Novo hospital não vai estar pronto durante mandato de Chui Sai On

O Hospital das Ilhas não tem data de finalização. A informação foi ontem adiantada por Raimundo do Rosário, que justifica a incógnita com o impasse no projecto

 
[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] Secretário para os Transportes e Obras Públicas, Raimundo do Rosário, afirmou ontem que “não é possível dizer quando é que o hospital das ilhas ficará concluído”. A declaração foi feita após uma reunião com a Comissão de Acompanhamento para os Assuntos de Terras e Concessões Públicas, que debateu o ponto da situação das obras do novo Complexo Hospitalar.
Raimundo do Rosário adiantou, num revés do previsto, que “em 2019 não será com certeza”. Outra incógnita é o orçamento, sendo que “se o projecto não está feito”, “não  se consegue saber” os custos. Sem previsões nem orçamento, o Secretário prefere “não se comprometer” com datas.
Lei Chin Ion, director dos Serviços de Saúde (SS), reiterou as palavras de Raimundo do Rosário, insistindo na necessidade de revisão e ajuste permanente do projecto. Estes ajustes acontecem devido à submissão sucessiva da construção aos cerca de dez serviços públicos que têm a seu cargo a análise do projecto. Após a emissão de cada um dos pareceres, o projecto volta para optimização e reajuste. O director dos SS confirma a impossibilidade de apontar uma data para a conclusão do novo hospital, referindo que estão em curso os trabalhos de optimização do Hospital da Universidade de Ciência e Tecnologia (MUST) sendo estes um recurso alternativo para os utentes.
Lei Chin Ion argumenta ainda que estes ajustes repetidos tencionam apontar para a construção de um hospital direccionado para o futuro da medicina, de modo a que não fique rapidamente desactualizado.
Esta é a segunda fase de apreciação do projecto para o Complexo Hospitalar das Ilhas, sendo que uma terceira não está fora de questão. Para Ho Ion Sang, presidente da Comissão de Acompanhamento, o facto de se recorrer ao emitir de pareceres por cerca de dez serviços públicos faz com que o projecto tenha que ser revisto conforme as faltas que vão sendo apontadas. 
“Não é um edifício simples de habitação e portanto leva o seu tempo” disse ainda Raimundo do Rosário para justificar o segundo ajuste e admitir uma eventual terceira etapa.
Para já, este projecto está dividido em duas fases: uma de gestão e que foi adjudicada em Fevereiro à empresa de Hong Kong Aecom Asia Company Limited e uma de medição de trabalhos e materiais. Esta última prevê a abertura de concurso no terceiro trimestre deste ano sendo que só pode ser concretizada após as devidas rectificações. Se anteriormente foi dado a saber da intenção de ter a primeira fase concluída em 2019 e a segunda em 2020, neste momento não se sabe quando serão finalizadas.

Patacas sem limites

O orçamento é também uma incógnita na medida em que não há projecto efectivo para pôr em acção. A saga que começou em 2009 preveria um montante de dez mil milhões de patacas para a construção do complexo hospitalar. Sete anos depois Ho Ion Sang admite que este não é um número actualizado, sendo que até à data já lá vão cerca de 970 milhões de patacas gastas.
“Não é possível prever o custo da obra visto ainda não existir um projecto final” adianta, reiterando a dependência dos números, por exemplo, dos materiais a utilizar ou das empresas que irão assumir as próximas fases.
Ho Ion Sang destaca que algumas das infra-estruturas já estão a ser concretizadas. Das já concluídas, o deputado destaca o edifício dedicado à enfermagem e à residência dos trabalhadores. Estão ainda em curso as fundações do hospital geral e o edifício da Administração, sendo que o laboratório central ainda está por iniciar. Depois da conclusão das fundações é previsto dar-se início à construção das caves e à super-estrutura, obra que englobará 17 a 18 pisos.

Vai e vem

Os múltiplos problemas que este projecto tem sofrido estarão associados  a esta primeira fase , que engloba a concepção e elaboração de plantas que está sob a alçada dos Serviços de Saúde e a revisão e apreciação por parte do Gabinete para o Desenvolvimento de Infra-estruturas (GDI). É ainda a parte do processo em que se realiza a apreciação por parte de vários serviços públicos: as Obras Públicas, os bombeiros, o Instituto para os Assuntos Cívicos e Municipais, serviços energéticos, etc, que emitem um parecer acerca da planta que analisam.
Emitido o parecer, a papelada regressa ao projectista para reajuste. O processo repete-se sucessivamente “num vai e vem” – como caracterizou Raimundo do Rosário – entre serviços e projectista que parece não ter fim. Ho Ion Sang considera ainda que a fonte destes atrasos é essencialmente devida à “falta de coordenação entre os próprios serviços que os emitem.” Para colmatar este problema o Governo terá dado um prazo limite de dez dias para a emissão de pareceres, que não se tem mostrado eficaz. Não será o prazo que está em causa, mas as múltiplas viagens que o processo faz entre serviços que não comunicam. Salvaguarda ainda que o projectista também deveria ter cumprido sempre com as adaptações sugeridas, o que parece não ter acontecido.
A construção do hospital tinha sido uma promessa deixada por Chui Sai On, Chefe do Executivo, que vai terminar o segundo mandato sem que Macau tenha o segundo hospital público.

30 Jun 2016

Marionetas esperam e desesperam por museu em Macau

São cerca de 900 as marionetas empacotadas à espera de mãos que lhes dêem vida. A colecção de Elisa Vilaça está há oito anos fechada enquanto burocracias, esperas e recuos por parte das instituições do Governo adiam a possibilidade de as trazer ao público da RAEM

[dropcap style≠’circle’]E[/dropcap]lisa Vilaça, colaboradora da Casa de Portugal de Macau (CPM), é também a proprietária da colecção de marionetas que colocou à disposição da mesma com o objectivo de poder dar vida a um espaço dedicado a estes “bonecos”. A ideia teve início há oito anos e desde aí que os esforços por parte da CPM têm sido muitos. Os sonhos foram vários na concretização de uma plataforma criativa que incluísse as 900 marionetas que aguardam, empacotadas em contentores, uma oportunidade de cativar miúdos e graúdos.
Amélia António, presidente da CPM refere ao HM o apadrinhamento deste projecto por parte da instituição que preside, sendo que considera que “tem muito interesse para Macau pois serve o calendário da diversificação e formação”, temas actualmente tidos como bandeira estandarte da região. Neste sentido, a ideia é não só que a instituição ajude na criação de um espaço capaz de albergar o espólio já existente em Macau, mas também criar um possível festival, realizar oficinas na área e ainda formar profissionais, tanto de concepção dos bonecos como de manipulação dos mesmos. Se há oito anos ainda havia esperança que o Governo pudesse “tomar conta “ da iniciativa, para Amélia António, actualmente, e dadas as esperas e recuos por parte do Instituto Cultural (IC), pode ser tempo de “arrumar as botas”.
Desistir já não é para Elisa Vilaça. “Enquanto há vida há esperança” diz a proprietária do espólio ao HM. Apesar da tristeza que sente em ver a degradação gradual dos cerca de 600 bonecos que estão no território, visto os restantes 300 estarem de momento em Portugal, não considera desistir ainda da procura de uma casa para a sua colecção.
Se numa fase inicial os espaços poderiam não estar disponíveis para dar apoios, “até por questões derivadas de processos de degradação das casas”, o projecto mantém-se com “viabilidade para o futuro” na medida em que representa uma rentabilização dos recursos que já existem.
São objectos de valor que relatam uma história e por isso de “todo o interesse para o próprio governo” adianta a proprietária enquanto reitera a inclusão da iniciativa nas campanhas de diversificação cultural e turística da RAEM. Elisa Vilaça diz “não ter nenhum interesse pessoal na iniciativa” e lamenta que por “ questões burocráticas e políticas” os objectos de colecção já apresentem alguns danos dada a ausência de condições de preservação: “há fatos de seda que já estão danificados porque não temos como garantir condições para a preservação das marionetas”.

Projecto que não se levanta

Pôr de pé o projecto do Museu de Marionetas prevê três fases de desenvolvimento, correspondentes a três anos, adianta Elisa Vilaça.
Numa primeira, está prevista a construção e dinamização do museu com todas as informações já disponíveis onde se insere o enquadramento histórico e cultural de cada peça em três línguas: português, chinês e inglês. Segue-se a criação de uma escola de formação onde serão ministrados cursos de construção e manipulação de marionetas compreendendo também a respectiva divulgação nas escolas. Numa terceira fase, e “num culminar de toda a montagem do projecto”, é constituída uma área mais pedagógica e prática em que se inclui a criação de malas temáticas tendo como referência os países onde as marionetas têm tido maior predominância. Estas malas poderão ser requisitadas pelas escolas que com este material têm a possibilidade de desenvolver um projecto. Sendo que compreenderá uma vertente de linguagem, história e plástica, a aprendizagem será vista numa leitura transversal com base na arte das marionetas.

História em silêncio

A saga de procura de um apoio, nomeadamente por parte do Governo, teve inicio há cerca de oito anos, sendo que e para Amélia António, o feedback tem “sido muito pobre. Na altura pensámos que sendo um projecto interessante para a cidade, seria de todo o interesse para o Instituto para os Assuntos Cívicos e Municipais.” Era ainda a instituição que tinha sob a sua tutela a realização de actividades culturais e por isso foi a “nossa primeira solicitação de apoio”. “Não nos disse rigorosamente nada”.
Posteriormente foi apresentado ao IC e a “recepção foi muito simpática como sempre”, afirma a presidente da CPM, sendo que “as pessoas mostram entusiasmo mas e à semelhança das situações anteriores não tivemos resposta alguma.” Junto de Guilherme Ung Vai Meng, presidente do IC, terá sentido que “o assunto teria realmente algum interesse cultural e com valor”. Deste interesse, foi solicitada uma mostra que teve lugar em 2012 na Galeria do Tap Seac e que concretizou a primeira exposição de marionetas em Macau. Em 2014 uma parte do espólio, nomeadamente constituído por marionetas asiáticas foi a Portugal integrar um exposição no festival de Sintra. Das iniciativas tomadas Amélia António refere ainda que “durante alguns anos fizemos questão, para fundamentar o nosso projecto, de assinalar o dia internacional das marionetas.” Para o efeito a Casa de Portugal de Macau trouxe à região grupos de outras paragens a apresentar os seus espectáculos. O objectivo era mostrar “de alguma forma o potencial que tínhamos para criar mais uma linha de acção e trabalho na área da cultura no território e, assim, o Governo poder vir a abraçar a ideia com outro gosto.
Agora, Elisa Vilaça afirma que “se houver instituições privadas, semi-privadas ou públicas” já tanto faz desde que possam, de alguma forma, fornecer o espaço físico. “Não necessita de grandes dimensões adianta, sendo que um dos objectivos é a criação de exposições itinerantes, para que o público possa ver uma apresentação diferente pelo menos “umas três ou quatro vezes por ano”. Alerta ainda para os vários espaços de Macau, aos quais não tem sido dada a devida atenção e que poderiam “muito bem albergar este projecto” nomeadamente as casas de Taipa ou mesmo o destino previsto para as casas de Avenida do Coronel Mesquita.
O HM Macau entrou em contacto com o IC de modo a saber as razões pelas quais o processo em causa está parado e quais os projectos na calha para as Casas da Taipa ou da Rua Coronel Mesquita mas não conseguiu obter informações até ao final da edição.

29 Jun 2016

Natália Gromicho: “Sempre me revoltei por não ter apoio no meu país”

Natália Gromicho está na RAEM para apresentar a sua primeira exposição na terra que há muito sonhava conhecer. A artista que expõe em Nova Iorque e é representada na Baker Street londrina pintou à vista de quem quisesse as 11 obras que abrem portas ao público na Casa Garden, já no próximo dia 30 de Junho

A Natália já conta com cerca de 20 anos de carreira. Como é que tudo começou?
Tenho mais do que 20 anos de carreira. Sempre me interessei por desenhar. Apesar de ter estado sempre na área das ciências, já no liceu fazia recortes das ilustrações dos manuais de português que eram, na sua maioria de grandes artistas. Quando ingressei no 10º ano resolvi abraçar as artes e optei por um curso profissional na área. Acabaram-se as negativas à excepção de geometria descritiva. Acabei por finalizar o 12º ano à noite.

Acabou por ingressar nas Faculdade de Belas Artes em Lisboa…
Desisti das belas artes. Sou autodidacta e serei sempre autodidacta, à semelhança da Graça Morais que cá esteve em exposição recentemente. Aquilo na faculdade era um horror! Por um lado estava num “convento” e o edifício, naquela altura, não tinha condições nenhumas de trabalho. Fui para lá autoproposta. Era aluna de 20 a desenho quando acabei o liceu, e cheguei ali e desisti quase de imediato. Aquilo não era para mim. Queria uma coisa diferente e não me sentia entendida. Queria outro tipo de trabalho e fiz-me à vida. Eu aprendo com os erros.

Também passou pela cerâmica…
Essa é a minha paixão maior. A minha formação na escola foi de cerâmica artística. Tirei o curso profissional nessa área e convivi com os melhores professores. Depois chego às belas artes e tenho um professor que nos aconselha a desenhar com um régua. Desisti logo! Também frequentei um curso no ARCO de carácter intensivo e foi aí que consegui aprofundar o nu artístico. E estando agora na China, aproveito para ir em busca das cerâmicas de cá e aprender mais.

Como arrancou então a sua carreira?
Depois de desistir das belas artes criei uma exposição auto-sustentável. Andei com esse projecto a correr Portugal. Não havia dinheiro e criámos um pacote, eu e o Gonçalo Madeira, o meu agente. A exposição era entregue a um determinado sítio e esse sítio entregaria a outro, e assim sucessivamente. andei com uma exposição itinerante por Portugal inteiro. Não havia dinheiro e fizemos um pacote em que eu entregava a exposição num sitio, esse sitio entregaria a outro, e assim se correu o país inteiro.

Foi o trabalho que marcou o seu arranque…
Sim porque Portugal tinha que saber quem era a Natália Gromicho. Já ouviu falar dela? Não. Então vai ouvir que os trabalhos vão estar perto de si. Foi essa a intenção. Foi uma exposição muito bem recebida e coincidentemente os trabalhos seguiram para a Austrália onde foram ainda melhor recebidos e vendidos. Estiveram no Adelaide Festival.

Depois do sucesso na Austrália como foi o regresso a Portugal?
A exposição correu bem e quando voltámos resolvi ter o meu atelier em Lisboa. Sempre me revoltei por não haver apoios ou reconhecimento no meu país. Depois de lá fora ter corrido tudo tão bem resolvi ser e afirmar-me como portuguesa. Quando chegámos a Portugal fomos procurar um local para recomeçar num momento de afirmação. Curiosamente o departamento de cultura de Câmara de Lisboa não nos deu qualquer incentivo e foi a área do património que nos propôs um espaço que possivelmente nos interessaria. Era uma antiga galeria municipal da câmara, abandonada, no edifício do espaço Chiado. Foi quando começaram a aparecer os primeiros convites para expor. Na mesma altura fui convidada para expor em grande formato no Open Day, uma iniciativa da LX Factory. Aconteceu tudo ao mesmo tempo e a câmara ajudou nesse sentido. Aqui se vê o espelho da cultura que devia ter sido o principal apoiante e não foi mais uma vez.

Apesar de estar sediada em Portugal a sua obra é conhecida, vendida e divulgada no exterior. Como é que se sente com este reconhecimento que não é na sua terra?
Portugal é futebol. Ramon Casalé, crítico de arte espanhol, foi quem me fez a primeira crítica arrebatadora. Em Portugal, tenho o atelier aberto ao público e as pessoas nem sequer lá entram. Isso acaba por me dar mais força. Quero fazer coisas mais estranhas numa linguagem ainda mais provocante. natalia_gromicho_5_sofiamota

A sua linguagem tem mudado. Como a poderia definir?
Tenho que me conseguir expressar de uma outra maneira que não seja por palavras. As coisas têm que ser ditas de outra maneira. A minha linguagem é para inovar e chocar. Ninguém consegue fazer uma pincelada igual à minha. Marco pela imperfeição. O homem não é perfeito e a imperfeição é arte. Se fizesse uma coisa perfeitinha era uma máquina, coisa que não sou.

É sabida a sua paixão pelo Oriente. Porquê este encanto?
A disciplina e o rigor. Acho que aqui as coisas são coerentes.

Influenciou também o desenvolvimento do seu trabalho?
Dei comigo a conhecer Singapura, uma cidade emergente, em pleno crescimento. Comecei logo a transmitir isso com o meu trabalho, com coisas mais geométricas. Não me comparem nunca com a deusa Vieira da Silva. A obra está feita, as manchas surgem, eu não tenho a culpa, não sei o que é, a minha obra está feita. Desenhei muito e fartei-me. Acho que desenhar toda a gente pode fazer. A minha passagem pelo Oriente fez com que o abstracto aparecesse de uma forma mais intensa. Passei a dar menos importância à linha, passei do figurativo para o abstracto. Também me inspirei na arquitectura e considero que aqui no Oriente se fazem coisas fantásticas. Por exemplo em Macau, construíram de uma cidade velha, uma coisa cheia de cor.

Como está a correr esta estadia por Macau?
Macau sempre foi um sonho meu. Já na Expo 98 em Lisboa visitava frequentemente o pavilhão dedicado a Macau. O contraste, aqui, encanta-me e é diferente de qualquer outra coisa que conheça. Saímos das Ruínas de S. Paulo, por exemplo, e logo a seguir se encontramos um edifício como o Grand Lisboa. Macau é uma surpresa.

Vai também inaugurar, pela primeira vez uma exposição no Museu Oriente em Portugal. É o esperado reconhecimento nacional?
Nunca foi minha intenção estar a expor numa coisa tão sagrada como é um museu. Mas sim, o reconhecimento pela Fundação Oriente em Portugal é de facto o culminar de muito tempo de trabalho. E exposição será composta por 71 obras em que muitos trabalhos são de grande formato e resultam de seis anos de trabalho que abrangem também as viagens pelo Oriente.

Pintou aqui na Casa Garden os trabalhos que vai expôr…
Acho que é bom ter companhia. Quando trabalho, mesmo acompanhada estou sozinha, mas é um desafio. Pode correr bem ou mal, se correr mal faz igualmente parte. É também uma maneira das pessoas verem como trabalho e de verem o processo de um artista expressionista.

O que espera levar de Macau, que queria tanto conhecer?
Tenho muitas ideias para levar comigo e poder mostrar o que é Macau. As que vão ser aqui expostas já estavam de alguma forma em mente, mas os trabalhos inspirados em Macau vão nascer após esta passagem.

28 Jun 2016

Lei Heong Iok, presidente IPM: “Cada vez mais escolas pedem docentes de português”

O ensino bilíngue é uma das “meninas dos olhos” de Lei Heong Iok. O presidente do Politécnico de Macau acredita na RAEM enquanto plataforma de trocas comerciais e culturais e lidera uma instituição que acompanha os tempos e as mudanças

Para o Instituto Politécnico (IPM) quais as mais-valias da Lei do Ensino Superior?
Para o IPM o aspecto mais importante é, com certeza, o poder vir a abrir os graus de mestrado e doutoramento. Esta abertura é de grande importância para o ensino superior até porque até agora, não podíamos abrir estes graus e com a futura lei do ensino superior o IPM poderá ter este poder académico.

Mas já têm parcerias com o grau de mestrado…
Sim. Os nossos colegas dos politécnicos portugueses já oferecem essa possibilidade. Desta forma estabelecemos parcerias nomeadamente com Instituto Politécnico de Leiria e temos cursos de mestrado abertos, sendo que o diploma é dado pela instituição portuguesa, mesmo que a formação também seja dada em Macau.

Com esta abertura, que áreas de mestrado ou doutoramento poderão abrir?
Até hoje os nossos licenciados pedem estes cursos porque não podendo continuar os estudos no IPM têm que procurar outras instituições, tanto em Macau e mesmo no estrangeiro. Por exemplo o curso tradução e interpretação português | mandarim, será uma prioridade. O governo já definiu e iniciou a pratica da construção de uma plataforma de comércio entre a China e os Países de Expressão portuguesa e por isso precisa de técnicos bilingues qualificados. Como nós não temos podido abrir mestrados e doutoramento podemos pensar que há aqui uma contradição. Os alunos já pedem a abertura nas áreas de cultura e língua portuguesa com prosseguimento de estudos em mestrado e até de doutoramento.

É essa então a primeira aposta, a abertura de graus superiores no ensino bilingue?
Sim. Não só é esse o nosso desejo como já iniciámos os preparativos para que isso aconteça.

Falando em bilinguismo, O IPM tem esta licenciatura em tradução. Faz sentido ter uma licenciatura deste género sem antes ter formação específica na língua em si? Sendo a especialização em tradução talvez uma área para os tais mestrados?
Isso faz sentido se pensarmos na qualidade. Essa pode ser uma solução que poderemos adoptar para quando se chegar à altura de fazer traduções e interpretações já exista o domínio das duas línguas. Realmente é necessário muito tempo para que se consiga fazer tradução . Mas temos que procurar uma solução equilibrada conforme as necessidades por parte dos alunos e mesmo dos pais que podem querer ou não investir tanto tempo ou dinheiro. Estamos a falar que havendo primeiro língua e depois mestrado, de um período de seis anos de estudos. Naturalmente que ficaria garantida uma melhor qualidade mas implica mais investimentos.

Não será a qualidade a prioridade?
Quatro anos em muitas áreas de estudo, não são efectivamente suficientes. Daí e mais uma vez, a necessidade de abertura de mestrados e doutoramentos. O IPM também está a pensar seriamente nessa lógica para os cursos que possam ser seguidos de graus superiores. Já sabíamos disso também há muito e por isso tratámos de antemão de estabelecer parcerias com politécnicos e universidades portuguesas e já conseguimos com Leiria ou Lisboa . Sabemos que temos ali fontes onde beber esse conhecimento. Para o grau de doutoramento já estabelecemos uma parceria com a Universidade de Lisboa. Gostaria de referir outro aspecto : hoje em dia, com o uso da tecnologia em particular na área da tradução, na chamada “machine translation”, temos estado especialmente atentos. Neste momento temos com Leiria e Coimbra , em andamento um projecto para a criação de um laboratório de tradução automática assistida por computador. Já falámos com o presidente do IPL e com alguns professores de Coimbra. Neste momento esta uma delegação do IPM em Coimbra , com especialistas na área de informática para darmos andamento ao projecto. Lei_Heong_Iok_6_sofiamota

Estão a criar um sistema informático capaz de fazer traduções com qualidade?
Exactamente! Hoje em dia está na moda e já há programas com alguma qualidade neste tipo de tradução nomeadamente do inglês para o chinês ou vice versa.

Dadas as especificidades do chinês, acha que é possível conseguir qualidade?
É muito difícil mas acho que é possível e que vale a pena tentar.

E o futuro dos tradutores que estão a formar ?
Acho que o Homem é sempre necessário para controlar a máquina.

Há alunos provindos da China continental que se licenciam em Macau, nomeadamente na área da tradução e interpretação, e depois não são absorvidos pelo mercado local por dificuldades relativas à residência. Qual a sua opinião?
Isso é uma área que não me compete, mas eu sou da opinião de que estando nós a formar tradutores de qualidade se devem abrir as portas de ambos os lados: quer a chineses do continente quer a portugueses que aprenderam o mandarim. Macau como plataforma deve não só atrair estas pessoas como ainda criar condições para que elas trabalhem cá de modo a aproveitar da melhor maneira esses recursos. Penso que é muito importante criar boas condições para a construção desta plataforma. O Governo, defendo eu, deve aproveitar. Pelo que sei, há vários serviços do Governo onde fazem falta bons tradutores e intérpretes. Por que não aproveitar melhor os alunos que passam por Macau? Acho que se devem criar condições para facilitar os pedidos de residência para esses profissionais.

O IPM está também a abrir novos cursos e a integrar estudantes de mais países…

Sim, abrimos um novo curso de língua chinesa para pessoas dos países de expressão portuguesa. Este é o primeiro ano deste curso de licenciatura em língua e cultura chinesa.

Qual a especificidade deste curso?
A abertura deste curso é especialmente preparada para pessoas que falem português e que queiram aprender mais chinês, não só a nível de língua como da cultura chinesa. Estamos a abrir este curso enquanto licenciatura e quem sabe, no futuro, ter outros graus. Já estabelecemos algumas parcerias e com a coordenação de vários politécnicos, para que tenhamos mais estudantes portugueses acabados de sair do secundário e que vêm directamente para o IPM, fazendo cá a licenciatura. E não serão só de Portugal. Teremos alunos de Cabo verde, Angola e mesmo do Brasil. No primeiro ano já vamos começar com quatro estudantes brasileiros e virá também uma turma de Cabo Verde que frequentará cursos nas áreas de jogos. De Portugal ainda não tenho o número de alunos, mas saberemos que irá aumentar. Já temos mais edifícios na Taipa cedidos pelo Governo que também ajudarão a albergar estes novos alunos e a partir do próximo ano lectivo já poderemos receber mais estudantes.

Como é que estes cursos vão ser financiados?
Com certeza que haverá estudantes com dificuldades financeiras pelo que tentaremos facilitar dentro do possível esses alunos com bolsas de estudo, ou mesmos estadia nas residências. Poderemos ainda ponderar a atribuição de outros subsídios como à alimentação. Lei_Heong_Iok_4_sofiamota

Na área do português, o IPM tem ainda o curso de Administração Pública que tem vindo a ter cada vez menos alunos. Porquê?
Macau foi entregue à China já há quase 18 anos e por isso o número de portugueses na administração pública tem também vindo a diminuir. As pessoas que falam português começam a não ver utilidade em tirar este curso. Por outro lado, há cada vez menos pessoas que falam português interessadas em ingressar na função pública. No entanto, se construirmos uma plataforma também aberta a mais países de expressão portuguesa, acreditamos que este curso poderá renascer e voltar a crescer. Actualmente também não o podemos abrir a estudantes da China ou outros estrangeiros, mas tendo outros cursos abertos a estudantes de língua portuguesa, esses alunos posteriormente poderão sentir interesse e querer integrar este, de Administração Pública. Acho que no futuro não voltaremos a sentir a falta de alunos. Por outro lado, também criámos a formação em relações económicas e comerciais e assim conseguir ter mais alunos e dar mais aulas aos nossos professores.

Enquanto plataforma, como tem dito, em que mais se tem destacado o IPM?
O IPM muda com o tempo e com as circunstâncias. Depois de ler uma recente entrevista do presidente Marcelo Rebelo de Sousa e sendo que Portugal pretende também ser um ponto estratégico da “Rota da Seda”, o IPM pode contribuir mais e melhor. Assim, por exemplo, e na sempre referida falta de técnicos bilingues, nomeadamente em áreas como a lei, finanças ou tecnologia, porque não pensar no futuro no domínio da área ferroviária, por exemplo. Estamos também a criar condições para abrir formação da docência do português.

Por quê a docência do português?
Cada vez mais escolas primária e secundárias pedem docentes de português, mesmo na China continental. Mas há que garantir a qualidade e o IPM com as parcerias que tem, pode assumir isso mesmo.

Relativamente aos estágios e à remuneração ou não dos mesmos. O que acha?
É difícil responder a isso devido à lei do trabalho em vigor. Podemos é utilizar a chamada “ajuda aos estudantes”, com alguns subsídios de incentivo Penso que o Governo também nesse sentido deveria abrir mais possibilidades.

Falamos actualmente das duplas licenciaturas que poderão vir a ser administradas. Considera uma medida positiva para o ensino superior?
Num futuro próximo o IPM não vai aderir às duplas licenciaturas. Pensamos mais na qualidade.

“A criação de um exame conjunto entre várias instituições é feito no sentido de facilitar aos alunos”

Acha que vão interferir nessa qualidade?
Há pessoas que são capazes de fazer duas coisas ao mesmo tempo. Há outras que não o podem fazer, nem querem. Mas quem faz duas coisas ao mesmo tempo, na minha opinião, tem sempre mais dificuldade e a qualidade do resultado será aquém do esperado.

Os novos exames unificados aos quais o IPM aderiu, constituem uma medida facilitadora para quem?
Penso que a criação de um exame conjunto entre várias instituições é feito no sentido de facilitar aos alunos. Com resultados já obtidos nas diversas áreas, os alunos podem concorrer em simultâneo a várias instituições.

Mas se correr mal não tem mais hipótese de repetir…
Tem razão nesse sentido, mas não há rosas sem espinhos. Nós vemos mais vantagem do que desvantagens. Acho que facilita muito. Na época de exames, coitados dos estudantes que se queiram candidatar a por exemplo dez instituições, têm que fazer dez exames, um para cada uma. É um período terrível para os estudantes. Agora fazendo este exame que depende das instituições que aderem, só têm que fazer um para essas mesmas instituições.

Qual a sua opinião quando ao financiamento por parte do Governo do ensino superior privado?
Não me quero pronunciar quanto a essa política do Governo.

A UM encerrou algumas turmas de português. Qual a sua opinião? cancelamento de turmas de português pela UM?
Eu só li o que foi publicado na imprensa portuguesa. De qualquer forma acho que quer o governo ou o IPM investem muito mais na área do português. O gabinete do ensino superior e Alexis Tam o nosso secretário, também dão muita importância ao ensino da língua e cultura portuguesa e apoia-nos muito nesse sentido.

O que tem a dizer acerca da recente descida de dez lugares da UM no ranking asiático?
Não meto o nariz na área dos outros. Interessa-me mais a minha instituição.

Avaliação do ensino superior…
Acho que os novos sistemas de avaliação são importantes. O IPM por exemplo contrata delegações de avaliação portuguesas para avaliação do nosso curso na língua. Ainda não saiu o resultado mas a delegação já enviou uma nota com uma avaliação positiva o que é muito bom ara nós e nos dá também um grande estímulo. Para outros cursos também convidamos agências especialistas em cada uma das áreas. No inglês convidamos Nova Zelândia e na informática convidámos agências de Inglaterra. É importante aceder à qualidade segundo os critérios internacionais. Se Macau quer ser internacionalmente reconhecido tem que ter instituições cuja qualidade esteja de acordo com os critérios internacionais, e para isso não pode recorre a avaliação local.

27 Jun 2016

Filme de jovem cineasta de Macau aplaudido em Paris

“Belonging” é a produção que revelou um jovem da RAEM no panorama cinematográfico. O destaque em Paris abre portas a um futuro promissor do jovem cineasta

[dropcap style≠’circle’]B[/dropcap]elonging é a história de George, um jovem sírio em busca da sua identidade depois de deixar o país e ir para Paris. George acaba por evocar as suas memórias enquanto escuteiro e assim redescobrir a sua pertença a uma comunidade. O filme está já seleccionado para inúmeros festivais incluindo o PLURAL+ Film Fest apoiado pelas Nações Unidas e teve também a sua passagem pela RAEM no Macau Short Sound and Image Challage. Foram estas nomeações que trouxeram a Pierre Ieong, produtor e realizador, a confiança para o futuro. O filme é de alguma forma uma procura de identidade que o realizador também viveu. Nasceu e cresceu em Macau, passou por Hong Kong e agora, aos 18 anos, está em Paris a terminar o ensino secundário com distinção governamental enquanto se aventura como freelancer na produção de fotografia e vídeo.
Belonging foi a primeira produção de Pierre Ieong e o sucesso que a acompanhou trouxe o interesse do público e da indústria do cinema que está agora de olhos postos no jovem realizador.
Apesar do sucesso do filme, a sua produção foi “relâmpago” diz Pierre Ieong ao HM. O realizador teve conhecimento do “dead line” de candidaturas ao Plural+ 15 dias antes da mesma. Foram duas semanas de produção que incluíram a concepção do guião, casting e construção de equipa de produção. As filmagens ocuparam quatro dias e a edição e montagem, “20 horas sem parar” para que o filme desse entrada a cinco minutos do fim de prazo que lhe veio a valer o reconhecimento, afirma o realizador. Belonging abriu as portas a financiamentos que, para Pierre Ieong já têm destino: novas produções baseadas em questões socioculturais, não deixando de frisar a sua esperança de que um dia possa fazer um filme sobre Macau.

Da RAEM para o Mundo

Pierre Ieong com apenas 18 anos já vê o seu nome nos ecrãs de cinema com produções e realizações próprias. Actualmente vive em Paris onde está a acabar o liceu tendo passado a infância na RAEM. Para além dos livros já abraça a profissão de fotógrafo e cineasta. O bichinho do cinema remonta a 2010 quando foi protagonista no Pavilhão de Macau na expo Xangai. Pierre relembra esta altura como o início do fascínio pela sétima arte. Refere a experiência como fonte de inspiração para começar a fazer os seus próprios filmes. Foi com 16 anos, e com a chegada a Paris que conheceu “mais pessoas com a mesma paixão pelo cinema” tendo-se voluntariado para participar na série juvenil Tatane.
Para o realizador, apesar de considerar Macau um território próspero e emergente , é ainda um espaço onde faltam as oportunidades para jovens artistas e criadores. Pierre Ieong alerta ainda para a necessidade de dar mais apoio a actividades culturais de modo a encorajar os mais novos, ao mesmo tempo que defende que o envolvimento dos jovens em actividades culturais é “essencial para o crescimento mental”. Para Macau, deseja que enquanto centro de convergência entre várias culturas seja reconhecido internacionalmente, ao mesmo tempo que deixa o recado para os artistas locais: “empenho na aprendizagem com coragem porque os anos de juventude são aqueles em que há mais tempo, energia e vontade”. Estes são os motes para sair da zona de conforto e partir para o desconhecido onde se pode crescer e aprender, remata.

27 Jun 2016

Especial 24 de Junho | Comunidade chinesa, um mundo à parte

Em modo vox populi, o HM foi à rua falar com elementos da comunidade chinesa residente no território. A intenção de saber o que pensam de ser macaense e do que resta do 24 de Junho enquanto dia da cidade foi acompanhada de um desconhecimento quase geral. A história, que terminou há cerca de 16 anos, parece ser, para a maioria dos chineses, inexistente

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] desconhecimento do que é ser Macaense poderá ter raízes na palavra dita em chinês que significa literalmente “filho português da terra”, ou seja, partindo da palavra conhecida pela comunidade chinesa o ser macaense é nascer cá e ser filho de português. É esta também a resposta da maioria dos cerca de 20 inquiridos. Sangue luso ou língua de Camões são os parâmetros que podem definir o Macaense. Ieong, de 22 anos, fala dos “portugueses que nasceram e cresceram em Macau” ou Wan, de 60 anos, que “são os portugueses que tiveram filhos em cá”. Poucos são os que referem a miscigenação, à excepção da Sra. Chan de 55 anos que define macaense como “o mestiço de pai ou mãe de nacionalidade portuguesa”. No entanto, o elemento comum é a presença portuguesa, que poderá também ser referente à língua como afirma Kit, de 23 anos. Filha de família da China continental nasceu em Macau e para ela macaenses “são as pessoas que falam português.” Já o Sr. Han, de 63 anos, que veio há cerca de 30 do interior de Cantão, nada sabe do conceito.

Vizinhos que não se falam

A ausência de contacto real entre as comunidades residentes na terra é mote comum em praticamente todas as pessoas que se disponibilizaram a falar de sua justiça. “Nós somos chineses e nunca tivemos contacto com macaenses”, são as palavras de Wang. Sublinha que não tem nenhuma forma de fazer este contacto. Para ele, a comunidade macaense é muito reduzida ao contrário da chinesa, sendo esta última a “principal da terra”, sendo que é “muito difícil a comunidade mais pequena integrar-se na comunidade maior”.
Por outro lado, refere que os macaenses, antigamente, estudavam em escolas exclusivas enquanto que os chineses também, mas só para chineses, não tendo qualquer contacto desde pequenos. Pensa na língua que os separa e lembra tempos em que não podia nem queria aprender o português. Afirma ainda que em trabalho poderá existir algum contacto com a comunidade macaense, mas a proporção é reduzida. “Agora há mais estrangeiros, mesmo de outras nacionalidades, que também têm as suas próprias comunidades, ficando todas separadas”, remata, não antevendo qualquer futuro diferente neste sentido.
Com 65 anos, o sr. Yu veio do interior da China e vive na RAEM há mais de 30. O contacto com a comunidade macaense é igualmente raro, enquanto alerta para a barreira da língua. “Nós nunca vamos convidar os portugueses a pertencer à nossa comunidade”, argumentando que não há qualquer identificação cultural.
Há ainda quem refira que os eventuais contactos são essencialmente devido a questões de trabalho: “é em trabalho que nos cruzamos”. A excepção cabe a John, de Hong Kong mas que vive e trabalha em Macau desde os anos 90: depois de partilhar experiências profissionais com os “filhos da terra” tem agora alguns como amigos.
Há ainda quem considere que a falta de convívio com os macaenses é devida à arrogância com que tratam os chineses. A opinião é de um jovem de 22 anos. Na geração mais nova, que terá já estudado com macaenses, a opinião também é unânime. Estão “na mesma escola mas não nos damos”. Não têm amigos macaenses, não desenvolvem relações e “pertencemos todos a comunidades diferentes” diz Song, de 23 anos.

Não aquece nem arrefece

Igual ao 23 ou ao 25, o 24 de Junho é um dia como outro qualquer para as pessoas que falaram ao HM. Não recordam sequer o feriado nem sabem do que se trata. Sem nunca ter vivido a data, ninguém a tem em mente. No eco comum do desconhecido, os inquiridos foram informados do significado do dia. A história parece passar aquém do interesse, mas a possibilidade de feriado nem tanto, sendo que “é bom ter mais um feriado, mas não sinto nada especial”, diz Ip de 23 anos.” A opinião é partilhada pelos cerca de 20 interpelados. Uma excepção foi a sra. Fong, de 49 anos, que casada com um português, associa o 24 de Junho ao dia de Portugal, numa celebração de Camões, salientando que “por isso mesmo, deveria ser dia de comemorações para não deixar morrer a História”. Mesmo que mal contada não deixa de ser um dia especial.
Já Wong, de 22 anos, considera que voltando a ser feriado seria um dia diferente e com isso poderia haver a possibilidade de se voltar a saber a que se refere.

Com Angela Ka
24 Jun 2016

João Pedro Rodrigues e Guerra da Mata apresentam “Do Rio das Pérolas ao Ave”

Os cineastas portugueses João Pedro Rodrigues e João Rui Guerra da Mata integram o 24º Curtas de Vila do Conde, levando consigo ares da Ásia e de Macau

[dropcap style≠’circle’]C[/dropcap]om abertura a 2 de Julho e encerramento a 25 de Setembro, a exposição “Do Rio das Pérolas ao Ave” terá uma programação paralela de cinema no 24º Curtas Vila do Conde, de 9 a 17 de Julho, onde a dupla de realizadores vai apresentar uma misteriosa e histórica carta branca.
“Do Rio das Pérolas ao Ave” é a primeira exposição em Portugal de João Pedro Rodrigues e João Rui Guerra da Mata, realizadores que assim, se aventuram num projecto transversal, mais relacionado com as artes-plásticas. A exposição será composta por instalações concebidas exclusivamente para o espaço da Solar, em articulação com a sua configuração sinuosa e recôndita, adianta a organização. A proposta dos cineastas é apresentar um percurso lúdico pelo universo de ambos, procurando estabelecer novos diálogos com os filmes e respectivos processos de produção, numa abordagem muito diferente da que acontece habitualmente na sala de cinema, adianta a organização. Esta representa ainda uma oportunidade para a dupla do cinema português apresentar e complementar o seu trabalho cinematográfico.
Nesta exposição, serão apresentadas instalações-vídeo e objectos intimamente ligados à produção de filmes como “Alvorada Vermelha”, “Mahjong”, “Manhã de Santo António”, “O Corpo de Afonso” e “Parabéns” – que já passaram pelo Curtas Vila do Conde – e “Morrer como um Homem”, “O Fantasma” e “O Que Arde Cura”. A colaboração entre João Pedro Rodrigues e João Rui Guerra da Mata é ainda marcada por uma série de “filmes asiáticos” que assinalam o reencontro de Guerra da Mata com Macau, cidade onde o realizador passou a infância.

A caminho de Paris

“Do Rio das Pérolas ao Ave” antecipa a retrospectiva integral que João Pedro Rodrigues e João Rui Guerra da Mata vão apresentar no Centro Pompidou, em Paris, no final deste ano.
A inauguração terá lugar no dia 2 de Julho, pelas 18 horas, com a presença dos realizadores e um convidado especial, que oferecerá os seus préstimos musicais em ambiente de “sunset”.
Em complemento à exposição e a convite do Curtas Vila do Conde, João Pedro Rodrigues e João Rui Guerra da Mata vão apresentar no festival uma misteriosa e histórica carta branca. As três sessões integram uma selecção de curtas-metragens escolhidas pela dupla de cineastas de autores como Buster Keaton, Charles Chaplin, Jacques Tati, Alan Schneider, Jean Genet, Andy Warhol, Kenneth Anger, Jacques Demy e Jean-Luc Godard, entre outros enquanto filmes históricos e que desafiam as convenções do cinema narrativo.
Destacam-se ainda nesta edição do festival de curtas uma visita guiada à exposição na Solar pelos próprios artistas/realizadores, na quinta feira, dia 14 de Julho e o de uma conversa aberta e debate, sessão especial na sala dois do Teatro Municipal, no sábado, dia 16 de Julho.

24 Jun 2016

Condomínios | Pedida entidade independente para resolver conflitos

Imparcialidade é o que se pede ao Governo na resolução de conflitos que envolvam condomínios e condóminos. Os casos são poucos, mas a 2ª Comissão quer um terceiro elemento para evitar idas a tribunais

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] Governo poderá ter que proceder à criação de uma nova entidade que abarque as questões da mediação e arbitragem no que respeita às resoluções de conflitos e litígios dentro dos condomínios. A questão foi analisada ontem, em mais uma reunião da 2ª Comissão Permanente da Assembleia Legislativa (AL), presidida pelo deputado Chan Chak Mo.
Em análise está a proposta de Lei do Regime Jurídico da Administração das Partes Comuns do Condomínio que prevê a existência de duas instâncias de resolução de conflitos e litígios sem que seja necessário recorrer a acções judiciais. Estas instâncias poderão ser obrigatórias se designadas como tal no respectivo regulamento.
No entanto a 2ªComissão Permanente considera haver necessidade de criar uma terceira entidade que abarque estas duas funções e que tenha um carácter independente.
Até agora a resolução de conflitos poderia passar pelo privado, ou ser entregue ao Instituto da Habitação (IH). Algo que poderá mudar, pois a 2ª Comissão Permanente pretende que estes casos sejam analisados por uma instância independente do Governo.
Chan Chak Mo relembra que estes dois regimes de resolução de conflitos já existem, nomeadamente por uma empresa alojada no edifício World Trade Centre (WTC). Esta terceira plataforma terá como principal objectivo “evitar recorrer ao recurso judicial para resolver os problemas”, conforme adiantou o deputado.
Não sendo clara a distinção entre mediação e arbitragem, na presente proposta de lei, foi solicitada uma clarificação dos conceitos. Será assim realizado um “ajustamento à redacção” de modo a ser aperfeiçoada e mais explícita. Se por um lado e, por parte do governo, são termos semelhantes, já para Chan Chak Mo a mediação seria para “casos mais leves” enquanto que a arbitragem para “casos mais graves que possam exigir a apresentação de provas”.
No entanto, e após recorrer à arbitragem, caso a situação permaneça sem solução, os interessados poderão “sempre recorrer ás vias judiciais normais”. Para o deputado, mesmo recorrendo a estes dois dispositivos, muitas vezes não “se consegue efeitos satisfatórios”. Contudo, o presidente explicou que os “casos são poucos”.

Com ou Sub

Foi ainda debatida a questão das prioridades, nomeadamente dos regulamentos dos subcondomínios, no que respeita à aplicação das sanções pecuniárias em caso de incumprimento. Aquando da existência de regulamento de subcondomínios, este prevalece sobre o do condomínio (geral).
O deputado exemplifica com a situação da proibição de cães: poderá estar previsto no regulamento do condomínio a proibição dos animais, no entanto, se o regulamento do subcondomínio o autorizar, este será prioritário e os espaços comuns abrangidos pelo regulamento do sub condomínio poderão permitir a sua existência.

Ano novo, casa nova

Arnaldo Santos, presidente do Instituto da Habitação afirma que, no que respeita ao caso da habitação pública, a análise das 1900 candidaturas vai ser realizada de forma faseada, sendo que por semana serão analisadas cerca de 60. Das primeiras analisadas foram admitidas cerca de 45, confirmou o presidente, à margem da reunião da 2ªComissão Permanente. A análise destas candidaturas abrange os casos denunciados no início deste ano, de falsas declarações no concurso para atribuição de habitação pública. A primeira escolha das fracções pelas famílias já admitidas no processo vai ter início a partir da próxima segunda-feira, sendo que, a ocupação pode ocorrer aquando do término da respectiva construção. Das candidaturas negadas Arnaldo Santos refere que poderão prosseguir com recurso através dos devidos meios legais. O presidente admitiu ainda que a novas habitações poderão estar prontas no final do próximo ano, sem garantias.

23 Jun 2016

Grafiti | Macau ainda tem muito caminho para andar

Reabilitar edifícios devolutos com cores e imagens. Dar voz aos artistas que usam o grafiti para transformar Macau numa região mais actual, mais interventiva e mais bonita. Deixar que a arte urbana invada a RAEM e assim acompanhar tendências internacionais na diversificação cultural. Estas são as premissas que poderiam fazer da Macau uma casa para o grafiti, uma solução para as paredes abandonadas e um chamariz para o turismo

[dropcap style=’circle’]E[/dropcap] se Macau fosse uma galeria a céu aberto à semelhança de projectos que já se fazem um pouco por todo o mundo? O grafiti tem sido o rei na lavagem de cara de muitos espaços públicos e privados um pouco por todo o lado. A arte urbana passou de marginal a acarinhada não só pelos seus criadores como por um público que cada vez mais a aprecia. Viajar para ir a estes novos “museus” já consta dos planos de muitos e alguns já fazem parte dos roteiros mais apreciados.
Em Macau o aproveitamento de espaços antigos devolutos para a criação, nomeadamente para obras em grafiti, também é assunto que não passa despercebido. São interessados os criadores locais, a população e mesmo os deputados.
Ainda esta semana o tema foi mote de interpelação por parte da Angela Leong. A deputada interpela o governo precisamente acerca da criação de uma zona para grafiti nos bairros antigos enquanto atracção turística e cultural. grafitty gantz5
No que respeita ao património público o Instituto Para os Assuntos Cívicos e Municipais (IACM) disse ao HM que terá tido um espaço dedicado a este género de arte na Rua dos Mercadores, num espaço alugado. No entanto e após a devolução ao respectivo proprietário o espaço estaria destinado a outros fins de foro privado e como tal não poderia interferir. É hoje um parque de estacionamento. Salientou ainda que sem autorização ninguém pode interferir no espaço público sob risco de ser acusado de vandalismo. O crime que representa a possível utilização de espaço para o grafiti é corroborado pela Polícia de Segurança Pública que confirma ao HM que o acto é classificado de Dano Qualificado, incorrendo a pena de multa ou prisão.
Quanto ao aproveitamento artístico de espaços, o IACM afirma que não será da sua tutela, remetendo a responsabilidade para o Instituto Cultural (IC). O IC adianta que está empenhado na promoção das diferentes formas artísticas na RAEM salientando a recente criação de uma zona especial de exposições no lago Nam Van para a qual convidou a equipa de artistas locais GANTZ5 Crew para realizar um trabalho entre Maio e Junho integrado na iniciativa “Anim’Arte NAM VAN”. Não adianta, no entanto, qualquer outra informação sobre a reutilização de mais espaços para promoção do grafiti.

Colectivo local

A GANTZ5 Crew é o colectivo de artistas locais que se dedica ao grafiti na RAEM. Pat Lam que assina como PIBZ é um dos membros da Crew e começou a pintar paredes em 1999. Para o artista, é “como dar um presente à cidade”. O colectivo já tem trabalhos espalhados por Macau e para Pat, actualmente é mais fácil pintar grafiti, lembrando as detenções e os problemas com as autoridades por que já passou. Para o artista o grafiti traria a Macau uma atenção especial. Salienta ainda a sua importância no alerta para os edifícios mais antigos e em mau estado enquanto pensa na “reabilitação” artística, mesmo que temporária dos mesmos. Pat afirma ainda a falta de espaços para pintar e relembra o projecto que animou a Rua dos Mercadores e a sua importância, lamentando o fim do mesmo, sem continuidade ou alternativa. A utilização das zonas mais antigas de Macau é ainda considerada uma mais valia tanto cultural como promotora de mais visitantes à região. Fica a questão dee porque é que a RAEM não promove o grafiti enquanto cartão de visita turístico ao mesmo tempo que dá “outro ar” à “baixa” da cidade.

Por esse mundo fora

O grafiti tem vindo a sair dos subúrbios urbanos onde nasceu enquanto arte marginal, de intervenção e reflexão social, e tem vindo a ocupar o coração das grandes cidades. O fenómeno é visível um pouco por todo o mundo e os seus protagonistas cada vez mais destacados internacionalmente. Há cidades pelo mundo fora que são já são denominadas “amigas do grafiti”. Lisboa por exemplo, é uma delas tendo registado nos últimos anos um elevado aumento de turistas para visitar as suas paredes pintadas. Na Europa é já tida como a capital do grafiti.
Também a Ásia tem vários exemplos entre os quais se destaca Kaosiung em Taiwan onde o governo tem vindo a expandir cada vez mais os espaços para que os artistas possam pintar legalmente. O governo local deu andamento à legalização do que chama de arte pública e com um espaço mais alargado de tela urbana, promove não só os artistas locais como cativa talentos de fora. Kaosiung é agora também um destino para uma vaga de visitantes que à semelhança de Lisboa procuram mais oferta no designado turismo cultural.
A movimentada Shibuya em Tóquio ou o não menos conhecido Soho de Hong Kong não são excepção e já contam com espaços assinados por artistas internacionalmente reconhecidos como Space Invader, Titi Freak, ou do português Vhils.
Alexandre Farto, também conhecido por Vhils foi um dos nomes do ano passado referido pela revista Forbes enquanto talento português e o já consagrado e ainda anónimo Banksy que chama tantos a conhecer as paredes que vai pintando, esteve nos nomeados às 100 pessoas mais influentes do mundo da Time em 2010.

22 Jun 2016

Margarida Moz: “Não há festival que não queira ter um filme português”

Margarida Moz, antropóloga que viveu a adolescência em Macau, é directora da Portugal Film, a agência “filha” do Indie Lisboa que traz, este fim-de-semana, à Cinemateca Paixão uma mostra do que melhor se faz no cinema Português

[dropcap]C[/dropcap]omo nasceu a Portugal Film? Uma filha do Indie Lisboa?
A Portugal Film é, de facto, uma filha do Indie. A Associação Indie Lisboa inicialmente só realizava o festival. O que acontecia é que também era uma montra para alguns realizadores independentes ou algumas produções próprias. Os filmes eram vistos no festival mas, ao longo do ano, não continuavam em nenhum circuito Internacional. Por outro lado também vinham ao festival muitos programadores estrangeiros que viam alguns filmes nacionais e que acabavam por os levar para outras paragens. A determinada altura o Nuno Sena e a Ana Isabel Strindberg, decidiram criar esta agência de modo a poder dar continuidade à carreira de filmes que passam no Indie.

Uma forma de dar a conhecer o cinema português ao mundo e de trazer o mundo ao que se faz em Portugal?
Sim. Nós além de promovermos e levarmos os nosso filmes aos festivais de cinema internacionais temos também dentro do Indie Lisboa a rubrica “Lisbon Sreenings” em que trazemos programadores, indústria e jornalistas estrangeiros. É uma maratona de três dias de projecções com os filmes que achamos mais interessantes. Por exemplo, este ano mostrámos uma curta que não participava no festival por ainda estar em pós produção. Os programadores vêm assim os filmes em Abril que poderão estar prontos atempadamente para a sua programação. Por outro lado os realizadores sabendo de antemão que o filme suscitou interesse tendem a apressar o fim dos memos. No ano passado mostrámos a “Balada de um Batráquio” por exemplo, e o programador de Roterdão ficou logo interessado. Berlim também mostrou interesse e como foi o primeiro a aceitar o filme esteve na Berlinale onde ganhou o Leão de Ouro.

A agência tem alguns veteranos do cinema português mas também já apresenta um bom número de jovens cineastas. Apostam efectivamente nos novos talentos portugueses?
Não há duvida de que realizadores como Pedro Costa, Manuel de Oliveira, João Botelho, João Nicolau, etc, as pessoas já conhecem. Por outro lado as pessoas têm a ideia feita de que o cinema português é muito pausado e contemplativo. Mas a verdade é que estes jovens realizadores são todos muito diferentes entre eles e chamaram outra vez a atenção para o que se faz em Portugal. Neste momento não há festival nenhum que não queira ter um filme português ou ver alguns. Também temos uma ligação à Escola Superior de Teatro e Cinema de Lisboa onde vamos ver os trabalhos finais dos alunos e em que começamos a ter conhecimento destes novos realizadores. Aliás neste aspecto a Leonor Teles destacou-se de imediato pela forma como fazia os filmes.

Vem aí uma lufada de ar fresco no cinema português?
Nós vemos muitos filmes e nem sempre há uma identidade nos realizadores. Por vezes vemos filmes muito bem feitos mas que não têm frescura ou ousadia. Falta risco. Depois há aqueles que se destacam. Por vezes são filmes com mais fragilidades a nível de realização mas que já têm a identidade de quem o faz.

Têm levado trabalhos a festivais icónicos como Roterdão, Berlim, Clermont-Ferrand. O que se segue?
Em Cannes já tivemos este ano dois filmes na semana da crítica. O “Ascensão”, do Pedro Peralta, e o “Campo de Víboras”, da Cristèle Alves Meira. Agora queremos Locarno e Veneza.

Quais as maiores dificuldades que têm sentido?
Começamos agora a sentir algumas. Por um lado, elevámos a fasquia de tal maneira que todos os realizadores têm uma grande expectativa em relação à agência. É como que se: se nos derem o agenciamento do filme, já é garantia de que vai circular. Por outro, continuamos a ter esta postura que pode parecer arrogante, mas que não o é, em que recusamos muitos dos filmes que nos propõem. Não podemos ter um catálogo com centenas de filmes e desde o início que estabelecemos um limite máximo de curtas e longas a agenciar anualmente. Se queremos acompanhar com proximidade realizadores e filmes, é humanamente impossível ser feito por três pessoas. A Portugal Film funciona comigo e com a Ana Isabel Strindberg a tempo inteiro e o Gonçalo Mata e o Rui Mendes que alternadamente vão fazendo outras coisas como as inscrições etc.

Passou a adolescência em Macau e está de regresso em visita. Reconhece a RAEM?
Mudou tudo. Já fui dar um passeio e perco-me. Há uma familiaridade que não muda como estes cheiros ou a quantidade de gente. Não é que goste mas não me são estranhos. Vivi aqui numa idade muito importante, dos 10 aos 18, uma idade muito marcante.

O que espera da mostra cá?

Começámos a pensar no que trazer ainda no ano passado. A “Balada de um Batráquio” não era para vir mas acabámos por trazer pela premiação em Hong Kong. “Os olhos de André” também estiveram no mesmo festival e também acabou por vir dada a aceitação. Por outro lado, também é um filme que aborda a família que acho que é um tema universal. Aliás vamos ter três filmes que de alguma forma abordam este tema. Ainda temos “A toca do lobo” sobre o avô da Catarina Mourão, o “Gipsofilia” sobre a avó da Margarida Leitão. Eu também sou antropóloga de formação e trabalhei na área da família e do parentesco. São-me temas muito próximos também.

Como é que a antropóloga foi parar ao cinema?

Casualmente. Sempre estive na área de género, família e sexualidade. Fiz uma tese de mestrado em que trabalhava como voluntária na Associação Gay e Lésbica de Lisboa. A actividade da associação com maior apoio da câmara era o festival de cinema que aliás foi dos primeiro se não o primeiro em Lisboa, o Queer. Curiosamente agora estamos no mesmo edifício. A câmara de Lisboa aluga a preço simbólico vários espaços para a área do cinema e estamos lá todos, o Doc Lisboa, o Indie, a Monstra, a Academia de Cinema, etc. Mas continuo ligada à Antropologia, ainda dou aulas na escola Superior de Enfermagem de Lisboa.

Essa proximidade entre as várias entidades tem sido benéfica?
Sim, muito. Se recebemos por exemplo filmes do Indie que não são seleccionados passamos àqueles que achamos mais apropriados.

Do cinema que se faz em Macau, qual a sua opinião?
Conheço muito pouco . Recebemos, há tempos, um filme de cá que esteve praticamente a ser seleccionado. Muito interessante. Mas era muito longo e não havia na programação espaço suficiente. Depois há o Ivo Ferreira ou a Leonor Noivo que são muito bons.

E do que se faz na Ásia?
Aí sim há mais acesso. Os filmes apesar de ainda serem muito locais já têm uma grande representação em festivais europeus. Taiwan, Hong Kong e mesmo Macau ao lado da Coreia do Sul ou do Japão já têm representações. O cinema asiático já tem uma forte presença nos mercados.

10 Jun 2016

António Caetano Faria, realizador de “Caminhar no Escuro”, e Ka Chon Leong, protagonista

“Eric – Caminhar no escuro” é uma homenagem ao que um filme transformou em conhecimento e amizade. É uma forma de descobrir receios, como o de ficar cego, sem tocar na parte mais dramática da tragédia. É um documentário que estreia a 10 de Maio às 19h30 no Centro Cultural, fazendo parte da edição deste ano do Festival de Cinema e Vídeo de Macau e que traz um protagonista com ideias bem fixas

[dropcap]A[/dropcap] sua carreira enquanto realizador tem sido fortemente dedicada ao documentário. Porquê?
ACF – Posso dizer que foi um acaso. Acho que comecei a fazer realização de documentários por gostar muito de filmagem. Talvez por ter criado uma relação com a câmara de filmar, porque acabamos por construir essa relação. Não é só um objecto. E essa relação fez com que explorasse mais alguma ideias além da imagem, de modo a tirar dela mais do que ela própria. Por isso, e também pela necessidade, por Macau ter poucos técnicos na área. Ajudou com que espoletasse o interesse na forma de contar histórias e de dizer o que sinto e procurar alguns tópicos em que o documentário me ajudou a exprimir.

Como é que aparece Macau na sua vida profissional?
ACF – Sou nascido e criado em Lisboa. Vim com uma relação que tinha na altura e apaixonei-me pela cidade. Começaram a sair ideias que estavam na gaveta e a partir daí comecei a explorar Macau a partir da imagem e também da mensagem…

ERIC_1_SOFIAMOTAMacau como fonte de inspiração?
ACF – Claramente. É uma cidade que me cativa imenso. Em que posso explorar tanto a minha relação com a câmara, como histórias diferentes que não tenho em Portugal, pelo menos, tão diferentes. Acho que aqui também existe um clima mais relaxado porque a economia é mais pujante e a vida acaba por ser mais fácil. Naturalmente, tendo a vida mais facilitada, consegue-se pensar em coisas mais pessoais.

Como é viver do cinema em Macau?
ACF – Não vivo do cinema em Macau. As pessoas estão todas enganadas. Vivo porque sou operador de câmara e editor. Realizo projectos também e acima de tudo tenho ideias e vou à procura de financiamento. Mas acaba-se por não se viver do cinema. Não dá o salário fixo nem há projectos fixos. Não temos muita coisa a ser filmada em Macau.

Como vê então a “indústria” do cinema em Macau?
ACF – Nos últimos oito anos há efectivamente um crescimento acentuado. Derivado das políticas do Governo, acima de tudo por causa do jogo. Querem dar a faceta do entretenimento e “lavar uma bocado a cara”. E isso faz com que em todas as áreas artísticas estejam a crescer. Mas não se pode dizer que seja possível viver disso.

Que sugestões daria para que isso fosse possível?
ACF – São vários factores. Precisa acima de tudo de haver um instituto de cinema e audiovisual em Macau, uma entidade do Governo que se dedique só a essa área. São projectos longos e que por vezes exigem muito financiamento e ao mesmo tempo envolvem muitas outras artes. Para um documentário, temos que arranjar compositores, cenários, direcção de actores. Por isso agora quando tenho uma ideia, normalmente uma que me toque a mim, parto depois à procura de financiamento.

Este documentário que vai apresentar, “Eric – Caminhar no escuro”, também foi uma dessas ideias que, de alguma forma, o tocam pessoalmente?
ACF – Claro que sim. Este documentário vem de algumas perguntas que tinha para comigo. Perguntas, receios e medos e essa ideia da possibilidade de ficar cego. Como é viver sem luz? Sem imagens? Dependo dessas imagens e por isso foi um documentário que fez sentido para mim, até para combater esse receio, essa forma de ver a cegueira. Foi a forma de tentar explorar o tópico.

E como é que apareceu o Eric? Como é que se encontraram?
ACF – Encontrei o Eric depois de alguma investigação acerca do tema e acerca de invisuais aqui. Queria especificar a vida de uma pessoa, queria pegar nessa pessoa e tentar explorar ao máximo como é que observa e sente as coisas. Os invisuais observam, podem não ver, mas observam. A visão é um complemento da nossa linguagem. O Eric foi uma forma de me descobrir a mim próprio e enfrentar os meus receios. Se o estou ou não a usar para isso, é uma questão que me coloco, mas acho que também que estou a ajudar a dar voz a estas pessoas.

Que voz têm estas pessoas, agora, depois de fazer o filme?
ACF – Não queria fazer o documentário do cego, o coitadinho da bengala. Não era isso que queria fazer. Espero que as pessoas quando saírem do filme não fiquem com esse sentimento. Mas é óbvio que tive que passar por partes trágicas da vida dele. Não nasceu cego, ficou cego. Por isso nesse sentido é óbvio que é uma história que mexe com todos nós. Mexeu imenso comigo e só posso agradecer pelo facto de o ter conhecido. Foi um privilégio fazer este documentário com ele.

Houve abertura da parte do Eric desde o início para colaborar no documentário?
ACF – Completamente. Encontramo-nos num café e a abertura foi automática. Começámos a falar imediatamente a mesma língua. Claro que, com o tempo, fui aprendendo outras formas de comunicação, visto ser uma pessoa que fala muito com gestos. Tive que aprender a comunicar com um invisual. Depois foi fazer um filme sem guião e as coisas foram-se proporcionando. Infelizmente, o tempo que tínhamos não era o necessário para fazer este documentário, acho que deveria ser mais explorado. No total tivemos apenas cerca de cinco, seis meses, o que não é muito tempo para se conhecer uma pessoa. Queria também ter uma relação de amizade para além de trabalho porque só assim é que se consegue chegar aos significados e às coisas mais profundas. Tenho agora com o Eric a construção de uma amizade.

Como é que estabeleceu os limites face ao “coitadinho”, numa história que tem, efectivamente, muito de drama?
ACF – Por um lado para fazer um documentário uma pessoa tem que ser nua e crua. Tentei ir buscar coisas minhas e gostos meus e fazer perguntas que eu achasse que até se relacionassem mais comigo do que com ele. A partir daí quis perceber as nossas semelhanças e não as nossas diferenças. Ele gosta de futebol e eu adoro futebol. As diferenças acabaram por não ser assim tantas. São perspectivas diferentes, só isso. Porque a realidade acaba por ser uma imaginação de todos nós.

O Eric trabalha com invisuais e está a acabar o mestrado em Psicologia. Que motivações?
KCL – Sou trabalhador estudante. Trabalho numa associação de invisuais de Macau em que organizo actividades lúdicas e de reabilitação. Para mim, a Psicologia é uma [forma de compreender] o que também sentem os invisuais. Por exemplo aqueles que tarde na vida perdem a visão, o que é isso para eles? Para mim será mais fácil entender essas pessoas. Mas principalmente quero usar o meu conhecimento para trabalhar. Quero ajudar também os jovens na vida normal. Dar-lhes alguma orientação, até porque normalmente não falam muito com outras pessoas. Alguns jovens são incríveis. Eles não gostam de falar com os pais ou os seus amigos que têm visão e preferem falar comigo. Por outro lado, eu também não sigo as regras standard da sociedade. Gosto de as quebrar.

Como assim?
KCL – Se seguisse as regras, e sendo invisual, teria que aprender por exemplo a fazer massagens ou tocar música clássica, mas escolhi estudar em escolas normais, aprender música mas não clássica. Toco guitarra, baixo e bateria e gosto de rock. Gosto também de ensinar as pessoas a usar a tecnologia porque é um meio que me é muito útil para comunicar.

Não nasceu invisual. Recorda o que já viu?
KCL – Quando era pequeno não via imagens claras, mas lembro-me de ver algumas cores e algumas sombras. Gostava muito de ver o pôr-do-sol da janela. Era uma altura do dia muito bonita, com todos aqueles laranjas que me traziam sentimentos especiais. Da minha infância e do tempo em que via, guardo essencialmente o pôr-do-sol. Também era um momento familiar em que a família se juntava. Lembro-me também de estar muito perto da televisão para tentar perceber as caras das pessoas.

ERIC_3_SOFIAMOTAComo é que constrói a sua imaginação e concepção do mundo?
KCL – A imaginação é uma coisa muito visual. Normalmente é baseada no que se viu antes. Aquilo em que toco, por exemplo, nas últimas duas décadas, posso pensar que cor teriam. Para mim o cor-de-rosa é o sentimento das pessoas a irem para casa, o vermelho é o tempo à tarde, azul depende, se for escuro é um pouco deprimente e próximo do preto, se for claro é o céu.

ACF – Quando apresentei este projecto o título era precisamente “A imaginação de um invisual”, foi assim que apresentei a proposta.

Como é ser agora um actor?
KCL – Foi muito fácil porque me estava a representar a mim. Não tinha experiência mas como era para me divertir também, e usufruir, não foi nada difícil. Mas não penso que no futuro possa ser um bom actor.

Como sente Macau?
KCL – Macau é como um quarto muito pequeno onde se põe tudo dentro. Não sei se um dia não irá explodir. As pessoas que aqui vivem têm ideias muito diferentes. Precisamos de ser uma cidade internacional, mas internamente isso não acontece. Por outro lado, e para nó invisuais, como não assinamos não podemos usar uma série de coisas que nos ajudariam a viver. Por exemplo, não podemos usar paypal, nem levantar dinheiro porque não consideram que possamos ter cartão multibanco. Falta ainda a Macau tomar mais iniciativas nomeadamente na área tecnológica de forma a que possamos ter uma vida quotidiana mais independente. Não se promove a independência dos invisuais, muito pelo contrário. Por outro lado até nós poderíamos ser mais úteis, com o avanço tecnológico, e ajudar as outras pessoas a lidar com as novas tecnologias nomeadamente as aplicadas aos invisuais.

Como é para si não ver o seu filme?
KCL – Acho que preciso de me basear no que aconteceu a fazer o filme. Mas noutros filmes, existe este dispositivo, chamado áudio-descrição. Já é utilizado nos Estados Unidos e outros lugares e deveria existir aqui também. É uma tecnologia que acompanha o filme com descrições para os invisuais. Nós também gostaríamos de o ter aqui. O cinema é para todos.

6 Mai 2016