Literatura | A escrita de José Saramago vista pelos tradutores orientais 

A 16 de Novembro deste ano celebram-se os 100 anos do nascimento de José Saramago, o único Prémio Nobel da Literatura português. A Universidade de Macau assinala hoje a data com um webinar que junta os testemunhos de Maho Kinoshita e Wang Yuan, tradutores das palavras de Saramago para japonês e mandarim. Ao HM, recordam o momento em que se cruzaram com a escrita de Saramago e os desafios de traduzir a sua obra

 

A primeira vez que Maho Kinoshita leu “Ensaio sobre a Cegueira”, livro de José Saramago publicado em 1996, ficou “impressionada e encantada”. Maho é a tradutora para japonês do único Prémio Nobel da Literatura português, nomeadamente do seu livro “A Viagem do Elefante”.

Quando os seus olhos se debruçaram sobre o livro “Ensaio sobre a Cegueira”, que já deu origem a um filme, Maho sentiu “uma forte vontade de o traduzir”, confessou ao HM. “Nessa altura nenhum livro dele tinha sido traduzido para japonês. Ainda era jovem, nunca tinha feito nenhuma tradução, não tinha essa capacidade. Mas fiquei feliz quando vi publicada a versão japonesa em 2001”, contou ao HM.

Maho Kinoshita é uma das oradoras do evento online que acontece hoje e que se intitula “Homenagem a José Saramago por ocasião do centenário do seu nascimento”. A palestra, que conta também com a participação de Wang Yuan, tradutor de Saramago para mandarim, é promovida pela Universidade de Macau, contando com os docentes Zhang Jianbo e Mário Pinharanda Nunes.

Com “A Viagem do Elefante”, livro escrito quando Saramago já estava com estado de saúde frágil, Maho diz ter sentido muitas dificuldades na pele. “Uma vez que a língua japonesa tem uma gramática totalmente diferente da portuguesa, tive de recompor praticamente todas as frases longas. Tive também muita dificuldade em traduzir as inúmeras insinuações sobre a Bíblia ou a história e cultura da Europa, às quais os leitores japoneses não são familiares. Fiz várias notas de tradução para dar uma melhor explicação”, apontou.

Além disso, obras como “O Evangelho segundo Jesus Cristo” e “Caim”, onde o cristianismo é peça central, são mais difíceis de compreender por parte dos japoneses, confessou a tradutora.

Obras “universais”

Maho Kinoshita garante que, até há dois anos, José Saramago não era verdadeiramente conhecido e amado no Japão. Mas o livro “Ensaio sobre a Cegueira”, esgotado durante anos, foi reeditado nesse ano, o que coincidiu com a pandemia, um período em que muitos ficaram em casa. E aí a versão japonesa tornou-se num best-seller.

“Finalmente os leitores japoneses descobriram Saramago. O facto de terem sido traduzidos dois livros dele para japonês em 2021, ‘As Intermitências da Morte’ e ‘A Viagem do Elefante’, mostra o crescente interesse dos japoneses.”

Para falar da obra do Prémio Nobel e do que ela significa para si, Maho vai buscar uma frase de Ursula Le Guin, uma escritora americana que um dia escreveu que Saramago estava “além de nós”, e que o seu trabalho “pertence ao futuro”. “Eu diria o mesmo. Os livros nunca vão estar fora do tempo, são muito universais”, frisou a tradutora.

Além de Saramago, Maho já traduziu outras obras de escritores portugueses e brasileiros, como é o caso de “A Espiã”, de Paulo Coelho, ou “Galveias”, de José Luís Peixoto. Sobre este último livro, foi a própria Maho que sugeriu a sua tradução à editora.

Esta foi uma obra “querida” para si, por ser a primeira sugestão sua aceite. “José Luís Peixoto usa expressões muito lindas, mas ao mesmo tempo muito peculiares. Tive muitas dificuldades na tradução. Fiquei muito feliz quando o livro recebeu o prémio de melhor tradução no Japão em 2019”, acrescentou.

A mestria e o fantástico

Wang Yuan também teve o primeiro contacto com José Saramago através do livro “Ensaio sobre a Cegueira” em 2007, quando ainda era aluno do primeiro ano na Universidade de Pequim. O ainda caloiro também leu “Memorial do Convento”.

“Não esperava encontrar o estilo de narrativa corrida de Saramago, mas o que mais me impressionou foi a mestria dele, de como entrelaça o real com o fantástico. Os elementos maravilhosos e sobrenaturais nos seus romances pareciam tão naturais que me davam reacções emotivas. É essa a sua capacidade mágica de captar os leitores que mais me faz falta”, adiantou ao HM.

Wang Yuan é o autor das traduções para chinês de “Todos os Nomes” e “A Viagem do Elefante”. “O tema da viagem é algo que me encanta sempre, e senti uma grande alegria por poder traduzir este livro”, apontou.

Como se traduz um autor cuja leitura é complexa em português para mandarim? “O maior desafio é manter o estilo singular da escrita de Saramago sem tornar a leitura intolerável para os leitores chineses, que não conhecem bem o seu estilo nem o pano de fundo histórico e social [da história].”

“Como os livros de Saramago se baseiam muitas vezes da situação histórica, geográfica e cultural de Portugal, é essencial fazer muitas notas de rodapé. Acredito que, quando se lê uma boa tradução, não se deve sentir como se fosse escrita na língua-mãe do leitor. Isto porque uma certa dose de estranheza com a língua e o imaginário é o que distingue uma tradução. No entanto, atingir esse efeito requer muito esforço”, frisou Wang Yuan.

O tradutor acredita que os leitores chineses “se identificam mais com as obras tardias do autor, que correspondem “à sua fase de [apresentar] preocupações mais universais”.

Numa altura em que se celebra o centenário sobre a morte de Saramago, Wang Yuan diz admirar o facto de o Prémio Nobel da Literatura português “nunca se ter deixado de preocupar com a humanidade”.

“Ele manteve-se fiel ao que acreditava, tanto na vida como na escrita. Numa entrevista dada à ‘The Paris Review’, Saramago disse que o mais precisávamos era de dizer ‘Não’. Esta atitude inconformista garante a actualidade das suas obras”, concluiu.

Teatro, imagens e letras

A fim de celebrar os 100 anos do nascimento de José Saramago, a fundação com o seu nome promove nos próximos meses um extenso programa que mistura letras, teatro e outros eventos culturais que acontecem em várias cidades de Portugal, mas não só. Destaque, por exemplo, para a exposição “Escritores da Jangada de Pedra”, que decorre em Lanzarote, Espanha, e que termina no próximo dia 11.

Esta é uma exposição de fotografia de Daniel Mordiznski, com imagens de José Saramago e outros autores e autoras ibéricos. Também no próximo dia 11 decorre o evento “Conferências do Nobel”, na Câmara Municipal de Lisboa, com a presença do escritor Alberto Manguel, também director do Centro de Estudos de História da Leitura.

Este será um ciclo de conferências que visam “debater temas de grande relevância sintonizados com a obra de Saramago”.  Nos palcos, destaque para a estreia, a 10 de Junho, da peça “Ensaio sobre a Cegueira”, com encenação de Nuno Cardoso, no Teatro Nacional de São João, no Porto.

A adaptação do romance com o mesmo nome de José Saramago é uma co-produção com a companhia Teatre Nacional de Catalunya, ficando em cartaz até ao dia 19 de Junho. As actividades de celebração do centenário do nascimento de Saramago decorrem até Novembro deste ano.

7 Abr 2022

Banda desenhada | Desenhos do II Raid Macau-Lisboa em versão bilingue 

A viagem feita de jipe entre Macau e Lisboa, atravessando toda a URSS, em 1990, vai ser contada em banda desenhada. Joaquim Correia, um dos participantes da viagem e promotor do projecto, revela que esta é a primeira vez que uma aventura deste género é contada em banda desenhada

 

A história louca história do II Raid Macau-Lisboa, feita em 1990, era para ser contada em livro, mas a pandemia fez atrasar o projecto. Desta forma, a aposta passa a ser feita na edição de uma banda desenhada, em português e chinês, que deverá ser lançada ainda este ano.

“No livro estaria incluída uma banda desenhada, algo simples, com três ou quatro páginas, a contar a história do Raid. Mas resolvemos avançar para a edição de um álbum para contar a história completa do Raid em banda desenhada, com textos introdutórios. Temos metade da BD já pronta, com cerca de 20 vinhetas, e vamos avançar com o resto. Temos alguns apoios já certos”, contou Joaquim Correia ao HM.

Com base na história contada por Joaquim Correia, Marco Fraga da Silva elaborou o guião da banda desenhada, sendo que as ilustrações são da autoria de Fil e Sofia Pereira. A BD é desenvolvida em parceria com a Associação Tentáculo.

“A primeira parte da BD foi feita por dois autores, e a continuação será feita por artistas diferentes para haver várias versões da viagem. Terá também a perspectiva de termos levado, na viagem, muitos materiais, como livros relativos a Macau, e que distribuímos em várias bibliotecas nos sítios por onde passámos. É apresentada esta ponte entre o Oriente e Ocidente.”

Além disso, as vinhetas farão também referência às filmagens realizadas durante a viagem, e transmitidas em canais de televisão portugueses, como a RTP2.

O livro, que não tem ainda um título definido, terá 72 páginas e deverá ser lançado em Portugal nos próximos meses, estando também previsto a sua apresentação em Macau. “Mais de metade do livro está feito. Não apostámos numa versão em inglês porque ficava confuso, com as legendas. E justificava-se mais uma publicação em português e chinês”, adiantou Joaquim Correia.

Nas palavras do promotor do projecto, “este álbum será um registo histórico pertinente que, através da banda desenhada, procurará aliciar miúdos e graúdos a conhecerem mais sobre um feito importante para o automobilismo português e mundial, uma aventura que ligou Macau a Lisboa em 50 dias”.

Foi “uma viagem épica que permitiu a ligação entre Macau e Portugal por terra, atravessando vários países como a China e a antiga URSS e diversos países da Europa, mostrando que a união entre os povos é possível e desejável”.

Projecto inédito

Esta obra deverá ter uma apresentação especial no Festival Internacional de Banda Desenhada, o Amadora BD, que acontece entre os meses de Outubro e Novembro deste ano. Joaquim Correia não tem dúvidas de que esta será a primeira BD que relata uma viagem deste género, apesar de existirem muitas obras relacionadas com o automobilismo, nomeadamente de Michel Vaillant, entre outras.

“Em Portugal foram editados dois volumes, ‘Os Portugas no Dakar’, por Luís Pinto Coelho e Elisabete Jacinto, mas são bandas desenhadas ligadas à condução. A nossa tem uma perspectiva histórica, da amizade entre os povos. Curiosamente passámos por sítios que agora estão em convulsão, nomeadamente a zona da Ucrânia. Por más razões, tornou-se um livro actual”, concluiu Joaquim Correia.

6 Abr 2022

Anabela Santiago, académica: “Vão aparecer alternativas à política zero casos”

Anabela Santiago, doutoranda pela Universidade de Aveiro e investigadora na área dos assuntos chineses, aponta que não é possível a China desconfinar da mesma forma que o Ocidente está a fazer, mas defende que poderão surgir “em breve” alternativas à política de zero casos covid-19. A académica aponta ainda que, com Xi Jinping, a propaganda chinesa passou a ter um maior foco na legitimidade do Partido

 

Como tem evoluído a propaganda na China nos últimos anos? Encontramos grandes diferenças entre líderes, sobretudo desde que Xi Jinping subiu ao poder?

A propaganda na China tem evoluído, tal como no resto do mundo, na forma como ela é veiculada e nos seus meios de suporte essencialmente. Refiro-me em concreto às plataformas digitais, às redes sociais mais populares da China como o Weibo ou o WeChat, por exemplo. Os meios de suporte dos mass media é que sofreram uma alteração devido à entrada na chamada era digital e aos milhões de utilizadores da Internet na RPC. A essência da propaganda, essa, também se foi moldando (embora mais lentamente) às mudanças ocorridas na sociedade chinesa, nomeadamente à melhoria da qualidade de vida da população em geral, o que acarretou um aumento exponencial da classe média chinesa e uma maior procura por fontes de informação. No que diz respeito aos sucessivos líderes e ao actual – Xi Jinping – a propaganda sempre serviu como um modo de difusão dos vários “motes” políticos adoptados ao longo das lideranças: o desenvolvimento com base na inovação científica, a criação de uma sociedade harmoniosa e mais recentemente o “sonho chinês”. Com Xi Jinping uma das principais diferenças é o retorno a um maior enfoque na legitimidade do PCC como via única para o progresso com um forte apelo ao nacionalismo e aos valores confuccionistas mais tradicionais.

Até que ponto tem sido feita uma adaptação às redes sociais e à comunicação social por parte do aparelho de propaganda? Há uma maior capacidade de atracção das gerações mais jovens ao Partido?

Tem havido uma adaptação à era digital no sentido de atrair mais população jovem. O Partido está consciente das mudanças ocorridas na sociedade e o facto de a população estar mais instruída e pedir mais informação levou a essa preocupação nos meios de comunicação social.  Também a preocupação com a imagem internacional levou a propaganda a assumir um papel cada vez mais de instrumento de “nation branding”, quer a nível interno, com um forte apelo ao nacionalismo e ao “grande rejuvenescimento da nação chinesa”; quer a nível externo, com um esforço nítido de se afirmar como actor relevante e responsável na nova ordem internacional.

Afirmou que a propaganda é uma ferramenta de soft power, sobretudo aplicada ao projecto da Rota da Seda da Saúde. Com o conflito na Ucrânia, acredita que a China terá de redefinir a sua estratégia de propaganda no que diz respeito à diplomacia, fomentando ainda mais a imagem de um actor mundial que não procura conflitos bélicos?

Creio que a China irá manter esta ambiguidade de posicionamento em que tem estado até agora desde o início da invasão russa à Ucrânia. Isto porque apesar das diversas transformações geopolíticas ocorridas no mundo globalizado nas últimas décadas, a China mantém-se fiel em termos de política internacional aos princípios que resultaram da Conferência de Bandung, em particular, os da não-ingerência nos assuntos internos de outros Estados-nação, o respeito pelas soberanias nacionais e integridade territorial. Portanto, apesar da “amizade” que tem com a Rússia e da rejeição no que diz respeito à acção da NATO, a RPC não apoia a invasão da Ucrânia. Pode até perceber os motivos, mas não aprova os meios bélicos para atingir os objectivos que a Rússia pretende atingir. Julgo que a China, nesta matéria, não irá mudar a sua posição nem a mensagem que tem vindo a passar nos meios de comunicação relativamente a este assunto.

A manutenção da política de casos zero de covid-19 no país e os impactos que esta está a ter na economia vai obrigar a um redesenhar da estratégia de propaganda a nível interno?

Dada a dimensão da população chinesa e a densidade populacional, sobretudo nas cidades, não é possível aliviar as medidas na China do mesmo modo que tem sido feito no Ocidente. Os confinamentos em massa continuam a ser a solução a mais curto prazo para conter surtos. No entanto, e muito devido aos impactos económicos e sociais causados por estes confinamentos e quarentenas prolongadas, o Governo chinês já manifestou a sua preocupação na busca por um modelo de combate que seja mais “científico e específico”. A retórica da “saúde das pessoas em primeiro lugar” vai ser mantida nos próximos tempos, mas a divulgação de novas alternativas à política de zero casos covid-19 irá começar a aparecer em breve com base em evidência científica, dando, quiçá, origem a uma “política anti-covid com características chinesas”.

Em relação ao conceito de Nation Branding, a China fá-lo de forma diferente face a outros países?

A China tem sentido uma necessidade acrescida de desenvolver campanhas no sentido de promover a sua imagem externa, visto que a sua rápida ascensão económica e o seu peso crescente na esfera política internacional a colocam no centro de muitos debates, ora numa posição de poder em ascensão pacífico, ora como uma ameaça ao status quo e ao equilíbrio mundial. Em 2003, encetou uma grande campanha de marketing externo se assim se pode chamar com o mote da ascensão pacífica (“PRC’s peaceful rise”). Outra grande manifestação de ‘Nation Branding’ ocorreu em 2008, com a realização dos Jogos Olímpicos em Pequim, que amplamente contribuiu para difundir a imagem de uma nação próspera, mas também coordenada, harmoniosa, integradora e acolhedora. As estratégias de ‘Nation Branding’ são amplamente estudadas ao pormenor, mas não diferem assim tanto das estratégias usadas noutros países.

O esforço de legitimação do Partido Comunista Chinês (PCC) poderá ser feito de outras formas, além da propaganda?

O esforço de legitimação do PCC é um trabalho implícito em toda a acção económica, política e social do Partido. Os resultados falam por si, mas começam a haver cada vez mais gerações na China que não conheceram outra realidade a não ser esta da China moderna e próspera. Portanto, a necessidade de lhes transmitir que isso só foi possível graças a uma economia de mercado socialista com características chinesas em que o PCC foi sempre o eixo central das políticas levadas a cabo é essencial do ponto de vista dos altos dirigentes do PCC e, acima de tudo, do actual líder Xi Jinping. A propaganda estatal nisso tem um papel fundamental e continuará a tê-lo.

 

Propaganda no CCCM

Anabela Santiago foi uma das oradoras do ciclo de conferências de Primavera promovido pelo Centro Científico e Cultural de Macau (CCCM). No passado dia 31 a doutoranda da Universidade de Aveiro deu a palestra intitulada “A dimensão externa das políticas públicas da China contemporânea: O papel da propaganda”, que deu origem a esta entrevista. O ciclo de conferências no CCCM acontece novamente entre os dias 18 e 23 deste mês, com um painel de conversas sobre a Ásia.

6 Abr 2022

Cinemateca | Cartaz com películas internacionais e uma grande estreia da China

A par com o festival de curtas-metragens europeias, a Cinemateca Paixão apresenta já em Abril uma panóplia de filmes internacionais e chineses para todos os gostos. O público poderá ver títulos como “Whether the Wheather is Fine” ou “Magnetic Beats”, sem esquecer uma das grandes estreias do cinema chinês dos últimos tempos, “Are You Lonesome Tonight?”, o primeiro filme de Ship Wen

 

A selecção da direcção da Cinemateca Paixão para o mês de Abril revela uma mescla de produções asiáticas e internacionais que promete dar resposta ao gosto de diferentes públicos. A par com o festival de curtas-metragens europeias, que decorre até 9 de Abril, os amantes do cinema poderão assistir a diferentes histórias na Travessa da Paixão.

O primeiro filme desta selecção é exibido já este sábado e intitula-se “Whether the Weather is Fine”, de Carlo Francisco Manatad, uma co-produção entre Filipinas, França, Singapura, Indonésia, Alemanha e Qatar.

O filme, realizado no ano passado, será exibido até ao dia 17 de Abril e conta uma história em torno do impacto da passagem do tufão Haiyan pelas Filipinas e a quase destruição da cidade costeira de Tacloban. No meio do caos e da destruição, Miguel, a sua mãe e a sua amiga Andrea tentam sair de barco em direcção a Manila, a capital do país, em busca de um futuro melhor. Os três estabelecem as suas prioridades de vida, mas os desafios que enfrentam vão levá-los em direcções diferentes.

Este filme obteve, no ano passado, uma nomeação e um prémio no Festival de Cinema de Locarno, tendo ganho ainda o prémio de melhor filme asiático nos prémios Golden Horse.  “Whether the Weather is Fine” foi também escolhido pelo público do Festival Internacional de Cinema de Pingyao como melhor filme.

Da China chega-nos “Are You Lonesome Tonight?”, de Ship Wen, que tem a sua primeira exibição este domingo e depois nos dias 24 e 29 de Abril. Nomeado para um prémio na edição do ano passado do festival de Cannes, este é o primeiro filme de Ship Wen, um jovem realizador, e tido como uma das estreias mais fortes dos últimos tempos no panorama do cinema chinês.

Entre os dias 13 e 26 de Abril será exibido “Magnetic Beats”, de Vincent Maël Cardona, uma co-produção francesa e alemã, também do ano passado. A história passa-se nos anos 80, numa Alemanha ainda dividida, onde um grupo de amigos opera uma estação de rádio pirata a partir da sua cidade natal, no campo. Philippe é o técnico de som e vive na sombra do seu irmão Jerome, que apresenta todo o carisma ao microfone, na colocação de músicas e apresentação de programas radiofónicos. As coisas mudam quando Philippe é chamado a cumprir o serviço militar, sendo obrigado a deixar a cidade de Berlim Ocidental.

“Clara Sola” é o título do filme de Nathalie Álvarez Mesén que será exibido entre os dias 10 e 20 de Abril. Esta película conta a história de Clara, uma mulher de 40 anos que sente uma ligação especial com Deus. Ela ganha a vida como curandeira, sustentando a sua família e vivendo uma relação abusiva com a mãe. Até que, um dia, Clara se sente atraída pelo novo namorado da sua sobrinha, uma paixão que a leva a descobrir novos territórios um pouco fora da espiritualidade.

“Un Monde”, de Laura Wandel, está agendado para os dias 12 a 22 de Abril, sendo esta uma produção belga. O filme conta a história de Nora, uma menina de sete anos, e do seu irmão Abel, que regressam à escola. Nora tenta proteger o seu irmão, que é vítima de bullying, mas este pede-lhe que fique em silêncio. É então que Nora tenta buscar o seu lugar entre o mundo das crianças e dos adultos.

O filme “The Souvenir: Part II” será exibido já a partir de domingo, até ao dia 15 de Abril, uma película com a assinatura de Joanna Hogg. Este filme conta a história de Julie, que se vê livre de um amor que vivia com um homem manipulador e se foca na sua licenciatura em cinema. Esta não é mais do que um retrato de uma artista que mistura memória e fantasia. O filme ganhou três prémios na edição de 2021 do Festival de Cinema Independente do Reino Unido, tendo obtido também seis nomeações em várias categorias.

“France”, de Bruno Dumont, é uma co-produção de França, Itália e Alemanha, e será exibida na Cinemateca Paixão entre os dias 14 e 28 de Abril. “France” conta a história de France de Meurs, uma jornalista de televisão que se confronta diariamente com a sua vida profissional frenética e a sua vida familiar. Tudo muda quando protagoniza um acidente de carro que deixa uma pessoa ferida.

Arquitectura e companhia

Ainda no conjunto das produções internacionais, destaque para “Aalto”, de Virpi Suutari, um filme da Finlândia que volta a ser exibido hoje, depois de uma primeira exibição no passado dia 27, e que pode ser visto até ao dia 6.

Esta é uma película que conta a história da vida e trabalho de Alvar Aalto, uma figura carismática da arquitectura do século XX, nascido em Helsínquia. Mais do que mostrar o seu lado profissional, “Aalto” explora também a sua paixão pela mulher, Ano.

“The Restless”, de Joachim Lafosse, conta uma história de amor entre Leila e Damien, que é bipolar e sente que, apesar de tudo, nunca vai conseguir oferecer a Leila o que ela deseja. O cartaz dos filmes em exibição na Cinemateca completa-se com “The Lost Prince”, de Michel Hazanavicius.

1 Abr 2022

Estudo | Salário e satisfação laboral determinantes na vontade de ficar ou mudar de emprego 

O nível salarial e a satisfação em relação ao emprego são os factores mais importantes na vontade de sair ou permanecer numa empresa, enquanto que a relação entre colegas não tem qualquer impacto. Um estudo desenvolvido por três académicos da Universidade de Macau, feito a partir de inquéritos a trabalhadores dos sectores do retalho e hotelaria no Cotai em pleno ano pandémico, conclui ser necessária uma estratégia para a retenção de trabalhadores qualificados

 

Quais os factores que mais contribuíram para a vontade de mudar de emprego em pleno ano da pandemia por parte dos funcionários dos sectores do retalho e hotelaria em Macau? Esta foi a pergunta de partida para o estudo “O impacto da covid-19 nas intenções de rotatividade dos trabalhadores dos sectores do retalho e hotelaria”, da autoria dos académicos Glenn McCartney, Charlene Lai Chi In e José Soares de Albergaria Ferreira Pinto, da Universidade de Macau (UM).

Com base em inquéritos online feitos a 301 trabalhadores dos resorts do Cotai conclui-se que “a carga de trabalho e o salário tiveram a maior influência na decisão de deixar ou ficar no sector”. Existe, por isso, “uma relação significativa entre a satisfação no trabalho e as variáveis carga de trabalho e salário, bem como o apoio por parte da empresa”.

Já a relação entre colegas de trabalho, é um factor “que não tem influência” para a mudança ou permanência no trabalho. “É claro no nosso estudo de que a relação entre colegas não tem influência na satisfação laboral, [algo] revelado pela longa ausência do local de trabalho” em plena covid-19, é apontado.

“Os inquiridos passaram um período prolongado de confinamento, tendo regressado recentemente ao trabalho dentro de um conjunto de regras de prevenção pandémica como o uso de máscara, a testagem à covid-19 e a apresentação do código de saúde”, aponta o estudo.

Aquele que é, segundo os autores, um dos primeiros trabalhos académicos sobre a rotatividade dos trabalhadores nas áreas do retalho e hotelaria no período da pandemia foi feito entre os meses de Novembro e Dezembro de 2020, numa altura em que o sector do turismo se abria gradualmente aos turistas da China após longos meses de confinamento e de um período de encerramento dos casinos.

Em relação ao perfil dos participantes, cerca de 80 por cento trabalha na indústria do retalho há, pelo menos, três anos, sendo que “a maior parte” está nesta área “há sete anos ou mais”. Cerca de metade, mantém o mesmo emprego há quatro anos ou mais. De entre 301 inquiridos, 60 por cento é do sexo feminino. A maior parte dos participantes, 73 por cento, tem entre 26 e 35 anos de idade. Em relação às habilitações académicas, 58 por cento possui apenas o ensino secundário. Os salários variam, apesar de a maioria ganhar menos de, aproximadamente, 30 mil patacas mensais.

Este trabalho partiu da premissa de que, “durante o período massivo de licenças sem vencimento e desemprego, e a recente necessidade de novas contratações” era fundamental estudar a vontade dos trabalhadores em mudar de emprego ou de área. Desta forma, os investigadores formularam três hipóteses que sugeriam “o apoio da empresa, a carga de trabalho e salário e a relação entre colegas como tendo uma relação positiva com a satisfação em relação ao trabalho”.

A importância de reter

Mais do que compreender as intenções e percepções de uma amostra dos trabalhadores do Cotai em plena pandemia, este trabalho apresenta estratégias para que os sectores do retalho e hotelaria consigam reter os quadros qualificados e gerir melhor os recursos humanos num contexto de crise.

“Com muitos dos empregados do sector do retalho em Macau a regressarem ao trabalho, este é um tempo oportuno para as chefias considerarem os fortes indicadores de que uma estratégia de recursos humanos se deve desenhar tendo em conta a satisfação laboral e as intenções de rotatividade.”

Além disso, “os funcionários das lojas de retalho na strip do COTAI representam muitas marcas de luxo, sendo vital que estes profissionais talentosos e qualificados possam ficar retidos”.

De entre as recomendações, é defendida a “importância da comunicação estratégica para as políticas de retenção de trabalhadores”, bem como a adopção de “acções de longo prazo em matéria de relação entre colegas, apoio da empresa e carga de trabalho e salário, a fim de construir uma maior resiliência da força laboral caso ocorra outra crise”.

“Uma vez que, no nosso estudo, a satisfação laboral tem um impacto negativo nas intenções de rotatividade, deveria ser realizado um estudo abrangente em matéria de recursos humanos na área do retalho, na fase de recuperação do sector, face a questões não analisadas que podem providenciar uma grande satisfação laboral.

Estas influências podem ser factores externos como um equilíbrio entre a vida pessoal e o trabalho, uma relação afectada pela relação entre colegas, carga de trabalho e salário e apoio da empresa”, é referido.

Os autores falam também na importância de uma “estratégia de recursos humanos na área do retalho em termos de remuneração e carga de trabalho, tendo em conta factores como a organização dos turnos e as horas de trabalho, bem como os benefícios pagos aos trabalhadores e os incentivos aquando da recuperação da indústria”.

Uma vez que a relação entre colegas de trabalho não é um factor determinante na busca de um novo emprego, aconselha-se o sector a “dar prioridade a programas de re-engajamento das interacções entre colegas de trabalho, a fim de implementar confiança e respeito”.

Os desafios

Apesar das sugestões, os autores reconhecem que “o aumento dos salários será algo desafiante tendo em conta o panorama económico e a quebra registada com a pandemia”.

No período em que foram realizados os inquéritos, muitos trabalhadores ter-se-ão deparado com uma situação de desemprego, lay-off ou licença sem vencimento, além de ter sido anulada a possibilidade de serem pagos os habituais bónus salariais. Meses depois, “é plausível que, nesta fase da pandemia, muitos trabalhadores estejam a enfrentar dificuldades em pagar as despesas do dia-a-dia devido à redução dos salários”, refere o artigo.

O desafio actual passa por “reter e aumentar o número de funcionários numa situação de contínua incerteza”, tendo em conta o panorama de crise económica. Os autores do estudo não deixam de fazer referência à saúde mental.

“Muitos dos trabalhadores do sector do retalho passaram longos períodos de tempo isolados durante o período da pandemia. Apesar de não ser um factor investigado neste estudo, o bem-estar psicológico dos trabalhadores deveria ser considerado, mesmo que alguns estudos mostrem que este não constitui um antecedente para as intenções de rotatividade [no emprego].”

Em termos gerais, “mantém-se o risco e a incerteza da covid-19, e existe a necessidade de análise de mais necessidades dos trabalhadores do sector da hotelaria e das suas intenções de deixar ou permanecer na empresa”.

O documento esclarece ainda a necessidade de apostar na resposta dos empregados perante um maior número de incentivos atribuídos. “Os salários e incentivos, um facto importante na satisfação laboral, deveriam estar associados com uma resposta dos empregados, tal como o nível de vendas [por si realizadas]. A procura pelo trabalho ideal, a formação de trabalhadores, a promoção e perspectivas de carreira deveriam constituir a estratégia para a retenção de recursos humanos.”

Apesar de este ser o primeiro estudo sobre as intenções de rotatividade dos trabalhadores em plena pandemia, a verdade é que esta matéria já tinha sido abordada. Os autores descrevem um estudo “feito nos casinos que conclui que a carga de trabalho é um factor para o burnout dos croupiers e, consequentemente, uma mudança de emprego”, tendo sido recomendada “uma alteração do horário de trabalho e uma clara comunicação por parte das chefias”.

Relativamente a Hong Kong, outro estudo, realizado junto de empregados de hotel, conclui “que o pagamento foi o factor que mais contribuiu para a satisfação no trabalho”. “O estudo aponta que esta questão foi difícil de resolver tendo em conta o panorama económico, o congelamento de salários e os cortes salariais na indústria”, conclui-se.

1 Abr 2022

Filosofia | Grupo de estudantes da USJ cria associação para debater pensamento 

Um grupo de estudantes de filosofia da Universidade de São José criou a Associação da Filosofia Chinesa e Ocidental com o objectivo de promover o debate sobre o pensamento e uma reflexão colectiva sobre matérias relacionadas com a existência. Hoje acontece o segundo evento, focado na obra do filósofo alemão Friedrich Nietzsche

 

Aproximar a filosofia às pessoas comuns que não são dessa área é o objectivo da recém-criada Associação da Filosofia Chinesa e Oriental, fundada por um grupo de alunos do curso de filosofia da Universidade de São José (USJ). Hoje, vai ter lugar o segundo evento promovido pela associação, focado no pensamento do filósofo alemão Friedrich Nietzsche sobre a estética, espelhado na obra “A Origem da Tragédia”, lançada em 1872.

O evento, intitulado “Nietzsche – Aesthetics” acontece entre as 18h30 e as 21h na avenida de Venceslau de Morais, 218A, e tem entrada livre.

“No primeiro evento que realizámos focámo-nos no existencialismo, mas desta vez decidimos falar sobre Nietzsche, porque muitos dos seus pensamentos, sobretudo sobre a estética, têm influência nas pessoas no que diz respeito à criatividade”, disse Maggie Chiang, uma das promotoras do evento ao HM.

Sobre “A Origem da Tragédia”, a responsável adiantou que o aparecimento deste livro “culminou no nascimento da estética moderna”, tendo tido “um profundo impacto na arte moderna, sobretudo no seu pensamento em relação ao conflito e à harmonia”.

A associação, composta por alunos de licenciatura, mestrado e doutoramento, visa “reunir a essência do pensamento chinês e ocidental e também promover a existência de uma diversidade de culturas, bem como a aplicação prática do pensamento filosófico”.

Maggie Chiang defende que a filosofia não é uma área assim tão estranha às pessoas de Macau. “Acredito que a maior parte das pessoas tem interesse na filosofia, mas é-lhes difícil falar disso, ou expressar, se não pertencerem a um ambiente académico e profissional”.

Para aproximar esta área às pessoas estão na calha eventos como sessões de cinema, a criação de um clube de leitura ou a realização de palestras de filosofia com professores.

Época de reflexão

Maggie Chiang não tem dúvidas de que esta é a altura ideal para o nascimento desta associação, uma vez que a sociedade enfrenta questões de saúde mental devido à pandemia.

“Neste período de caos, muitas pessoas começaram a pensar sobre a vida e tentam reflectir sobre coisas em que acreditavam antes, sobre a sua veracidade. Em filosofia, uma das coisas mais importantes é olhar para a verdade. Penso que esta é a altura em que as pessoas começam a repensar nas suas vidas, é um bom período para termos esta associação.”

Maggie Chiang tem outro emprego, encontrando-se neste momento a finalizar a sua tese. Assegura que nem sempre é fácil para quem procura a filosofia como uma hipótese de carreira.

“Quem tem interesse em filosofia não pensa desta forma, se é uma área que nos pode proporcionar uma carreira ou dinheiro. Na maior parte das vezes o nosso interesse tem a ver com o conhecimento ou a verdade, e temos sempre muitas questões em mente. Pensamos em teorias, na existência humana, na felicidade, por exemplo. Mas quem vai para filosofia no sentido de ter uma carreira, não é o caminho mais certo. No entanto, penso que estudar filosofia pode ser uma vantagem para aplicar em qualquer emprego”, concluiu.

31 Mar 2022

Caminho das hortas | Defendida preservação de árvores centenárias

A associação Greenfriends Macau lançou uma petição em prol da preservação de dez árvores centenárias situadas na vila de Cheok Ka, na povoação de Caminho das Hortas, na Taipa. Instituto Cultural aguarda notificação dos serviços de obras públicas sobre o arranque das árvores e promete avaliar o caso

 

Têm entre 120 e 150 anos de existência e estão situadas na vila de Cheok Ka, na povoação de Caminho das Hortas, na Taipa. O conjunto de dez árvores Mock Bodh é raro no mundo e a Direcção dos Serviços de Obras Públicas pretende removê-las para a realização de obras viárias. A associação Greenfriends Macau lançou há dias uma petição, que conta já com mais de duas mil assinaturas, em defesa da protecção das árvores, sugerindo que as obras se realizem em outras zonas da avenida de Guimarães.

A petição adianta ainda que há muitos animais cuja sobrevivência depende destas árvores, como pássaros, insectos ou borboletas, além de que as suas raízes “estão integradas numa só, o que forma uma rede simbiótica que por si só forma um ecossistema”.

Ao HM, Ling Tong, uma das responsáveis pela associação, adiantou que é importante preservar as memórias que este lugar acarreta. “São árvores antigas e vitais para o ecossistema do local. Não só dão sombra, mas também são importantes para várias espécies de animais. Além disso, é também importante a preservação destas árvores da perspectiva da história da comunidade. Trata-se de património, porque muitos moradores cresceram com estas árvores”.

Até ao momento, “a maior parte dos signatários deixou algumas palavras que me deixaram comovida”. “Muitos moradores guardam memórias de infância daquelas árvores, outros culpam as autoridades e dizem que o Governo deveria ter outro plano ao invés de cortá-las. Defendem que deve haver um equilíbrio entre o desenvolvimento da zona e a preservação do ecossistema. Muita gente chegou mesmo a escrever poemas sobre as árvores.” A ideia é, após a recolha das assinaturas, entregá-las ao Chefe do Executivo, Ho Iat Seng, adiantou Ling Tong.

IC à espera

À margem da apresentação do programa da edição deste ano do Festival de Artes de Macau, a presidente do Instituto Cultural (IC), Leong Wai Man, disse que ainda não receberam uma notificação oficial para a retirada das árvores.

“Em colaboração com os proprietários e serviços das obras públicas vamos avaliar em conjunto a situação. Também precisamos de ouvir a posição do Instituto para os Assuntos Municipais. Em relação às árvores antigas temos uma lista de avaliação e classificação, e o nosso trabalho inclui a sua preservação. Outros serviços vão fazer uma avaliação também e podem solicitar a nossa opinião.”

Questionada sobre o interesse público que está em causa para a retirada das árvores, a dirigente disse que tal “é objecto de avaliação dos serviços que propuseram” esta acção.

“Precisamos ainda de esperar pela resposta dos outros serviços. Não há um procedimento fixo [para esta situação]”, frisou Leong Wai Man.

A petição está disponível aqui: https://docs.google.com/forms/d/e/1FAIpQLSe0SM_-Dr4tNxbLPFfXSFWRtjTFapg77dRfFsIyrL_W6_cChQ/viewform

30 Mar 2022

António Caeiro, autor de “Os retornados de Xangai”: “Este livro é uma saga humana”

A comunidade portuguesa em Xangai começou a formar-se em meados do século XIX e chegou a ser a segunda mais importante na cidade. Com o estalar do conflito entre comunistas e nacionalistas, muitas famílias foram para Macau, dando depois origem à diáspora macaense espalhada pelo mundo. O livro “Os retornados de Xangai – Histórias de portugueses do Oriente”, do jornalista e autor António Caeiro, conta as suas vidas

 

Como chegou a este projecto de reunir os testemunhos daquele que é considerado o primeiro grupo de retornados para Portugal?

Desde muito cedo, quando fui para a China, ouvi falar da existência de uma comunidade portuguesa em Xangai numerosa e completamente desconhecida do grande público. Além disso, havia a particularidade de se saber quando tinha começado e acabado, entre meados do século XIX até meados do século XX. Existiu num determinado local, à margem de diversos impérios, como o português, britânico ou chinês (Império do Meio), e que não só se estabeleceu durante várias gerações como foi durante muito tempo uma das principais comunidades estrangeiras de Xangai. Sabia-se muito pouco sobre isso e à medida que fui investigando, em arquivos e ouvindo pessoas…

Falou com descendentes dessa comunidade também.

Sim. Essa comunidade, maioritariamente de Macau, acabou por se dispersar pelo resto do mundo. Só uma pequena parte é que foi para Portugal, pois a maioria foi para o Brasil, Austrália, Canadá, EUA… achei que valia a pena conhecer mais figuras e histórias, e à medida que fui fazendo este trabalho mais surpreendente se revelou a história desta comunidade.

Uma das histórias que o livro conta é a de Art Carneiro, músico e antepassado de Roberto Carneiro, presidente do conselho de administração da Escola Portuguesa de Macau.

Há várias personagens absolutamente surpreendentes e deslumbrantes. O pai de Roberto Carneiro, com o nome artístico de Art Carneiro, é sem dúvida uma figura que atravessa todo o livro. Ele nasceu em 1904 e iniciou a carreira musical em Xangai. Mais tarde veio a ser um dos pioneiros do jazz em Portugal, participou na primeira jam session organizada em Lisboa, em 1948, cerca de um ano depois de ter regressado a Portugal. Art Carneiro tocou com uma das melhores orquestras dos anos 20 e 30 em Xangai, que tinha na altura centenas de salões de baile e cabarés. Tinha a vida nocturna mais animada de toda a Ásia, era também a capital do jazz. Era uma das cidades mais cosmopolitas do mundo. Mas desde que o livro foi impresso que me cruzei com outras histórias e pormenores que, se soubesse, tinha incluído no livro, pois cada pessoa tem a sua história.

Macau surge aqui como um território fundamental neste elo de ligação entre Portugal e a China.

Sim, porque os portugueses estabeleceram-se em Macau no século XVI e quando se dá a Guerra do Ópio, em meados do século XIX, os ingleses vencem o conflito e uma das consequências foi a anexação de Hong Kong e a obrigatoriedade, exigida aos chineses, de abrir cinco portos ao comércio internacional. Um deles era Xangai. Quando os ingleses se estabeleceram aí, os primeiros estrangeiros a estabelecerem-se na cidade foram os portugueses de Macau que já lá estavam há várias gerações e conheciam bem a cultura local. Estavam ambientados, misturados e com um nível de instrução capazes de serem quadros das empresas que os ingleses e americanos estavam a fundar em Xangai. Macau era um território pequeno e com poucas oportunidades de trabalho, mas Xangai era uma economia em expansão. Praticamente não havia nenhuma família de Macau que não tivesse alguém em Xangai.

Era uma comunidade importante…

Chegaram a ser três mil portugueses. Nos anos 30, registados no Consulado [português em Xangai] estavam dois mil portugueses. A Guerra do Ópio é um episódio traumático na história da China, pois os chineses dizem que foi promovida pela Grã-Bretanha para desenvolver o seu comércio do ópio, que era proibido na China. A seguir, deu-se a tal abertura forçada dos portos chineses e a entrada em força dos estrangeiros e do capitalismo, do comércio internacional. Isso mudou muito a China e Xangai foi, de certa forma, o berço da modernização da China, e foi aí que apareceu o próprio Partido Comunista. Em todos esses portos havia portugueses. É curioso que as tipografias eram, em grande parte, dominadas por tipógrafos portugueses formados em Macau. Estes iam trabalhar para Hong Kong e depois iam para vários portos. Imprimiam jornais e toda a informação que era difundida nesse novo mundo marcado pelo comércio internacional.

Esta comunidade passou por várias fases da história da China. Mas o grande motivo para o seu regresso foi o conflito entre nacionalistas e comunistas?

Houve uma altura em que era a segunda comunidade de estrangeiros mais importante, a seguir aos ingleses, e que depois foram ultrapassados pelos japoneses. Depois houve uma grande vaga de emigração russa a seguir à revolução comunista na Rússia, em 1917, que passou a ser a segunda comunidade. O primeiro êxodo dá-se com a invasão japonesa, em 1937. Muitas famílias estrangeiras deixam Xangai, uma grande parte vai para Hong Kong onde tinha familiares e outra vai para Macau. Depois acabaram por regressar a Xangai. Finalizada a II Guerra, começa a guerra civil na China, e com a aproximação do exército comunista e tomada do poder pelo Partido Comunista, muitas empresas estrangeiras começaram a sair. Com isso desapareceram muitos dos postos de trabalho ocupados pelos portugueses. Graças ao trabalho de um grande investigador, Jorge Forjaz, consegue-se saber quem foi o último português a sair, já nos anos 60.

Mas o livro refere que em 1953 terá saído a última família portuguesa de Xangai.

Era uma família de apelido Collaço. Já havia muito poucas, a maioria foi para Macau, que se tornou num centro de refugiados, mas a maioria não ficou no território, tendo partido para outros sítios. Foi o início de uma nova diáspora. Para Portugal foram muito poucos porque não tinham muitas raízes. Veio a família de Roberto Carneiro, por exemplo. As casas de Macau espalhadas por esse mundo fora foram criadas por estas pessoas.

Uma das características desta comunidade é que o regresso a Portugal não foi fácil, pois não havia essa ligação forte ao país e à língua.

Todos contam que falavam inglês entre eles, e só os mais velhos é que falavam algum português. Havia uma ligação mítica a Portugal, muitos nunca tinham visitado o país, tinham apenas alguns familiares. Muitos falavam francês e algum chinês. Depois Xangai era muito cosmopolita e Portugal nos anos 40 era um país pobre e cinzento. Acima de tudo encaro este livro como uma saga humana, que envolveu portugueses, e isso toca-nos muito. Temos uma ideia de que existiu esta comunidade, mas quase todas as pessoas com quem falei me disseram que não faziam ideia da sua dimensão.

30 Mar 2022

Estudo | Confucionismo não influencia docentes de português

Professores de português como língua estrangeira não são influenciados no seu trabalho pelas ideias vindas do Confucionismo, além de que o próprio perfil do aluno chinês está a mudar, optando este por métodos de ensino mais virados para a comunicação. Estas são as conclusões de um estudo feito por João Paulo Pereira, da Universidade de São José

 

As ideias oriundas de Confúcio, relativas ao respeito por uma figura de autoridade, não influenciaram os professores de português como língua estrangeira em Macau. Esta é uma das conclusões do estudo “Visões de Confúcio na aula de Português Língua Estrangeira em Macau: entre tradição e modernidade”, apresentado hoje por João Paulo Pereira, docente da Universidade de São José (USJ).

“Os professores não são condicionados por estas representações, o que mostra que têm formação específica no ensino do português e seguem os métodos e abordagens mais actuais”, contou ao HM. As ideias pré-concebidas de que o aluno chinês é trabalhador, educado e obediente perante a figura de autoridade representada pelo docente “existem na mente de um ou outro professor”, mas não “ao ponto de influenciar as práticas pedagógicas”.

João Paulo Pereira adianta ainda que, na cabeça da maioria dos professores entrevistados para este trabalho, existe a ideia de que os alunos preferem memorizar a matéria dada, mas nem sempre essa é a realidade.

“Há uma adaptação do aluno chinês aos novos métodos e abordagens do ensino de língua estrangeira. Foi interessante verificar que os alunos não preferem actividades mecânicas ou controladas, mas sim as que favorecem o exercício da comunicação. Isto vai ao arrepio da ideia de que o aluno chinês não tem qualquer predisposição para intervir ou para se expor.”

Gramática é importante

O estudo foi feito com apenas 40 alunos e três professores da Escola Portuguesa de Macau, Instituto Português do Oriente e departamento de português da Universidade de Macau, tendo sido publicado em Dezembro do ano passado.

Outra das conclusões apontadas por João Paulo Pereira, é que os alunos chineses que aprendem português “consideram importante estudar explicitamente a gramática, quando hoje em dia as abordagens comunicativas dizem que se deve estudar a gramática em contexto e não de forma explícita”. Desta forma, “este elemento deve ser tido em conta pelo professor de língua estrangeira”, apontou.

O também investigador do Centro de Humanidades da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa quis perceber a intrusão das ideias confucianas no ensino da língua em Macau após algumas leituras.

“Segundo alguns autores, muitas destas representações que temos do aluno chinês têm a ver com o pensamento confuciano, em que está muito presente a figura da autoridade, que deve ser um modelo de virtude, íntegro, acima de qualquer suspeita. Isso é fundamental para que os súbditos o sigam naturalmente e daí a importância que o professor foi adquirindo na cultura chinesa. É alguém muito respeitado e visto como um modelo.”

Em relação ao estudante chinês, “formou-se a ideia de que é alguém que segue cegamente o professor, não questionando e não criticando”.

“Isto radica também num modelo tradicional de ensino, onde a memorização tem muita importância, com alguma rigidez, em que o professor é o centro e o aluno é alguém passivo que está a receber os ensinamentos”, frisou o autor do estudo.

A conferência de apresentação deste trabalho acontece hoje às 19h no auditório Dom Bosco no campus da USJ, na Ilha Verde.

29 Mar 2022

BABEL | Ciclo de conferências sobre património, memória e colonialismo arranca hoje

Começa hoje um ciclo de conferências online que aborda a preservação de memórias sobre locais e objectos que foram deslocados dos lugares a que pertenciam. A iniciativa é organizada pela BABEL – Organização Cultural e dela vai nascer um arquivo digital com os objectos e histórias abordadas no projecto

 

Entre hoje e domingo discutem-se, num formato totalmente online, questões como o património, memória e colonialismo através das histórias de “objectos” com “acentuado valor simbólico e patrimonial que, de forma violenta ou anti-ética, foram deslocados das suas comunidades originais e colocados em contextos e locais muito distintos”.

Esta é a temática central do ciclo de conferências “SOS – Stolen Objects Stories”, onde serão partilhadas “perspectivas académicas e artísticas situadas na confluência entre imperialismo, colonialismo, de-colonialidade, património e práticas criativas de produção de conhecimento”.

Desta forma, personalidades como Margarida Saraiva, co-fundadora da BABEL, Zuozhen Liu, Maria Paula Meneses ou Catarina Simão, entre outros, vão debater questões “além das fronteiras tradicionais” como a “colecção, instituição ou nação”, a fim de chegar “ao domínio de uma ética do ‘cuidar’ e ‘reparar’”.

Pretende-se, assim, dar respostas a questões como “o cuidado com os objectos do museu para o respeito pelas pessoas”, ou ainda a necessidade de colocar “a preservação dos acervos e património museológicos [em prol] do bem-estar das comunidades, da natureza e do planeta”.

Ao HM, Margarida Saraiva adiantou que o ciclo de conferências vai além do debate de objectos roubados em contextos coloniais ou de conflito, abordando também a forma como muitos vezes nós, enquanto seres individuais, nos vemos apropriados de forma ilegítima dos nossos dados pessoais, por exemplo.

“Partimos de uma parte que todos entendem, quando falamos de objectos museológicos roubados, para depois acompanharmos essa problemática até à actualidade. Muitas vezes, numa situação de guerra, o património móvel fica muito vulnerável.”

A ideia é descobrir “a quem pertencem os objectos”, sem que se faça “uma abordagem simplista do problema”.
A BABEL tem trabalhado com mais de 15 investigadores. O resultado deste projecto poderá ser visto depois num arquivo que será totalmente digital, e estará disponível um mês após o ciclo de conferências.

Dias de reflexão

O evento de hoje é dedicado a “Histórias”, durante o qual Margarida Saraiva irá apresentar o projecto que deu origem ao ciclo de debates, o SOS. Trata-se de um “arquivo crítico” que foi fundado com base “num conjunto de questões urgentes”. O SOS foi desenvolvido em parceria com mais de uma dezena de investigadoras, artistas, historiadores, poetas ou músicos, de países como Uruguai ou Austrália, entre outros.

A ideia por detrás do arquivo é “assinalar a interligação e a interdependência de pequenos lugares, espalhados pelo mundo, sem procurar oferecer uma visão global”.

Segue-se a apresentação “Irá Deus ganhar? O caso da Múmia Budista”, conduzido por Zuozhen Liu, da Universidade de Ciências Sociais de Guangzhou. A académica irá contar a história de uma estátua com cerca de mil anos, conhecida como a estátua de Zhanggong-zushi, e que tem captado a atenção da comunidade internacional.

Haverá ainda uma conversa sobre os “Objectos Roubados da China: Histórias e Biografias das colecções de Yuanmingyuan (‘Palácio de Verão’) nos museus britânico e francês”, levada a cabo por Louise Tythacott, da Escola de Estudos Orientais e Africanos da Universidade de Londres. O debate remete para a retirada de objectos por ingleses e franceses em 1860, aquando da segunda Guerra do Ópio, bem como o vandalismo a que foram submetidos estes elementos do património histórico chinês.

No sábado conversa-se sobre “Práticas”, com duas apresentações mais focadas na Ásia, como é o caso de Caroline Ha Thuc, escritora e curadora de Hong Kong, que irá falar sobre as práticas da pesquisa artística no sudeste asiático. Riksa Afiaty e Sita Magfira, artistas e curadoras independentes da Indonésia, também participam no debate, juntamente com Catarina Simão, que abordará a questão dos arquivos como campo de trabalho. Domingo será dedicado aos “Discursos”, numa sessão dedicada à preservação, do saque e da memória, com autores como Marian Pastor Roces, das Filipinas, Naman P. Ahuja, professor na Universidade Jawaharlal Nehru, em Nova Deli, e Maria Paula Meneses, da Universidade de Coimbra. O ciclo de conferência estará disponível, entre as 17h45 e as 18h30 em https://iftm.zoom.us/…/register/WN_yhQejPxOREOJDVl2d9JHOQ

25 Mar 2022

Ambiente | China estabelece metas para energia movida a hidrogénio até 2035

O maior produtor de hidrogénio do mundo quer produzir, já em 2025, 200 mil toneladas de hidrogénio verde por ano. Na quarta-feira, a Comissão Nacional para o Desenvolvimento e Reforma e a Administração Nacional de Energia da China apresentou o plano para o desenvolvimento do sector energético baseado no hidrogénio até 2035

 

Um dos países que mais emite gases poluentes para a atmosfera e que há décadas se debate com problemas de poluição é também aquele que acaba de estabelecer novas metas sustentáveis até 2035. A Comissão Nacional para o Desenvolvimento e Reforma da China, bem como a Administração Nacional de Energia, apresentaram na quarta-feira um plano para o desenvolvimento do sector energético do país com maior recurso ao hidrogénio, uma fonte secundária de energia que é produzida com base numa fonte primária.

Importa frisar que a China é o maior produtor de hidrogénio do mundo, com uma produção anual de 33 milhões de toneladas, mas fá-lo ainda, na sua maioria, através de métodos baseados em combustíveis fósseis. A Reuters escreve que 80 por cento da produção é feita desta forma.

O hidrogénio pode ser produzido de várias maneiras, mas destacam-se duas. A reformação por vapor, que continua a ser mais usada, e através da qual o hidrogénio é obtido através do aquecimento de um combustível fóssil a altas temperaturas, principalmente o gás natural. O contacto com vapor de água provoca a separação das moléculas de hidrogénio, libertando também dióxido de carbono. Há ainda uma forma mais ecológica de produzir o hidrogénio, através da electrólise da água, e esta parece ser a grande aposta da China neste momento.

Dependendo da fonte utilizada, o hidrogénio pode ser cinzento, azul ou verde, sendo que o verde é o único tipo produzido de forma neutra em termos climáticos, usando uma metodologia de produção que reduz emissões.

“Em termos globais o hidrogénio tornou-se numa importante escolha estratégica para a maioria das economias desenvolvidas que procuram acelerar e melhorar a transformação do sector energético”, aponta a Xinhua.

Segundo a agência noticiosa chinesa, o plano prevê que já daqui a dois anos o país possa ter “um plano relativamente completo da indústria de produção de energia com recurso ao hidrogénio”, através da melhoria significativa “da capacidade de inovação e com uma [maior] definição das tecnologias e dos processos de manufactura”.

Em 2025, a China planeia produzir, por ano, entre 100 a 200 mil toneladas de energia com recurso ao hidrogénio, ao ponto de este se tornar “numa importante fonte de consumo energético”, reduzindo, desta forma, “as emissões de dióxido de carbono de dois milhões para um milhão de toneladas por ano”. Também neste ano se espera que cerca de 50 mil toneladas de hidrogénio verde por ano sejam usadas em veículos.

Por sua vez, em 2030, a China espera “atingir um panorama industrial razoável e o uso generalizado da produção de hidrogénio a fim de disponibilizar uma base forte para os objectivos de redução do carbono”. Cinco anos depois, pretende-se que “a proporção do uso de hidrogénio produzido com energias renováveis e o seu consumo aumente de forma significativa, desempenhando um papel importante na transformação do país em prol de um consumo de energias verdes”.

Além das metas traçadas, o plano reconhece ainda as actuais lacunas da produção de energia com recurso ao hidrogénio no país, tal como a existência de “múltiplos problemas como fracas capacidades de inovação, um baixo nível de equipamento técnico e uma base insuficiente para o desenvolvimento industrial”.

Uma aposta local

Citado pela agência Xinhua, Gan Yong, membro da Academia Chinesa de Engenharia, disse que, “obviamente, desenvolver o hidrogénio a partir da energia fóssil não é a direcção principal [do país]”, e que “o hidrogénio produzido a partir de energias renováveis irá torna-se um ponto importante no futuro”.

Já a Aliança Chinesa para o Hidrogénio [The China Hydrogen Alliance] estimou que o mercado chinês de produção de hidrogénio poderá atingir 43 milhões de toneladas em 2030. A produção de hidrogénio verde vai aumentar de 1 por cento em 2019 para 10 por cento, e o mercado irá crescer cerca de 30 vezes.

Actualmente, muitos governos locais na China estão a apostar no potencial deste mercado energético. Prova disso são as metas lançadas em Agosto do ano passado pelo departamento de economia e transformação tecnológica do Município de Pequim, que incluem o lançamento de cinco a oito empresas de energia movida a hidrogénio com influência internacional já no próximo ano.

Relativamente a Xangai estão a ser traçados planos para o estabelecimento de 100 estações de hidrogénio e 10 mil veículos movidos a hidrogénio em 2023. Quanto à província de Guangdong, as autoridades propuseram “a introdução, em larga escala, de veículos movidos a hidrogénio e a aceleração da construção de estações de abastecimento de hidrogénio. É com esse propósito que está projectada a construção de 300 estações na zona do Delta do Rio das Pérolas”.

Segundo a agência Reuters, quase todas as províncias e regiões na China incluíram o hidrogénio nos seus planos de desenvolvimento, além de que 120 projectos de produção de hidrogénio verde estão em andamento. Grandes empresas como a Sinopec, Baosteel and GCL também expandiram a produção de hidrogénio com recurso ao gás natural e energias renováveis, usando-o ainda em sectores como o transporte e na indústria siderúrgica.

Uma transição necessária

Citado pela Reuters, Wang Xiang, director-geral do departamento de alta tecnologia da NDRC, disse que “o desenvolvimento do hidrogénio é um importante passo para a transição energética e um grande apoio para o cumprimento, por parte da China, dos objectivos de redução das emissões de carbono”.

Para o responsável, mesmo que a China ainda tenha a maior parte da sua produção de hidrogénio baseada em energias fósseis, existe “um enorme potencial” de mudança de paradigma, tendo em conta que o país tem a maior capacidade em termos de energias renováveis.

“Muitos dos representantes da indústria de hidrogénio concordam que a capacidade de produção de hidrogénio verde é ainda muito conservadora”, adiantou Yuki Yu, fundador da consultora Chinese Clean Power Policy & Market Insights (Energy Iceberg). Esta aponta que, actualmente, a produção de hidrogénio verde no país não vai além das 27 toneladas por ano. Sobre o plano anunciado pelas autoridades chinesas, Yuki Yu defende que “é um sinal positivo” da mudança do mercado.

25 Mar 2022

História | A visita da Sociedade das Nações a Macau para analisar o comércio de ópio

No final da década de 20 do século XX Macau, então administrada por Tamagnini Barbosa, recebeu uma comissão da Sociedade das Nações que veio ao território fazer um inquérito ao comércio de ópio. A investigação, vista com desconfiança pelo Governador, concluiu que muitas das acusações imputadas a Macau não eram verdadeiras. O tema foi abordado num artigo da historiadora Célia Reis

 

Macau, território que sempre teve comércio e consumo de ópio no imaginário colectivo, recebeu a visita de uma comissão de inquérito da Sociedade das Nações (SDN), entidade internacional saída da I Guerra Mundial e do Tratado de Versalhes, para inspeccionar o tráfico do poderoso narcótico. Tamagnini Barbosa, então Governador, olhou para essa visita com desconfiança, mas depois acabou por aceitar os resultados, que se revelaram benéficos para a imagem do território.

Esta é uma das conclusões do artigo académico “Macau e o Tráfico do Ópio no Contexto da SDN (1925-1930)”, da autoria da historiadora Célia Reis, do Instituto de História Contemporânea da Universidade Nova de Lisboa, que recentemente foi apresentado no ciclo de conferências da primavera do Centro Científico e Cultural de Macau (CCCM).

À época, o jogo já era muito importante para a economia local, mas o ópio era fundamental. A título de exemplo, no ano de 1929, o seu comércio representava cerca de 22 por cento das receitas obtidas pela Administração.

A comissão de inquérito da SDN não se cingiu a Macau e andou por todos os territórios a Oriente onde o comércio do ópio tinha expressão. “Os inspectores verificaram que a situação de Macau não estava num mau caminho, pelo contrário”, começou por dizer ao HM Célia Reis.

“O número de estabelecimentos da venda do ópio estava a diminuir e o facto de grande parte dos rendimentos de Macau serem ainda provenientes do ópio não era uma questão apenas do território, verificando-se sobretudo nos territórios mais pequenos.” Além disso, a comissão concluiu que, no território, “era extremamente difícil controlar todo o comércio, dada a ligação comercial que existia com a China, que fazia com que o tráfico ilícito fosse muito fácil”.

Como prova da redução do peso do ópio na sociedade local, o artigo aponta que em 1927 existiam no território 65 estabelecimentos de venda, número que passou para 63 em 1929, ainda assim uma diminuição ligeira.

Até à visita da comissão de inquérito da SDN, Macau era alvo de acusações por parte de outros países relativamente ao ópio que “não correspondiam à realidade”, aponta a autora do artigo.

“Havia interesse das outras nações, quando havia algum problema, em dizer que o ópio era proveniente de Macau. Era difícil ao Governo controlar esse tráfico antes de ele ser administrado pelas próprias autoridades, mas havia muitas acusações que eles consideravam infundadas. No final da década [de 20], mesmo com o acordo dos responsáveis internacionais, passou a ser dado um aditivo ao ópio de Macau, que não lhe alterava as qualidades, mas que dava para reconhecer se este era de Macau ou não. E isso foi uma grande vantagem para ver que, de facto, muitas acusações não eram verdade.”

Em termos gerais, Tamagnini Barbosa “até ficou satisfeito com os resultados desta análise, pois não colocava Macau numa situação à parte em relação a outros territórios do Oriente”, disse Célia Reis.

Administração assume controlo

Outrora explorado por particulares e concessionado, o comércio do ópio e a sua gestão foram alvo de remodelação em finais da década de 20, o que levou à criação, em 1929, da Inspecção dos Serviços Económicos, que tinham à frente figuras conhecidas da comunidade macaense como Pedro José Lobo e Joel José Choi Anock, entre outros. Importa frisar que estas figuras já antes estavam ligadas à inspecção e fiscalização deste tipo de comércio, embora inseridas noutro tipo de estrutura pública.

Célia Reis

A criação da Régie, como se chamava, ficou determinada após ter sido decidido, na Conferência de Genebra, que a gestão do comércio do ópio teria de passar dos particulares para o próprio Governo.

Célia Reis adianta que Pedro José Lobo e Joel José Choi Anock eram, acima de tudo, pessoas próximas do Governador, que na altura “tinha graves problemas com algumas figuras da comunidade local, nomeadamente as que estavam mais ligadas ao poder do Leal Senado, com quem o Governador tinha um confronto aberto”.

“Havia muitas acusações do antigo concessionário contra essas pessoas [Pedro José Lobo e Joel José Choi Anock] e o Governador disse mesmo que ele confiava muito nelas e que por isso é que estavam à frente dessas actividades.”

A posição da metrópole

O Governo chegava a obter uma taxa de lucro na ordem dos 35 por cento com o comércio do ópio, que vinha sobretudo da região da Pérsia, Índia Britânica e Hong Kong, até chegar a Macau. Nesta altura, as autoridades fizeram progressos no controlo contrabando e foi proibida a exportação de ópio através do território, tendo-se registado ainda um aumento da importação entre 1928 e 1929.

Quanto à posição da então metrópole, resolver a questão do ópio revelava-se fundamental por uma questão de imagem internacional do país. “Para Portugal, estas questões ultrapassavam muito Macau, porque, por um lado, sempre houve a pressão de que o que era proibido em Portugal poderia não ser proibido nas colónias. Aqui o jogo era regulamentado, mas não tinha nada a ver com o jogo em Macau, e o mesmo se passava com o ópio. Mas isso acontecia também com os outros países, Portugal não era uma excepção nesse aspecto. Mas, nesta fase, para as autoridades portuguesas, não são apenas as questões do consumo da SDN, mas também a imagem que o país oferece.”

Célia Reis ressalva que “Portugal tinha grandes dificuldades, e havia sempre o receio de perder as suas colónias, era alvo de muitas críticas”. Desta forma, “resolver o problema do ópio era uma forma de não acrescentar mais dificuldades a este relacionamento” internacional.

O artigo desta historiadora dá conta que o comércio do ópio “constituiu um elemento essencial no expansionismo no Oriente a partir dos séculos XVIII e XIX, quando, envolvendo as diversas fases, da produção à distribuição e consumo, se tornou fundamental para suprir o desequilíbrio das transacções ocidentais na China”.

O estupefaciente, consumido em Macau inclusivamente por algumas figuras proeminentes da sociedade, como o poeta Camilo Pessanha, era fundamental para a economia de muitas nações do sudeste asiático.

“A sua importância e os principais elementos sociais a que estava ligado permitia ultrapassar a visão do ‘vício’ que tinham os ocidentais”, descreve o documento. Se, inicialmente, o comércio era concessionado sob forma de monopólio a privados, depressa essa gestão passou para a hasta pública, criando-se as Régies. “A França foi pioneira dessa forma na Indochina, ainda no final do século XIX. Em 1914 aplicou-se em Hong Kong”, escreve a historiadora.

24 Mar 2022

CCCM | Imagens de Macau em exposição a partir da próxima segunda-feira

A antropóloga Marisa Gaspar fotografou entre 2010 e 2018 os recantos de Macau à medida que ia fazendo trabalho de campo para as suas investigações. O resultado pode agora ser visto numa exposição que estará patente no Centro Cultural e Científico de Macau, em Lisboa, entre a próxima segunda-feira e 22 de Abril

 

“Macau em contrastes”, a exposição de fotografia Marisa Gaspar, é a primeira iniciativa do género desenvolvida pela antropóloga. Inaugurada na próxima segunda-feira em Lisboa, a fim de acompanhar o ciclo de conferências da primavera que o Centro Científico e Cultural de Macau (CCCM), a exposição junta um conjunto de imagens do território capturadas entre 2010 e 2018, os anos em que Marisa Gaspar esteve em Macau a fazer trabalho de campo para a sua investigação.

“Sou amadora e não tenho pretensões de ser outra coisa”, adiantou ao HM. “Esta é uma visão muito minha sobre a cidade e as suas vivências. O título da exposição ‘Macau em contrastes’ traduz muito isso, a minha experiência pessoal à medida que ia descobrindo a cidade”, adiantou.

A mostra conta com curadoria de Rui Dantas, director do Museu de Macau associado ao CCCM, e da Fundação Casa de Macau, em Lisboa. “São imagens de lugares e não de pessoas. É uma visão sobre a cidade e não tanto sobre a comunidade macaense ou coisas concretas do meu trabalho. É uma viagem pela minha descoberta de Macau ao longo dos anos”, contou.

Marisa Gaspar deparou-se, em 2010, “com vários pedaços” que depois se foram “descobrindo numa malha urbana”. “Houve uma mudança na configuração física da cidade e é isso que a exposição retrata. Macau é muito fotogénica e é natural que as pessoas a fotografem muito e que existam muitos pontos de vista pessoais sobre esse espaço. Não são as fotografias mais bonitas de Macau, mas são as fotografias reais”, frisou. Depois do CCCM, Marisa Gaspar pretende levar a exposição para outras paragens.

Investigação suspensa

Marisa Gaspar, investigadora no Instituto Superior de Economia e Gestão (ISEG) da Universidade de Lisboa, está neste momento com um projecto de pós-doutoramento suspenso devido às restrições impostas pelas autoridades de Macau no âmbito da pandemia, que a impedem de viajar até ao território.

Ainda assim, a académica tem alargado a pesquisa a Macau como espaço de turismo e património, sem ter apenas o foco na comunidade macaense, mas também em determinados factos históricos.

“Sendo o meu objectivo o turismo, não consigo imaginar Macau sem turistas. As últimas políticas [previam] uma maior abertura de Macau ao mundo, com o desenvolvimento de várias parcerias. A ideia era uma projecção maior aos turistas internacionais. Estou apreensiva, porque tenho um projecto de investigação embargado”, confessou.

Ainda assim, Marisa Gaspar destaca o facto de a comunidade se ter vindo a destacar, nos últimos anos, “como comunidade patrimonial”, tendo em conta que “a gastronomia e o patuá foram reconhecidos como património chinês e foi levada à Assembleia Popular Nacional a possibilidade de a comunidade ser considerada mais uma etnia chinesa”.

23 Mar 2022

Ambiente | USJ leva a Portugal exposição sobre mangais

Foi ontem inaugurada a exposição “Mangroves: a coastal treasure” [Mangais: um tesouro costeiro] em Vila do Conde, Portugal, numa iniciativa do Instituto de Ciência e Ambiente da Universidade de São José (USJ) e do Centro de Monitorização e Interpretação Ambiental de Vila do Conde.

A mostra conta com a coordenação de Karen Tagulao, investigadora da USJ, e concepção gráfica de Filipa Martins, sendo composta por “painéis científicos, fotografias e filmes que colocam em relevo a acção das zonas húmidas e dos mangais em particular na salvaguarda da linha costeira face a fenómenos como poluição ou subida do nível médio das águas do mar”, lê-se num comunicado.

Além desta mostra, irá ainda decorrer uma palestra, com a participação de Karen Tagulao, que há algum tempo se dedica a estudar os efeitos positivos dos mangais na protecção do meio ambiente. Na conferência será evidenciado “o papel dos mangais como soluções baseadas na natureza, os serviços de ecossistema que providenciam e em particular a sua contribuição para a mitigação dos efeitos das alterações climáticas e para a resiliência das cidades costeiras”. A iniciativa visa celebrar os 15 anos de existência do Centro de Monitorização e Interpretação Ambiental de Vila do Conde.

23 Mar 2022

Turismo | Alojamentos de baixo custo isentos pagar imposto

O Governo quer isentar o alojamento de baixo custo de pagar o imposto de turismo. Glenn Mccartney, académico especialista nesta área, diz que é uma medida positiva e que até pode incentivar o consumo, mas defende que as PME vão continuar a sofrer com os elevados custos do negócio

 

Deu ontem entrada na Assembleia Legislativa a proposta de lei que altera o actual regulamento do imposto de turismo, que prevê a isenção do imposto para alojamentos de baixo custo, a fim de incentivar o sector.

“Ficam isentos do imposto de turismo os bens fornecidos e os serviços prestados pelos alojamentos de baixo custo e hotéis de duas estrelas”, pode ler-se. Desta forma, “o valor tributável é o preço dos bens fornecidos e dos serviços prestados, ainda que o preço deixe de ser cobrado, no todo ou em parte”.

O Governo decidiu ainda fazer algumas alterações às categorias de alguns espaços comerciais. No que diz respeito à categoria de alojamento de baixo custo e hotéis de duas estrelas, “transitam as actuais pensões de duas e três estrelas, anteriormente isentos [do pagamento do imposto] e os estabelecimentos de refeições simples e os quiosques das áreas de restauração”. Incluem-se ainda “os estabelecimentos de bebidas e de comida inseridos nos locais acima referidos”.

O objectivo desta nova medida é “incentivar o desenvolvimento do sector de alojamentos de baixo custo”. O montante do imposto de turismo deixa de estar afecto ao Fundo de Turismo e passa a ir directamente para os cofres da RAEM.

Estas medidas entram em vigor dia 1 de Janeiro do próximo ano, para “dar tempo à Administração fiscal para a boa divulgação da lei e permitir aos contribuintes efectuarem os preparativos para a cumprir”. Pretende-se ainda “tornar mais adequada a gestão do orçamento público”.

Uma boa medida

Ouvido pelo HM, o académico da Universidade de Macau (UM) e especialista em turismo, Glenn Mccartney, considera que esta é uma boa medida, lembrando que o imposto de turismo é pago pelos hóspedes e turistas e que a isenção pode incentivar o consumo no território.

“A indústria fica sempre satisfeita com a redução ou remoção de impostos, mas tudo depende dos benefícios que serão dados às Pequenas e Médias Empresas (PME), que vão enfrentar muitos desafios e problemas.”

“Será que esta medida vai ajudar todos?”, questionou Glenn Mccartney. “Vai ajudar decerto muitos negócios, mas as PME vão continuar a sofrer com os elevados custos das rendas, salários e pagamentos a fornecedores. Mas ainda assim é bom remover algumas responsabilidades às PME, mas no final do mês vão ter de continuar a suportar os custos. Será interessante ver o impacto desta medida, pois criar a política é uma coisa, mas o impacto é outra.”

Relativamente à alocação do montante do Fundo de Turismo para os cofres do Governo, Glenn Mccartney fala de uma “maior eficiência na recolha de impostos”.

23 Mar 2022

DSPA | Recebidas 170 candidaturas para substituição de motociclos

A Direcção dos Serviços de Protecção Ambiental (DSPA) recebeu, até ontem, 170 candidaturas ao plano de concessão de apoio financeiro para o abate de motociclos obsoletos. Este programa pretende que estas motas venham a ser substituídas por motociclos eléctricos novos, a fim de assegurar uma maior protecção do meio ambiente.

Segundo um comunicado, alguns candidatos já foram notificados sobre este apoio financeiro, sendo que a DSPA começou ontem a receber alguns motociclos obsoletos, que farão parte do primeiro grupo de 27 veículos abrangidos por este programa.

Cada candidato poderá ter direito até oito mil patacas de apoio financeiro, devendo apresentar, 165 dias após ser notificado, o pedido de nova matrícula para a sua mota eléctrica junto da Direcção dos Serviços para os Assuntos de Tráfego (DSAT).

Numa resposta a uma interpelação escrita do deputado Lei Chan U, Raymond Tam, director da DSPA, adiantou que esta direcção de serviços vai vender os motociclos abatidos em hasta pública “e transportá-los para fora de Macau, de acordo com os mecanismos de mercado”. No entanto, não será possível, a curto prazo, fazer o transporte destes veículos para o interior da China para o seu tratamento, uma vez que “existe ainda a necessidade de coordenar e debater com os ministérios e comissões do interior da China as declarações aduaneiras, incluindo outras questões complexas”.

Sobre o pré-tratamento destes motociclos obsoletos em Macau, Raymond Tam assume que “é necessário rever o ordenamento dos aterros para que se disponibilize o maior espaço possível [para esse tratamento prévio], sendo que as obras ainda não foram iniciadas”, lê-se na resposta à interpelação.

22 Mar 2022

Pintura | Exposição de Luísa Petiz inaugurada hoje na Fundação Rui Cunha

A arquitecta Luísa Petiz nunca tinha pintado Macau em aguarela até ao ano passado. Os seus retratos dos bairros antigos do território e das ruelas cheias de recantos por descobrir podem ser vistos, a partir de hoje, na Fundação Rui Cunha

 

“Um olhar sobre o Oriente” é o nome da mostra que é hoje inaugurada na Fundação Rui Cunha (FRC) e que apresenta aguarelas da autoria de Luísa Petiz. Formada em arquitectura mas a trabalhar como designer de interiores, a também artista já pintava em aguarela há algum tempo quando começou a retratar as zonas antigas de Macau.

“Sempre fiz bastantes desenhos, e também em aguarela, mas foi no final de 2020 que comecei a pintar mais aguarelas, sobretudo dos sítios para onde costumava viajar. Quando vi que o meu trabalho estava a começar a causar algum impacto nas pessoas ponderei começar a fazer desenhos sobre Macau”, contou ao HM.

Esta mostra tem como base, sobretudo, reflexos da cultura chinesa e oriental. No entanto, Luísa Petiz focou-se muito na forma como o seu olhar interpreta templos chineses ou pequenas lojas de rua. “No fundo, todas as ruas da zona antiga de Macau são muito diferentes umas das outras. Acho bastante mais interessante desenhar esta Macau antiga, que tem muito mais para oferecer, detalhes e recantos dos quais não nos apercebemos. Os casinos constituem uma parte nova que é mais artificial, como conjunto fazem parte do território, mas a parte antiga é mais interessante”, contou.

A aguarela como base

Luísa Petiz chegou a Macau há quatro anos, quando se mudou de malas e bagagens depois de o seu namorado ter encontrado emprego no território. Entregou-se ao trabalho enquanto designer de interiores, mas confessa que o desenho e a aguarela estão sempre presentes no seu quotidiano, servindo de base a outros projectos.

Convidada a destacar um ou outro trabalho da mostra patente ao pública na Fundação Rui Cunha, Luísa Petiz fala de um quadro que retrata a península de Macau a partir do empreendimento hoteleiro Sofitel Ponte 16. “Fiz a vista até ao Grand Lisboa porque dá para ver todas as coisas de cima, com tudo um pouco caótico. Também gosto muito de um quadro que fiz sobre o início da Rua do Cunha, focado muito nas cores e na envolvente do local e com muitos detalhes das lojas de rua”, frisou.

Até 2 de Abril o público poderá desfrutar dos desenhos que transportam par a tela “as ruas estreitas e irregulares da zona antiga, repletas de toldos metálicos, varandas fechadas em gaiolas de todas as cores, formas e feitios, muitas delas cobertas por ferrugem, as paredes ocupadas por caixas de ar condicionado e cabos que parecem não ter fim”. No acervo em exposição há também espaço para paisagens da China, lugares que Luísa Petiz visitou antes da implementação das restrições de passagem nas fronteiras.

22 Mar 2022

Ucrânia | China quer ser “potência responsável”, limitando os efeitos da ligação ao Kremlin

Luís Cunha, investigador do Instituto do Oriente, defende que a China pretende ser, no contexto da guerra na Ucrânia, uma “potência responsável, limitando os efeitos tóxicos” da sua ligação à Rússia. O autor destaca ainda que o país defende “os seus próprios interesses”, evitando sempre um confronto directo com os EUA

 

Muito se tem falado sobre a posição de neutralidade da China em relação ao conflito na Ucrânia, com os Estados Unidos (EUA) a apontarem o dedo a Pequim, alertando para a necessidade de acabar com essa postura diplomática. Luís Cunha, investigador do Instituto do Oriente da Universidade de Lisboa, acaba de publicar o artigo “O Dragão na Sala”, numa publicação do Instituto de Defesa Nacional (IDN), em Portugal, onde analisa a posição de Pequim no conflito.

O autor acredita que a China pretende ser “uma potência responsável, limitando os efeitos tóxicos” da ligação comercial que mantém com Moscovo. Face aos próximos tempos, a guerra na Ucrânia “implicará, provavelmente, uma maior dependência económica de Moscovo face a Pequim”, embora, devido às sanções aplicadas ao regime de Putin, “o auxílio a prestar pela China estará substancialmente condicionado”.

Acima de tudo, a China “defende os seus próprios interesses”, pretendendo “evitar o antagonismo frontal com os EUA, numa ocasião crítica para a política mundial e para a economia chinesa”. Esta será, nos próximos tempos, “a prioridade máxima para Pequim”, considera o autor.

A “neutralidade colaborante” do Governo de Xi Jinping “cumpre os critérios mínimos”, aponta ainda Luís Cunha. Isto porque “a coexistência pacífica é o principal mandamento da política externa chinesa, indispensável à sua ascensão à posição cimeira da economia mundial”.

No artigo publicado pelo IDN, lê-se também que “Pequim tem as suas próprias prioridades geopolíticas”, uma vez que “continuam em aberto as disputas territoriais com vários países no Mar do Sul da China, com o Japão e Índia”.

Para Luís Cunha, “a crise ucraniana serve também aqui de teste, uma vez que Pequim nunca renunciou ao possível uso da força para forçar a reunificação com Taiwan. Ao mesmo tempo que acusa os EUA de quererem formar uma versão asiática da NATO na Ásia-Pacífico – alusão à aliança AUKUS –, apoia a autonomia securitária da União Europeia, desde que afastada dos EUA”.

Desta forma, “a Rússia arrastou a China para uma posição incómoda, mas potencialmente vantajosa”. “Num curto espaço de tempo, Pequim observa o seu maior rival estratégico a sair debilitado do Afeganistão e o seu maior parceiro estratégico em rota auto-destrutiva”, acrescentou.

Em termos gerais, “a invasão da Ucrânia por parte da Rússia, enquanto potência desafiadora da ordem internacional, representa um enorme teste à capacidade de resposta do Ocidente, mas também à relação com a China, principal parceira estratégica”.

Uma questão histórica

Em 1997, anos depois da queda da URSS, os presidentes Jiang Zemin e Boris Yeltsin, respectivamente da China e URSS, “fizeram saber que uma nova ordem mundial multipolar estava em germinação”. Desde então que as duas nações “vêm fortalecendo uma aliança de conveniência”.

Luís Cunha recorda no seu artigo a assinatura, em 2001, do Tratado de Boa Vizinhança entre os dois países “que congelou as disputas numa fronteira comum com mais de 4.200 quilómetros”. Desde 2012 que a China “é o maior parceiro comercial da Rússia”, sendo que dois anos depois “não reconheceu a anexação da Crimeia” por parte de Moscovo. No entanto, “recorrendo ao habitual pragmatismo silencioso da diplomacia chinesa, também não condenou a iniciativa russa”.

“Apenas três meses após a anexação, Pequim socorria a sua aliada, alvo de sanções internacionais, com um investimento de 400 biliões de dólares no gasoduto Força da Sibéria, direcionado para a China. Oito anos volvidos, a invasão da Ucrânia provoca o reordenamento das relações internacionais, colocando a China no papel que está habituada a desempenhar: o de ser tudo para todos”, descreve Luís Cunha.

Luís Cunha aponta também que, duas semanas antes de invadir a Ucrânia, Vladimir Putin assinou com a China novos acordos comerciais. “O timing não terá sido inocente”, descreve o académico. “É admissível que [Putin] tenha informado o líder chinês da ‘operação militar especial’ em preparação na Ucrânia. Mas a avaliar pela reacção da embaixada da China em Kiev e pela carta aberta divulgada por alguns conhecidos historiadores chineses, que acusavam Putin de ter ‘enganado’ Xi, o líder russo terá ocultado a extensão e profundidade da intervenção planeada para a Ucrânia.”

A relação com a Ucrânia

A China mantém hoje “excelentes relações com a Ucrânia”, onde se inclui “uma estreita cooperação militar”. Acima de tudo, Pequim “reitera a necessidade de se respeitar a soberania e a integridade territorial de todos os países”, embora responsabilize os EUA e a NATO pela eclosão do conflito. Além disso, o Governo Central “não disfarça de permeio o incómodo pela posição em que Putin colocou a China, encarada pela comunidade internacional como a mediadora privilegiada para dirimir o conflito”.

No domingo, o embaixador chinês nos EUA, Qin Gang, confirmou ao canal CBS que Pequim não está a enviar assistência militar a Moscovo.

“Há desinformação de que a China está a fornecer assistência militar à Rússia. Nós rejeitamo-la”, disse Qin Gang, que acrescentou que o país “envia comida, medicamentos, sacos-cama e leite em pó”, e “não armas ou munições para as partes [do conflito]”, acrescentou, garantindo que o país fará tudo para diminuir a escalada militar. No entanto, Qin Gang evitou indicar se esta posição se irá manter no futuro.

Desde o início da invasão que a China se abstém de apelar a Putin para retirar as tropas russas da Ucrânia. “Uma condenação não resolve o problema. Eu ficaria surpreendido se a Rússia recuasse por causa das condenações”, acrescentou o diplomata chinês durante a entrevista.

Questionado se Xi Jinping pediu a Vladimir Putin para pôr fim à invasão da Ucrânia, Qin Gang disse que, “no segundo dia da operação militar da Rússia”, o Presidente chinês apelou para que Putin “considerasse retomar as negociações de paz”.

Na sexta-feira, numa videoconferência, Joe Biden advertiu Xi Jinping para as “implicações” e “consequências” para a China, caso forneça “apoio material” à Rússia no “brutal” ataque à Ucrânia. Os dois dirigentes também assinalaram a vontade de “manter os canais de comunicação abertos”.

Se, por um lado, Joe Biden não especificou as consequências para a China de um eventual apoio à Rússia, por outro, o chefe de Estado norte-americano “detalhou” a Pequim as duras sanções económicas e financeiras já impostas pelo Ocidente ao regime de Vladimir Putin, salientou a Casa Branca, no comunicado emitido na altura.

22 Mar 2022

Comércio | Assegurada importação de alimentos, mesmo com pandemia

Representantes do Gabinete de Ligação reuniram com o Governo para discutir o abastecimento alimentar do território. A importação de alimentos de Hong Kong é, para já, “estável”. As autoridades garantem a inspecção de cerca de 100 mil encomendas de frescos por semana

 

A situação pandémica nas regiões vizinhas e a necessidade de importar produtos para Macau levou representantes da divisão comercial do departamento dos assuntos económicos do Gabinete de Ligação do Governo Central na RAEM a reunir, na sexta-feira, com a Direcção dos Serviços de Economia e Desenvolvimento Tecnológico (DSEDT). Segundo o Executivo, “a situação de abastecimento de Hong Kong é estável e sem qualquer obstáculo no seu processo de transporte”, sendo que a DSEDT tem procurado fornecedores de outras regiões que não a RAEHK.

Desta forma, “o sector empresarial revelou que pode aumentar o volume de importação e das fontes de abastecimento do Interior da China, podendo ainda, caso necessário, aumentar a percentagem das importações do Interior da China”.

Sobre este ponto, o Gabinete de Ligação promete dar o seu apoio, “coordenando e tratando das questões relacionadas com as fontes de produtos do Interior da China e mercadorias em trânsito” vindas desta zona.

Inspecções aumentam

Também na sexta-feira decorreu uma reunião com representantes de diversos serviços públicos, como os Serviços de Alfândega (SA), o Instituto para os Assuntos Municipais (IAM), a Direcção dos Serviços de Economia e Desenvolvimento Tecnológico (DSEDT) e os Serviços de Saúde (SSM), a propósito de medidas de controlo e inspecção de mercadorias vindas do exterior.

Os SA asseguram que a desinfecção de produtos e mercadorias foi reforçada, enquanto que o IAM tem desinfectado cerca de 100 mil caixas de alimentos refrigerados e frutas importadas por semana. Diariamente, o número de amostras analisadas é de cerca de meio milhar. Até 15 de Março, foram recolhidas perto de 17.800 amostras de produtos alimentares e amostras do ambiente.

Quanto às mercadorias importadas de Hong Kong, a autoridades passaram a exigir, desde o início do mês, que supermercados e sector de fornecedores desinfectem o exterior das mercadorias “depois de removida a película plástica enrolada à volta das paletes”. Além disso, os funcionários dos supermercados que lidam com as mercadorias devem fazer um teste de despistagem à covid-19 a cada sete dias.

21 Mar 2022

Covid-19 | Plano de emergência prevê testes rápidos e hospitais de campanha

As autoridades apresentaram ontem um novo plano de resposta a um eventual surto comunitário de covid-19 que inclui a instalação de um hospital de campanha no Dome e no centro de formação de atletas. Serão distribuídos pela cidade postos móveis para testagem e os testes rápidos serão generalizados

 

A situação da pandemia em Hong Kong e em algumas regiões da China, nomeadamente Shenzhen, obrigou as autoridades a preparar, nos últimos dias, um novo plano de emergência em resposta a um eventual surto comunitário de covid-19. Como tal, será generalizado o uso de testes rápidos e criados postos móveis de testagem espalhados pela cidade, com capacidade diária para realizar 100 a 300 mil testes.

A grande novidade do plano é a criação na Nave Desportiva dos Jogos da Ásia Oriental (Dome) e no Centro de Formação de Estágio de Atletas de um centro de tratamento de doentes com capacidade para 1400 camas.

Nestes locais serão instaladas mais 32 casas de banho temporárias e 16 chuveiros para dar resposta e garantir um rácio de doentes por instalações sanitárias que, segundo Alvis Lo, director dos Serviços de Saúde de Macau (SSM), é superior ao definido pela Organização Mundial de Saúde (OMS).

“[No Dome] haverá nove doentes por sanita, e nove por chuveiro, enquanto que no centro de estágio de atletas o rácio será de 17 doentes por um chuveiro e sanita. A OMS define 20 doentes por um chuveiro, pelo que temos padrões superiores aos que são recomendados pela OMS.”

Neste local não faltam planos para o tratamento de resíduos ou dos restos mortais, que serão transportados e cuidados pelo Instituto para os Assuntos Municipais, em parceria com outras entidades públicas.

O plano tem várias fases conforme a evolução da pandemia. Se o número de infectados ultrapassar uma centena entra em funcionamento o centro de tratamento comunitário.

Mais capacidade

Em matéria de isolamento de infectados em unidades hospitalares e quarentenas, as autoridades prometem aumentar gradualmente em dez vezes a actual capacidade, para um total de 2700 doentes. Serão ainda definidos hotéis de quarentena de infectados com capacidade para 1000 camas. Do total de 266 camas disponíveis actualmente nas unidades hospitalares públicas, 120 vão funcionar no Centro Clínico de Saúde Pública do Alto de Coloane e 146 na enfermaria de isolamento do Centro Hospitalar Conde de São Januário.

O plano prevê também a criação de um hospital de campanha ao ar livre, com 1000 camas disponíveis. Alvis Lo adiantou que as autoridades de saúde estão em conversações com empresas para erigir a estrutura num espaço ao ar livre.

Por sua vez, fica definido que caso Macau tenha um surto de grandes dimensões, os infectados com covid-19 ficarão em isolamento em casa. Nestas situações, o Governo promete um sistema coordenado de resposta para garantir acesso a alimentos, medicamentos e outras necessidades diárias.

As medidas apresentadas pelas autoridades prevêem também que, em caso de surto, o centro de coordenação e de contingência do novo tipo de coronavírus e o centro de operações da protecção civil passem a funcionar sob alçada do Chefe do Executivo e serão criados 15 grupos especializados. Estes vão dedicar-se a questões como o apoio social ou jurídico, entre outras, analisando ainda a evolução da pandemia e as respostas a dar em cada caso.

O plano define ainda cinco mecanismos de avaliação da situação pandémica, sendo que o nível 1 representa um surto onde existe baixo risco de disseminação do vírus, e o nível 5 representa uma elevada possibilidade de contágio.

Vias de comunicação

As autoridades deverão lançar também 30 linhas abertas de apoio para cedência de informações, prevendo-se a criação da linha de emergência 222. Serão ainda instituídos mecanismos digitais para a marcação de consultas médicas.

Em termos gerais, as autoridades não colocam de parte a possibilidade de se encerrarem de novo escolas ou repartições públicas caso seja necessário, nem a instauração de um confinamento geral. “Quando a situação ficar grave poderemos aplicar medidas de confinamento a toda a população”, disse Alvis Lo, que apelou à população para não entrar em “stress” com estas medidas.

Na conferência de imprensa de ontem foi feito um novo apelo para o aumento da taxa de vacinação, tendo em conta a estabilidade que se vive em Macau. Actualmente quase metade dos elegíveis para a toma da terceira dose ainda não o fez, disse Leong Iek Hou, coordenadora do centro de coordenação e de contingência. Há apenas 153 mil doses administradas a este nível.

Zhuhai | Exigido teste para entrar em Macau com validade de 24 horas

Desde a meia noite de hoje é obrigatório para quem entra em Macau via Zhuhai apresentar certificado de teste à covid-19 com resultado negativo com validade de 24 horas. Além disso, os não residentes que não tenham certificado não poderão entrar no território, enquanto que os residentes podem fazer teste no local. As autoridades afirmam ainda que mantém um contacto estreito com Zhuhai, sendo que “serão retomadas, logo que possível” os testes com um prazo de validade de 48 horas.

Os Serviços de Saúde (SSM) aumentaram o número de vagas para testes à covid-19 nos postos fronteiriços de Qingmao e da Ilha Verde. Desde ontem estão disponíveis mais quatro locais para testes com capacidade para oito mil testes, e que estarão em funcionamento até às 22h. Locais como o Fórum Macau e Campo dos Operários também vão aumentar a resposta quanto à realização de testes.

18 Mar 2022

Kerry Brown, autor de “China Through European Eyes”: “A China continua a ser um mistério”

Kerry Brown, professor de estudos chineses no King’s College de Londres, acaba de lançar a obra “China Through European Eyes”, que reúne escritos e ideias de missionários, exploradores e filósofos sobre a China dos últimos 800 anos. O académico realça a enorme importância que Macau teve na ligação do país ao mundo, sobretudo ao longo do século XVI, e de como esse papel deveria ter mais destaque

 

O seu livro compila escritos e ideias de europeus sobre a China nos últimos 800 anos. Neste processo foi difícil para si juntar num só livro tantas ideias?

Sim, poderíamos incluir uma enorme quantidade de escritos e ideias. Mas queria incluir os trabalhos das figuras mais influentes, não foram especialistas na China, mas que são sobretudo intelectuais europeus que ficaram famosos em outras áreas, mas que escreveram sobre o país, como Hegel, Voltaire ou Simone de Beauvoir, Carl Jung ou Max Weber. Todos eles foram muitos influentes em áreas que nada têm a ver com a China. Há também personalidades que desenvolveram um trabalho mais ligado ao país. Creio que muito poucos dos filósofos europeus que escreveram sobre a China estiveram de facto no país.

Como explica o facto de a China ter estado tão presente no imaginário destas personalidades?

Os primeiros contactos deveram-se ao comércio, e pelo facto de a China ter produtos que interessavam aos comerciantes europeus, sobretudo para as companhias do Reino Unido e da Índia, que foram muito activas neste comércio durante o século XVII. Antes tinham sido os portugueses. Os britânicos sempre tiveram muito interesse no comércio com a China. Temos também as missões cristãs na China que decorreram ao longo do século XVI, e temos Matteo Ricci como um dos grandes exemplos, nome que também incluo no livro. Depois verificamos um grande interesse pela cultura e filosofia chinesas nos trabalhos de Voltaire, por exemplo, e outros autores que desenvolveram um grande interesse pelo confucionismo.

Falando da importância de comércio para o conhecimento do país. Macau teve aqui um papel fundamental também.

Absolutamente. Matteo Ricci foi uma figura crucial para este livro e para a ligação dos europeus com a China. Esteve em Macau, embora grande parte da sua carreira tenha sido feita na China. Mas Macau teve uma enorme importância, tivemos os jesuítas que tiveram influência nos escritos e pensamentos de autores como Voltaire e outros. Macau é um lugar histórico de cruzamento e penso que há uma falta de compreensão e de exposição da sua importância [neste contexto]. O território era mesmo o ponto chave na ligação entre a China e o mundo exterior ao longo do século XVI, e Hong Kong não aparece até bem mais tarde, e quando tal acontece é em circunstâncias muito diferentes. Então este livro não fala muito de Macau, mas penso que este território, enquanto região que permitia um acesso à China, deu muitas informações aos que escreveram [sobre o país] e que surgem neste livro. Há muita literatura e estudos sobre Macau, mas penso que é um trabalho que necessita de ser mais exposto.

Em relação aos chineses que viajaram para a Europa, foram decerto em muito menor número se compararmos com os europeus que viajaram para a China. Porquê?

Havia emigração a partir da China, e muitos dos comerciantes europeus cruzaram-se com chineses em alguns portos que falavam relativamente bem inglês. Não era algo usual à época. Havia missionários que convidavam alguns chineses a viajarem até à Europa. Havia alguns chineses que vinham de facto ao continente, mas os dados históricos são muito limitados. Eles vinham, mas há poucas evidências, por exemplo, de chineses no Reino Unido até um período relativamente tardio. E julgo que isso se deve ao facto de a frota marítima inglesa ser superior, então os chineses teriam mais dificuldades em fazer estas viagens até à Europa. E também se deve ao modelo económico na China, pois durante a dinastia Ching o modelo económico era mais virado para o mercantilismo, muito contido, então não havia um forte impulso para procurar recursos fora do país. Mas nos últimos 500 anos muitos mais europeus foram à China do que o oposto, mas não é isso que se passa agora, e essa é uma transformação histórica.

Já no século XX o panorama dos exploradores ou missionários que iam para a China mudou. Como descreve as grandes diferenças face ao período imperial?

O período de governação de Mao Zedong trouxe, de facto, grandes barreiras [às viagens]. Não era fácil viajar até ao país, penso que Simone de Beauvoir levou três ou quatro dias a chegar, passando por locais no Médio Oriente e Índia, e depois viajou para a China via Hong Kong. O acesso à China nesta altura fazia-se sobretudo por convite e não era fácil. Os casos que inclui no livro são de pessoas que foram convidadas pelo Governo e que faziam parte de delegações que visitavam o país. Os escritos de Simone de Beauvoir são relativamente simpáticos em relação à China, Roland Barthes é talvez menos simpático em relação ao país, mas não é frontalmente crítico. Não se pode notar, nestes escritos, um forte criticismo face ao que viram, e muitos terão aceite que o lhes foi mostrado. Mas estas palavras tiveram um grande impacto cá fora, porque o acesso ao país era bastante limitado.

A grande questão é, 800 anos depois, e com todos estes escritos, continuamos a não compreender a China na totalidade?

Diria que é impossível conhecer qualquer país na sua totalidade. Eu próprio não compreendo o Reino Unido completamente. Mas, claro, que as mudanças que ocorreram na China nos deram uma outra dimensão sobre o país, porque agora é um país comunista com uma economia mais virada para o capitalismo. É um país mais proeminente do que alguma vez foi, então isto dá-nos novas ideias. A ideia que temos sobre a China não é estática, e a ideia que Voltaire, por exemplo, tinha do país não é aquela que temos hoje. Há elementos que se mantém iguais, como a ideia de um Governo centralizado ou da existência de um sistema burocrático. Alguns elementos da cultura chinesa e da sua importância para a identificação dos chineses. Mas sim, a China continua a ser um país com algum mistério. Mas esta questão não é nova e acontece há muitos séculos.

Os media e a globalização mudaram a forma como vemos a China, além de que os chineses viajam agora muito mais. De que forma estes factores nos alteram a visão sobre o país?

Esses factores trouxeram uma maior complexidade à questão. Há mais fontes de informação sobre a China neste momento, e sem dúvida que a covid-19 alterou a forma de viajar de chineses, incluindo estudantes, que vinham para o Ocidente. Há novas perspectivas e depende sempre de cada pessoa. Não há uma única resposta para aquilo em que o chinês acredita. Claro que o Governo incute um único sistema de pensamento nas pessoas, mas há diferentes crenças e complexidades. Essa globalização de que fala só mostra que a China tem hoje uma forte presença a nível mundial em relação ao passado e só isso trouxe novas perspectivas.

Os encontros da Assembleia Popular Nacional terminaram recentemente. Qual o caminho que a China irá fazer nos próximos meses?

Já antes da invasão da Ucrânia havia um cenário de muita incerteza. Este vai ser um ano difícil e o mercado chinês está a passar por um período de transformação. A previsão de crescimento económico de 5,5 por cento não é má, mas tudo depende da qualidade desse crescimento. As autoridades devem pensar em questões de investimento, saúde pública, serviço social ou alterações climáticas. É bom que apresentem uma previsão positiva de crescimento porque o resto do mundo está a enfrentar grandes desafios. Embora mantenham relações algo pragmáticas com a Rússia, não acredito que estejam satisfeitos com o que está a acontecer na região da Ásia Central. A grande questão é se vão manter esta lealdade.

O comércio entre a Rússia e a China tem crescido nos últimos anos. Como será a sua evolução com esta guerra?

É provável que cresça, porque a Rússia vai passar a ter opções muito limitadas em matéria de energia e de comércio. Mas tudo depende do nível de lealdade que a China vai continuar a ter em relação à Rússia, e penso que não vai querer estar muito envolvida. Se Putin avançar para um ataque mais nuclear a China não vai conseguir manter-se em silêncio e ficar no banco. Agora mantém uma posição de neutralidade, mas a certo ponto a situação vai ficar desconfortável. Historicamente, a China e a Rússia sempre tiveram relações difíceis. Para já, a China vai gerindo a situação, mas quantos mais danos se verificarem, mais difícil será manter essa posição.

18 Mar 2022

CCAC diz que adjudicação do sistema de gestão de táxis foi legal

O Comissariado contra a Corrupção (CCAC) considera que a Direcção dos Serviços para os Assuntos de Tráfego (DSAT) não violou a lei na adjudicação do contrato de “prestação de serviços de fornecimento e manutenção de sistema de gestão de táxis” à New Leader Tecnologia Informática (Macau) Lda. O “Relatório de inquérito sobre o sistema de terminal inteligente no táxi” considera também que a cobrança de taxas mensais de serviços e cauções por parte da New Leader aos titulares das licenças e dos alvarás de táxis é “legal e razoável”.

Segundo um comunicado, o CCAC também “não verificou a falta de supervisão, por parte da DSAT, em relação à New Leader” após terem sido ouvidos vários intervenientes no processo. O relatório conclui que a DSAT “procedeu à unificação do contrato de concessão de serviço público, referente ao serviço do ‘equipamento no veículo’, e do contrato de aquisição do serviço público, referente ao ‘sistema de supervisão de táxis’, realizando de forma unificada o processo de concurso”.

No entender do CCAC, “não se verificou a existência de ilegalidade ou de irrazoabilidade com a prática da adjudicação, por parte da DSAT, do sistema de terminal, no seu todo, a uma entidade privada única”.

Sem queixas

Sobre as cobranças feitas pela New Leader, o CCAC diz não ter recebido, até ao momento, qualquer queixa por parte dos taxistas, e não foi encontrada “nenhuma informação concreta que comprove que há titulares das licenças ou dos alvarás de táxis a transferir o seu dever de pagamento da respectiva taxa e despesa para os taxistas”.

Ainda sobre a adjudicação do contrato à New Leader, o CCAC “não descobriu nenhuns indícios da existência de quaisquer relações familiares” entre dirigentes da empresa e Governo, pelo que “não há provas que comprovem a existência de qualquer tráfico de interesses”. Não se encontrou, ainda, “qualquer dúvida quanto à legitimidade da New Leader na participação no concurso público”.

O relatório do CCAC dá ainda conta que desde a implementação do regime de controlo do sistema de terminal do táxi não foi registado nenhum caso de infracção relacionado com este tipo de transporte. O Corpo de Polícia de Segurança Pública (CPSP) registou menos de 150 casos de infracções neste âmbito. Além disso, o número de casos de cobrança abusiva de tarifas pelos taxistas também diminuiu significativamente com 1.900 casos em 2019 e apenas oito em 2020. No ano passado o número de infracções registadas pelo CPSP não ultrapassou uma centena.

17 Mar 2022

Casa Garden | Festival Zilo, dedicado ao património, termina no domingo

Termina no domingo a edição deste ano do ZILO Heritage Stroll Festival, um evento que através de espectáculos, exposições e workshops, dá destaque aos principais locais históricos da cidade. O tema é “Invisible Coastlines” [linhas costeiras invisíveis], uma ideia surgida após o tufão Hato

 

Juntar a cultura ao património é uma das propostas conceptuais do Zilo Heritage Stroll Festival, que decorre desde 5 de Março na Casa Garden, da Fundação Oriente, até domingo. Organizado por entidades como a Associação dos Embaixadores do Património e a Associação de Dança Ieng Chi, entre outras, o objectivo do evento é levar o público a “sentir e a explorar a beleza dos locais históricos ao fazer parte de conversas, workshops, exposições, passeios e performances na zona histórica de Macau”, lê-se num comunicado.

O evento, que tem o apoio do Instituto Cultural, conta com Chloe Lao como fundadora e produtora. O tema da edição deste ano é “Invisible Coastlines” [linhas costeiras invisíveis], uma ideia que nasceu das suas reflexões depois da passagem do tufão Hato por Macau e tendo em conta o projecto de construção dos novos aterros no território. Chloe Lao inspirou-se também no livro “As Cidades Invisíveis”, de Italo Calvino, para escolher o tema.

Nesta edição do ZILO, Chloe Lao pretendeu “ligar as vidas da zona costeira de Macau com diferentes períodos de vida das pessoas, as suas experiências e as indústrias à volta”. Desta forma, o festival “faz uma nova interpretação das datas e histórias a partir das investigações históricas, entrevistas e observações com artistas locais”. É, assim, apresentada “uma experiência visceral para o público que, desta forma, se relaciona com o mar de uma forma temporal”.

Aterros e companhia

Uma das iniciativas que pode ser vista no âmbito do festival ZILO é a exposição “Dynamics. Invisible Coastlines” [Dinâmicas. Linhas costeiras invisíveis], que até domingo está patente na Casa Garden. Com curadoria de Nero Lio, a mostra chama a atenção para a problemática do desaparecimento de zonas costeiras do território devido às alterações climáticas, mas não só.

A construção de novos aterros tem mudado não apenas as vidas da população como a própria cidade, e esta exposição pretende levar o público a compreender “as dinâmicas entre a terra, o mar e nós”, bem como “as histórias das pessoas que vivem entre o mar e a terra”. Estes trabalhos nasceram de workshops anteriormente realizados.

No sábado, às 15h30 na Casa Garden, está agendada uma sessão de leitura de poesia, intitulada “Message in the Sea Breeze” [Mensagem na brisa do mar]. O evento, em cantonês, conta com a presença de poetas e amantes da literatura que vão ler textos que remetem para vivências da cidade com a sua zona costeira.

Hoje e amanhã, às 19h e 20h, respectivamente, acontece um workshop e uma visita guiada, com ponto de partida na Casa Garden, onde os participantes poderão conhecer alguns locais icónicos do centro histórico e criar projectos artísticos. O evento, intitulado “Hide and Seek in Historic City” [Escondido e encontrado na cidade histórica] será conduzido por Calvin Lam e tem como base um workshop previamente realizado. A participação no evento custa 50 patacas.

No último dia do festival, às 11h, decorre uma palestra intitulada “Now and Then – Macao Coast”, apenas em cantonês, onde serão debatidas as alterações verificadas na zona do Porto Interior nos últimos anos bem como a decadência da indústria de construção de juncos, que outrora tinha muita expressão na zona de Lai Chi Vun, em Coloane.

Também no domingo decorre, às 17h30, a cerimónia de encerramento num barco que fará uma visita até ao cais de Coloane. O ponto de encontro é na zona da Barra, com partida às 18h, sendo que os responsáveis do Out! Coloane Arts Festival estão a cargo da visita guiada ao local.

17 Mar 2022

Pedro Paulo dos Santos, académico: “Macau está perfeitamente integrado na China”

Prestes a terminar a sua tese de doutoramento, Pedro Paulo dos Santos defende que sem uma data para a nova conferência ministerial o Fórum Macau tornou-se numa “entidade adormecida”, mas que pode ter um papel importante a desempenhar em Hengqin. O académico da Universidade Cidade de Macau acredita que os países de língua portuguesa continuam a responder de forma diferente ao potencial da entidade que é ainda pouco conhecida na RAEM

 

Devido à pandemia não há ainda uma data para a conferência ministerial do Fórum Macau. Isso faz com que pareça uma entidade adormecida?

Diria que, devido à covid-19, o Fórum Macau abrandou os seus deveres. As conferências ministeriais são o seu ponto alto e é a ocasião onde estão representados os mais altos dignatários. É nessas conferências ministeriais que são apresentados os planos de acção para os três anos seguintes. Assumo que tudo o que tenha sido proposto no plano de acção anterior foi aprofundado ou estabelecido. Sem uma nova conferência ministerial não se sabe muito bem o caminho que o Fórum Macau vai fazer, porque as suas iniciativas estão paradas. Este vive destas pequenas iniciativas empresariais, porque não é propriamente uma grande organização internacional, não tem um grande impacto nas relações entre os países. Sem estas conferências é uma entidade adormecida, de facto.

O Fórum Macau já existe há 19 anos. Quais as grandes lacunas em termos funcionais?

O Fórum é ainda muito pouco conhecido, até mesmo em Macau. Antes de começar a minha tese de doutoramento fiz um questionário para tentar perceber a sua visibilidade no território, na China e nos países de língua portuguesa. E no seio de 40 pessoas, a maioria portugueses residentes em Macau, diria que apenas três ou quatro conseguiram dizer alguma coisa sobre o Fórum. Isso acontece talvez também por sua própria culpa.

Em que sentido?

Porque não tem feito grandes projectos internacionais, não aparece nas notícias como a entidade responsável por grandes acordos. Logo aí o seu impacto é muito limitado. Mas será que o Fórum Macau foi criado para melhorar o lado visível das relações bilaterais entre os países de língua portuguesa e a China? Penso que não. A China tem cerca de dez organizações internacionais semelhantes ao Fórum Macau, e a nível regional também tem vários. No trabalho que estou a desenvolver para a minha tese de doutoramento foquei-me em seis pontos em particular, e em todo o hemisfério sul apenas três ou quatro países não fazem parte de um fórum chinês. Talvez aí o fórum mais conhecido seja o FOCAC (Fórum para a Cooperação China-África), porque conta com todos os países africanos. Estes fóruns não foram criados para ter um grande impacto nas relações económicas ou nas trocas comerciais, e são essas coisas que têm mais visibilidade.

Qual foi então o grande propósito para a criação destas entidades?

Os fóruns foram criados para permitir à China mostrar um pouco um outro lado. O país criou estas plataformas multilaterais às quais chamou fóruns, e a maneira como funcionam está ligada à discussão de ideias. Apesar de a China ser a líder, quando os países se sentam à mesa todos participam na criação dos planos de acção, e isso ajudou a criar confiança, pois essas mensagens passam para os governos. Pelo estudo que tenho feito, e usando o Fórum Macau [como base], o foco [destes fóruns] foi mais para as áreas relacionadas com cultura, educação, recursos humanos, e isso ajudou a China a promover mais a sua cultura e língua. Isso tem mais impacto em países em desenvolvimento, e não tanto com o Brasil e Portugal, por exemplo.

Com o Fórum Macau, de certa forma, tem sido esse o cenário.

Este tem tido um impacto secundário na ajuda das relações entre os países de língua portuguesa e a China. Não tem projectos muito visíveis. Há aqui duas questões, e uma delas é a falta de conhecimento sobre o Fórum Macau. Esta conferência que deveria acontecer agora seria um ponto de viragem, com novas instalações que são bem maiores e mais visíveis do que as anteriores. Com a nova conferência ministerial haveria maior atenção da imprensa e era falado que a China iria apresentar novas medidas, e isso não aconteceu. Então o Fórum manteve-se estagnado. Estamos numa situação de hibernação que não sei quando irá acabar.

Que outras conclusões da sua investigação pode avançar?

A tese tem um estudo comparativo de seis fóruns chineses para entender como funcionam e qual o seu propósito, e também para distinguir o Fórum Macau dos outros. Tem também um capítulo sobre o papel do Fórum Macau na política externa chinesa, bem como um estudo aprofundado sobre a estrutura organizacional do Fórum e o seu funcionamento, para ver se há uma paradiplomacia ou se existe segundo o modelo diplomático tradicional.

E há de facto uma paradiplomacia, há outros actores nesse relacionamento?

Sim. Este estudo conseguiu provar que há um sistema híbrido na estrutura organizacional do Fórum Macau. Há alguns elementos diplomáticos, e nas conferências ministeriais temos representantes dos governos a participar, e há uma clara linha de comunicação do Fórum a nível governamental. Mas em termos de paradiplomacia existe a participação de membros não ligados aos governos, mas que tentam puxar agendas ligadas aos seus países. E isso consegue-se ver em determinadas áreas.

Como por exemplo?

Inicialmente, o Fórum Macau tinha um foco nas áreas comerciais e na economia, mas começou a mudar para outras áreas, como a cultura, começamos a ver outros elementos a participar. Falo de elementos que fazem trabalho exterior aos governos e isso era impossível não acontecer. Há vários elementos paradiplomáticos em funcionamento no Fórum Macau.

Macau está a caminhar para a integração regional. Qual será o papel do Fórum Macau em projectos ligados a Hengqin ou Grande Baía, por exemplo? Deveria mudar a sua linha de actuação neste contexto?

Macau está perfeitamente integrado na China, como sempre foi um objectivo. O acordo assinado para 50 anos [Declaração Conjunta] foi sempre pensado para a integração das duas regiões administrativas, e sem dúvida que Macau está muito mais integrado do que Hong Kong, e assim irá continuar. Nota-se que cada vez mais a RAEM se aproxima das políticas chinesas. Em relação ao futuro do Fórum, temos de analisar também [além de Hengqin] a Grande Baía, que é talvez o maior projecto da China a nível nacional neste momento. A nível internacional, é o projecto “Uma Faixa, Uma Rota”. E Hengqin vai ter um papel importante. A China não está a entregar Hengqin a Macau, nem nada que se pareça. Está a tentar criar mais uma zona neutra onde negócios dos países de língua portuguesa, e até estrangeiros, possam entrar na China através desta zona. E aí o Fórum Macau poderá ter um papel importante, e os países de língua portuguesa deveriam tomar atenção a isso, pelo ponto de ligação que se pode criar. Já existem os acordos CEPA que facilitam a importação, exportação e transporte de produtos para a China, mas tendo uma zona neutra como Hengqin, que pode receber escritórios de empresas, isso iria ajudar bastante os países de língua portuguesa a entrar no mercado chinês, com a ajuda do Fórum.

Há ainda desigualdades na reacção dos países de língua portuguesa sobre o potencial do Fórum Macau?

Sem dúvida. Vemos isso de uma maneira mais flagrante no facto de os países africanos de língua portuguesa, desde o início, terem enviado os seus representantes que fizeram o seu trabalho a tempo inteiro. Portugal só enviou os seus representantes há seis ou sete anos e o Brasil só agora tem o seu representante a tempo inteiro, e não completamente, porque é o cônsul-geral do Brasil para Hong Kong e Macau que também tem essa função. O Brasil nunca teve um representante a tempo inteiro e isso dá-nos uma ideia de que alguns membros aderiram mais rapidamente à iniciativa do que outros.

Como explica a postura do Brasil?

O país é uma grande economia e vai continuar a ser, pode ter uma certa rivalidade com a China, sobretudo ao nível da cooperação sul-sul, e África também, que sempre olhou com alguma desconfiança para o Fórum Macau. Talvez tenha havido alguma desconfiança no início em relação a Portugal, e tem agora um participante activo. Mas a nível geral penso que todos os grandes países de língua portuguesa deveriam levar o Fórum Macau um pouco mais a sério, talvez não pelo que tenha feito até aqui, mas pelo seu potencial. E não pode ser só a China a tentar levar esta iniciativa para a frente. A China sabe que não consegue tirar benefícios se outros países não os tiverem. O Fórum Macau não está a ser bem utilizado pelos países de língua portuguesa e a pandemia não ajudou, mas tem de haver uma mudança de mentalidade.

17 Mar 2022