Caso do casal Guerra não vai interferir nas relações entre Timor e Portugal, diz ministra

O caso judicial que envolve o casal português Tiago e Fong Fong Guerra não vai interferir nas relações entre Timor Leste e Portugal. A afirmação é da ministra da justiça de Timor, Maria Ângela Carrascalão, sendo que, considera que é uma situação para ser tratada com o devido cuidado

 

O caso de Tiago e Fong Fong Guerra não vai fragilizar as relações entre Portugal e Timor Leste. A ideia foi deixada ontem pela ministra da justiça de Timor Leste, Maria Ângela Carrascalão, à margem do Simpósio Jurídico Internacional de Macau para a Promoção da Cooperação Comercial e Económica entre a China e os Países Lusófonos. “Estou confiante na resolução desta situação e acredito que não vai afectar as relações entre os dois países”, começou por dizer a ministra da justiça.

A razão é simples. “Nem Portugal, nem Timor estão interessados que um caso particular interfira neste tipo de relações. São casos que têm que ver com a justiça timorense e com a polícia de investigação internacional, mas não têm que ver com o ministério da justiça e dos negócios estrangeiros de Timor Leste”, esclareceu Maria Ângela Carrascalão.

Para a responsável a situação é complexa mas “os tribunais decidiram e Tiago Guerra e a mulher resolveram ir para Portugal”.

 

Com paninhos de lã

Ainda assim, a situação não deixa de ser delicada a nível diplomático e tem de ser tratada com cuidado e de forma objectiva, disse a ministra. “Não podemos, nem Portugal nem Timor Leste, ser impulsivos no tratamento desta questão porque tem necessariamente que ver com as relações entre os dois países”, apontou.

 

Para a responsável timorense, ambos os países têm agido de boa fé relativamente ao caso de Tiago e Fong Fong Guerra. “Gostamos de ser respeitados, mas sabemos que Portugal não terá agido de má fé e gostaríamos que, mesmo considerando a justiça de Timor Leste frágil, se tenha o cuidado de pensar que, sendo um estado independente, naturalmente aplicou a justiça que foi ensinada por professores internacionais e não necessariamente timorenses, e o que aprendemos foi o que aplicámos e fizemos isso, também, de boa fé”, rematou.

Tiago e Fong Fong foram condenados, em Agosto,  por um colectivo de juízes do Tribunal Distrital de Díli a oito anos de prisão efectiva e a uma indemnização de 859 mil dólares americanos por peculato. Os portugueses recorreram da sentença, considerando que esta padecia “de nulidades insanáveis” mais comuns em “regimes não democráticos”, baseando-se em provas manipuladas e até proibidas.

Um “pedido internacional de extradição para Portugal com detenção provisória” foi enviado à Procuradora-Geral da República portuguesa, Joana Marques Vidal, com conhecimento para a ministra da Justiça portuguesa, Francisca Van-Dúnem, e para o ministro dos Negócios Estrangeiros, Augusto Santos Silva.

14 Dez 2017

Lei da arbitragem vai ser revista, garantiu director da DSAJ

A lei de arbitragem vai ser revista e o Governo já está a reunir peritos internacionais para estudar a matéria. A ideia é transformar o território num centro de arbitragem internacional tendo em conta as trocas comerciais e de investimento realizadas entre os países lusófonos e a China. De acordo com Neto Valente o enquadramento legal é o primeiro passo a dar, sendo que é necessário concretizar uma série de medidas de modo a que a arbitragem no território possa ser uma realidade

 

[dropcap style≠‘circle’]A[/dropcap] Lei da arbitragem vai ser revista em Macau. A medida foi conformada ontem pelo director dos Serviços de Assuntos de Justiça, Liu Dexue, no discurso de abertura do Simpósio Jurídico Internacional de Macau para a Promoção da Cooperação Comercial e Económica entre a China e os Países Lusófonos. “Com vista a aperfeiçoar o sistema de arbitragem e conciliação na RAEM, o Governo está a proceder à elaboração da respectiva legislação”, referiu responsável.

O obejctivo do evento, que decorreu ontem, foi “estudar e discutir, com os peritos jurídicos, profissionais e académicos, os temas sobre a arbitragem, a harmonização jurídica e a promoção de oportunidades comerciais e serviços jurídicos sob a iniciativa “Uma Faixa, uma Rota”, no interior da China, nos países lusófonos e em Macau”, disse.

A ideia de Macau como plataforma nesta área tem vindo a ser reforçada no último ano. No entanto, a necessidade de uma revisão legal, começa agora a ganhar forma e, de acordo com o presidente da Associação dos Advogados de Macau, Neto Valente, “o primeiro passo nalguns países está dado, e noutro onde já há leis de arbitragem, e noutros, os regimes estão a ser alterados, adaptados e modernizados na base da lei modelo da Uncitral que é o caso de Macau que está a acabar de rever a lei da arbitragem interna e externa e que em breve terá uma nova lei. A lei da arbitragem é o primeiro passo que dá o enquadramento mas tudo o resto está por fazer”, disse ao HM.

Entre o papel e a prática

Para o advogado, os processos de arbitragem não se resolvem apenas com um enquadramento legal. É necessário enfrentar os problemas associados a situações de conflito que envolvem países e culturas diferentes. “É preciso colocar arbitragem a funcionar e para o fazer não chega dizer que temos uma lei e que temos árbitros, é preciso dar incentivos para que os contratos que são feitos entre entidades de diferentes países, nomeadamente entre os países lusófonos e as entidades chinesas, incluam cláusulas de arbitragem” explicou Neto Valente.

Por outro lado, e tendo em conta a política “Uma Faixa Uma Rota”, que inclui projectos de grande envergadura e que atravessam diferentes países e diferentes culturas, “é impossível que não haja problemas”, apontou. A melhor maneira de os resolver, considera, é através da arbitragem, visto que com tribunais será muito complicado.

Uma questão de harmonia

Um dos tópicos do simpósio realizado ontem teve que ver com a necessidade de harmonização de princípios jurídicos.

Para Neto Valente trata-se de um factor fundamental. “Há palavras que não são traduzidas e interpretadas da mesma maneira e que variam consoante os países onde passam os negócios. A filosofia dos negócios, a forma de os fazer e as cláusulas contratuais não são todas iguais”, começa por referir.

“Se houver uma harmonização de princípios jurídicos aplicáveis aos contratos internacionais é fácil ao tribunal arbitral aplicar esses princípios porque são comuns”, disse Neto Valente. É também tendo em conta a harmonização de princípios que o advogado considerou o encontro de ontem como sendo um marco importante na contribuição para um novo regime legal.

Outra questão a ter em conta é a formação dos árbitros. Para Neto Valente um árbitro de um processo não tem de, obrigatoriamente, ser jurista. “Por exemplo, nos casos de projectos que tenham que ver com obras públicas, se calhar é necessário ter árbitros da área da arquitectura ou da engenharia porque têm o know how da matéria em causa, mais que um jurista”, explicou o responsável.

Macau, uma porta aberta

Macau tem todas as condições para ser um centro de arbitragem capaz de mediar conflitos comerciais entre a China e os países lusófonos. A ideia foi deixada pela ministra da justiça de Timor Leste, Maria Ângela Carrascalão, à margem do Simpósio Jurídico Internacional de Macau para a Promoção da Cooperação Comercial e Económica entre a China e os Países Lusófonos. Para a governante, Macau “é a chamada porta para a China e que tem de ser isso mesmo”. A discussão do tema da arbitragem no território entre o continente e os países lusófonos faz todo o sentido e no caso particular de Timor ainda mais, na medida em que, referiu, “há laços privilegiados com Macau há muito tempo e pretendemos reforçar esses laços não só a nível do comércio internacional mas também ao nível de direito”. Por outro lado, também Timor tem um direito de matriz portuguesa e a cooperação entre as duas regiões faz ainda mais sentido”, apontou a ministra.

14 Dez 2017

Festival Internacional de Cinema de Macau – Nos bastidores da indústria

Tetsu Negami, Clockworx CO.Ltd, Japão: “Um festival profissional”

[dropcap style≠’circle’]É[/dropcap] a primeira vez que aqui está, qual é a sua primeira impressão? 

Estou com muito boa impressão e a minha intenção é encontrar projectos que me chamem a atenção. Se o conseguir, já é muito bom. Para ser honesto, e nesta fase, ainda não encontrei um projecto para financiar, dado os estágios muito iniciais em que se encontram, mas penso que vou acompanhar o seu desenvolvimento. Acho que no futuro somos capazes de investir e mesmo co-produzir.

O que acha da forma como este encontro da industria está a ser conduzido?

Todos os festivais têm de ter esta componente de mercado. Neste caso está feito de forma muito profissional e que pode vir a ter frutos. Estou surpreendido.

Para o ano, vai cá estar?

Sim.

Gilbert Lim, Sahamongkolfilm, Internationl Co Ltd., Tailândia: “No bom caminho”

É o responsável por uma das maiores produtoras e distribuidoras da Tailândia e é a segunda participação que tem neste festival. Quais as diferenças entre o ano passado e este ano?

Acho que este ano está muito melhor. Está tudo muito bem organizado. A localização é excelente. O maior problema que encontrei no ano passado, e por ser a primeira edição, teve que ver com a logística que falhou em alguns aspectos. Mas, ainda assim, enquanto primeiro festival foi bastante bom. Mas esta segunda edição está mesmo muito bem organizada.

Macau pode vir a ser um local importante enquanto plataforma na área da indústria do cinema?

Penso que é uma situação possível tendo em conta que Macau, de alguma forma, é um lugar que é uma espécie de cruzamento entre o ocidente e o oriente. Gostava muito que o Governo de cá contiuasse a apoiar este festival.

Como é que vê o futuro do festival?

Não se pode julgar um festival de cinema pelos primeiros dois ou três anos. Este tipo de eventos tem de continuar para que se possa ter uma ideia acerca da sua importância para o local onde é realizado. Mas, para já, este estará no bom caminho.

Para o ano, vai cá estar?

Sim.

 

Fred Tsui,  Media Asia film, Hong Kong: “Macau é mais do que casinos, é cultura”

O que é que Macau tem para mostrar, tendo em conta a realização de um festival de cinema em Hong Kong, e o mercado da região vizinha?

Em termos de natureza, os festivais têm todos a mesma. Depois é uma questão de localização e de tempo. Mas Macau tem aspectos únicos dos quais pode usufruir. Já toda a gente conhece Hong Kong. Mas, de Macau normalmente as pessoas apenas conhecem o território por causa dos casinos, sendo que na realidade, a RAEM é muito mais. O facto de ser um festival organizado pelos serviços de turismo também faz sentido porque o território tem muito a oferecer aos visitantes. Macau é mais do que casinos, é cultura e é preciso dizer isso às pessoas.

Quais as maiores diferenças que encontra entre a edição do ano passado e a deste ano?

Começa pelos hotéis onde estamos. No ano passado estávamos na Taipa e era muito longe. Este ano estamos muito bem, mesmo em frente do Centro Cultural onde tudo acontece. É tudo muito conveniente e está muito bem organizado. O próprio espaço é óptimo. Está tudo melhor este ano. E mesmo no que respeita aos projectos que estão a ser mostrados, são muito melhores. No ano passado fiquei com a sensação de que os projectos apresentados vieram por convite e, este ano, sente-se que houve uma selecção cuidadosa.

Para o ano, vai cá estar?

Sim, claro!

13 Dez 2017

Prémios | Já são conhecidos os projectos vencedores do “Project Market”

São 30 000 dólares americanos para dividir pelos três vencedores do “Project Market Award” do Festival Internacional de Cinema. Os galardoados foram conhecidos na segunda-feira e as participação portuguesas não conseguiram estatuetas

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap]s prémios da segunda edição do Festival Internacional de Cinema já começam a ter destinatários. A noite de segunda-feira foi dedicada à entrega do galardão aos vencedores da secção dedicada ao mercado e indústria cinematográfica do evento.

Um total de 30 000 dólares americanos foi distribuído equitativamente por “Mihara” uma coprodução dos Estados Unidos e do Japão realizada por Jaqueline Castel, “The girl with no head, um projecto da Malásia realizado e produzido por Liew Seng Tat e Pete Teo, e “The last stage” de Liam O´Donnel, um filme que conta com a participação dos Estados Unidos, França e Indonésia.

Os filmes, ainda em fase inicial de produção, integram a secção do festival dedicada à apresentação de projectos à industria. Os candidatos foram seleccionados de acordo coma curadora de Todd Bown.

A secção dedicada à indústria contou, este ano, com a participação de 14 projectos que durante três dias foram meticulosamente apresentados e submetidos a comentários de alguns dos mais influentes representantes da produção e distribuição de filmes do mundo, sendo que o continente asiático se destacou.

Os projectos foram divididos em três categorias tendo em conta os objectivos de cada um. O “Project Market” apresentou o bloco dedica os prjevtos de filmes de género, filmes de autor e projectos que estavam à procura de parcerias internacionais.

Um momento de qualidade

Os portugueses Jerónimo Rocha e o residente de Macatu, Ivo Ferreira estiveram presentes em diferentes categorias. Jerónimo Rocha este a apresentar “Deadalus”, uma continuação da curta homónima que o realizador quer ver no grande ecrã. Da experiência no festival, Jerónimo Rocha destaca a qualidade que caracteriza este sector do festival e ao HM referiu que, independentemente dos resultados imediatos, “a experiência está a ser muito produtiva até porque permite aceder a diferentes formas de analisar o filme que queremos fazer e, como tal de o podermos melhorar”.

Já Ivo Ferreira trouxe “Projecto Global” à secção de autor. Apesar do projecto, para já, contar apenas com 20 páginas de guião escritas, Ivo Ferreira admite não estar no festival propriamente à procura de apoios, até porque se trata de um filme de Portugal, mas, quem sabe, conseguir interessados na sua distribuição”, apontou ao HM.

Por outro lado, o produtor de “Projecto Global” não deixou de destacar a qualidade do sector dedicado ao mercado. “Do que tenho visto, esta secção do festival está ao nível do melhor que se faz na Europa”, disse.

13 Dez 2017

Udo Kier, actor e vencedor do prémio de carreira: “Se não fosse actor seria jardineiro”

Independentemente do tipo de filme ou do papel, Udo Kier é uma cara conhecida do público. Com 50 anos de carreira e trabalhos feitos em todos os géneros cinematográficos, o carismático actor alemão está no território para receber o prémio de carreira do Festival Internacional de Cinema. Aos jornalistas, Kier falou com boa disposição de alguns dos filmes em que participou, da sua paixão pela jardinagem e da amizade que tem com Lars von Trier

 

É a segunda vez este ano que recebe um prémio de carreira. No ano passado também recebeu alguns. O que é que se está a passar?

Tenho 73 anos e é quando envelhecemos que as pessoas nos dão prémios. É agradável. Se tivesse 100 anos seria mais complicado porque não teria a energia que tenho agora para os receber.

Já participou em centenas de filmes.

É verdade. Já fiz filmes maravilhosos. Aliás já filmei com a filha do Charlie Chaplin e é espantoso porque é muito estranho tocá-la e perceber que estou a trabalhar com a filha do Charlie Chaplin. Continuo a trabalhar muito. Estive na China a trabalhar nuns estudios maravilhosos, a gravar “Iron Sky 3”. Foi muito interessante porque estivemos a trabalhar com actores chineses e o Andy Garcia era a única pessoa que falava inglês ali comigo.

O que achou da experiência no continente?

Os chineses têm uma grande tradição cultural na arte da representação, assim como os japoneses. Foi a minha primeira vez na China. Foi engraçado porque pensava que ía para uma pequena vila chamada Tsingtao e quando lá cheguei vi as construções e os arranha céus e perguntei quantas pessoas vivam ali. Disseram-me que cerca de 10 milhões. Fiquei muito espantado por saber que 10 milhões pode ser a população de uma pequena cidade da China. Foi também uma oportunidade de conhecer a cultura. Andei por lugares realmente mais pequenos e com muitas construções antigas. Gostei muito. Em Macau quero fazer o mesmo. Até agora ainda só vi casinos e espaços maravilhosos e dourados , com água fogo e Frank Sinatra. Mas quero ir às ruinas de São Paulo e sentir a história na minha mão.

Já trabalhou com realizadores como o Wim Wenders, Quentin Tarantino ou von Trier. Como é que é trabalhar com estes nomes?

Cresci na Alemanha. Tive a sorte de conhecer o Fassbinder quando tinha cerca de 16 anos. Depois fui para Inglaterra aprender inglês, Foi lá que fui convidado para a minha primeira participação num filme. Na altura, não queria muito ser actor, mas gostava da atenção que tinha quando as pessoas me encontravam num restaurante e diziam que me tinham visto na tela. Na Alemanha, existiam três grupos, o de Wenders, o de Herzog e o do Fassbinder. Eu estava no grupo do Fassbinder e não estava autorizado a trabalhar com os outros dois. Quando o Fassbinder morreu é que trabalhei tanto com o Wenders como com o Herzog. Mas o Lars é diferente. É um dos meus melhores amigos. Já trabalhamos juntos há 24 anos. Sei as datas porque sou o padrinho da sua filha e ela acabou de fazer 24 anos. Participei em todos os filmes do Lars von Trier e só não vou estar neste último. Mas o Lars já me ligou a dizer que o poster de promoção vai ter em destaque  “sem Udo Kier”. Eu acho óptimo, acabo por ser o centro do póster.

Representa normalmente as personagens estranhas e vilões. Gosta?

Claro que sim. Até porque eu sou um bom tipo. Eu salvo animais e sou jardineiro. Aliás, se não fosse actor seria, sem dúvida, jardineiro. Tenho uma casa linda na Califórnia e sou eu que planto e podo as árvores. Nem uso luvas porque a ideia é estar em contacto com a natureza. Também gosto de cozinhar, especialmente para amigos. Mas depois de fazer estas coisas durante um par de semanas começo a pensar que está na hora de fazer um filme. É assim que os filmes acontecem. Este ano e no ano passado fiz tantos filmes porque achei realmente que eram todos projectos muito bons. Não ando atrás deles. A coisa boa nisto é que a internet sabe mais de mim do que eu próprio. Já fiz mais de 200 filmes. Digo sempre que, desses 200, 100 são maus, 50 até podem ser apreciados se se estiver a beber um copo de bom vinho tinto, e 50 são bons. Quando podemos, como actores, dizer que fizemos 50 bons filmes, podemos sentirmo-nos muito bem. Trabalho com muito realizadores que nem conseguem fazer maus filmes. Gus Van Sant não consegue fazer um filme mau, Herzong também não. Podem fazer filmes que as pessoas não gostem, mas não são filmes maus. Eles sabem bem que andam a fazer. Também trabalho com realizadores que me esqueço do nome de propósito e faço filmes que nunca vejo.

Podemos encontrar o seu nome a representar todo o tipo de papéis em todo o tipo de filmes. Como é que selecciona os seus trabalhos?

Isso é mais uma coisa boa da internet. Quando me chega um guião é muito fácil ter informação adicional. Se for de um realizador que eu nunca tenha ouvido falar, vou ao IMBD e vejo logo que filmes fez e com quem. Tenho agora um filme em competição em Berlim de uma realizadora italiana em que isso aconteceu. Leio o guião, sei quem o fez. Depois leio apenas a minha parte do guião. Depois leio o guião sem a minha parte. Se decidir que o filme é bom sem mim e sem o meu papel não vejo razão para o fazer. Por vezes não é o tamanho ou o protagonismo do papel que fazemos, mas sim o seu interesse. Por exemplo, quando fiz o “Melancolia” com Lars von Trier, o Lars disse-me para improvisar uma cena em que tinha de pensar como seria entrar numa sala e não querer ver a Kirsten. Ficou toda a gente a olhar para mim e eu levantei a mão e disse que a poria em frente da cara. Acabei por fazer essa cena e quando o filme esteve em Cannes, aquele movimento de mão foi o gesto que ficou memorizado no público. O que fica por vezes são detalhes e o que importa para mim enquanto actor é perceber de que forma posso tornar algumas situações interessantes e mesmo únicas, o que se pode fazer com pequenos papéis. Enfim, gosto e ser actor. Um dia terei de parar. Sou uma pessoa muito realista e já tenho 73 anos. Penso que tenho mais sete bons anos pela frente até aos 80. Quando começamos a fazer filmes queremos filmar uma data deles ao mesmo tempo para experimentar tudo. Agora é muito diferente. Acho que já não represento, sou só eu, um texto e uma situação. Não tenho este tipo de sentimento forte que me in duza a ter de fazer alguma coisa. Nunca senti que queria trabalhar em especial com um realizador nem nunca me dirigi a nenhum para o fazer. Imaginem que chego perto do David Lynch e digo que quero trabalhar com ele e ele me responde “quem não quer”? iria sentir-me terrivelmente. (Risos). Os realizadores conhecem-me e se quiserem trabalhar comigo sabem como me encontrar.

A sua carreira ascendeu com isso mesmo. Com um encontro com Paul Morrissey.

Paul Morrissey descobriu-me. Estava a viajar de Roma para Munique e tinha um homem sentado ao meu lado, americano. Como todos os americanos perguntou-me logo o que é que eu fazia. Respondi que era actor e entreguei-lhe a minha foto de apresentação. Ele disse que era interessante e pediu-me o número, que escreveu na última página do passaporte. Até pensei que deveria ser importante para ele e acabei por lhe perguntar também o que fazia. Ele disse-me que era realizador, que trabalhava para Andy Warhol e que se chamava Paul Morrisey. Umas semanas depois recebi um telefonema dele a dizer que estava a fazer o Frankenstein e que tinha um pequeno papel para mim. Pensei que ele era maluco e que estava a brincar. Mas foi engraçado que pouco tempo depois ele veio a Munique para o lançamento de um filme e convidou-me para assistir a uma conferência de imprensa. Eu estava lá sentado num lugar qualquer e quando lhe perguntaram quem seria o Frankenstein ele apontou para mim e disse, Mr Kier. Toda a sala mudou. O mesmo acabou por acontecer com o filme seguinte, o Drácula. Estávamos a filmar o Frankenstein e no último dia estava naquelas festas do Warhol. Estava lá o Fellini, e uma data de gente, todos muito altos e com peitos muito grandes. E eu estava ali, como Dr. Frankenstein triste por ver terminados os meus 15 minutos de fama. Paul Morrissey apareceu e disse: “acho que vamos ter um drácula alemão”. Era eu, mas tinha de perder muito peso numa semana. Disse que não havia problema e não comi mais do que folhas verdes e água. Aliás, o drácula acaba por aparecer numa cadeira de rodas porque eu não tinha força para me levantar e ficar de pé. Com estes dois filmes acabei por ser abordado por toda a imprensa e aqueles papéis acabaram por se tornar clássicos. Dali passei para uma outra fase mas o Paul Morrisey foi muito importante para mim.

E como é que foi o encontro com von Trier?

Tinha visto o primeiro filme do Lars von Trier, “Element of crime” e queria mesmo conhecer a pessoa que tinha feito aquele filme. Consegui ter um encontro agendado. Estava à espera de alguém como o Kubrick ou o Fassbinder, que me aparecesse vestido de preto, a coçar-se todo e de mau humor. Apareceu-me um jovem que parecia um estudante. Era Lars von Trier. Conversámos e umas semanas depois ele ligou-me a dizer que estava a fazer “Medea” e queria que fizesse um dos protagonistas, o marido de Medea. Eu disse que não tinha aspecto de viking ou de rei. Ele respondeu-me para não fazer mais a barba nem lavar o cabelo, durante um mês e para depois ir ter com ele à Dinamarca para ser apresentado e “vendido” ao produtor. Foi o que fiz. Fiquei muito estranho e na viagem ía a cheirar muito mal. Mas acho que não há problema quando se cheira mal em classe executiva. Ninguém se importa e se calhar até pensam que é um novo perfume. Fiz este filme e acabei por participar em todos os filmes à excepção do mais recente.

Porque é que não está neste?

Penso que terão sido os produtores a dizer que não me queriam por estar em todos os filmes.

Lars von Trier é conhecido por não ser uma pessoa fácil. Da sua experiência, como é trabalhar com von Trier? 

Antes de mais, ele não gosta de actores. A sua deixa preferida para os actores é “não representem” e toda a gente quer trabalhar com ele. Por exemplo em “Dogville” todos ganhámos o mesmo ordenado, ou seja, quase nada, todos dormimos no mesmo quarto e comemos na mesma mesa, a equipa toda, desde o responsável pelo bengaleiro à Nicole Kidman. E todos estávamos felizes por estarmos a trabalhar com um excelente realizador. Ele não é uma pessoa difícil de todo. A Bjork não gosta dele, mas a verdade é que ganhou a Palma em Cannes com “Dancer in the dark” e que será a sua primeira e única. Noamy Watson teve a sua primeira nomeação para os óscares com um filme de Trier. Diria que von Trier é melhor a dirigir mulheres do que homens. Alguns realizadores conseguem transmitir o que querem melhor às mulheres.

Lamenta algum papel que tenha recusado? 

Não.

Quando é reconhecido na rua, qual é a personagem que mais lhe associam?

Na América é com Blade, o vampiro e a geração anterior era do drácula ou o Frankenstein. Na Europa é em Pet Dectetive.

Como é que aprendeu a representar?

Nunca estive numa escola de actores. Criei-me a mim mesmo. Observei pessoas e depois trabalhei com actores muito bons. Observava-os e tinha realizadores talentosos. Pode-se aprender a técnica, mas não o talento. Esse, ou se tem ou não se tem.

13 Dez 2017

Celeste Wong, presidente do IAS: “Vamos discutir a lei da adopção com a DSAJ no próximo ano”

Ajudar os que mais precisam é a tarefa geral do Instituto de Acção Social de Macau. Para Celeste Vong, presidente do organismo, há ainda muito que melhorar, mas as medidas que o instituto tem vindo a tomar estão a dar os seus frutos. Na calha está a revisão da lei da adopção sendo que será discutida, para o ano, com os serviços de justiça. As prioridades estão no apoio aos idosos

 

Que balanço faz da lei da violência doméstica depois de mais de um ano da sua entrada em vigor?

Tem funcionado muito bem até agora. Tínhamos tudo bem preparado antes da lei entrar em vigor com outros departamentos do Governo, no total seis, e trabalhámos em proximidade com ONG. Tivemos uma boa preparação para a aplicação desta lei, e fizemos as necessárias regulamentações de como os vários organismos devem tratar os casos de violência doméstica. Fizemos manuais para todos os envolvidos, departamentos do Governo, ONG e também criámos o Sistema Central de Registo para recolher os números e a natureza dos casos. Tudo ficou pronto. Além disso, temos relações de trabalho muito próximas. Até agora, tivemos mais de 20 reuniões com esses membros. 

Acha que a população está sensibilizada e educada para denunciar casos de violência doméstica?

A promoção é algo muito importante e que precisamos de reforçar. Nesse aspecto montámos também uma hotline aberta 24 horas e fazemos muita promoção através da televisão, rádio e outros meios para que toda a comunidade esteja desperta para o problema da violência doméstica. É importante para que quem saiba, ou suspeite, de casos denuncie às autoridades. A formação também é importante. Temos apostado nesse aspecto para os funcionários da hotline e também junto da comunidade como, por exemplo, em escolas. Também para os funcionários do Instituto de Acção Social. Temos mantido contacto de cooperação com a PSP, PJ, Serviços de Saúde, DSEJ, DSAL e o Instituto de Habitação. Em cada meio ano fazemos uma reunião para avaliar a aplicação da lei. Temos mantido cooperação com as ONG que têm dez centros de serviços comunitários.

Sofia Margarida Mota

Porquê o Instituto de Habitação?

Porque as vítimas também têm problemas de alojamento. É nesse sentido que tentamos ajudar. Também temos dois abrigos para as vítimas, com 55 vagas e 2 abrigos temporários com 45 camas.

Quantos homens receberam o vosso apoio por questões de violência doméstica?

Tivemos três, ou quarto. Temos um centro para homens, com 11 vagas. Achamos que no conjunto temos capacidade suficiente para responder às necessidades e ainda temos lugares vagos para receber mais pessoas.

Quantos lugares estão ocupados nas casas de acolhimento neste momento?

Até Setembro eram 34, no centro de abrigo. Nas residências temporárias só temos seis pessoas.

Internacionalmente, nesta matéria, são designadas equipas com psicólogos, assistentes sociais, médicos psiquiatras para acompanhar os casos. Acha que Macau tem psicólogos suficientes para fazer este trabalho?

Na minha opinião, há falta de psicólogos. As pessoas fazem confusão entre o trabalho do assistente social e do psicólogo e, na realidade, os profissionais da área da psicologia estão sob a alçada dos Serviços de Saúde, enquanto nós temos assistentes sociais. Claro que nos serviços sociais também temos pessoas com formação em sociologia e disciplinas do género. A psicologia clínica é um ramo diferente.

Os psicólogos clínicos, normalmente trabalham em conjunto com assistentes sociais. Na sua opinião, acha que é importante começar este tipo de trabalho aqui no IAS?

Isso já acontece em Macau. Pessoas que têm formação em psicologia também podem trabalhar nas escolas, nos serviços sociais e são bem-vindos para trabalhar com os nossos assistentes sociais. Apesar de serem trabalhos diferentes, com formação diferente, há áreas em que podem trabalhar bem juntos, como por exemplo em terapia. Os psicólogos clínicos podem tratar dos casos mais graves. Mas acho que Macau tem falta de psicólogos clínicos.

Na sua opinião o que pode ser feito?

São necessários mais profissionais nessa área. Com o crescimento económico, muitas pessoas enfrentam agora problemas psicólogos e querem e precisam de ter apoio psicológico. Os assistentes sociais podem fazer isso, mas psicólogos clínicos podem ajudar em casos mais graves.

Quais os principais problemas psicológicos que a população de Macau enfrenta?

É natural que durante as épocas de crescimento económico sejam agravados os problemas de cariz psicológico. A nossa responsabilidade é tentar o nosso melhor para equilibrar e para diminuir os efeitos secundários destes problemas nos cidadãos. Há mais stress, a constituição das famílias agora também é diferente, é mais pequena. Antigamente, os casais tinham, por regra, mais filhos. Era normal terem quatro ou cinco filhos, o que fazia com que houvesse pessoas dentro de casa com quem partilhar problemas, angustias e mesmo as alegrias. Agora, os pais têm um ou dois filhos, trabalham e o stress pode ser maior do que antes. Antes a vida era mais simples e actualmente, complicou-se.

Relativamente à adopção. Neste momento Macau tem uma criança disponível para adopção e os centros de acolhimento estão cheios de crianças. Mas, os pais não autorizam que fiquem disponíveis para adopção e a lei não permite o seguimento dos processos sem autorização parental. Na sua opinião, acha que a lei da adopção precisa ser revista?

Temos de olhar para este assunto com a solenidade que merece. Em Macau, não há muitas crianças para adopção, mas para garantir os direitos e interesses das crianças temos de ter uma atitude muito séria. Para a revisão da lei da adopção, temos de trabalhar com a Direcção dos Serviços dos Assuntos de Justiça (DSAJ), porque é o departamento responsável pela redacção das leis. Quanto ao processo de adopção temos trabalhado muito para que seja melhorado e facilitado mas, e mais uma vez, o mais importante é garantir os direitos e interesses das crianças. Temos mantido contacto permanente com as ONG para saber melhor acerca dos problemas nesta matéria.

Acha que é bom para uma criança passar a vida num abrigo? Porque a lei actual permite que isto aconteça. Acha isto positivo?

De acordo com a minha memória, não temos muitos casos de crianças que ficam a vida inteira nos centros.

Mas esses casos já existiram e podem existir se não houver alterações. A lei devia, ou não, estabelecer um prazo para os pais dizerem que querem ficar com a criança?

Este tópico está na nossa agenda. Vamos discutir a lei da adopção com a DSAJ no próximo ano.

Em termos de pobreza, o que é que o IAS tem feito e o que é preciso ser feito?

Atender às necessidades das pessoas que vivem numa situação de pobreza é uma das nossas maiores responsabilidades. Estamos contentes, porque a população mais pobre decresceu. De acordo com os nossos dados, em 2012 tínhamos cerca de 5900 famílias carenciadas e que precisavam da nossa ajuda, que precisavam de subsídios. Em 2016, só tínhamos 4400 famílias, sendo que mais de mil famílias já não recebem o nosso subsídio. Também no que diz respeito a casos novos, entre 2012 e 2016, todos os anos, são em média, 318. Mas os casos que deixam de precisar da nossa ajuda são, também em média, 550, mais do que os casos novos.

Que razões estão na base destas melhorias?

As razões para estes números prendem-se com a boa situação económica de Macau e com os apoios sociais que ajudam as famílias a terem uma vida melhor. Por outro lado, também a taxa de desemprego é muito baixa. Nos nossos serviços não damos só dinheiro, também ajudamos os utentes a reunirem as condições necessárias para que possam voltar a trabalhar. Fornecemos formação e temos políticas de encorajamento para reintegração social. Os beneficiários de subsídios também continuam a receber os mesmos mesmo quando encontram trabalho, pelo menos até conseguirem estabilizar a sua situação economia. Queremos dar confiança às pessoas para que voltem a trabalhar, encorajá-las a assumir as suas responsabilidades. As pessoas não gostam de depender de terceiros, ou do Governo. Queremos que as pessoas se ajudem a elas próprias, se reergam, esse é o nosso propósito. Segundo os nossos registos, mais de metade das famílias que ajudamos, são quase pobres, ou seja, têm rendimento mas estão no limiar do risco social. Também ajudamos pessoas para não caírem em situações de pobreza.

 Quais as principais razões de pobreza em Macau?

Talvez, a doença. Mas as situações de pobreza locais têm que ver com perda de emprego que está muitas vezes associada a contextos de drogas ou de crime.

 Quais são neste momento as prioridades do IAS?

Em 2016 tivemos a nossa reestruturação dos serviços e ainda estamos a acertar muitas coisas para ver o que podemos melhorar. Mas como prioridade neste momento, temos a organização dos lares para idosos existentes e a criação de mais. No que respeita às creches, pensamos que agora temos já lugares suficientes pelo que, de facto, a prioridade para a criação de lugares e de mais condições é destinada a idosos.

13 Dez 2017

Proposta de revisão da lei de bases da organização judiciária chega à AL em 2018

A proposta referente à revisão da lei de bases da organização judiciária só vai estar pronta para dar entrada para análise na Assembleia Legislativa, em 2018. A informação é dada pelo director dos serviços de assuntos de justiça, Liu Dexue, em resposta a uma interpelação da deputada Ella Lei

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] Governo quer levar o diploma referente à revisão legislativa da lei de bases da organização judiciária para análise na Assembleia Legislativa para o ano, apesar da secretária para a administração e justiça, Sónia Chan, ter defendido que estaria pronto até ao final de 2017.

A informação foi avançada pela Direcção dos Serviços de Assuntos de Justiça (DSAJ) em resposta a uma interpelação escrita da deputada Ella Lei. “Actualmente, o Governo encontra-se a proceder aos trabalhos de elaboração da referida proposta de lei, prevendo-se que a mesma possa ser entregue para apreciação na Assembleia Legislativa em 2018”, lê-se no documento oficial assinado pelo director da DSAJ, Liu Dexue.

A necessidade de revisão do regime tem sido levantada por representantes de várias áreas no território. Em interpelação escrita, datada de Outubro, a deputada Ella Lei recordava ao Executivo a necessidade deste processo. Ella Lei recorreu mesmo às palavras do presidente do Tribunal de Última Instância (TUI), Sam Hou Fai, proferidas no dia de abertura do novo ano judiciário em que o responsável “instou o Governo a envidar esforços para a revisão da lei de bases da organização judiciária”.

De acordo com Ella Lei, Sam Hou Fai foi específico tendo apontado alguns aspectos fundamentais que necessitam de atenção. A ideia, recorda Ella Lei, é “a melhoria das competências jurisdicionais, um melhor aproveitamento dos recursos disponíveis dos tribunais, o aumento da eficiência judiciária a garantia e protecção dos direitos e interesses nos interessados nos processos de recurso e a imparcialidade da justiça”.

Ella Lei refere ainda que a secretária para a administração e justiça tinha apontado o ano de 2017 para o final da proposta de revisão, e lamenta que, com o ano a terminar, ainda nada se saiba acerca do processo.

Direitos mais justos

Também em Outubro deste ano, o presidente da Associação dos Advogados de Macau Jorge Neto Valente, referindo-se à impossibilidade actual de recurso para os detentores de cargos políticos ditada pela lei em vigor, alertou para a necessidade de soluções. “Há soluções. Ou se alarga o tribunal de julgamento para uma outra composição que permita fazer o recurso, com um maior número de juízes, ou passa-se [o julgamento] do TUI para o Tribunal de Segunda Instância, para permitir o recurso no TUI.”, dizia à margem da cerimónia de abertura do ano judicial. “Se perguntar às pessoas que foram julgadas nessa circunstância, que é chocante para a maioria, se preferiam ser julgados assim, estou convencido que preferiam ser julgados pelo TSI. Não quer dizer que o resultado fosse muito diferente, tudo depende das pessoas que lá estão”, frisava Neto Valente.

12 Dez 2017

Cinema local | Chan Ka Keong estreou a sua primeira longa

Macau pode vir a ter uma indústria de cinema e o Festival Internacional de Cinema pode ser uma grande ajuda. Mas, os realizadores locais têm muito que trabalhar. A opinião é de Chan Ka Keong que estreou no fim-de-semana a sua primeira longa metragem, “Passing rain”. Autocrítico e ciente das dificuldades, o realizador fala ao HM da inexperiência e de aspectos a mudar nas produções futuras

[dropcap style≠’circle’]“P[/dropcap]assing rain” é a primeira longa metragem de Chan Ka Keong, e fez a sua estreia no fim-de-semana na Torre de Macau enquanto parte do cartaz dedicado às apresentações especiais feitas por realizadores locais.

Para o realizador, “Passing rain” não é apenas um nome mas sim a própria essência do filme. “Não gosto de sol, e é por isso que chamei o filme de “Passing rain”, começa por contar ao HM. A ideia é ser uma metáfora da vida: “vem de repente, passa rápido. A vida e a chuva são assim. Aqueles que amamos e aqueles de que não gostamos também aparecem e desaparecem das nossas vidas, como no filme, como a chuva em Macau”, refere.

Filmagens congestionadas

Mas, apesar do financiamento do Instituto Cultural para a produção da película, as filmagens no território nem sempre são fáceis. O maior problema, aponta, tem que ver com as deslocações. “Até parece cómico por se tratar de um lugar tão pequeno, sendo suposto ser fácil e rápido andar de um lado para o outro. Mas não é. As estradas são muito estreitas pelo que tínhamos de estacionar a carrinha do material e descarregar para deixar o espaço disponível para filmar. Depois, sempre que tínhamos de mudar de lugar deparávamo-nos com o trânsito. Seria muito mais fácil fazer a maior parte dos trajectos a pé, mas com o material era impossível, explica o realizador.

Por outro lado, tratando-se da primeira longa metragem realizada por existiram outros aspectos que vieram trazer à tona melhorias que têm de ser tidas em conta no futuro. “Não tenho experiência em fazer histórias dramáticas e este filme é uma espécie de salada com vários ingredientes que se vão misturando e que precisava de um drama mais bem trabalhado”, diz.

Proximidade, precisa-se

Autocrítico, o realizador considera que “com a vertente dramática mais bem trabalhada, um filme torna-se mais apelativo para o público, sendo mais fácil entrar na própria história e nas emoções que lhe estão associadas”.

Apesar de satisfeito com “Passing rain”, Chan Ka Keong abre os olhos para os próximos filmes. “Neste filme, falhei ao colocar o público à distância. Não os coloco nas cenas ou em contacto com a emoções das personagens. O público apenas assiste”, aponta.

O próximo projecto já está a ser trabalhado e trata-se de uma produção de baixo custo “em que tudo acontece ao lado de uma cama, entre dois personagens e em que são desenvolvidas as filmagens dos pequenos detalhes da vida”.

Para o realizador o Festival Internacional tem um papel fundamental para a indústria local, sendo que é imperativo que os realizadores façam a sua parte. “Os realizadores de Macau têm de trabalhar cada vez com mais afinco  para que as próximas edições deste festival possam ter mais trabalhos locais em exibição e capazes de entrar em competição”, remata Chan.

11 Dez 2017

Maria Helena de Senna Fernandes: “Abrimos o festival com uma boa nota”

O Festival está em andamento. Depois da abertura, quais a primeiras impressões?

Estou muito orgulhosa. Temos muito orgulho que desta vez existam alguns filmes dentro do nosso programa que já têm boas expectativas para os Óscares. “Call me by your name” e “The shape of water” são alguns dos filmes que podem entrar nas corrida.

A abertura este ano foi feita com a projecção de um filme de caracter comercial. Como correu?

Abrimos o festival com o “Paddington 2” e para mim foi uma experiência muito diferente da que tivemos no ano passado. Em 2016 o filme de abertura era mais artístico, mas este ano dedicámos o primeiro dia à família.

Que mudanças podemos ter nesta edição e para o futuro?

Queremos ser um festival para o público em geral e foi bom ver que na cerimónia de abertura contámos com várias famílias que vieram acompanhadas das crianças. Penso que foi um sucesso. Abrimos o festival com uma boa nota.

Qual é agora a prioridade?

Acho que é importante cultivar, no público local, o gosto de ir ao cinema porque só assim podemos vir a ter uma indústria neste sector. Precisamos de pessoas a gostar de filmes para que possam ser feitos. Para nós, é importante que este festival seja internacional e para isso tem de ter as projecções, mas também a própria indústria. Este ano temos 14 projectos a procurar investidores. Enquanto membro do Governo, é importante ter esta oportunidade de acolher um festival que possa vir a motivar a nossa indústria.

 

Mike Goodridge – Director do Festival Internacional de Cinema de Macau
“Queremos que as pessoas passem a ter o cinema como um hábito”
Sofia Margarida Mota

 

O que tem a dizer do início do festival?

Acho que começámos muito bem. Com o filme de abertura, dada a escolha, tivemos a presença de muitas crianças no público o que foi muito interessante. Estamos lançados e agora a preocupação é ver a ligação dos filmes com o público.

Que expectativas tem agora?

As expectativas são boas. A avaliar pelo número de bilhetes vendidos no sistema, estamos mesmo muito entusiasmados por terem sido em grande quantidade. Agora resta saber se as pessoas vão mesmo ver os filmes. De qualquer forma, já deu para ver que há realmente interesse.

O que é preciso fazer, a partir de agora?

É um festival recente e vai ainda demorar alguns anos para habituar as pessoas à sua existência para que participem activamente nele. Não queremos ensinar ninguém, só queremos que as pessoas passem a ter o cinema como um hábito e que se tornem “agarradas” ao grande ecrã. As expectativas são muito boas. Agora que o festival está em andamento é ver como é que corre e acompanhar o evento.

11 Dez 2017

Lawrence Osborne, escritor e júri do IFFAM: “Macau é única”

O livro “The Ballad of a Small Player” passa-se em Macau e pode vir a ser adaptado para o grande ecrã. A obra é de Lawrence Osborne que está no território enquanto membro do júri do Festival Internacional de Cinema. Para o escritor britânico, Macau é um lugar único

[dropcap]É[/dropcap] a primeira vez que está a trabalhar com a área do cinema. Tenciona estar mais ligado à sétima arte?
Já fui muitas vezes convidado para escrever guiões e sempre disse que não. Conheço muitas pessoas do mundo do cinema e sempre achei que era um negócio muito complicado. Envolve muito tempo junto de um público e envolve muitas questões relacionadas com dinheiro, o que para mim são tudo complicações. Se se é um escritor, sentamo-nos no nosso quarto sozinhos, fechamos a porta e estamos assim todos os dias, e isso é óptimo. É a única coisa me interessa. Mas, de facto, este ano está muita coisa a mudar porque tenho vários livros que podem vir a ser adaptados e, com isso, tenho de estar envolvido com todos os problemas associados.

O que é que o fez mudar de ideias? 
Tenho cerca de seis livros publicados e dois para o serem. Já escrevi bastante e acho que vou tirar um ano de férias para fazer outras coisas e ver o que acontece. Por outro lado, também há muito dinheiro envolvido (risos) porque faz com que não tenha de me preocupar com essa parte durante uns tempos. Quando escrevemos livros andamos sempre falidos.

Qual o seu interesse pelo cinema? 
O cinema é um mundo muito interessante. Às vezes até gosto mais de cinema do que, propriamente, de literatura. Vejo muitos filmes. Mas o mais importante é a arte narrativa, que é sempre uma arte. Há sempre uma história. Pintura e música são diferentes. Elas existem numa outra dimensão. Mas as artes narrativas estão ligadas. Quando vejo um filme e enquanto escritor estou sempre tecnicamente interessado no que está a acontecer na história. O mesmo acontece ao ver os filmes deste festival. Estamos sempre a perguntar-nos o que vem a seguir na história e, na maioria das vezes em que conseguimos perceber isso, não nos sentimos bem. Pensamos que se o mesmo acontecer quando alguém está a ler as nossas histórias, elas perdem a imprevisibilidade, e, para nós escritores, isso significa que são fracas.

Já foi abordado acerca da possibilidade de adaptar o romance “The Ballad of a Small Player”, que acontece em Macau, para cinema?
É uma opção. Aliás, quando sair deste encontro com os jornalistas, vou ter a minha primeira reunião acerca de um guião desse livro. Mas ainda não pensei nessa história ainda como um filme. Já o escrevi há alguns anos, pelo que há coisas que não estão frescas na minha memória. Quando escrevi “The Ballad of a Small Player”, não tinha em mente qualquer adaptação para cinema. Era apenas literatura. Era um conto de fadas chinês. Por isso, fiquei surpreendido quando me apareceram com a possibilidade de ser adaptado. Se calhar vão me pedir para fazer o screenplay, e se calhar vou pensar nisso.

Com quem se vai reunir para o efeito?
Não posso ainda dizer ao certo com quem, mas posso avançar que uma das pessoas é o director do festival Mike Goodrige. Só o conheci uma vez em Londres onde o trabalho dele é muito reconhecido enquanto produtor e é uma pessoa com muito bom gosto também. Aliás, isso pode ser constatado pelos filmes que temos neste festival, que são óptimos. Por vezes, nos festivais de cinema, os filmes conseguem estar muito longe de serem bons, mas neste, a qualidade está muito alta. Acho que é uma situação muito gratificante para Macau: ter todos estes filmes de grande qualidade em competição e em exibição. Todos nós, membros do júri, estamos muito surpreendidos.

“The Ballad of a Small Player” é uma história que acontece em Macau e que trata da realidade do território. Como é que lhe ocorreu escrever este livro?
A forma como as histórias começam é muito interessante porque não acontece de uma forma, aparentemente, lógica. Há uma pequena passagem no livro em que a rapariga está a relembrar uma oferta que fez num templo, e essa imagem era uma situação por que passei no Tibete. Na altura estava a fazer uma viagem pela China, escrevia para a Vogue e andava acompanhado com dois fotógrafos e dois tradutores. Não sabia porque é que estava ali ao certo, mas acabámos por ir a este lugar assustador, no meio de uma grande floresta com vista para um rio enorme. Era um sitio deserto onde estava um mosteiro gigante com cerca de 30 monges. O meu condutor de carro era um tibetano e de repente parou, entrou no templo, e deixou um monte de notas. Eu achei tão estranho. Aquela imagem ficou comigo e não tendo qualquer conexão com Macau acabei por fazer uma adaptação no livro. Foi assim, por exemplo, que nasceu aquela personagem do livro.

Muitos dos livros que escreve são escritos depois de viver nos sítios onde a narrativa acontece. Isso também aconteceu com “The Ballad of a Small Player”?
Não. Normalmente vivo nos lugares mas não vou para nenhum sitio para fazer pesquisa para livros. O processo é o inverso. Detesto essa coisa de alguém pensar em fazer alguma coisa sobre um lugar e ir lá para pesquisar durante duas semanas. Isso é treta e não funciona. É preciso conhecer realmente um lugar e para isso é preciso lá viver, caso contrário, é falso. Não vivi em Macau mas passei muito tempo aqui em 2001, 2002, 2003 e 2004. Na altura trabalhava para o New York Times e escrevia sobre os medicamentos psiquiátricos na Ásia. Mandavam-me para a China, para o Bornéu, a Indonésia, a Papua Nova Guiné, etc. Acabava sempre por regressar ou a Hong Kong, ou a Bangkok, que funcionavam como uma espécie de base de trabalho. Muitas das viagens que fazia eram à selva e eram muito cansativas. No final, no regresso, acabava sempre por passar, pelo menos, um mês em Hong Kong, para descontrair. Acabei por me habituar a vir a Macau, porque tinha muita curiosidade. Quando percebi que era tão diferente de Hong Kong, comecei a preferir Macau a Hong Kong e a ficar cada vez mais tempo em Macau. Era uma ligação estranha a que sentia, mas foi completamente acidental. Adorava esta atmosfera que não é nem portuguesa, nem chinesa. Não se vê uma mistura óbvia, mas Macau é única. A segunda razão porque comecei a vir para Macau, teve que ver com o vinho porque também fui um dos críticos de vinho da Vogue e Stanley Ho tinha a maior colecção de vinhos que existia no Hotel Lisboa. São milhares de garrafas. Foi muito interessante para mim porque não conseguimos encontrar este tipo de colecções muito menos feitas por um chinês. Daí existirem cenas no livro que se passam no antigo Robuchon.

O jogo, nunca apareceu na sua vida?
Sim, apareceu mas mais tarde. Tudo acontece numa sucessão. Quando passamos muito tempo num sitio, como eu passava no Lisboa  a beber bastante vinho e sem conhecer ninguém, num lugar onde toda a gente circula à noite e a ver as pessoas a jogar, começa-se a jogar também. Jogava bacarat na sua forma mais fácil. Aliás acabei por achar que era uma coisa bastante terapêutica, principalmente quando perdia dinheiro.

Porquê?
A nossa relação com o dinheiro é muito baseada no adquirir e guardar o dinheiro. Passam-se vidas inteiras neuroticamente obcecadas com a ideia de guardar dinheiro, de não o gastar. Se formos a um casino frequentado por chineses, que também são muito obcecados pelo dinheiro, a situação é ainda mais particular porque é um lugar onde é muito fácil perdê-lo. Quando isso acontece é como se alguma coisa dentro de nós se partisse e rendemo-nos a isso. E isso é bom.

É a primeira vez que é membro de um júri?
Enquanto júri de cinema, sim. É muito mais divertido do que ser júri de livros. No mundo da literatura, se um membro de um júri gosta em especial de um livro detestam se um outro membro não gosta. Mas aqui é tudo mais objectivo. Discutimos os filmes que vemos ao jantar, de forma muito civilizada. Todos temos sensibilidades diferentes mas discutimos os filmes em todos os aspectos.

O que é que é um bom filme para si?
Penso que a história tem de ser visceral. Se se pensar muito, se se tratar de um filme muito intelectual, já perdeu alguma coisa. Penso qua a intensidade é o que mais conta. Acho que muitos dos escritores, actualmente, são demasiado intelectuais. Pensam demais, e isso é sempre um erro. Não funciona. Mas tenho de reforçar que ainda só vi filmes bons aqui, entre os sete que já visualizamos.

Considera mudar de carreira, da literatura para os filmes?
Não, é demasiado tarde para isso. Nós fazemos o que fazemos e já é muito difícil fazer uma coisa bem. Não é possível fazer duas coisas bem.

O que é um bom livro? 
Isso é mais complicado. Há muito poucos livros que são realmente bons. A literatura é tão diversa.

11 Dez 2017

Ana Aragão, ilustradora: “Macau é uma fonte de inspiração riquíssima”

Está pela primeira vez em Macau para a abertura da exposiçãoo “Imaginary Beings” hoje na galeria do Taipa Old Village Art Space. Ana Aragão traz não seres imaginários e leva consigo ideias para a próxima mostra que vai ter como inspiração as particularidades do território

[dropcap]D[/dropcap]a arquitectura à ilustração. Como é que foi este caminho? 
Não foi um caminho planeado. Aconteceu por acaso. Sempre gostei de desenhar. Depois do curso de arquitectura ainda experimentei exercer a profissão e percebi que não era exactamente o sítio onde me sentia mais à vontade. Era demasiado abstracto estar sentada num computador um dia inteiro a olhar para um ecrã, ou mesmo ir às obras. A maior parte do trabalho do arquitecto é ser um gestor de recursos, de meios e de equipas. Percebi que isso, se calhar, não era talhado para mim e fiquei muito indecisa no final do curso. Tinha duas hipóteses: fazer um curso de ilustração ou um doutoramento em arquitectura. Por acaso optei pelo doutoramento e nas aulas comecei a desenhar mais. Acabei por fazer um blog com os meus desenhos e decidi cancelar tudo o que tinha que ver com arquitectura e a dedicar-me só à ilustração. Mas, claro que, no meu trabalho, existe sempre uma ponte com a arquitectura.

Estes trabalhos foram feitos para ser expostos em Macau. Há alguma relação com o território?
Mais ou menos. Esta exposição foi feita para vir para Macau e a relação com Macau não é evidente. Sabia que vinha aqui e o que mais me motivou foi poder unir as duas linhas de trabalho que tenho: uma a preto e branco com os desenhos detalhados, e o meu universo a cores. Nunca tinha conseguido conciliar estes dois mundos e achei que esta seria uma boa oportunidade de colocar a mim mesma esse desafio, o de conciliar estas duas vertentes. Como sei que há sempre um imaginário, talvez um bocadinho infantil, nas minhas ilustrações e que imaginei que seria bem aceite aqui em Macau, decidi explorar este imaginário em que uso estruturas como se fossem personificadas. Dei vida às estruturas que, se calhar, antes deste momento no meu percurso profissional, seriam mais abstractas. O trabalho foi a pensar que vinha para Macau, mas o conteúdo não foi literalmente baseado no território, embora saiba que Macau é uma fonte de inspiração riquíssima.

Porquê?
Os edifícios e as paisagens urbanas aqui têm muita informação o que me agrada muito e acaba por trazer muitas coisas novas ao meu trabalho.

Podemos esperar um novo projecto inspirado no que está a descobrir na RAEM?
Sim. Estou completamente apaixonada por estas formas de construir, esta apropriação do exterior através das gaiolas e das grades. Para mim é absolutamente fascinante. O engraçado é que, entretanto, fiz outros desenhos que estão no atelier e que não vieram para aqui porque estão guardados para outras altura, mas que já têm muito que ver com esta realidade. Acho que acabei por encontrar coisas aqui em que já tinha pensado antes. É uma grande coincidência. Sinto que, ao olhar para este edifícios, estou em casa. Apetece-me guardar as imagens e tudo o que vejo. Muitos destes edifícios que parecem muralhas gigantes e vertiginosas poderiam ser o começo de uma nova história e de um novo desenho.

O que mais vai trazer de novo?
A próxima ideia é utilizar uma técnica diferente. Até agora tenho trabalhado apenas com um registo linear. Comecei a fazer coisas com a caneta Bic que me vai permitir explorar a mancha. Penso que posso, com isso, fazer coisas mais realistas – estes de agora são mais fantásticos. Vão também ser desenhos muito maiores, o que me vai permitir adicionar ainda mais detalhes. A ideia é que a próxima colecção venha a Macau.

É a primeira vez que está em Macau. Já falou da casas antigas. E os casinos? Como é que os vê?
Acho que é sempre interessante e enriquecedor perceber como se vive de outra forma. Em Portugal não temos este tipo de ostentação que existe nos casinos e que é quase obscena. Esta relação com o dinheiro, que é tanto, é quase pornográfica no sentido em que revela tudo e acaba por não criar muito mistério. Ali, tudo é revelado, tudo brilha e fala. São espaços em que é constantemente de dia, não existe a noite, não existe a passagem do tempo, não existe a sujidade. É fascinante, sem duvida, mas parece que estamos num outro mundo dentro de outro. Penso que as casas aqui têm espaços mínimos e os casinos são imensos. Acaba por ser um contraste. Parece que estamos num filme em que, de repente, passamos de um cenário cheio de cheiros, de ruídos diferentes e com bastantes marcas do tempo para um mundo que nos tira todas as coordenadas espaciais e temporais relativamente ao exterior o que acaba por ser um choque  muito grande mas que também me agrada.

6 Dez 2017

Sulu Sou | Deputado suspenso marcou presença nas LAG de ontem

Não é com a suspensão de mandato que Sulu Sou se demite das suas responsabilidades perante quem o elegeu. Apesar de não se poder pronunciar, as questões para o secretário estavam preparadas em chinês e inglês para que todos entendessem. Habitação, ambiente e trânsito são as preocupações que Sulu Sou queria levar à Assembleia Legislativa

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap]mbiente, habitação para jovens e trânsito na fronteira eram algumas das questões que Sulu Sou queria ver debatidas na reunião de ontem relativa às Linhas de Acção Governativa (LAG) dos transportes e obras públicas. “Para o secretário Raimundo do Rosário tinha um conjunto de documentos que cria apresentar e algumas questões acerca dos assuntos ligados ao ambiente e às políticas para o lixo em Macau. Tinha ainda questões relacionadas com a habitação para os jovens locais e acerca do trânsito nomeadamente nas estradas perto das Portas do Cerco”, disse o deputado agora suspenso aos jornalistas. E porque em Macau há mais do que um idioma, Sulu Sou tinha as questões traduzidas para que fossem “mais bem entendidas pelos meios de comunicação em outras línguas que não o chinês”, referiu.

Sulu Sou viu esta semana o mandato suspenso com efeitos imediatos. De cadeira no hemiciclo vazia, o mais jovem deputado de Macau ocupou a plateia na reunião de debate das Linhas de Acção Governativa de ontem relativa aos transportes e obras públicas.

Uma questão de respeito

A presença na reunião plenária de ontem mesmo sem o cargo de deputado era imperativa para o jovem pró democrata. “Estou aqui dentro da responsabilidade que tenho especialmente no que respeita à sociedade e àqueles que me apoiaram. Tenho de vir, ouvir e tirar notas acerca do que está a ser tratado na Assembleia”, apontou Sulu Sou.

A ideia de permanência e acompanhamento do trabalho legislativo não se fica pelas LAG. Sulu Sou garante que vai continuar a acompanhar os trabalhos da AL. “Quero que os nossos apoiantes não desistam e não esperem que eu desista pelo facto de ter visto o meu mandato suspenso”, sublinhou.

Processo adiado?

De acordo com a lei, Sulu Sou deveria ser notificado pelo tribunal, após a suspensão, num prazo de 12 dias. No entanto, se calhar só para o ano é que a notificação vai ter lugar. “Estamos em época festiva e de feriados, acredito que só no próximo ano, em Janeiro, seja chamado a ir a tribunal”, justificou.

Agora o tempo não é de pausa, e vai ser dedicado a outras actividades mais próximas da população, apontou aos jornalistas.

Os tempos vindouros também não são de polémica. “Depois da minha suspensão o próximo passo é respeitar o procedimento tradicional do processo. Por isso vamos ter algumas iniciativas mas mais escritas do que relativas a movimentos sociais. Vamos escrever documentos e preparar para os procedimentos”.

Por outro lado, tudo faz parte do processo da democracia e o que se passou com Sulu Sou não é excepção, apontou o jovem pró-democrata. “Neste momento, estamos num momento deste processo. Não lutamos só pelo suporte dos mais novos mas de todas as faixas da população e dos idoso para que aceitem os mais jovens a juntarem-se ao movimento político. Também recebi casos de pais que não me apoiavam no processo eleitoral mas que, depois de ter sido suspenso, reconsideraram e perceberam porque é que os seus filhos apoiaram a Novo Macau nas eleições de Setembro”, rematou.

6 Dez 2017

Animais | Lei está na origem da redução de casos de abandono e crueldade

A Lei entrou em vigor que os casos de entrega de animais ao IACM foi reduzido em cerca de 40 por cento. As autoridades consideram que a lei de protecção dos animais tem tipo um papel importante na consciencialização das pessoas no que respeita à crueldade contra os animais. Albano Martins ressalva que ainda existem muitos casos escondidos por não serem passíveis de ser provados

[dropcap style≠’circle’]D[/dropcap]esde a entrada em vigor da lei de protecção dos animais, a 1 de Setembro de 2016, o Instituto para os Assuntos Cívicos e Municipais (IACM), registou três casos de maus tratos. A ideia foi deixada pelo da Divisão de Inspecção e Controlo Veterinário do organismo, Choi U Fai, ao Jornal do Cidadão.

Contando com o caso, registado em Janeiro deste ano, em que esteve evolvida a agressão de um agente da polícia a um cão, foram contabilizados “três casos de abuso e maus tratos a animais desde que a lei entrou em vigor”, sendo que dois já foram arquivados e um está em processo. Relativamente aos casos arquivados, o argumento dado por Choi U Fai teve que ver com o tipo de mau trato. “São casos que não envolveram nem a morte nem o ferimento grave do animal, e como tal não foram levados aos órgãos judiciais”, referiu o responsável. 

No que respeita aos animais deixados no canil, o chefe de divisão refere que se registaram cerca de uma centena de casos, o que significa uma redução em 40 por cento relativamente ao período homólogo do ano passado. A justificação, apontou, tem que ver com o facto de a entrega de um animal no canil do IACM exigir ao proprietário o pagamento de 1000 patacas.

Por sua vez, Lei Wai Nong, vice-presidente do conselho de administração IACM, considera que a população tem cada vez mais consciência do que é a protecção dos animais e que a lei tem, em muito, contribuído para isso. Prova desta consciencialização, apontou a responsável, é a diminuição dos casos de abandono no canil.

Melhoria, mas nem tanto

A redução do número de animais registada pelo IACM pode não corresponder à realidade. A opinião é do responsável pela associação que se dedica ao cuidado de animais abandonados Anima, Albano Martins. “A nossa opinião é que, na prática,  esse é o número de casos que o IACM foi chamado a actuar mas haverá mais casos do que esses”, disse ao HM.

O problema considera, consiste na dificuldade em provar se um animal é, ou não, abandonado. “Temos montanhas de animais que são abandonados mas que não têm necessariamente de ir para o IACM. Não podemos provar que são abandonados mas temos quase a certeza que o são. Agora o IACM está a falar dos casos que registou e que as pessoas lhes comunicam mas é um universo relativamente pequeno face aos animais que existem”. No entanto, salvaguarda, “talvez agora os casos sejam realmente menos do que no passado”.

No que respeita ao encaminhamento de animais por parte da Anima para IACM, a situação só acontece quando estes têm o chip de identificação e com o prepósito de castigar os donos, aponta Albano Martins.

5 Dez 2017

Jogo | Neto Valente fala do potencial interesse de empresas da China

O futuro da actual legislação sobre o jogo esteve ontem em debate na Universidade de Macau. À margem do evento, o presidente da Associação dos Advogados lembrou que “é possível que [as empresas chinesas] não resistam a querer entrar no sector do jogo”. Quanto aos junkets, é legítimo que venham a participar nos concursos públicos para as novas concessões, caso não existam alterações jurídicas

 

[dropcap style≠’circle’]Q[/dropcap]ue futuro para o Direito do Jogo em Macau e, sobretudo, para as operadoras que detêm as actuais concessões de exploração dos casinos? Este foi o tema em debate na conferência “As reformas jurídicas de Macau no contexto global – o Direito do Jogo”, a decorrer até hoje na Universidade de Macau e organizada pela Fundação Rui Cunha.

Jorge Neto Valente, presidente da Associação dos Advogados de Macau (AAM), disse ao HM que o futuro aponta para a necessidade de alterações ao actual regime jurídico, sendo que tudo depende da vontade do Executivo.

“A disposição do Governo para alterar a lei depende de orientações a definir, talvez não só em Macau e no âmbito da autonomia de que o território goza, mas também com alguma palavra do Governo Central. Aqui cabe tudo”, disse o causídico.

Neto Valente acrescentou ainda que “num ambiente de integração, planificação e intervenção, trata-se de um aspecto que é crucial para Macau e que depende não só do território como da própria região asiática, mas depende do papel que a China quiser que Macau tenha e que quer que venha a ter, e dentro disso dirá que sim ou não”.

Actualmente, é a própria China que tem interesses na indústria do jogo local, principalmente “numa altura em que todas as grandes empresas chinesas estão presentes em Macau e em que os camaradas ambicionam vir para cá exercer as suas actividades, muitas vezes em prejuízo dos camaradas locais, é possível que também não resistam a querer entrar no sector do jogo”, apontou Jorge Neto Valente.

Junkets de olhos abertos

Outra questão que se coloca é a possibilidade dos junkets terem interesse em assinar contratos de concessão. “É sabido que os grande promotores têm aspirações a ser concessionários”, frisou Neto Valente.

No entanto esta seria uma área que deve ser tratada com algum cuidado, até porque “não foi benéfico para o desenvolvimento da actividade, para o Governo e para a sociedade que esta actividade tenha sido desregulada durante tantos anos”. Mantendo-se a lei, é legítimo que os junkets possam vir a ter as suas concessões através de concurso público, considera.

O presidente da AAM defendeu ainda que o problema da legislação é mais abrangente e inclui a confiança da sociedade em relação à capacidade do Executivo para seguir a lei em vigor.

“As pessoas, no fundo, estão pouco crentes de que o Governo faça o que está na lei, que é fazer um novo concurso, com reversão total de tudo o que é do jogo dos actuais concessionários para a região, e depois começar vida nova,”, apontou.

Por outro lado, o actual regime apresenta outro tipo de limitações e que têm que ver com as características físicas e capacidade do território.

Para Jorge Neto Valente, falar de casinos e exigir a diversificação económica nos serviços que prestam implicou a criação de novos conceitos em Macau, nomeadamente o de resorts integrados. No entanto, “se houver um concurso com novos convites e novos operadores o que é que eles vão oferecer? Mais trinta mil hotéis? Mais resorts? Onde, no mar? Na Ilha da Montanha? O que é que se vai passar nos aterros que vão demorar anos e anos para serem feitos?”, questionou.

A ideia é partilhada pelo académico Jorge Godinho, docente da Universidade de Macau. “O concurso só faz sentido se for para abrir novas concessões a mais operadoras”, disse na conferência de ontem. No entanto, “não há espaço, não há terra”.

No que respeita ao lote 108 no cotai, que ainda se encontra por desenvolver, Jorge Godinho considera que deve ser aproveitado para “uma obra de grande interesse turístico”.

O académico levanta a questão se, considerando o concurso público e a lógica de abertura das concessões do jogo a mais operadoras, será possível uma concessão com um plano de investimento extra territorial.

A ideia não é pôr os casinos fora do território, mas conseguir que as estruturas de apoios, nomeadamente ligadas à hotelaria e restauração, possam crescer além fronteira, nomeadamente na Ilha da Montanha.

5 Dez 2017

Suspensão de Sulu Sou foi um cartão vermelho do Governo, dizem académicos

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] suspensão do mandato de Sulu Sou foi um alerta dado pelo Governo aos jovens locais. A ideia é deixada analista político e professora da Universidade de Macau, Eilo Yu. “Foi mostrado, com esta suspensão, um cartão vermelho na relação do Governo com os jovens”, disse ao HM.

A situação é preocupante, considera, visto que “este tipo de situações não conduz a uma relação harmoniosa entre o Governo e a sociedade especialmente com os jovens locais ligados à política que lutam pela democracia”.

“Esta não é a abordagem certa por parte do Governo”, sublinhou. Do trabalho que fez nos poucos meses em que foi deputado à Assembleia Legislativa, Eilo Yu aponta que o mais novo tribuno local tem tido um desempenho muito positivo. “Podemos ver a sua performance na AL nos últimos meses que tem sido muito boa e o reconhecimento disso pode mesmo ser observado na internet pelo apoio que tem reunido mesmo por aqueles que não concordam com ele, apreciam o que tem feito enquanto deputado”, disse.

De acordo com o professor, o pró-democrata “falava pela sociedade”. No que respeita a possíveis semelhanças com os casos da região vizinha, Eilo Yu afasta esta hipótese. Tratam-se de situações diferentes e que abordam diferentes posturas. “A desqualificação dos legisladores de Hong Kong tiveram que ver com o facto de quererem a independência e de desrespeitarem o país. Mas Sulu Sou não estava a fazer isso”, explicou.

Silêncio como estratégia

Um aviso do Governo. “O Governo não gosta destes jovens se expressam em protesto e o Executivo com esta situação de suspensão de mandato de Sulu Sou está a mandar uma mensagem: “se protestarem, podem estar a ir contra a lei e podem estar a incorrer em desobediência civil”. É esta a opinião do analista político e professor do Instituto Politécnico de Macau, Larry Sou.

Larry So

O académico “lamenta profundamente” o que se passou ontem na Assembleia Legislativa”. “Foi muito mau o que aconteceu e penso que o incidente de que Sulu Sou está a sdr acusado não tem uma extensão ou gravidade justifique o que foi feito na AL e acho que os deputados devessem votar neste assunto”. Para Larry Sou trata-se de uma manobra do Governo. “O Executivo mobilizou todos os seus recursos para ter a certeza de que a maioria votasse contra Sulu Sou”, apontou.Também Larry Sou elogia o trabalho, mesmo que curto, que o pró-democrata fez nos poucos meses em que ocupou um assento do hemiciclo. “As suas opiniões têm tentado realmente defender os direitos e necessidades da sociedade nomeadamente na sua base e penso que muitos dos jovens locais se reconhece com as dificuldades da sociedade que Sulu Sou tem dado a conhecer na AL”, disse. “Sulu Sou é um dos deputados mais capazes e isso vê-se nas suas intervenções verbais. Se compararmos com outros membros do hemiciclo,  este jovem Sulu Sou tem feito um trabalho melhor do que os outros”, remata Larry Sou.

5 Dez 2017

Mais treze edifícios classificados enquanto património, em 2018

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] secretário para os assuntos sociais e cultura, Alexis Tam que transformar o território numa “cidade museu”. A ideia ficou bem frisada no último dia do debate das Linhas de Acção Governativa da sua tutela, na passada sexta-feira. “Toda a cidade é um museu temático, um grande museu”, afirmou Tam.

Para o efeito os trabalhos já estão em andamento. “Em 2018 teremos uma nova lista de edifícios classificados. Na primeira lista que elaborámos tivemos nove e agora vamos ter treze edifícios classificados”, apontou o secretário.

O objectivo é ir além do conceito de Macau enquanto cidade histórica e transformar o território, todo ele, num museu. Será ainda necessário, considera o secretário, ter em conta as belas artes. “temos também de ter mais salas de exposições e mais recintos para exibir as criações artísticas locais, não só no centro, mas em cada canto do território”, esclareceu.

A ideia foi deixada em resposta às questões dos deputados relativas à diversificação da economia local e ao desenvolvimento das indústrias criativas no território.

Parcerias no prato

A iniciativa vai andar de mão dada com a cidade criativa gastronómica, classificação recentemente dada a Macau pela UNESCO. “Acrescentando o elemento gastronómico, podemos expandir esta rede aos vários bairros da cidade e fazer um itinerário das iguarias de Macau”, disse.

A coordenação destas iniciativas não vai ficar em mãos alheias: “Eu vou ser coordenador destes projectos”, salientou o próprio secretário.

O convite para transformar Macau num grande centro museológico é ainda dirigdo à população. “Não vamos incluir apenas os restaurantes com estrelas Michelin vamos ter as tascas das várias ruas e dos vários bairros locais”.

Por outro lado, associada à gastronomia podem ser desenvolvidas outas indústrias, sendo que “a cidade gastronómica é uma força motriz para desenvolver o turismo e a cultura de Macau, as nossas indústrias culturais e criativas”, referiu.

Em Macau, existem actualmente, cerca 1900 empresas ligadas à actividade criativa.


Acção Social | Apesar dos apoios ainda há 5000 famílias no limiar da pobreza

São cerca de cinco mil famílias as que ainda vivem no limiar da pobreza no território. A informação foi dada pela presidente do Instituto de Acção Social, Celeste Vong, no segundo dia de debate das Linhas de Acção Governativa da secretaria para os assuntos sociais e cultura. Para Celeste Vong, o objectivo dos subsídios dados a famílias carenciadas não é a substituição do sustento, mas sim o incentivo para que possam vir a sair da situação em que se encontram. De 2012 a 2016, foram cerca de 500 famílias a saírem da pobreza anualmente em que cerca de 300 casos pedem subsídio económico, referiu Celeste Vong. Terapeutas | São necessários mais profissionais Depois de ter anunciado, na quinta-feira, a contratação de mais 10 terapeutas do exterior, Alexis Tam volta a frisar o investimento do Governo nesta matéria no último dia de debate das Linhas de Acção Governativa da sua tutela. “Vamos continuar a apoiar quem pretende seguir a formação no exterior na área da terapia”, referiu o governante enquanto salientou a adesão massiva dos candidatos ao primeiro curso de terapia da fala no território lecionado pelo instituto Politécnico de Macau. “Foram 700 candidatos para 20 vagas”, disse. Adicionalmente, há mais de 150 alunos de Macau a frequentar cursos na área, no estrangeiro.


Demência | Idosos vão ter um novo serviço de apoio

No próximo ano a secretaria para os assuntos sociais e cultura vai disponibilizar um novo serviço para os idosos com demência. “Teremos um novo serviço destinado aos idosos com demência. Se se perderem na rua, temos equipamento para ir à sua procura. Outras regiões não têm esta tecnologia, pelo que estamos mais avançados”, referiu Alexis Tam. “Vamos ainda lançar mais acções de formação destinadas aos cuidadores e associações para identificarem quem tem demência”, apontou. No entanto, e de acordo com o secretário, há ainda muito a fazer para lidar com o envelhecimento da população local e os problemas associados, nomeadamente a demência. Para facilitar a circulação desta população e das pessoas portadoras de deficiência, o próximo ano vai ser lançado o guia de normas arquitectónicas para uma circulação livre de barreiras.


Ensino | Deputado sugere realidade virtual para conhecer o continente

Conhecer a China através da realidade virtual foi a sugestão deixada ao Governo pelo deputado Chan Wa Keong no último dia de debate das Linhas de Acção Governativa para os assuntos sociais e cultura. Para o deputado, dadas as dificuldades de muitos dos jovens estudantes locais irem ao continente para conhecer a “mãe pátria”, a solução passa pela implementação de tecnologias de realidade virtual que coloquem os estudantes em contacto com as paisagens e cultura do país. “Tenho uma sugestão: o uso da realidade virtual em que os jovens põem uns óculos e conseguem ver imagens, interagir com o país e, assim, desenvolver os nossos trabalhos de amor à pátria e amor por Macau”, referiu o deputado. A ideia é utilizar esta tecnologia no âmbito da educação patriótica.

4 Dez 2017

LAG 2018 | Estaleiros de Coloane não vão ser substituídos por prédios de luxo

De acordo com o deputado Sulu Sou, correm boatos de que a zona dos estaleiros de Lai Chi Vun está destinada à construção e edifícios de luxo. O Governo garante que não e que os estaleiros vão ser protegidos. A compra por parte do Executivo de edifícios classificados para preservação é também uma hipótese a ponderar de modo a garantir a protecção do património

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] zona dos estaleiros de Lai Chi Vun não vai ser substituída por prédios de luxo. A garantia foi dada pelo secretário para os assuntos sociais e cultura, no segundo dia de debate das Linhas de Acção Governativa (LAG) da sua tutela.

A informação foi dada em resposta à questão do deputado pró-democrata, Sulu Sou, que interrogava o Governo acerca do incumprimento dos regulamentos relativos à altura dos edifícios da zona histórica de Macau, e concretamente, ao destino da zona dos antigos estaleiros do território situada em Coloane. “Os regulamentos de altura dos prédios não estão a ser cumpridos” começou por dizer Sou. “Quanto a Lai Chi Vun, já foram demolidos dois dos estaleiros daquela zona e correm rumores que, com a destruição causada pela passagem do tufão Hato, os que restam possam vir a dar lugar a prédios de luxo”, referiu o deputado.

Alexis Tam colocou completamente de parte esta possibilidade. “Temos limites de altura, cumprimos essas legislações e regulamentos. Por isso, estejam descansados. Quanto ao planeamento de Lai Chi Vun, disse que ouviu que iria ser demolido para a construção de um arranha-céus. Eu não concordo com isso, pelo que esteja descansado também”, sublinhou.

Com a passagem do Hato por Macau, ficou destruído mais um dos estaleiros de Lai Chi Vun, mas o objectivo do Governo é o mesmo. Está a decorrer o processo de classificação de Lai Chi Vun e o Executivo vai “reconstruir a estrutura demolida e os outros nove que ainda se mantêm vão ser reforçados”.

A conservação e renovação do património estiveram na ordem do dia no debate das LAG de sexta-feira.

Comprar para cuidar

Também Mak Soi Kun se mostrou preocupado com a capacidade do Governo em ajudar na reconstrução de edifícios classificados, nomeadamente quando se trata de privados. “Como é que salvaguardamos os edifícios de valor histórico e que pertencem a privados? O Governo vai adquirir os imóveis?”, perguntou o deputado.

O secretário fez notar que a tutela tem feito investimentos nesse sentido e deu exemplos: “Já estamos a gastar erário público nisso. Na Rua da Palha, por exemplo, com a farmácia Sun Yat Sen. Depois da classificação, adquirimos o edifício para fazer a revitalização e podemos fazer a mesma coisa em situações idênticas e adquirir os imóveis”, esclareceu.

Por outro lado, Alexis Tam já reuniu, também na semana passada, com o ministro da cultura chinês num encontro em que foi assinado um acordo com a administração do património na China que diz respeito a acções de formação sobre salvaguarda de património.

Relativamente à falta de quadros no território neste sector, Tam admite que há necessidade de formar mais quadros “além destes 24 voluntários em que 12 se dedicam a recuperação de monumentos”.

A ideia é ainda sensibilizar a população em geral e dotá-la de conhecimentos práticos no que respeita à preservação ao património. “Temos também de sensibilizar a população acerca desta salvaguarda do património em várias áreas como a caligrafia, pinturas, mobília, etc. Os idosos e outros cidadãos também podem estar interessados em frequentar estes cursos”, frisou Alexis Tam.

4 Dez 2017

LAG 2018 | Internatos médicos vão regressar para especializar profissionais do sector

O serviço de internato médico esteve suspenso durante dez anos mais vai voltar a ser praticado. O Governo pretende especializar médicos e conta com a ajuda da Academia de Medicina que está a ser criada

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] segundo dia de debate das linhas de Acção Governativa para os Assuntos Sociais e Cultura voltou a ser marcado por questões relativas à qualidade dos serviços de saúde locais. A Secretaria da tutela adiantou que o sector tem sido alvo de muitas melhorias e avançou que os internatos médicos vão voltar a ser prática no território. “Na construção do sistema de saúde temos feito muita coisa. Suspendemos o internato dos médicos diferenciados durante dez anos, mas já solicitei para reabrirem os internatos para médicos de diferentes especialidades e os resultados preliminares estão a começar a surgir”, apontou Alexis TAm.

O serviço pretende ajudar a formar especialistas em várias áreas em que há falta de profissionais e vai estar associado à Academia de Medicina que está a ser criada. Relativamente a este organismo o secretário mostrou-se optimista. O projecto está em curso e conta com ajuda de profissionais do exterior. “Temos também colegas de Hong Kong para nos ajudarem a formar o programa curricular e o funcionamento da própria academia”, esclareceu Alexis Tam.

Entretanto, está em curso a preparação do processo legislativo e estão a ser definidos os médicos que virão a ser responsáveis pelo seu funcionamento e gestão, bem como pelos cursos que irá ministrar.

Alexis Tam fez ainda questão de referir que a abertura da Academia e da profissionalização médica em Macau não será só dirigida aos médicos dos serviços públicos da RAEM. A ideia é que, no que respeita à especialização, o território possa vir a fornecer a devida formação para colmatar as necessidades dos serviços de saúde locais. “Não são cursos para os hospitais públicos, são para todos os médicos gerais para que passem a especialistas. Queremos chegar ao sector privado para que os conhecimentos dos que lá trabalham sejam aprofundados”, explicou Tam.

Desperdício local

A ideia foi deixada em resposta às dúvidas da estreia no hemiciclo nesta legislatura, Agnes Lam. Para a deputada, o aumento que, efectivamente, se tem registado no número de médicos continua a não conseguir acompanhar o aumento do número de utentes no território, sendo que, salienta, quando se trata de doenças graves “as pessoas continuam a ter de sair de Macau.

Neste sentido, Agnes Lam considera que o grande problema continua a ser a falta de médicos especialistas nos hospitais públicos locais. A culpa, afirma, é dos próprios serviços de saúde que não acolhem os licenciados em medicina que são formados no estrangeiro. “Estamos a desperdiçar recursos humanos, porque o Hospital de São Januário não tem aberto vagas para os médicos locais que se licenciam no estrangeiro o que é muito desmotivante para quem volta a Macau. Alguns vão para o mercado privado e outros tornam-se mesmo croupiers nos casinos”, referiu a também académica.

Para Agnes Lam, a criação de uma faculdade de medicina no território poderia ser uma solução para formar os estudantes locais. Já para Alexis Tam, a Academia que está a ser criada tem também essa função.

Saúde em números

De acordo com o secretário para os assuntos sociais e cultura, os números são o reflexo dos esforços da sua tutela.

O Centro Hospitalar Conde de São Januário aumentou, até ao mês de Outubro deste ano, os atendimentos respeitantes à consulta externa em quase seis por cento, com um total de 345 mil consultas. Nas urgências foram atendidos quase 260 mil casos.

No que respeita aos cuidados de saúde primários prestados pelos centros de saúde locais, “tivemos mais de dois milhões de atendimentos e reforçamos o nosso pessoal”, salientou Tam. Este ano, foram recrutados mais 200 trabalhadores para os serviços de saúde. “Entre o pessoal médico e enfermeiros temos um aumento de 4,9 por cento”

Podemos achar que são valores articulados com os padrões internacionais porque a população facilmente consegue ter cuidados de saúde e consultas mas não estamos satisfeitos com isso e vamos melhorar”, referiuo secretário.

A questão da falta de enfermeiros também foi levantada por alguns dos deputados do hemiciclo e Alexis Tam respondeu que “em 2014 teve inicio o novo programa de formação em enfermagem com a duração de dez anos”.

4 Dez 2017

Paulo Duarte, investigador: “‘Uma Faixa, Uma Rota’ é para os filhos dos nossos filhos”

Paulo Duarte esteve em Macau para o lançamento do seu terceiro livro na passada sexta-feira, “A faixa e rota chinesa: a convergência entre terra e mar”. Para o investigador que se dedica à pesquisa acerca das relações da China com o mundo, a política “Uma Faixa, Uma Rota” é uma estratégia de longo prazo para garantir o futuro dos habitantes do país mais populoso do planeta. Cabe aos países que se associam aproveitar os benefícios que o projecto lhes pode trazer. A Macau, enquanto plataforma, sobra a iniciativa de acções que aproveitem as vantagens geográficas e linguísticas do território na comunicação com os países de língua portuguesa

 

Tem três livros que fazem análises profundas sobre a China. De onde veio esse interesse pelo país?

Eu diria que não escolhi, fui escolhido pela China. A minha relação com a China foi recíproca. Fiz mestrado e doutoramento na Bélgica e tinha uma cadeira de China and World Politics. A cada aula que passava, a avidez por conhecimento pela China tomou conta de mim. Quer dizer, fui tomado pela China. Nesse sentido, continuei na Bélgica a fazer o doutoramento e depois tive a ocasião de ir para a Ásia Central fazer investigação de campo. Estive no Cazaquistão duas vezes, no Quirguistão e Tajiquistão, são três dos cinco Estados nascidos do colapso da União Soviética. São Estados do ponto de vista cultural extremamente enriquecedores. Esta passagem pela Ásia Central reflecte-se, sobretudo, no segundo e terceiro livro. Quis começar, justamente, por falar da periferia chinesa. Do porquê da importância da periferia. Basta recordar que é na periferia, no Cazaquistão, que a China lança a sua faixa e rota para o mundo. Quis aliar neste livro a convergência entre o mar e a terra. Não é só a terra que é importante, não são só as linhas de alta velocidade, é também o mar, sempre foi por mar que a China processou e processa a maior parte do comércio, as estatísticas divergem entre 80 a 90 por cento. Mas a terra vem aqui surgir como um complemento. A China está a revisitar a sua essência, a sua história. Desta vez sem camelos ou mulas, mas por ligações de alta velocidade, comboios e uma emergência de uma série de corredores logísticos e grandes portos.

O livro “Faixa e Rota Chinesa” é o primeiro livro em língua portuguesa sobre este grande projecto. O que é, realmente, “Uma Faixa, Uma Rota”?

É o renascer de um projecto que outrora ligava a China à grande periferia mundial. A China já foi grande. Hoje Trump fala em “making America great again”, esta política é, por outras palavras, “making China great again”. Por várias razões. Economicamente, a China tem crescido ao longo das últimas décadas, excepto recentemente em que a economia conheceu um período menos bom. A indústria da construção, que tem sido o grande motor do crescimento chinês, precisa de ser lançada e a Faixa e Rota mais não é, em termos práticos, do que empregar os chineses em projectos logísticos entre o Oriente e o Ocidente. Em termos políticos, ao longo da história os vários líderes tiveram diferentes narrativas e o que se passou com a Teoria das Quatro Modernizações ou o que se passou com o desenvolvimento científico do Hu Jintao. Hoje temos mais uma narrativa, “Uma Faixa, Uma Rota” é mais uma narrativa. Não digo só esta política, mas da grande concentração de poder que se está a formar em torno de Xi Jinping.

O que é que esta política reflecte a nível cultural?

A componente cultural é o soft power. Não é por acaso que a China é um actor tardio em termos de soft power. Andei pela Ásia Central e a sinofobia, o medo da China é omnipresente. A propaganda soviética tinha incentivado o temor pelo povo chinês do ensino básico até à universidade. Ainda hoje na Ásia Central, para não dizer em outras regiões do mundo, há receio de que os chineses cheguem e tomem terras, empregos. A China sentiu, a tempo, que o crescimento económico não gera, propriamente, simpatia. É preciso revisitar o passado da Rota da Seda, em que a China negociava pacificamente com os povos da grande periferia global. Revisitar o passado traz boas memórias aos chineses. Mas para combater as percepções que o mundo tem da China é preciso arranjar aqui ideias nobres. É preciso explicar que a China não é aquele gigante que vem apenas aqui para fazer comércio e há que fazer proliferar, por exemplo, os Institutos Confúcio. 

Há que educar o mundo acerca da cultura chinesa?

Exactamente. A melhor maneira para nós percebermos aquilo que não conhecemos é começar por falar a língua do desconhecido. Não é por acaso que os Institutos Confúcio são não só um início da aprendizagem do mandarim, que é uma língua dificílima, mas também uma fonte de incentivo da cultura chinesa, porque a China não é só o mandarim, há toda uma cultura milenar, simplesmente não tem o nosso ponto de vista. Aquilo que a China faz fá-lo numa perspectiva de décadas, de gerações. “Uma faixa, Uma Rota” é para os filhos dos nossos filhos. A China não pensa à ocidental, o que eles fazem é pensar para décadas, porque estamos a falar de alimentar o povo mais populoso do mundo. Não se vai buscar recursos num planeta escasso, tem de se pensar a longo prazo. No futuro isso representa mais bocas, mais necessidade de alimentos e energia e mais necessidades de construir estratégias. “Uma faixa, Uma Rota” é, em todos os aspectos, económico, político e cultural, explicar que a China quer criar a tal comunidade de destino comum. Ou seja, o desenvolvimento deve ser não só para a China, mas para todos. Criar o ambiente favorável para a reemergência chinesa e dividir os dividendos do progresso com a comunidade. Fazer perceber que a China não é o gigante susceptível de ser temido, mas é alguém que quer partilhar os frutos do progresso. “Uma faixa, Uma Rota” é, nesse sentido, uma partilha e um emanar de soft power.

Acabou de chegar de Pequim onde esteve reunido com elementos de várias universidades chinesas com cursos de língua portuguesa. Qual o papel da língua portuguesa neste projecto “Uma faixa, Uma Rota”?

O português é a quinta língua mais falada do mundo. A China está atenta a isso. Tal como a China, os mercados onde a língua oficial é a portuguesa, nomeadamente o Brasil, não são mercados estanques, tendem a evoluir. Sendo o português a quinta língua mais falada do mundo, é preciso utilizar uma plataforma, pode ser Macau, embora a China não necessite tanto de Macau como Macau necessita da China. Isto é, a China sempre utilizou a via bilateral e Macau proporciona uma via multilateral. Mas quando a China tem realmente interesse em forjar laços sempre o fez pela via bilateral. Multilateralismo é um complemento. A China tem interesse nos mercados de língua portuguesa porque é preciso pensar em Angola, o segundo país que mais exporta petróleo para a China, a seguir ao Médio Oriente, à Arábia Saudita. Mas não é só petróleo, é marfim, minérios, ouro, mil e uma coisas. E quem diz petróleo de Angola diz também do Brasil. Mas há outra coisa muito importante: a China tem uma classe média emergente, que supera toda a população dos Estados Unidos e que começa a viajar. Estamos a falar de um potencial de turismo incrível, não só para Portugal como para o Brasil e destinos menos conhecidos como São Tomé e Príncipe, que muito poderão beneficiar disso. Existe também uma classe média que tem gostos cada vez mais requintados, que gosta de frutos exóticos. A China procura petróleo mas procura também, cada vez mais, comprar terras, terrenos para cultivo, porque apenas sete por cento das terras na China são aráveis. Isto quer dizer que durante décadas a China destruiu os solos, fruto da industrialização rápida. 28 mil rios desapareceram na China ao longo das últimas décadas. Isto significa que o país está a procurar cada vez mais aquilo que não tem, que é terrenos no estrangeiro. Há resistência local, então, muita vezes, a China envolve-se em joint ventures, em formas de desenvolvimento de agricultura sustentável nesses países.

Não estamos a falar de uma espécie de colonização?

Há quem faça essa crítica. Há autores que dizem que sim, outros que dizem que não. Eu digo o seguinte: a responsável não é apenas a China. Cabe aos países anfitriões diversificar as suas economias. Imagine que cai o preço do petróleo. Em vez de virem pedir empréstimos à China, o que têm a fazer é diversificar a sua economia e não concentrarem nem usurparem os recursos dentro da elite. Estes países é que dizem sim à China, não é a China que vai impor as suas condições. Se lhe permitem negociar e comprar, a China fá-lo e muito bem. Cabe a estes países aproveitar as bolsas que a China concede aos seus técnicos, o know-how e as parcerias para formar quadros e para se desenvolverem mais. Além disso, a China começa a ser um terceiro polo de educação. Há cada vez mais gente interessada em vir para o Oriente. Temos um mundo tradicionalmente dominado pela Europa e Estados Unidos a nível de educação, agora a China, Singapura e outros países, estão a emergir. Não é a China que vai fazer a mudança, pode ajudar mas depende dessas pessoas. Daí, aquela visão, ou não, de neo-colonizador.

Macau afirma-se muito como uma plataforma. Qual é o papel de Macau nesta política “Uma Faixa, uma Rota”?

É preciso ver que do ponto de vista geoestratégico e cultural, Macau beneficia muito da tal fórmula de Deng Xiaoping “Um País, Dois Sistemas”. Macau tem uma posição geoestratégica: está na Ásia, embora o legado seja ocidental. As empresas de Macau são sobretudo PME. Isto significa que Macau, por muito boa vontade que tenha, não pode partir à descoberta da África e da América Latina, sem se aliar com as grandes empresas que já têm conhecimento e know-how do Sul da China. Macau pode ser uma plataforma, não só para feiras, exposições, ou casinos, mas para um ponto de partida em que as empresas macaenses beneficiam de um trilinguismo, uma grande vantagem face a Hong Kong onde se fala só chinês e inglês. Em Macau fala-se português, chinês e nos quadros empresariais fala-se, naturalmente, inglês. Também está localizado a ocidente da foz do Rio das Pérolas, numa convergência de transportes terrestres, marítimos e aéreos. Temos o legado do Direito Ocidental, procedimentos aduaneiros relativamente céleres, empresas de tradução, formação de quadros na área do turismo, as grandes universidades que aqui existem com reconhecimento internacional. Não vejo Macau apenas como a tal feira de exposições, onde vêm cá de vez em quando os grandes industriais. Macau pode, de facto, ser essa plataforma de várias sinergias, na área da educação, do Direito, do Direito Comercial, porque as empresas necessitam de um Direito Internacional e Macau tem a possibilidade de ter e formar quadros que, inclusivamente, eduquem outros asiáticos pela proximidade na área do Direito, Educação e Turismo. Não é Portugal, ou Macau, que têm de esperar que a China Continental venha ao seu encontro de braços cruzados. Cabe a Macau e aos países de língua portuguesa verem aquilo que de melhor têm para oferecer à China. É um processo mútuo. 

O território pode também ter um papel na divulgação da cultura chinesa?

Com certeza. Mas há um ponto que eu critico. Vejo os países de língua portuguesa muito distraídos. Existe um grande receio, sobretudo na Europa, acerca da coexistência no mundo de dois senhores: o parceiro de longa data do pós-segunda guerra mundial, os Estados Unidos, e a China que vem preencher um vazio. Esta é a grande barreira psicológica que ainda existe no Ocidente. Como é que a NATO pode coexistir com a China em parceria numa área global como o terrorismo? Todos nós temos o terrorismo como inimigo, portanto, faz sentido a China aliar-se não só na protecção das linhas marítimas do Mediterrâneo, do Suez, etc. Faz sentido a cooperação cibernética, para fazer face aos apagões cometidos por aqueles países tidos como do eixo do mal, como a Coreia do Norte. Faz sentido uma sinergia de interesses. É preciso que a Europa e outros países afins percebam a China como um contraponto, uma mais valia, uma complementaridade, face ao Ocidente.

Está a ser uma percepção difícil?

Sim e isso é, talvez, a grande barreira que limita o maior envolvimento da China e a possibilidade de retirar proveito dessa relação com a China. 

Neste seu livro, “Metamorfose do Poder”, refere que o partido pode estar a terminar a sua idade de ouro, e que pode neste momento estar mais perto de ser um retrocesso do que uma solução. O que quer dizer com isto?

Isto é uma crítica que vários autores ocidentais fazem. Há que diga que o soft power chinês tem como grande limitação não partir da sociedade civil, como nos Estados Unidos. As pessoas têm o sonho americano, há um modelo de inspiração, o american way of life. Mas não se vê o chinese way of life porque as pessoas temem a China. A narrativa chinesa. O soft power chinês não nasce, ao contrário do soft power americano, da sociedade civil. Nasce do partido e da sua propaganda. O cidadão médio mundial está reticente em receber o que é do partido e não nasce da sociedade civil. Aí reside o complexo equilíbrio. O partido sabe que se autorizar a liberdade está no fundo a criar problemas à sua própria subsistência. Então o chinês que é mais culto, que viaja, que poderá vir a ter acesos à internet, é o chinês que vai querer sempre mais e vai dizer “não, eu não quero ser controlado, quero ser eu a controlar o meu destino”. E aí está o paradoxo do partido. A iniciativa privada, é aceite desde que possa gerar desenvolvimento, mas o domínio da informação é perigoso para este tipo de regimes por gerar mais necessidade de conhecimento e o indivíduo é sempre ávido. Aí pode estar, de facto, aquilo que mina o futuro do partido.

Fala também neste seu livro que nas décadas de 1980 e 1990 os responsáveis pelo poder tinham também interesses privados e isso está na base da corrupção dos altos cargos. O Xi Jinping tem vindo a desenvolver uma campanha contra a corrupção. Em Macau há um sistema em que os legisladores são também alguns dos maiores empresários do território. Não estamos perante um contrassenso?

De facto, o poder é fonte de corrupção se não for bem gerido. A grande luta de Xi Jinping é a de legitimar esta elite do poder, que aos olhos dos chineses está gravemente afectada. É preciso voltar a fazer com que a sociedade olhe de novo para os políticos, não como fonte de corrupção, mas como a vanguarda do povo, porque era assim que era o Partido Comunista Chinês nas suas origens. O partido era legítimo pela capacidade unificadora de pobres, de ricos. Hoje o partido é visto como a classe parasitária que conseguiu há várias décadas unir os chineses, mas que hoje é fonte de discórdia. O Xi Jinping percebeu que é preciso, a nível regional e local, fazer esses líderes corruptos pedirem desculpa aos chineses. Aí faz também uma eliminação dos seus principais rivais. A iniciativa privada é cooptada pelo regime. O Governo chinês pede frequentemente a multimilionários chineses que dêem a cara ao invés de passar determinado projecto como sendo do Governo chinês. Por exemplo, Wang Nuguo, apresentou à Islândia a intenção de comprar uma porção do norte de Islândia para construir um campo de equitação e um hotel luxuoso, mas o Governo da Islândia recusou essa proposta porque havia ali motivos ocultos. Em vez de equitação e turismo, havia reais interesses do Governo chinês em utilizar aquela parte do hemisfério norte, do Ártico, para um posicionamento estratégico face ao petróleo, ao gás e a uma, eventual, rota da seda polar. O gelo está a derreter e não vamos ter nas próximas décadas apenas uma rota convencional, vamos ter uma rota complementar quando o gelo permitir. Temos aí um exemplo de uma tentativa que nasceu morta, porque o Governo da Islândia decidiu dizer não e dizer “nós sabemos que não é o senhor que está a querer comprar, é o Governo chinês”. Nada do que a China faz no mundo é por acaso, existe uma grande estratégia e o indivíduo deve submeter-se ao todo, e não o todo ao indivíduo. Nós, os latinos, temos a tendência para sobressair face à massa, aqui o indivíduo serve a massa.

Isso não pode ser perigoso?

É e não é porque o individualismo também pode ser perigoso. Estaline sobrepôs-se face à massa e matou muita gente. O próprio Mao fez isso. Mao Zedong é apresentado como um herói nacional. A Inquisição fez o mesmo e marcou um dos períodos negros da Igreja. Há duas vertentes, o bom e o mau. Pode haver no individualismo o lado bom, como no holismo um lado positivo. Não podemos ser radicais e fundamentalistas.

4 Dez 2017

Governo vai contratar 21 médicos a Portugal

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap]s atrasos na construção do Hospital das Ilhas e o sistema de saúde local dominou parte do debate de ontem das Linhas de Acção governativa da secretaria para os Assuntos Sociais e Cultura. Alexis Tam afirma ter um plano alternativo enquanto o hospital não está pronto e que passa pelo melhoramento dos serviços já existentes. Para o efeito, o Governo vai contratar médicos em Portugal.

Alexis Tam não duvida dos cuidados de saúde prestados no território e, no que respeita ao atraso na construção do Hospital das Ilhas, reitera que a situação está sob a tutela das Obras Públicas. No entanto, o secretário tem um plano alternativo. “Enquanto o hospital não funcionar o Governo vai continuar a apostar na melhoria dos serviços que estão activos”. Para o efeito, está na calha a contratação de médicos de Portugal. “Vamos celebrar um acordo com Portugal para trazer mais médicos portugueses para trabalharem aqui”, apontou ontem no debate das Linhas de Acção Governativa da sua tutela.

A ideia é não só poderem exercer a sua actividade nas instalações de saúde de Macau, mas servirem ainda de “mestres dos médicos locais que já frequentam formações no exterior para melhor a qualidade do nosso sistema de saúde”, explicou.

A revelação foi prestada quando de uma resposta dada ao deputado Ho Ion Sang que, depois de referir a importância da tutela do secretário que tem a seu cargo “todo o que diz respeito à população desde que nasce até que morre” e de apelidar Alexis Tam de “secretário one stop”, pediu satisfações relativamente aos atrasos sucessivos na construção do Hospital das Ilhas. Para o deputado, está em causa a qualidade do sistema de saúde do território.

De acordo com Alexis Tam é prioridade do Governo continuar a injectar mais verbas no sector de modo a promover um “desenvolvimento saudável e qualitativo”.

Mais do que olhar para um hospital em construção, Alexis Tam considera pertinente ter em conta o desenvolvimento dos serviços que já existem e que têm vindo a crescer e a ser internacionalmente reconhecidos.

O secretário avançou ainda com medidas que já estão em prática “antes do hospital funcionar”. “Já temos três centros de saúde que funcionam até à meia-noite e já há muitas especialidades no hospital de São Januário a trabalhar ao fim-de-semana”, explicou.

Problemas alheios

Por outro lado, não cabe à sua tutela a responsabilidade dos atrasos actuais da obra. “Quero reiterar o seguinte: nós somos utilizadores e não somos os serviços competentes pelas obras. Por isso, não conseguimos muitas vezes controlar o processo de evolução das empreitadas ou o calendário de construção mas sabemos que, até ao fim do mandato, teremos algumas coisas prontas”, frisou.

Já o director dos Serviços de Saúde (SS), Lei Chin Ion, fez saber que, no que respeita ao Hospital das Ilhas, os serviços estão a fazer o que podem e contam para o efeito com a ajuda de profissionais experientes do estrangeiro. “Convidámos hospitais da China para ajudar a gerir o processo, convidámos dois hospitais de Hong Kong, convidámos uma universidade chinesa e uma empresa dos Estados Unidos para nos ajudar a fazer concepção arquitectónica do bloco operatório e de oncologia”, referiu.

Lei Chin Ion adiantou ainda, quando questionado acerca dos serviços de saúde inteligentes, que além da partilha de metadados clínicos entre instituições de saúde, a ideia tem que ver com aplicações informáticas que as pessoas podem utilizar e que as ajudam a monitorizar o seu estado físico. Para desenvolver essas aplicações, o responsável já teve uma reunião com Jack Ma, dono da Alibabá, acerca deste tipo de sistemas.

Entretanto, está a ser finalizada a proposta de lei relativa à qualificação para o exercício de actividades no sistema de saúde, avançou o director dos SS ao mesmo tempo que admitiu a possibilidade do Governo pensar num seguro para a população, sendo que, alertou, “é uma questão complicada”.

1 Dez 2017

LAG | Canídromo vai acolher quatro novas escolas

[dropcap style≠’circle’]C[/dropcap]omeçam a ser conhecidas as finalidades do espaço onde actualmente funciona o Canídromo de Macau. A primeira foi ontem dada a conhecer pelo secretário para os Assuntos Sociais e Cultura, Alexis Tam, no debate sobre as Linhas de Acção Governativa (LAG) na sua tutela para 2018.

O Governo quer construir quatro novas escolas, no âmbito do projecto Céu Azul. Mais do que palavras, passaram-se aos actos, tendo o projecto sido já apresentado às Obras Públicas pela Direcção dos Serviços de Educação e Juventude (DSEJ).

“Estou muito feliz porque, quanto ao Canídromo, já apresentámos, através da DSEJ, o plano para a sua ocupação com a construção de quatro escolas, sendo que uma delas será uma escola de ensino especial”, anunciou o secretário.

O projecto Céu Azul é a iniciativa governamental que tem por objectivo transferir as escolas que estão a funcionar em pódios para instalações adequadas. Se no início, há cerca de três anos, as expectativas relativamente ao seu término andavam entre os dez e vinte anos, agora o projecto parece poder ser concluído mais cedo.

“O projecto foi apresentado há três anos e, nessa altura, tinha um prazo de dez a vinte anos para ser terminado porque não sabíamos que o Canídromo poderia ser revertido para o Governo ou outros, Por isso tínhamos de o encarar com cautela”, explicou o secretário.

Terrenos bem aproveitados

Também os novos aterros da zona A poderão vir a acolher temporariamente escolas que estejam em pódios, enquanto as instalações definitivas não se encontrarem prontas. “Além de conseguir reaver terrenos e do Canídromo, temos projectos para a zona A . Queremos ter edifícios temporários para escolas que ainda estejam em pódios”. A ideia é que sejam instalações temporárias até que exista uma solução definitiva. podem ter de ficar novamente temporariamente em edifícios nestes aterros”, adiantou Alexis Tam.

O secretário, visivelmente satisfeito, considera agora que o projecto Céu Azul reúne condições para terminar muito mais cedo do que o previsto. “Este projecto não vai mais durar de dez a 20 anos e vai ser mais rápido. Os resultados são muito positivos”, apontou.

Desta forma, o secretário respondeu às questões colocadas por Ho Ion Sang, Chan Hong e Lam Lon Wai.

Ho Ion Sang perguntava se a secretaria tutelada por Alexis Tam “tinha reservado espaço para escolas nos novos aterros da zona A”, Chan Hong queixava-se de que ainda existem 11 escolas a funcionar em condições precárias e Lam Lon Wai sugeria que o Canídromo fosse um espaço a ter em conta para a instalação de projectos educativos sendo que se trata de um local que ficará disponível no próximo mês de Julho, altura em que termina o contrato de concessão de exploração à empresa Yat Yuen.

1 Dez 2017

Veículos ligeiros de passageiros podem circular entre Hong Kong, Zhuhai e Macau

Com a entrada em funcionamento da ponte Hong Kong–Zhuhai–Macau, é autorizada a circulação de veículos de passageiros entre as três regiões. Para o efeito, os interessados têm de pedir autorização prévia às autoridades. Quanto aos autocarros, já existem quatro licenças emitidas no território para que façam o transporte inter-regional de passageiros

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] Concelho Executivo (CE) aprovou a proposta de lei relativa à alteração ao regulamento dos transportes rodoviários interurbanos de passageiros. O diploma vai permitir o transporte de passageiros em veículos ligeiros a nível inter-regional e a decisão foi pensada tendo em conta as novas condições de circulação com a abertura da ponte Hong Kong–Zhuhai–Macau.

De acordo com o porta-voz do CE, Leong Heng Teng, em conferência de imprensa ontem, com este diploma vão existir dois tipos de serviços: os regulares, assegurados por autocarros e os não regulares, realizados por veículos ligeiros de passageiros e submetidos a marcação prévia. A permissão de veículos ligeiros para transporte de passageiros tem como finalidade “coordenar as necessidades e exigências do trânsito interurbano, com a abertura da ponte Hong Kong-Zhuhai–Macau, e as necessidades vindouras”, disse Leong Heng Teng. 

Via pouco aberta

Já para o director da Direção dos Serviços para os Assuntos de Tráfego (DSAT), Lam Hin San, a ideia é “facilitar a mobilidade da população interurbana intrafronteiras”. No entanto, esta circulação não pode ser ilimitada, afirmou. “Com a entrada em funcionamento da ponte Hong Kong–Zhuhai–Macau, temos de fixar limitações através da restrição da circulação dos veículos de passageiros”, referiu o responsável. É por isso que este tipo de serviço fica sujeito a autorização prévia dada pelas autoridades competentes. Para Lam Hin San, permitir uma circulação ilimitada seria “um bocado complicado”.

No que respeita aos transportes colectivos, as operadoras também estão sujeitas, para circular, a uma licença emitida pela DSAT.

Actualmente já existem quatro licenças emitidas para as operadoras de autocarros. Para os veículos ligeiros, e tratando-se de uma medida nova, ainda não existem autorizações dadas nem requeridas.

Complementos à previdência

O CE aprovou ainda o regulamento administrativo relativo às disposições complementares do regime de previdência central não obrigatório. As directrizes entram em vigor a 1 de Janeiro e definem a obrigatoriedade da autorização do Fundo de Segurança Social na constituição e alteração dos planos de previdência feitos por empregadores e titulares das contas.

O mesmo regulamento administrativo prevê ainda que as entidades gestoras de fundos devem disponibilizar a mudança de fundos de pensões e de percentagem de aplicação das contribuições, num mínimo de quatro vezes ao ano. Já o pedido de ajustamento do montante das contribuições pode ser efectuado pelo trabalhador uma vez por ano.

No que respeita à transferências de verbas entre subcontas, a operação passa a ser possível, mas apenas uma vez por ano.

O regulamento administrativo que define apresentação da lista de produtos de tabaco para os lacais de venda no território recebeu também luz verde do CE. A medida insere-se na alteração do regime de prevenção e controlo do tabagismo que entra em vigor mo início do próximo ano.

30 Nov 2017

Segurança | Política de mega-dados gera preocupações

O secretário para a Segurança Wong Sio Chak disse na Assembleia Legislativa que pretende combater o crime através de um sistema de investigação com recurso a mega-dados. Contudo, o analista Larry So e os deputados José Pereira Coutinho e Sulu Sou temem uma perda da privacidade dos cidadãos

[dropcap style≠’circle’]M[/dropcap]al o secretário para a Segurança, Wong Sio Chak, anunciou no debate sobre as Linhas de Acção Governativa (LAG) para a sua tutela que pretende criar um sistema de investigação com recurso aos mega-dados, os alertas soaram na cabeça de muitos.

A ideia deixada pelo secretário é que esse sistema passe a ser legislado, para que se faça um melhor combate à prática de crimes como o consumo e tráfico de drogas ou as pensões ilegais. Larry So, analista político, teme que se viole a privacidade das pessoas.

“Tenho reservas em relação a essa forma de pensamento”, disse ao HM. “A privacidade das pessoas tem de ser respeitada e se é para reduzir ou parar o crime há outras formas de o fazer. Por exemplo, com mais polícias nas ruas ou mais formação sobre determinados crimes.” Larry So lembrou que os “grandes olhos” “vão custar muito dinheiro” aos cofres públicos.

“Esta não pode ser uma medida para parar ou reduzir o crime, pois não se consegue eliminar a criminalidade por completo. O secretário não deu respostas em relação à protecção da privacidade das pessoas, mas quando falamos deste sistema isso pode ser um pouco sacrificado”, lembrou.

Laivos orwellianos

Sulu Sou foi um dos deputados que interveio no debate de ontem sobre as LAG para 2018 e não ficou satisfeito com as respostas dadas por Wong Sio Chak.

“Não apenas eu, mas muitos dos cidadãos mostram-se preocupados com a perda de liberdade de expressão. Ele não respondeu directamente às minhas questões e disse que a liberdade de expressão está garantida na lei, mas queria que me explicasse melhor a relação entre a lei e este tipo de liberdade”, apontou.

O deputado receia que em Macau venha a ser implementado um sistema semelhante ao que existe na China, em que plataformas como o Facebook, Instagram ou Whatsapp estão bloqueados.

“Os cidadãos têm receio de que as aplicações de telemóvel passem a não ter autorização de utilização em momentos sensíveis, e que tenhamos de recorrer ao sistema VPN”, acrescentou.

Também o deputado José Pereira Coutinho se revelou preocupado com a implementação de um “Big Brother” no território. “Estamos a caminhar para que haja um Big Brother, um controlo da vida pessoal das pessoas a todos os níveis. Tendo em conta os baixos níveis de criminalidade e o facto do território ser diminuto não há necessidade de fazer isso”, reiterou.

Para Pereira Coutinho, Wong Sio Chak quer “controlar tudo e todos, sobretudo as vozes dissentes na sociedade”. “É a minha percepção quando o vejo a querer implementar a política de mega-dados à força”, rematou.

30 Nov 2017

Fong Fong Guerra: “A vida é para ser recomeçada em Portugal”

A macaense Fong Fong Guerra chegou no passado dia 25 a Lisboa, com o marido Tiago Guerra, depois da fuga de Timor-Leste. O casal, que foi condenado por peculato em Díli, espera agora conseguir que o processo seja transferido para Portugal. Para, acima de tudo, limpar a imagem e reorganizar a vida

 

Como é que está a ser este regresso a Portugal?

Ainda estamos muito emocionados com o facto de, finalmente, estarmos em casa. Voltar a reencontrar a nossa família está a ser muito bom, mas também muito intenso, dadas as circunstâncias que temos vivido. Mas não quero deixar de prestar o nosso agradecimento a quem nos acompanhou nos últimos três anos. Não teríamos sobrevivido sem a amor das pessoas que nos rodeiam. Estamos muito agradecidos ao apoio que recebemos sempre dos nossos familiares e amigos. Pessoalmente, agradeço, em particular, à presença da minha família e amigos de Macau, que, apesar de longe, estiveram sempre ao meu lado, e não posso esquecer a ajuda dos nossos advogados. A equipa que nos tem acompanhado em nossa defesa tem sido incansável e estão a fazer tudo o que podem para que possamos continuar a lutar pela nossa inocência, dentro de um sistema judicial injusto e que tem dado mostras de que não funciona.

Tem sido um problema da justiça de Timor-Leste?

A inoperância e ineficácia do sistema judicial de Timor não é nova. A situação é conhecida pelos próprios líderes do país que reconhecem as suas limitações. Mas, desejamos que esta situação possa vir a melhorar, até porque o nosso caso é apenas um no meio de muitos que estão a ser injustamente tratados. Nós tivemos sorte por termos uma forma de expressar o que nos aconteceu e de dar voz às experiências inacreditáveis por que passámos. Mas, quem lá está, quem é de Timor, não pode fazer o mesmo. A população local, muito provavelmente nem conhece os seus direitos básicos.

O processo continua em Timor. O que pretendem fazer?

Estamos muito agradecidos ao governo português, especialmente pelo que tem feito por nós no último ano. Neste momento, ainda estamos a explorar as possibilidades de conseguir transferir o caso judicial para Portugal para que possamos limpar os nossos nomes. Mas é uma situação que não depende de nós. Para já, a nossa maior prioridade é a de reestabelecer novamente as nossas vidas em Portugal e aproveitar o tempo para podermos estar perto dos nossos filhos e parentes que já sofreram o suficiente.

Como foi a viagem e a estadia na fuga para a Austrália?

Estivemos sempre muito ansiosos e quando ficámos no centro de detenção dos serviços de emigração, em Darwin, a tensão foi sempre muita. Mas as autoridades australianas foram muito simpáticas e contámos com o apoio do cônsul-geral que estava em Sidney e que se deslocou a Darwin para monitorizar a situação. A Austrália é completamente diferente de Timor-Leste em tudo e nos centros de detenção também. As instalações que tínhamos eram eram melhores do que aquelas que tínhamos no apartamento em que estávamos em Díli: tinham camas e ares condicionados melhores, por exemplo. Também fomos o primeiro caso na Austrália de detenção pelas autoridades fronteiriças de alguém que entrou no país para de lá sair o mais rápido possível. 

Como está a ser a reacção, em Portugal, ao vosso regresso?

Os nossos filhos não podiam estar mais felizes. Desde que chegámos que pulam de alegria. Estão extasiados. Agora, temos de, calmamente retomar as nossas rotinas pessoais e familiares em que todos estamos a reaprender a viver, outra vez, juntos.

Quais as vossas expectativas para um futuro próximo?

O que mais queremos neste momento é limpar os nossos nomes e a nossa reputação. Mas, no que diz respeito ao processo legal, trata-se de uma situação que não depende de nós. Temos também, dentro da reorganização das nossas vidas, de encontrar emprego e começar a pagar as nossas dívidas.

Relativamente a um regresso a Macau, equaciona essa possibilidade?

Esse era o nosso grande desejo em 2014 e era o plano que tínhamos para a nossa família quando decidimos ir para Macau. Mas, infelizmente, já não o é agora. Os nossos filhos já se adaptaram a Portugal e seria muito injusto para eles voltar a tirar as crianças de um ambiente a que já se habituaram. Já têm aqui amigos e precisam, acima de tudo, de estabilidade. Nestes últimos anos também se afeiçoaram muito aos avós paternos e no que respeita à língua, já praticamente não falam cantonês. Seria muito cruel para eles. Agora a nossa vida é para ser recomeçada em Portugal.

Mas não sente a falta de Macau?

Sim, sinto muito a falta de Macau. Tenho muitas saudades dos meus pais e espero que os possa visitar o mais cedo possível.

Relativamente à empresa que tinham, pensam voltar a ela?

Quando criámos a empresa, a ideia era que fosse um projecto para nos acompanhar na mudança de vida que estávamos a efectuar com a ida para o território. Mas, com tudo o que se passou em Timor, todos os nossos planos foram mudados e foi tudo muito confuso. O que se passou afectou-nos muito enquanto família, e prejudicou a nossa vida toda, no geral. Tudo mudou. É uma pena, mas agora a empresa não é uma prioridade e não faço ideia do que vamos fazer relativamente a isso. É um assunto que para já está parado e que representa mais uma consequência muito negativa de toda a situação.

 

Saga internacional

Tiago e Fong Fong Guerra são o casal português que, desde 2014, está a braços com um processo judicial em Timor. Acusados de peculato, branqueamento de capitais e falsificação de documentos, o casal acabou por ser condenado pelo colectivo de juízes do Tribunal Distrital de Díli, a oito anos de prisão e ao pagamento de 859 mil dólares no passado mês de Agosto.

Foram acusados de “prejudicar as finanças e a economia do Estado” de Timor-Leste, por alegadamente se terem apropriado de fundos oriundos da indústria petrolífera, que pertencem ao país. A condenação foi apenas pelo crime de peculato, tendo sido absolvidos das restantes acusações.

Os portugueses recorreram da sentença. O argumento utilizado tinha que ver com lacunas no próprio processo. Na altura, Tiago Guerra defendia que o caso padecia “de nulidades insanáveis” comuns em “regimes não democráticos”. Para o português, as provas que sustinham as acusações eram mesmo manipuladas e até proibidas.

Apesar de em Díli terem os passaportes confiscados e estarem sujeitos ao termo de identidade e residência, na semana passada, recuperaram os documentos de viagem. De acordo com o ministro dos Negócios Estrangeiros português a embaixada em Díli respeitou a legislação portuguesa ao atribuir passaportes ao casal.

A caminho da Austrália

De passaportes na mão, Tiago e Fong Fong Guerra fugiram de barco para Darwin, na Austrália, onde foram novamente detidos por não terem autorização de entrada no país. De acordo com Fong Fong Guerra, a ideia era mesmo a de conseguir, a partir da Austrália, regressar a Portugal.

Na sequência da fuga para a Austrália, o chefe da diplomacia portuguesa, Augusto Santos Silva, ordenou a realização de um inquérito urgente à Inspeção Geral Diplomática e Consular, cuja conclusão foi entregue quinta-feira da semana passada.

Independentemente da situação jurídica, Tiago e Fong Fong Guerra, “enquanto cidadãos portugueses têm direito a documentos de identificação como cidadãos portugueses, desde que não violem certas disposições legais”, referiu Santos Silva relativamente ao facto de terem sido renovados também os respectivos cartões de cidadão do casal.

Entretanto, e durante a detenção na Austrália, foi enviado um “pedido internacional de extradição para Portugal com detenção provisória” à Procuradora-Geral da República portuguesa, Joana Marques Vidal, com conhecimento para a ministra da Justiça, Francisca Van Dunem, e para o ministro dos Negócios Estrangeiros, Augusto Santos Silva.

O casal chegou a Lisboa no passado dia 25 e, até agora, de acordo com a ministra da justiça portuguesa, não foi apresentado “qualquer pedido de intervenção”.

30 Nov 2017