulheres e apoiantes da causa juntaram-se para dar voz contra o machismo e à objectificação feminina que ainda existe. Mas há quem conteste, há quem ache que essa luta não tem fundamento. Mas sempre que continuem a culpabilizar as mulheres por agressões sexuais (como alguns cronistas portugueses o fizeram) lá estará o activismo, o feminismo, a gritaria, e o pessoal todo de bom senso a fazer uso da sua voz para desconstruir a discriminação de género. 3. Higiene Menstrual O dia da higiene menstrual celebra-se a 28 de Maio. Poderão pensar, porque raio haveria de existir tal dia? Então, lembram-se de eu já ter dedicado algumas palavras ao tabu que é a menstruação? Pronto, por causa disso, as pessoas acanham-se de falar acerca dos cuidados a ter e as formas mais saudáveis de lidar com a menstruação. Há casos extremos, como o Nepal. O Nepal é um país com a crença de que uma mulher menstruada é mau agoiro. Por isso, as mulheres da família, uma vez por mês, são obrigadas a dormir fora das suas casas, são proibidas de tocar em frutas ou plantas para não ‘matá-las’ e não podem atravessar o rio porque ficam amaldiçoadas. Claro que o Nepal tem crenças bastantes extremas, mas eu cresci a ouvir de que mulheres menstruadas não deveriam tentar fazer bolos, porque vai correr mal, e que não podiam estar próximas de instrumentos de corda, porque as cordas poderiam rebentar. Não é só o mundo rural ou em desenvolvimento que precisa de um toquezinho ou outro acerca da menstruação, como podem ver. É um fenómeno global. Até as mulheres mais citadinas e melhor informadas não sabem tudo acerca das suas menstruações. Soube há pouco tempo que casos sérios de síndrome pré-menstrual estavam a ser vulgarmente confundidos com doença mental, como distúrbio bipolar e depressão. Até a nossa medicina parece estar pouco à vontade com os assuntos relacionados com o nosso ‘sangramento’. E pronto. Esta foi a semana, para a próxima há mais.
Tânia dos Santos Sexanálise VozesLibertem os mamilos [dropcap style≠’circle’]S[/dropcap]erá que é assim tão simples, libertar os mamilos? Eu diria que não é fácil. Há qualquer coisa de especialmente escandaloso, chocante e perverso no mamilo, feminino, claro! Não que esta seja a minha opinião mamária (muito pelo contrário), mas o meu contacto diário dá-me a entender que esta é a opinião geral. Tópicos como sutiãs, aleitamento ou cancro da mama revelam os macaquinhos conceptuais e a constante censura da aréola mamária. Às raparigas/mulheres desde muito tenra idade que lhes são incutidos sutiãs, um obrigatório rito de passagem assim que as picadas de mosquito começam a ganhar uma forma melhor ajeitada. E assim continuamos, usamos sutiãs atrás de sutiãs, e umas aprendem, melhor ou pior, a lidar com o desconforto dos arames e dos enchimentos. As dificuldades são eternas, entre encontrar o tamanho absolutamente perfeito para a felicidade das nossas mamas, a decidir qual o formato desejado para o nosso peito. Dificuldades que existem desde a clássica obsessão pelo espartilho – a problematização do peito feminino não é de agora. Há quem se liberte da ditadura do sutiã porque até a ciência já provou ser mais saudável assim fazê-lo. Libertem a mama e o mamilo! Mas haverão consequências. Basta nos aventurarmos a ir para a rua com as meninas a baloiçarem livremente em contacto directo com a nossa t-shirt que vamos ser alvo de olhares – e quiçá de comentários. Nem parece que foi há muito tempo (nos anos 60 e 70) que parecia muito mais normal deixar as mamas livres de armação. Desde então que o pudor se intensificou, em vez de ter diminuído. E sejamos claros, não é a mama em si que incomoda – porque somos bombardeados por imagens de decotes generosíssimos – mas a existência do mamilo. A protuberância, o alto, o espevitado, o relevo, qualquer mera lembrança de que os mamilos existem no corpo da mulher e de repente tudo se torna muito mais provocatório. Esta teimosia em perceber os mamilos femininos como uma arma de provocação sexual infalível dificulta a conversa acerca de outros tópicos bastante normais, como por exemplo, falar do cancro da mama ou lidar com o aleitamento. Chegou ao ponto de anúncios de sensibilização pela prevenção do cancro da mama terem que utilizar mamas masculinas para mostrar como é que a apalpação é feita. Como as mamas femininas (detentoras de mamilos) são censuráveis pelos meios de comunicação, tiveram que pegar num homem de algum peso, com alguma gordura mamária, para ensinar como é que se pode prevenir o cancro da mama (que apesar de haver alguma incidência nos homens, tem maior incidência nas mulheres). O aleitamento, então, nem se fala. Há depoimentos de mulheres a amamentar os seus filhos em público e que foram criticadas por terem-no feito, a ponto de serem expulsas fora de um avião! Irónico, não é? O mundo força e reforça que o leite materno é o melhor suplemento para o crescimento de uma criança saudável e depois? Tem se ser feito à porta fechada ou devidamente tapadas. Ai delas se tiverem um mamilo à solta em público! Os mamilos são assim, muito úteis e grandes proporcionadores de prazer, mas censurados até ao tutano quando… os homens também têm um par e ninguém os chateia por terem-nos ou não à mostra. Até lá sofremos os dilemas de querer andar confortavelmente livres sem sutiã, ou mostrar um ou outro mamilo a nosso bel-prazer.
Tânia dos Santos Sexanálise VozesRetratos [dropcap style≠’circle’]P[/dropcap]ego numa máquina fotográfica e tento capturar a essência do sexo. A imagem enche-se de cores e diversidade que enquadram os protagonistas: o prazer e a vergonha. O prazer luta pelos seus direitos enquanto que a vergonha tenta atrofiar qualquer tentativa de legitimidade prazerosa. Este conflito é constante, repito, constante. As nódoas negras são visíveis, mas esta é daquelas lutas inevitáveis que têm que ser travadas. Contudo, este retrato pseudo-global não mostra que a tendência será a repressão sexual, e aí o Foucault também concordaria. A variedade, a disponibilidade para uma exploração sexual plena – e individual – surgiu da nossa capacidade, como sociedade, de criar espaços de discussão para que assim acontecesse. Fomos capazes de enaltecer o prazer e o bem-estar para formas supremas do ser, mesmo que nos pareça que haja fortes contra-correntes a contestar esta possibilidade. O sexo é tão natural e primitivo como intelectual. A complexidade emocional, fisiológica, biológica e mental poderia ser a protagonista deste retrato, mas prefiro pô-la no pano de fundo, como as estruturas necessárias para que o entendimento sexual evolua. O retrato reflecte a eminência da libertação sexual, e isso será possível quando a política da culpa substituir a política do prazer. Na cultura popular a sexualidade é vista como uma forma rentável de lidar com o mercado. Pensamos que o mundo ocidental é ‘liberal’, mas só o é para fins comerciais – porque o sexo vende. A hiper-sexualização social tem sido bem sucedida a mascarar o pudor que o sexo ainda é. As ‘minorias’ sexuais são as que ainda mais levam por tabela. Aqui incluem-se as mulheres também. As mulheres que de minoria não têm nada – são metade da população mundial – mas que são tratadas como se a luta pelos seus direitos sexuais fossem desnecessários. Se me perguntarem, o retrato do sexo teria que incluir estas novas nuances discriminatórias com que me deparo diariamente, quando tento incutir em muitas cabeças de que há processos interpessoais que (ainda) afectam as mulheres particularmente – e que têm que ser alterados. Se calhar este retrato merecia uma atenção particularmente feminina, particularmente queer, particularmente trans. Não que queira deixar os homens heterossexuais para atrás! Nem pensar. Só que eles foram os protagonistas do sexo por demasiado tempo, já tiveram direito à sua voz. Uma nova era impõe-se. Imaginem tempos onde o prazer consegue o seu lugar na ribalta! Talvez seja útil pensarmos no sexo mais em relação aos seus potenciais objectivos e dissociá-lo de formas patriarcais que teimam em flutuar – até nas cabeças ditas mais progressivas – incessantemente, descontroladamente. Não sei se consegui fazer com que este retrato tivesse mais forma, ou se continua difuso, confuso e complexo. Talvez o retrato do sexo consiga se expressar melhor no abstracto, no não dito, no emotivo íntimo. Ou talvez precise de corpos, de erótica de bom gosto que combata a pornografia barata que anda por aí a (infelizmente) formatar cabecinhas. Eu consigo imaginar corpos, muitos corpos que abraçam a pureza que a intimidade do sexo lhes traz. Posso imaginar também uma pessoa, ou um só sexo para reforçar a nossa individualidade sexual, as particularidades do que nos atrai e do que nos excita. Talvez uma máquina fotográfica não seja a ferramenta mais indicada para capturar tudo o que viaja na nossa imaginação. Talvez o sexo, o prazer e o tabu já não conseguem viver dissociados. Talvez o sexo tenha que ser assim mesmo.
Tânia dos Santos Sexanálise VozesFricção Científica [dropcap style≠’circle’]E[/dropcap]stamos mais perto do futuro do que julgamos. O mundo do sexo, que já é pouco complexo, terá formas de inteligência artificial em corpos robóticos de silicone já no final deste ano, pela singela quantia de 15.000 dólares americanos. Quais serão as consequências do crescente realismo irreal, do desenvolvimento tecnológico cada vez mais fiel à forma humana? Ninguém sabe. Há opiniões mais optimistas e outras mais pessimistas, com argumentos sensatos para ambos os lados. Claro que este debate não teve o seu início agora, i. e., agora que querem incluir Inteligência Artificial (IA) nas famosas bonecas de borracha. Toda a discussão sobre a objectificação sexual começou assim que se começaram a criar estes objectos que pretendem ser substitutos ao sexo com um outro ser humano. Por exemplo, as bonecas de borracha são desenhadas de forma a agradar o público consumidor e por isso têm corpos atípicos para a normalidade feminina. Um pouco como o problema da Barbie, se estas bonecas de facto andassem teriam proporções que as incapacitariam de andar de todo. Rabos grandes, mamas gigantes, lábios carnudos, mamilos como vocês preferissem. Estas bonecas que são desenhadas à luz dos desejos do seu comprador reflectem que as escolhas sexuais actuais estão muito enviesadas para reflectir o mundo da pornografia – e não o mundo que consideramos real. O que o desenvolvimento tecnológico agora permite é adicionar um discurso coerente e dialógico para dar vida a estes objectos. Confesso: assim que vi um vídeo de uma boneca de silicone a interagir com um ser humano, a explicar-lhe as suas preferências sexuais (diz ela que gosta de homens e mulheres por igual) e que fará de tudo para se tornar na melhor companhia possível (diz ela que quer satisfazer os desejos do seu dono), fiquei um tanto ou quanto incomodada. Por mais que os criadores reforçassem a ideia de que este tipo de produto está a ser desenvolvido porque (1) há procura e (2) vai fazer muita gente muito feliz, fiquei presa em conversas comigo própria sobre ética, em particular, a ética dos robots. Estão a ser criados objectos à imagem do corpo humano que falam como humanos mas que não têm livre arbítrio. Estas são ‘coisas’ que supostamente irão substituir certas relações humanas – de alguém que não existe e nunca existirá. Todos temos vontades, apetites, preferências e desejos que quando duas pessoas se encontram poderão entrar em conflito. Com um robot que fala (ainda por cima) poderemos moldá-lo exactamente como o quisermos e não teremos que nos dar ao trabalho de ceder ao que quer que seja. Estes robots (e outros) representarão a escravatura do séc. XXI, mas não há problema, porque o robot não sente absolutamente nada! Não sente dor nem injustiça! Não estaremos a maltratar ninguém porque o robot é desprovido de consciência ou de humanidade ( mas que em breve poderá sentir… os engenheiros que se debruçam no projecto querem desenvolver mecanismos sensoriais para que o robot possa chegar a atingir um orgasmo… um robogasm). Há campanhas que querem banir o desenvolvimento destas tecnologias para tais fins, mas há quem entenda que isto até pode ser um passo importante para a forma como percebemos o sexo e as relações humanas. Todo o desenvolvimento tecnológico em redor da indústria do sexo tem permitido que uma diversidade de pessoas tivesse direito a uma vida sexual mais digna. Das opiniões que li, há relatos acerca do uso de tecnologia para o desenvolvimento de ferramentas ao auxílio de quem já não pode ter sexo. Os robots do sexo seriam um passo ainda mais adiante capaz de, por exemplo, satisfazer adultos com dificuldades de aprendizagem e que não são capazes de levar a cabo a sua sexualidade nas formas que nós melhor conhecemos. Os medos e os anseios são reais e estão associados ao desenvolvimento tecnológico em geral. Se ficamos ansiosos porque não sabemos exactamente como os smartphones andam a influenciar as nossas vidas, o mesmo acontecerá com estes robots que vêm do mundo do sexo. Esse mundo polémico e complicado… mas que traz felicidade a muitos. Destaque Os medos e os anseios são reais e estão associados ao desenvolvimento tecnológico em geral. Se ficamos ansiosos porque não sabemos exactamente como os smartphones andam a influenciar as nossas vidas, o mesmo acontecerá com estes robots que vêm do mundo do sexo
Tânia dos Santos SexanáliseSaúde Feminina dropcap style=’circle’]P[/dropcap]ara este exercício reflexivo tentarei de alguma forma pensar na saúde sexual feminina no debate médico contemporâneo, onde a medicina convencional está muitas vezes em conflito com as ditas medicinas alternativas. Não sou pessoa para defender um discurso anti-científico. Nada disso. Mas apresentar-me-ei aqui como alguém que se sente perdida nesta encruzilhada que pode ser a tensão entre a medicina tal como a conhecemos e a medicina holística e de prevenção, em particular, quando falamos do sexo feminino. A saúde sexual feminina tem como especialidade médica a ginecologia. Qualquer mulher de qualquer idade verá com regularidade um médico assim que se tornar sexualmente activa. Este médico irá sentá-la numa geringonça, que é uma cadeira, e inspeccionará a vulva, a vagina e o colo do útero. Todos estes detalhes do órgão reprodutor feminino serão analisados para determinar a sua saúde e normalidade. Quantas de nós não visitou a especialidade com queixas de desconforto, com corrimentos esquisitos ou dores estranhas? Lá somos vistas, medicadas e, se tudo correr bem, não precisaremos de voltar tão cedo. Só na nossa próxima sessão de rotina anual. Até aqui, tudo bem. Não fosse a minha surpresa de nunca me terem informado exactamente como posso manter as minhas partes femininas saudáveis. Em qualquer outra especialidade poderão informar-vos de preferências alimentares, exercícios ou outros cuidados a ter. Em relação à saúde sexual feminina, será que há uma educação aberta, bem informada e clarificada do que devemos e não devemos fazer? Estes recantos femininos podem ser completos desconhecidos para quem os detêm. O desconforto em falar das nossas partes mais íntimas faz com que seja difícil falar abertamente de como manter o nosso sexo saudável – ou de como evitar irritá-lo. Uma perspectiva mais holística de saúde vos dirá uma data de coisas, até que o vosso nível de stress pode afectar a forma como a vossa vagina se sente (mas tudo é afectado pelo stress, não é?). Trata-se de um ambiente tão delicado, um ecossistema tão bem coordenado que temos que ter cuidado em não perturbá-lo. Se a vagina tem poderes de auto-limpeza, isso só é verdade se ela conseguir encontrar o seu equilíbrio para tal. O que é que pode irritar as partes íntimas? (1) Roupa demasiado justa e, especialmente, de materiais sintéticos são má ideia. A delicada pele vulvar não será capaz de respirar de forma apropriada, e poderá provocar alergias e outros problemas. (2) Duches vaginais são desapropriados, colocar líquidos lá para dentro poderá perturbar toda a dinâmica. (3) As vulvas é que precisam de uma lavagem regular e cuidada, que deve ser feita com sabões sem cheiros, sem cores. Quanto mais simples, melhor! (4) Ter sexo sem estar devidamente lubrificada é puro masoquismo. Para evitar rupturas de tecido, ou dor em geral, verifiquem se estão em situação ideal para penetração e, se for preciso, peçam ajuda ao amigo lubrificante que é para isso que ele serve. (5) Cuidado com as depilações. Em outras ocasiões tentei reforçar que o look natural de pêlos púbicos são provavelmente a solução mais saudável, mas para quem quiser aparar, ou cortar por completo, recomenda-se que troquem de lâmina regularmente para evitar o desenvolvimento de infecções em pêlos encravados. A medicina convencional já começa a alertar-nos para algumas destas práticas, mas as medicinas alternativas vão para além destas recomendações e propõem receitas caseiras para situações regulares de mau-estar vaginal. Existem neste momento algumas modas alternativas para prevenir e/ou curar vaginites, e que têm gerado alguma controvérsia. Fala-se em banhos de vapor, tratamentos feitos com iogurte, alhos ou vinagre. A Medicina Tradicional Chinesa, por exemplo, também nos ensina que não devemos ingerir alimentos frios durante a menstruação para prevenir dores. Tudo isto parece-nos bem – mas os ginecologistas convencionais parece que não acham muita graça a estas sugestões dizendo que não há evidência científica para defendê-las. Sim, alhos provavelmente não são boa solução para curar o que quer que seja, por isso não os experimentem! Porque apesar de tudo, há muitas pessoas por aí que não sabem o que dizem. Mas há outras que até sabem, acerca do vinagre, por exemplo: uma colher de sopa de vinagre de cidra em um litro de água poderá ajudar a aliviar o desconforto vulvar provocado pela candidíase. Fica a dica da semana. Eu sou da opinião de que a saúde feminina seria muito mais interessante se não houvesse uma tensão entre medicinas. Esta tensão existe porque a natureza de cada uma delas não se alinha numa ideologia/paradigma. Especialmente quando falamos de saúde feminina, que ao longo da história da ciência foi gentilmente posta em desvantagem em relação a outras áreas. Em geral, a saúde nunca foi/é um tópico fácil porque envolve processos biológicos, fisiológicos, psicossomáticos e emocionais que ainda ninguém percebeu muito bem como se relacionam, mas que estamos por descobrir.
Tânia dos Santos Sexanálise VozesDia de beijos [dropcap style≠’circle’]D[/dropcap]ia 13 de Abril foi o dia internacional do beijo! Há quem diga que na verdade é no dia 6 de Julho, mas que raio interessa? Não precisamos de muitas desculpas para celebrar os beijos uma, duas, três, as vezes que quisermos por ano. Durante estes dias houve uma divulgação das fantásticas razões pelas quais deveríamos beijar cada vez mais. Há beijos para todos os gostos e vantagens de saúde para todos os gostos também. Incentivamos espalha-beijos (se consentidos!) para dias de primavera mais felizes e um sistema imunitário mais forte. Aliás, um estudo de 2003 mostra que beijar o vosso mais que tudo durante 30 minutos poderá ajudar a diminuir os sintomas de renites alérgicas. Alguém sofre de alergias de primavera? E mais, beijar queima calorias (poucas, umas 4 ou 5 calorias) e obriga o movimento de muitos músculos faciais. As trocas de saliva previnem as cáries e estimulam o sistema imunitário (a troca de bactérias põem o sistema a funcionar). Beijar também faz com o nosso sistema endócrino liberte aquelas hormonas felizes que nos relaxam e que melhoram a nossa vida. Este dia foi criado para não nos esquecermos que o beijo, para além da sua formalidade social e de muitas vezes ser considerado um pró-forma de sexo, pode ser apreciado por si só, na sua simplicidade e singularidade. Um momento de intimidade que poderia ser igual a um outro qualquer, mas que se caracteriza pela proximidade dos lábios e das línguas. Os bons beijos são longos – fazem parar o tempo, o espaço e prendem-nos a uma realidade única de proximidade com o outro. Claro que pode sempre continuar por actividades de trocas (ainda) mais marotas. Sexo sem beijos é possível mas acho que concordarão que não é o melhor. Consciente ou inconscientemente sabemos das vantagens das trocas de saliva e do toque de línguas sedosas e húmidas. A origem do beijo ainda não é clara e os antropólogos atiram com várias teorias. Uma delas é de que o beijo veio de alguma coisa parecida ao que os pássaros fazem aos filhos, passar a comida através da boca, outros dizem que desenvolveu-se através de um ‘snifar’ social que rapidamente se tornou num toque de boca, porque deve saber muito melhor enrolar a boca no outro do que o nariz (será que isso explica o beijo à esquimó aka inuit?). Outros falam em instinto, na naturalidade do acto, como se estivéssemos programados para beijar. Toda a normalidade que é o amor e a intimidade passa por descobrirmos o beijo e de o explorarmos a nosso bel-prazer. Claro que o beijo é um bom cartão de visita para conhecermos o outro melhor. Se os olhos são a janela da alma, o beijo na boca é uma ponte para entrarmos num mundo partilhado pelos dois. Por mais ou menos romântico que o vosso primeiro beijo tenha sido, de certeza que se lembram dele com alguma clareza. A surpresa que será sentir o toque das línguas pela primeira vez, e gozar uma ligação etérea de prazer. Na esfera pública, os beijos têm uma visibilidade mais reduzida (daí a importância dos dias internacionais) e nem sempre foram bem aceites. Os beijos podem ser considerados perversos. Já foram proibidos em vários países e em várias épocas e até foram censurados nos tempos áureos do cinema. O beijo do ecrã não podia durar mais do que x tempo, não poderia envolver língua e não poderia ser dado na horizontal. Agora já assistimos de tudo, e cada vez mais o beijo na boca começa a ser bem recebido, até em público. Porque se na China era difícil identificar um casal de apaixonados, já vemos, ainda com alguma timidez, alguns sinais de carinho em público, ainda que a norma seja deixar os beijos (e a intimidade) em privado.
Tânia dos Santos Sexanálise VozesO sexo dos insectos [dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] sexo dos insectos ensina-nos que não podemos confundir o que é normal do que é natural. Se o natural é o biológico e lógico do mundo animal, parece que os insectos estão a desafiar alguns conceitos de género, e a praticar tipos de sexo muito particulares. Parece que o normal para as criaturas de seis pernas não é o que uma mente pouco reflexiva pudesse assumir – porque está presa em conceitos de ‘naturalidade’ ocas. Há alguma facilidade por parte dos biólogos em estudar estas criaturas (são baratas, de fácil acesso) e de tomar algumas conclusões relativamente ao funcionamento humano. Aliás, para os mais aficionados na matéria, estas criaturas apresentam aquilo que seriam comportamentos de amor, zanga ou reconciliação, com um cérebro minúsculo e com a ausência de hormonas como as nossas – alguma coisa faz com que estas miniaturas consigam funcionar de uma forma tão organizada. Mas como os insectos são feios e como temos muito medo deles, temos alguma dificuldade em antropomorfizarmo-los e aprender o que quer que seja com eles. A proposta de Marlene Zuk no seu livro Sex on Six Legs: Lessons on Life, Love, and Language from the Insect World é de que temos que parar de recusar o que são propostas de normalidade dos insectos, e quiçá aprender alguma coisa com eles. As moscas, as abelhas, os louva-deus, os gafanhotos, as joaninhas ou os escaravelhos têm estilos de vida diferentes do que a nossa visão antropocêntrica poderá esperar – ao ponto de confundir muitos pensadores (e isto aconteceu durante a antiguidade clássica) com a ambiguidade dos papéis de género que os insectos apresentavam. Todos já sabem que uma colmeia é uma monarquia matriarcal, com uma chefe de estado feminina. O que o senso comum e as visões populares preconizam é que as abelhas trabalhadoras são machos – quem faz o trabalho, e desenvolve a vida da colmeia – quando na verdade são fêmeas. A autora do livro, bióloga, tem a sensibilidade de uma cientista social ao pensar porque raio é que a assumpção primária é de que as abelhas trabalhadoras são machos? E ninguém se informa, ou corrige, que as abelhas são na verdade, fêmeas (e responsáveis pela criação de um terço da nossa comida)? Também é o caso das formigas onde os soldados são as fêmeas, para grande surpresa do mundo em geral. Mundo geral esse que cresceu com filmes e series de animação onde as abelhas e formigas eram traduzidas a um mundo antropomórfico masculino (a excepção será talvez os que viveram a sua juventude nos anos 80 e que cresceram com a ideia d’A Abelha Maia). Claro que este tipo de confusão não é o fim do mundo, e provavelmente não passa de pura ignorância. Conseguimos, contudo, ter alguma noção sobre o nosso desconhecimento dos nossos companheiros invertebrados e do nosso viés em assumir que certas ideias são masculinas, quando que não deveriam haver receios em vê-las como femininas. Os insectos-fêmea têm poderes extraordinários na forma como procriam. Imaginem: estas criaturinhas podem copular com múltiplos machos e escolher o esperma que desejam de facto fecundar – aliás, podem guardá-lo para depois. O esperma só é utilizado quando ela quiser pôr ovos, seja isso daqui a uma hora, semanas ou meses depois do contacto sexual. Os machos tiveram que desenvolver mecanismos evolutivos para se protegerem destas estratégias que dão poucas garantias que a sua carga genética seja passada a outras gerações. Por isso é que os insectos têm pénis com picos, ganchos, i.e., mais parecem um canivete suíço, para certificar que o seu esperma se torne no vencedor. Estas curiosidades e outros detalhes da vida sexual dos insectos podem ser pesquisadas e analisadas no livro que foi a minha inspiração da semana, e também por essa internet fora. Podem deixar-se levar pelo mundo verdadeiramente fascinante do que são formas naturais de envolvimento e desenvolvimento sexual, que compõem uma possibilidade infinita de formas sexuais alternativas. É óbvio que não me pus a escrever a pensar que os homens deveriam ter um pénis a assemelhar um instrumento de guerra, não acho que exista uma lição de facto para ser aprendida – nada do que os insectos fazem poderíamos repetir em casa! Mas, quer queriam quer não, toda a investigação à volta do sexo dos insectos ensinam-nos acerca dos seus mecanismos evolutivos, e das tão criativas formas de desenvolvimento – e de inclusão! Porque no mundo fantástico dos insectos temos colónias compostas por maiorias arrebatadoras femininas, observamos comportamento homossexual e temos exemplares hermofroditas. Tudo de forma normal e muito natural.
Tânia dos Santos Sexanálise VozesBi [dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] M. é uma mulher especial como todas as outras – porque toda a gente é especial de alguma forma. A M. tem um corpo bonito, uns olhos penetrantes e um sorriso honesto. Ela faz parte da normalidade que é a média da curva normal da beleza contemporânea. A M. também orgulhosamente se assume como bissexual e já teve namorados e namoradas. Poder-se-ia pensar que se ela se sente atraída pelos dois géneros (ou mais, para não cairmos no binário) e por isso tem a vida muitíssimo facilitada – tem muito por onde escolher! Mas claro que é uma assumpção ridícula. Na verdade, a bissexualidade ainda é discutida e apresentada de uma forma polémica. Se a aceitação total da homossexualidade ainda está para acontecer, a bissexualidade está a uns passos atrás. Isto deve-se porque as pessoas acreditam que ser bissexual trata-se de uma confusão identitária e que é ‘uma fase’. Uma fase de transição para a homossexualidade, ou vice-versa. A insistência em ignorar esta categoria sugere que há uma dupla estigmatização porque há hetero e homossexuais que acham que a bissexualidade não faz sentido. M. discordaria, a bissexualidade é uma etiqueta digna de ser utilizada – não é uma fase nem é uma confusão, é a forma como ela vive a sua vida. Foi assim que a M. explicou aos pais dela, quando uma vez apareceu em casa com um namorado, e passado uns meses apareceu com uma namorada. Como as pessoas julgam esta caracterização confusa, facilmente julgam que é igualmente uma fase confusa, e é preciso parar de o fazer. Há uma série de mitos associados à bissexualidade e um deles é de que é uma orientação sexual que sente atracção sexual pelos dois géneros, de igual forma. Não quer dizer que possa não acontecer, sentir exactamente o mesmo desejo, afecto e amor por um homem e uma mulher. Mas isso é tão difícil de afirmar! Ninguém anda com um barómetro de atracção no bolso para avaliar estas diferenças. Pode-se gostar mais de uma pessoa do que de outra, mas não quer dizer que está associado a todo um grupo de género. A M. diz-nos que ser bissexual não é sinónimo de infidelidade. Nem que as suas relações são laissez-faire – porque ‘nada’ interessa – nem os genitais. Não pensem que é como ‘tudo o que vem à rede é peixe’. Pensem assim, da mesma forma como vocês, caros leitores, preferem morenas/os, um bissexual tem preferências também. Não se esqueçam que um relacionamento depende de algum nível de intimidade, atracção e ligação, só que os heterossexuais e os homossexuais põem o género na lista de critérios, e os bissexuais não. A M. diria que devemos ter cuidado com estas tentativas de definir a bissexualidade por quem não se identifica como bissexual. Há uma tendência de meter o bedelho em assuntos que não nos afectam directamente, e por isso, automaticamente, não deveríamos ter legitimidade para defender o que quer que seja. Quem sou eu para dizer o que a bissexualidade é ou não é? A M. é que me tem que dizer a mim e a todos os interessados em ouvir. É certo que questões relacionadas com as identidades, comportamentos e atracções são complexas – por isso não esperem uma resposta totalmente clara e/ou congruente. Alguém pode identificar-se como bissexual sem nunca de facto ter praticado o seu desejo, ou pode acontecer que alguém tenha tido relacionamentos com homens e mulheres mas não identificar-se com a bissexualidade. A permeabilidade destas categorias de formas sexuais não deverão ser vistas como confusas – nem devem ser usadas para defender a contestação. Vejam-nas como possíveis fontes de inspiração para desenvolver aquilo que deverá ser o respeito mútuo. Há uma hostilidade constante sobre aquilo que não conhecemos, i.e., aquilo que não nos é apresentado no nosso dia-a-dia social. Há que lutar contra a nossa tendência para julgar e de ‘racionalizar’ aquilo que já é racional. Perdemos muito tempo das nossas vidas a tentar perceber quem somos, para descobrir que não encaixamos perfeitamente nas expectativas das pessoas à nossa volta e às vezes isso parece-nos estranho. A M., que tem as suas preferências e que tenta ser ela própria (num mundo que gosta de colocar tudo em caixinhas pré-definidas), vive experiências de expressão pessoal que ressoarão com outras pessoas, seja pela orientação sexual ou por outra coisa qualquer.
Tânia dos Santos Sexanálise VozesMeter a colher [dropcap style≠’circle’]E[/dropcap]ntre marido e mulher não se mete a colher, como se dizia antigamente. Agora mete-se – e somos incentivados a meter. Não é porque as pessoas envolvidas não sejam capazes de identificar a violência doméstica que as aflige. Formalmente toda a gente consegue definir violência doméstica. O que acontece é que há muitos factores que podem influenciar o processo de denúncia. Por exemplo, na Rússia, a violência doméstica nem é um conceito per se, é simplesmente encarado com normalidade e inevitabilidade. Ao ponto do estado não criminalizar (se isolada) uma acção abusiva. Há, por isso, muitas definições diferentes (ou ausência de definições) para relacionamentos abusivos/violência doméstica, seja na prescrição legal, como nas nossas concepções mundanas de como um relacionamento funciona. Na definição mais pura e singela do amor não fará sentido enquadrá-lo nestes moldes da violência. Contudo, esta ligação existe, como se a polimorfia do amor fosse capaz de justificar um chapa na cara ou um comentário ofensivo do nosso mais que tudo. Há pouco tempo surgiu um hashtag (lá estou eu a referir-me a modernices) onde se tentou criar alguma sensibilização ao tema. É um relacionamento abusivo quando (#erelacionamentoabusivoquando) há desconsideração pessoal de qualquer forma e feitio. Isto porque normalmente considera-se a violência física como a única forma de manifestação de violência na relação. O senso comum percebe um relacionamento abusivo somente quando vê nódoas negras no corpo – mas essa é só a ponta do iceberg. Quando tentamos perceber o limiar de abuso nas palavras, percebemos que temos uma tendência natural para desculparmos os outros pelos comentários menos simpáticos. ‘Ele estava mal disposto – tinha tido um mau dia’. Justifica-se circunstancialmente as palavras que nos magoam porque é muito mais fácil assim fazê-lo. De que outra forma justificamos que a pessoa que nós amamos trata-nos mal? Estes são recursos/ defesas que criamos para dar sentido a uma história que não deveria fazer sentido. Se um estranho chegar ao pé de mim e me der um estalo – eu percebo que foi abuso. Se foi o meu namorado, é legítimo eu sentir-me confusa sobre a absurdidade da situação. A denúncia é sempre difícil – já para não falar do medo de represálias que as vítimas e as testemunhas possam sentir se o fizerem. Viram o que aconteceu numa terrinha em Portugal esta semana? Quatro pessoas foram mortas porque não quiseram testemunhar a favor de um homem que era violento com a sua ex-mulher. Aliás, em situações mais dramáticas, os abusos podem acabar em crimes, ditos, passionais, e essa denominação incomoda-me. Fazer mal a alguém não deverá ser posto no mesmo saco etimológico da paixão. Não se mata a mulher e os filhos porque um homem viu-se cheio de paixão. Parem de o chamar assim – porque a paixão não tem nada a ver com nada. É claro que podemos focarmo-nos na psicopatologia que leva estes actos a vias de facto, mas não consigo deixar de pensar que vivemos num mundo que não quer constatar um facto – a violência contra as mulheres está, de forma muito perversa, enraizada nas nossas expectativas societais. Estes cenários de violência são urgentes de serem tratados e percebidos, mas ao invés, são banalizados. Querem uns exemplos? Uma história que me incomodou especialmente foi de uma rapariga de 17 anos que foi assassinada pelo ex-namorado, depois de já ter tido feito queixa dele à polícia – ao que a polícia passou-lhe uma multa por julgarem que ela estava a desperdiçar o tempo deles com uma queixa que não lhes fazia sentido. Portanto, não só a polícia descredibilizou a preocupação da rapariga, como ela ainda teve que pagar uma multa, e mais tarde pagou com a vida. Querem mais? Uma mulher, mãe de três filhos decide pedir o divórcio porque já não aguenta o relacionamento com marido e ele mata-a e aos miúdos – e este marido nunca antes tinha mostrado um comportamento fisicamente violento e por isso esta mulher nunca teve o apoio formal (nem a protecção) para poder pedir o divórcio sem este desfecho. Podemos pensar que o problema está na cabeça destes homens, por fazerem estes disparates, mas essa é uma explicação demasiado simplista. Não, o problema não está na cabeça só de alguns homens. Há uma cultura de desculpabilização que tende a ignorar – sistematicamente – tentativas de denúncia daquilo que será a violência de género. As estatísticas confirmam que só por seres mulher, sofrerás algum tipo de violência de género durante a tua vida. Não sou o tipo de pessoa que aceita que o género possa determinar o que quer que seja (leram o artigo da semana passada?). Por isso precisamos das mensagens de ânimo, dos hashtags, do apoio formal às sobreviventes de violência doméstica, de conversas, de abertura ao tema e de consciencialização. Precisamos de condições para que, mais do que denunciar a violência, possamos não correr riscos, só por sermos mulheres.