Literatura | Agustina Bessa Luís nasceu há 100 anos

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O centenário do nascimento da escritora portuguesa Agustina Bessa Luís começou ontem a ser celebrado, em Portugal, com uma série de actividades. Mulher do norte e autora de obras como “A Sibila”, Agustina Bessa Luís é lembrada como “uma das vozes mais inoportunas da literatura”

 

Nascida em 1922 na zona de Vila Meã, Amarante, Agustina Bessa Luís, falecida em 2019 vítima de doença prolongada, é um dos nomes mais reputados do panorama literário português, muito por culpa de obras como “A Sibila”, lançado em 1954. O centenário do seu nascimento começou ontem a ser celebrado em Portugal com uma série de actividades que decorrem em várias cidades do país.

Marcelo Rebelo de Sousa, Presidente da República portuguesa, destacou que Agustina Bessa Luís era “uma mulher política, no sentido de viver o que é ser-se político, na dimensão mais profunda do termo”.

Aos jornalistas, depois de ter discursado nos claustros do Museu Amadeo de Souza-Cardoso, Marcelo assinalou que a autora, natural de Amarante, “vibrava com aquilo que era o interesse nacional, vibrava com aquilo que considerava fundamental para a comunidade”. “Essa sua independência, o seu amor a Portugal, essa sua ligação às raízes, é ser político para aquele tempo”, referiu, acrescentando que o país precisava que “todas as mulheres e homens fossem mais positivos, no sentido de lutarem na sua vida, no dia-a-dia, para tornarem Portugal melhor”.

“Ela era visceralmente portuguesa, sentia Portugal, não só naquilo pensava, naquilo que era a sua maneira de ser, tinha raízes”, acentuou.

Por sua vez, Ana Pinho, presidente da Fundação de Serralves, sediada no Porto, recordou ontem a autora como “uma das vozes mais inoportunas da literatura portuguesa” e “um espírito anarquista singular”, na abertura das comemorações do centenário.

“Autodidacta, tanto por condição como por convicção, Agustina impôs-se como uma das vozes mais inoportunas da literatura portuguesa”, disse Ana Pinho ao abrir a sessão que antecipou a inauguração de “Uma Exposição Escrita: Agustina Bessa-Luís e a Colecção de Serralves”.

Para a presidente da fundação, “ao questionar tudo o que parecia acondicionado, devidamente arrumado, pacificado”, a romancista “sempre foi ao fundo das questões que lançou ao seu tempo, que é também o nosso tempo”.

Agustina fez-se “historiadora das ideias por sempre ter desconfiado dos feitos e das narrativas de que estes feitos são feitos”, reclamando também “um lugar que a coloca algures entre a psicóloga atenta ao gesto, aparentemente, mais insignificante, e a socióloga que não ensaia grandes explicações totalizantes, mas, antes, não se furta às perguntas fundamentais”.

“Agustina é um espírito anarquista singular, ora disciplinada, ora indisciplinadora”, vincou, recordando que “a sua verve demolidora desafiou os lugares-comuns e o politicamente correcto, alimentando confrontos profundos e admiravelmente violentos”.

Na sessão de abertura interveio também a artista e filha de Agustina Bessa-Luís, Mónica Baldaque, que dedicou as celebrações do aniversário a quem conheceu a mãe “pela leitura, pelo estudo, pela crítica, pelo convívio”.

“Dedico, de maneira particular, a Maria Leonor Cunha Leão, da Guimarães Editores, editora da Sibila (1954) e de toda a obra, que se tornou amiga de minha mãe”, afirmou Mónica Baldaque.

Identidade própria

Convidado pelo HM a traçar um olhar sobre a obra da escritora, João Veloso, director do departamento de português da Universidade de Macau fala apenas, na qualidade de leitor, da “escrita difícil, muito elaborada e densa” de Agustina Bessa Luís.

“Há uma ligação dela ao Porto e à região do Norte. Ela foi, talvez a seguir a Camilo Castelo Branco, [a figura literária] literariamente mais aguda na percepção do Norte. O primeiro livro que li dela foi ‘Os Meninos de Ouro’, uma biografia romanceada de Francisco Sá Carneiro. É interessante ver essa mistura entre a ficção e partes factuais”, disse.

Para João Veloso, Agustina Bessa Luís tinha “uma independência de espírito muito grande”, apostando em “personagens femininas muito fortes” muito antes de “o feminismo se assumir quase como uma corrente na expressão literária”.

Os principais eixos do programa de celebração do centenário do nascimento da autora, que arrancaram ontem em Amarante e se prolongam até Outubro de 2023, centram-se, em especial, no roteiro dedicado aos lugares de Agustina, que nasceu em Amarante, viveu no Porto e tem uma forte ligação ao Douro e ao Minho.

Com a consagração como escritora, que chegou em 1954, Agustina editou ainda outros livros de referência como “Vale Abraão”, adaptado ao cinema por Manoel de Oliveira. Colaboradora de várias publicações periódicas, Agustina Bessa Luís foi ainda directora do diário “O Primeiro de Janeiro” e do Teatro Nacional D. Maria II. Com Lusa

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