Andreia Sofia Silva EventosMontra da Impromptu recebe fotografia de Candida Höfer Uma fotografia da artista alemã Candida Höfer que retrata a Sala da Renascença, na Casa da Música no Porto, Portugal, foi o trabalho escolhido pelos arquitectos João Ó e Rita Machado para a nova montra do atelier Impromptu, a Impromptu Storefront. As linhas geométricas e as cores verdes que fazem parte desta imagem pode ser vista até ao dia 30 de Junho. A inauguração acontece hoje às 18h30. Este projecto nasce de uma parceria com a Cooperativa do Espaço Público Ephemera. Ao HM, João Ó contou que foi a própria Candida Höfer, uma “artista de renome internacional” que sugeriu a escolha da fotografia a partir de uma série de imagens intitulada “Em Portugal”, e que foi exposta no Museu Berardo em 2007. “Nem todas as fotografias casam bem com a nossa montra, porque não somos uma galeria e as pessoas não vêem os pormenores [das obras]. Começamos a seleccionar algumas imagens que resultavam muito mal na nossa montra e não ficavam esteticamente valorizadas. Uma das escolhas até foi o Casino Estoril em Lisboa mas optámos por outra direcção.” A escolha do retrato do edifício da Casa da Música foi feita não pelo edifício mas sim “pelas linhas de força e diagonais que se criavam na própria janela [da montra]”. “Não nos importamos muito que seja uma fotografia simples, porque o mais importante é termos o nome dela na nossa montra em Macau. Temos uma montra que poderia ser uma obra do MoMA [Museu de Arte Moderna, em Nova Iorque]. Imagética própria “Casa da Música I – Porto 2006” é o título desta fotografia e o nome deve-se ao facto de, à artista, não lhe interessar uma interpretação sobre o espaço. Conhecida por ter um portfólio de imagens com os mais importantes edifícios e espaços públicos da actualidade, Candida Höfer fotografa-os sempre segundo a sua própria perspectiva. “Quando ela fotografa um objecto arquitectónico reconhecido internacionalmente, nem sempre captura os espaços que todos conhecem. Neste caso, esta Sala Renascença é um espaço transitório e nem é o anfiteatro da ala grande. Esta sala é também uma montra e uma vitrine para o anfiteatro, ela deliberadamente fechou a cortina, mas podia ser um vidro através do qual olhamos para a sala.” João Ó reconhece que, na Impromptu Storefront, entram sempre obras e projectos relacionados com o diálogo entre a arquitectura e o espaço público, temáticas também muito presentes no trabalho desta artista alemã. “[Este trabalho] vai ao encontro do que queremos fazer, que é oferecer sempre um diálogo entre o espaço público e arquitectura. Podemos dizer que ela é uma fotógrafa da arquitectura enquanto assunto”, rematou.
Andreia Sofia Silva EventosSemana da Cultura Chinesa | Zerbo Freire apresenta amanhã “Quadras chinesas” Zerbo Freire, autor e tradutor, apresenta amanhã na Fundação Rui Cunha a obra “Quadras chinesas”, uma colecção de poemas escritos no período da dinastia Tang. O evento, inserido na Semana da Cultura Chinesa, mostra o primeiro trabalho de tradução de poesia chinesa, a partir do mandarim, feito por um cabo-verdiano O que começou por ser um mero exercício de lazer transformou-se no primeiro livro de poemas chineses traduzidos para português, directamente do mandarim, por um cabo verdiano. Zerbo Freire, autor e tradutor, é o responsável por esse feito, concretizado no livro “Quadras chinesas”, que é amanhã apresentado na Fundação Rui Cunha (FRC), às 18h30, num evento inserido na Semana da Cultura Chinesa, organizada pelo HM e editora Livros do Meio. Foi ainda em Pequim, em 2019, na qualidade de estudante do curso de tradução e interpretação de chinês-português e português-chinês que Zerbo Freire teve o primeiro contacto com a poesia escrita durante a dinastia Tang. A vinda para Macau, no ano seguinte, e a realização do trabalho final de curso não apagaram a sua vontade de continuar o projecto de tradução de poemas da dinastia Tang. No total, Zerbo Freire traduziu 76 poemas. Os leitores poderão ter contacto com escritos que apresentam diversos temas, consoante os períodos distintos da dinastia Tang. “No seu todo são poemas que retratam a nostalgia, a ideia do poeta que saiu muito cedo da sua terra natal. Falam também do sistema de concubinas, das guerras que aconteciam nas fronteiras. Temos também poetas com um estilo mais singular. Alguns descrevem o sofrimento dos homens, o romantismo, a busca por um refúgio da paz, falam da paisagem”, contou o autor e tradutor. Convidado a fazer um exercício de comparação desta poesia com poemas escritos noutros períodos da China imperial, Zerbo Freira confessa que antes da dinastia Tang “a prosa era feita de forma mais vulgar e sem forma”. “Já reflectia temáticas como a nostalgia, a saudade da terra natal, mas era uma poesia com um estilo mais livre face à dinastia Tang”, adiantou. Caminho traçado Traduzir estes poemas começou por ser “uma forma de lazer”. Mas Zerbo Freire conta que “foi-se adaptando e construindo” o seu próprio caminho e método de tradução. “O caminho já está desenhado e só me resta ganhar mais experiência nesta área”, adiantou. Neste processo, o autor e tradutor ganhou maior conhecimento “sobre o pensamento do homem chinês numa certa época”. Trata-se de uma poesia “muito sentimentalista mas que, ao mesmo tempo, reflecte muito a sociedade chinesa naquele período”. “Estudar o pensamento, o modo de ser e de estar do homem chinês de um certo período foi um grande desafio, ainda mais com o pouco que é traduzido para língua portuguesa. O facto de ser o primeiro cabo-verdiano a fazer este trabalho só me dá maior motivação para que os cabo-verdianos contribuam para este processo de tradução de obras clássicas e para que haja uma maior contribuição para um crescente intercâmbio entre a China e os países de língua portuguesa”, concluiu. A apresentação da sessão de amanhã, que serve de encerramento à Semana da Cultura Chinesa, está a cargo do também poeta, tradutor e académico Yao Jingming. Às 17h haverá lugar a um espectáculo de música chinesa com os músicos Sharlotte Yu e Erich Wong.
Andreia Sofia Silva Manchete SociedadeCovid-19 | Autoridades poderão exigir mais testes a quem chega de Hong Kong As autoridades de saúde estão a analisar a possibilidade de exigir mais testes para quem vem de Hong Kong, mas não há ainda uma decisão quanto ao ajuste dos dias de quarentena. As vacinas da BioNTech para crianças chegam a Macau ainda no segundo trimestre A situação pandémica em Hong Kong parece não dar sinais de abrandamento. Nesse sentido, os responsáveis do Centro de coordenação e de contingência do novo tipo de coronavírus estão a ponderar exigir mais testes para quem vem da região vizinha. Refira-se que ontem foram registados na RAEHK 31.402 novos casos de infecção. “Não afastamos a possibilidade de pedir às pessoas que regressam de Hong Kong que façam mais testes antes da partida de autocarro para Macau”, explicou Leong Iek Hou, coordenadora do centro. “Mesmo com mais testes em diferentes dias antes da partida, não podemos garantir que a pessoa não está infectada. Continuamos com [o período] de observação médica aplicado”, frisou. A médica foi também questionada sobre a possibilidade de aumentar o período de quarentena para quem chega de Hong Kong de 14 para 21 dias, bem como reduzir a quarentena de 21 para 14 dias para quem chega de outros países. No entanto, as autoridades não conseguem dar ainda uma resposta. “Vamos fazer estudos para ver se há ou não a necessidade de fazer um ajustamento [no período de quarentena]”, disse Leong Iek Hou. Está também em “fase de estudo” a possibilidade de as autoridades exigirem um período de espera de dois meses, aquando do regresso a Macau, para pessoas que tenham tido covid-19, ou que testem positivo, e que recorram a outros meios de transporte que não o avião. Até agora este período de espera é apenas exigido para viagens de avião. BioNTech infantil Está prevista a chegada, entre Abril e Junho, de um lote de dez mil vacinas da BioNTech/mRNA para crianças com idades entre cinco e 11 anos, que serão vacinadas com duas doses. Entretanto, desde Fevereiro foram vacinadas 16 mil crianças, 12 mil no contexto da campanha de proximidade realizada em parceria com escolas e encarregados de educação. Este fim-de-semana irá decorrer uma nova campanha de vacinação destinada a estudantes e idosos e serão instalados postos de vacinação em vários bairros da cidade. As autoridades de saúde adiantaram ontem que, desde Fevereiro, regressaram a Macau 91 estudantes do ensino superior de Hong Kong. Relativamente ao número de vagas para quarentena, as autoridades continuam a avaliar hotéis para este fim, afirmando que o Hotel Tesouro tem gerido o número de marcações. “Sentimos uma grande pressão para as pessoas que querem regressar de Hong Kong. O Hotel Tesouro tem recebido emails para a reserva de quartos e destacado mais pessoal para responder a estas questões. Sempre que haja disponibilidade o hotel irá fazer marcações.” As autoridades receberam 80 pedidos de ajuda sobre a dificuldade de marcar um hotel, mas alguns pedidos podem ser repetidos. Taxa de vacinação de 72,6% Ao final da tarde de quarta-feira, quase 496 mil habitantes de Macau tinham recebido duas ou três doses da vacina contra a covid-19, representando uma taxa de vacinação de 72,6 por cento. Os Serviços de Saúde anunciaram ontem que a taxa de vacinação contra a covid-19 em Macau atingira 80,2 por cento, com mais de 547 mil pessoas vacinadas, número que inclui quem tomou apenas a primeira dose. No entanto, a taxa de vacinação das pessoas com mais de 80 anos é de 30,6 por cento. As autoridades dizem notar “um aumento significativo” da taxa de vacinação entre idosos e crianças. De acordo com a análise feita recentemente pelo Centro de Protecção de Saúde de Hong Kong das 1.341 pessoas que morreram em Hong Kong, 91,3 por cento não tinham concluído a administração das vacinas.
Andreia Sofia Silva Entrevista MancheteMaria José de Freitas, arquitecta: “Património começa a ser visto como um activo” A arquitecta portuguesa falou esta quarta-feira, no ciclo de conferências do CCCM, sobre a relação entre o património imóvel de Macau e as alterações climáticas. Maria José de Freitas alerta para a ausência de respostas para o velho problema das marés na zona do Porto Interior e pede um calendário para a implementação dos planos de pormenor a nível urbanístico Quais as problemáticas que apresentou nesta ligação do património local com as alterações climáticas? Parti da questão da Grande Baía onde existem nove cidades que, com maior ou menor impacto, são afectadas pelas alterações climáticas, e que têm a ver com a subida do nível das águas e com o facto de nestas cidades haver muitas zonas de aterro. Em Macau e em Hong Kong isso também acontece. Nestas cidades da Grande Baía existe património e em Macau e Hong Kong existe um património mais miscigenado. Macau será a única cidade com património classificado pela UNESCO e, portanto, há que preservá-lo e prevenir situações decorrentes da subida do nível das águas. A situação deve ser monitorizada a nível local, regional e internacional. No caso de Macau, com a construção de tantos aterros e com os constrangimentos causados pelo estrangulamento da bacia hidrográfica do Delta do Rio das Pérolas, o assoreamento do rio e a poluição ambiental, uma vez que no sudeste da China era a fábrica do mundo, surgiram condições que afectam bastante o nosso património. Que exemplos concretos que pode dar? Na conferência falei de três casos concretos, alguns deles passaram directamente pelas minhas mãos, como é o caso das Ruínas de São Paulo, que foi o primeiro caso de património com o qual trabalhei em Macau, em 1991, quando cheguei. Fui absorvida pelo Laboratório de Engenharia Civil de Macau (LECM) que achou que, para esta área, era melhor ter um núcleo de arquitectura, que eu coordenei. Nesse trabalho fez-se uma prospecção para ver o estado das fundações da fachada da antiga igreja. O que é hoje visível é uma fachada praticamente auto-sustentada em fundações, mas não se sabia, à data, a sua profundidade e em que condições estavam. Não há tremores de terra, mas há ventos derivados dos tufões, cuja periodicidade e intensidade se prevê que seja cada vez maior. Nessa altura, a fachada estava afectada por uma série de manchas que afectavam o granito. Foi então feita esta análise e a descoberta dos achados arqueológicos obrigou, de alguma forma, à alteração do projecto. Houve um envolvimento da população à época, o que é importante, tal como a presença da tecnologia, e na altura o LECM apetrechou-se para dar resposta, e foi tratada a pedra de granito das Ruínas para evitar a sua degradação. Mas a população deve protagonizar este alerta constante em relação à protecção do património. Que mais casos apresentou? Falei da farmácia Cheong San, onde o dr. Sun Yat-sen exercia medicina. O edifício foi adquirido pelo Governo em 2011 e depois foi recuperado, e quando foi feito esse processo descobriram-se achados arqueológicos do antigo cais de acostagem, porque aquela zona foi um aterro também. Além disso, apresentei a situação dos estaleiros de Lai Chi Vun, que passaram a ser foco de maior atenção depois do tufão de 2018 [o Hato]. Na altura, conseguiu-se um consenso para que eles fossem classificados e protegidos. Há um projecto em curso que vai contribuir para uma mais valia científica e cultural não só das pessoas que habitam naquela povoação como dos visitantes. O património imóvel e as alterações climáticas têm uma sinergia muito grande entre si e isso pode contribuir para posicionar o património como um activo. O património cultural não é nada que pertence ao passado e que está imóvel, mas começa a ser considerado um activo cultural para o futuro. No caso de Lai Chi Vun há essa classificação, mas o plano concreto de requalificação parece demorar a ser concretizado. As autoridades vão conseguir dar resposta face às alterações do clima cada vez mais rápidas? [É preciso tempo], estando vários organismos envolvidos [nesse processo], como é o caso do Instituto Cultural (IC) ou da Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes. Os estaleiros em si são estruturas vulneráveis e estão muito degradadas e pode de facto acontecer isso. Há dois casos de estaleiros que já não existem e que serão conservados como zonas verdes. O resto precisa do seu tempo para acontecer. Penso que até ao final do ano uma parte destes estaleiros vai poder ser visitado e é possível assistir a essa recuperação. Ao longo do tempo [esse plano será concretizado], só espero que não ocorram mais incidentes como o Hato. Acredito que o IC está atento a essa situação e que a nova presidente, que tem uma formação na área da arquitectura e que esteve à frente deste departamento do património, está também atenta a essas questões. A população está sintonizada também com estas matérias. Em relação aos novos aterros e à subida do nível das águas, acredita que os projectos habitacionais em curso já têm em conta essas alterações climáticas? A cota que se vê mais quando se analisa as plantas cartográficas de Macau, das zonas planas e de aterro eram cotas de três a quatro metros acima do nível médio das águas. Sei que actualmente a cota dos novos aterros é de cinco metros, daí que tenha havido estudos nesse sentido e que evidenciam essa necessidade de olhar para uma subida do nível das águas e que dá uma maior margem de segurança. Tudo o que acontece na zona do Delta [do Rio das Pérolas] deve ser avaliado em conjunto em universidades e laboratórios de engenharia. O que me causa maior apreensão é a ocorrência de marés na zona do Porto Interior. Estão a ser desenvolvidas algumas obras, mas acha que essas soluções são as ideais? Já se falava da ocorrência de marés no século XVIII, XIX, já foram feitos muitos planos e nunca se chega a um consenso sobre a forma de organizar os diques para proteger o património. Se toda a baixa da cidade sofrer inundações sucessivas, qualquer dia não temos a possibilidade de manter a Macau que conhecemos. Estes novos aterros devem ser analisados em conjunto para que se tomem medidas a tempo. Sei que é uma preocupação referida no plano director de uma forma teórica, e tem de ser sinalizado na prática. Sobre o plano director, está satisfeita com as respostas dadas quanto às alterações climáticas? Este plano é uma cartilha de boas intenções e remete para a fase dos planos de pormenor para as 18 zonas. Seria demasiado cedo para avançar com propostas, mas em Macau é sempre demasiado cedo para se fazer qualquer coisa e quando se faz, muitas vezes já é tarde demais. O plano poderia ter incluído mais especificações em determinadas zonas e áreas. A proposta apresentada para discussão, e refiro-me mais ao relatório técnico, e que justifica algumas das opções tomadas, aparece agora no plano de uma forma mais aligeirada. Remete-se para os planos de pormenor e ficamos na expectativa sobre quando é que eles serão finalizados. Não há um planeamento nesse sentido e essa deveria ser uma adenda a fazer ao plano director, para que fosse especificado um calendário para esses planos de pormenor, e quais são prioritários para o desenvolvimento, nunca perdendo uma visão de conjunto com os transportes, serviços e educação da população. Debate no CCCM A palestra que Maria José de Freitas deu esta quarta-feira intitula-se “Alterações Climáticas e o Património Imóvel em Macau: Mitigação dos Impactos” e integrou um ciclo de conferências da primavera que o Centro Cultural e Científico de Macau, em Lisboa, está a organizar num formato híbrido. Até este sábado será possível assistir a palestras inteiramente dedicadas a Macau e a várias áreas de estudo. O programa completo e link Zoom poderá ser consultado no website https://www.cccm.gov.pt/conferencias-da-primavera/
Andreia Sofia Silva Manchete PolíticaAPN | Macaenses elogiam posição de Lok Po sobre identidade Várias personalidades da comunidade macaense elogiaram o discurso de Lok Po na Assembleia Popular Nacional a propósito de uma maior integração dos macaenses na “nação chinesa”. O antropólogo Carlos Piteira acredita que terá havido alguma influência por parte da elite macaense para o assunto ser levado ao órgão legislativo chinês Terão sido poucas as vezes que o tema da identidade macaense foi abordado nas reuniões anuais da Assembleia Popular Nacional (APN). Após Lok Po, director do jornal Ou Mun e representante de Macau neste órgão legislativo chinês, ter defendido uma maior integração dos macaenses na “nação chinesa”, o HM contactou várias personalidades da comunidade que se mostraram satisfeitas com o discurso. Jorge Fão, dirigente da Associação dos Aposentados, Reformados e Pensionistas de Macau (APOMAC), disse ter telefonado a Lok Po para lhe agradecer a referência. “Não esperava que houvesse alguém com a atenção de fazer uma proposta de que a comunidade é importante e deve ser protegida, cimentada e até reconhecida.” “Seria bom que a China promovesse a existência da nossa comunidade no continente. Aqui todos sabem da nossa existência, mas quem vive no interior da China, e falamos de 1,4 mil milhões de habitantes, poucos devem conhecer a nossa comunidade”, acrescentou. Para Carlos Piteira, macaense e antropólogo, pode ter havido “alguma pressão ou influência de uma parte da ‘elite’ macaense, eventualmente da nova geração, para que o tema fosse levado à APN. Não antevejo que tenha sido uma iniciativa estritamente levada a ‘cabo’ pelo representante da RAEM”, defendeu. O discurso de Lok Po “só reforça e indicia que a RPC e o Governo da RAEM têm feito mais pela perpetuação da identidade macaense em Macau do que o Estado português”. Neste sentido, Carlos Piteira pensa que há o risco de se “apagar uma parte da história da etnicidade macaense que realça a sua matriz portuguesa”, acabando esta por “ser absorvida pela ‘nação chinesa’”. Deixem-nos ser Em declarações à TDM, Miguel de Senna Fernandes, presidente da Associação dos Macaenses, disse ter ficado “feliz” com a menção feita por Lok Po em Pequim. “A comunidade macaense é única e identificou-se muito tempo com Portugal, mas nunca se deixou de ligar à China. Não é verdade quando o Lok Pok diz que depois da transferência de Soberania os macaenses reconheceram a RPC, sempre o fizemos”, acrescentou. Para o advogado e dirigente associativo, é importante que a comunidade macaense mantenha a sua essência. “É importante que nos deixem ser como sempre fomos. Se as novas gerações de macaenses se querem considerar como uma das etnias chinesas, essa é uma questão da nova geração.” Para o deputado José Pereira Coutinho, a integração dos macaenses aconteceu logo no primeiro ano de existência da RAEM, quando muitos optaram pela nacionalidade chinesa. “Muitos já exercem cargos de responsabilidade na Conferência Consultiva Política do Povo Chinês, temos macaenses bem integrados e entrosados em várias associações que têm óptimas ligações sociais na RPC.” Coutinho frisou que essa integração “é uma evolução gradual que está a acontecer em Macau”. “Com o aparecimento da covid-19 têm saído muitos portugueses de Macau. Portanto, é uma evolução natural que só traz benefícios para Macau”, adiantou o deputado. Jorge Fão confessou também ao HM que, no próximo mês, será realizada uma assembleia- -geral na APOMAC, sendo proposta a oferta de uma lembrança a Lok Po pela sua menção aos macaenses na APN. “A nossa associação não pode ‘condecorar’ ninguém, mas esta lembrança serve para mostrar o nosso agradecimento. Como membro da comunidade macaense gostava de lhe agradecer em público.”
Andreia Sofia Silva Entrevista MancheteJosé Manuel Duarte de Jesus, embaixador jubilado: “A diferença entre a China e a Rússia é enorme” Ex-embaixador de Portugal em Pequim e Pyongyang, José Manuel Duarte de Jesus defende que a China tem mantido uma estratégia para a sua política externa semelhante desde 1949 e que precisa de um mundo estável para a sua sobrevivência. Quanto à situação na Ucrânia, o embaixador jubilado acredita que a China “está a fazer as coisas com grande subtileza” Quando é fundada a RPC, em 1949, Mao Zedong passou a liderar um país ainda fechado ao mundo. Neste período como eram as relações externas chinesas? Na conferência de Bandung [em 1975], Zhou Enlai, então primeiro-ministro chinês, delineia as grandes linhas que vão orientar a diplomacia chinesa e a política externa. É interessante ver que, no caso da China, comparando com a maior parte dos países, tem havido uma constância enorme na sua política externa. Até aos dias de hoje. Mesmo com os problemas que se colocam hoje com a Ucrânia, julgo que a linha básica é a mesma. Isso verifica-se no caso de Taiwan e até com os problemas de agora. As últimas declarações de Wang Yi [ministro dos Negócios Estrangeiros] sobre a Ucrânia não diferem muito da política estabelecida. Vimos que a China condena a invasão, mantém a sua ideia de multilateralismo, a defesa das grandes orientações da ONU. A sua abstenção nas votações manteve-se quando foi do problema da Crimeia. A ideia da China é evitar meter-se nas crises internas de outros Estados. A China abstém-se, mas a comunidade internacional insiste numa tomada de posição. Isso vai acontecer? Condeno absolutamente a invasão na Ucrânia. Mas uma coisa é condenar, outra é votar publicamente contra. A China já está a assumir alguma posição. Recentemente houve um longo telefonema da ministra dos Negócios Estrangeiros da Ucrânia com Wang Yi. A China está a fazer as coisas com grande subtileza, está a ter uma intervenção no sentido de promover o diálogo, mas não o faz publicamente. O pragmatismo da China, no que diz respeito à política externa, é imenso. Duvido que a China torne pública uma posição. Temos de ter alguma atenção a estas coisas que se vão dizendo, nomeadamente da grande aproximação entre a Rússia e a China. Porquê? Temos de ser prudentes. A China baseia-se, além de Karl Marx e Lenine, na filosofia antiga. E lembro-me muito, nesta situação, de uma coisa que Confúcio escrevia e que se aplica muito a esta situação, sobre a virtude, quando ele diz que sabe harmonizar-se com o outro quando esse outro é diferente, mas não o copia. Esta ideia está presente. A diferença entre a China e a Rússia é enorme. E sempre foi. A aproximação [dos dois países] é pragmática. Julgo que tentar uma harmonia não é copiar o modelo. É difícil entender a China quando não se tenta entender um pouco do seu passado cultural, e que comanda muitas das reacções que a China tem no mundo. A Rússia é hoje uma oligarquia, afastada dos ideais do comunismo. Mas a China tem uma forte relação comercial com o país. Acha que esta relação poderá sofrer mudanças profundas nos próximos tempos? É natural, suponho que todo o mundo vai sofrer mudanças. Vamos ter uma ordem mundial com fortes diferenças e ajustes. É difícil prever o que vai acontecer, mas estamos perante um modelo russo que é capitalista no pior sentido da palavra capitalismo. A dependência daquele senhor [Vladimir Putin] dos grandes oligarcas é enorme. A Rússia é fundamentalmente pragmática e nas relações externas o pragmatismo é a única ideologia da China. Daí digamos que haja uma grande vantagem para o diálogo e para a paz mundial. Pode ser um actor importante para ultrapassar clivagens. No período da Guerra Fria dominavam dois actores, a URSS e os EUA. A China procurava uma outra via diplomática? A China buscava para si um apoio no que, naquela altura, se chamava o Terceiro Mundo, a criação de um bloco que ultrapassasse os problemas entre os EUA e URSS. Tinha depois a Índia que queria fazer exactamente o mesmo, embora na altura nenhum deles [China e Índia] fosse ainda uma potência. A China teve uma evolução que lhe permitiu pôr em prática esse modelo a nível mundial com maior eficiência do que a Índia, que não conseguiu a mesma progressão tecnológica. Com Deng Xiaoping o país abre-se ao mundo. A evolução económica do país teve um impacto na forma da China se relacionar com os outros países, com uma visão mais economicista? Com certeza, sempre houve essa visão. Isso porque a China sempre foi pragmática e deu, desde a velha Rota da Seda até à actualidade, um valor especial às relações comerciais no sentido de poder ultrapassar a problemática política. Essa tem sido sempre uma aposta grande na China. A URSS sempre quis vender o seu modelo político a outros países e isso ficou muito evidente no caso da guerra colonial nas antigas colónias portuguesas em África. Havia movimentos que estavam ligados à URSS que queriam copiar o seu modelo. E que obtinham financiamento. Exactamente. Sabemos que a China financia todos. A ideia é sempre esse pragmatismo e isso ajuda a China a ultrapassar clivagens ideológicas ou ligadas ao poder. Hoje assistimos a um novo bipolarismo, já não entre a URSS e EUA mas entre os EUA e China. Mas a China tenta sempre partir este modelo, às vezes consegue, outras vezes não. Essa estratégia verifica-se em projectos políticos actuais como é o caso de “uma faixa, uma rota”, em que há um amplo investimento da China em diversos países. É uma cópia desse modelo no período colonial? Acho que sim. E é algo que vem desde os tempos da velha rota da seda: pegar em todos aqueles que são inimigos da China e torná-los parceiros económicos. O modelo tem sido sempre o mesmo com adaptações às circunstâncias. Há aqui uma orientação milenar que a maior parte dos políticos e analistas se esquecem. A análise que tem sido feita à diplomacia chinesa peca por não olhar para esse lado filosófico, essa base confucionista, e que é diferente de outros países? Sim. Há sempre um erro, mas penso que Portugal é dos países que menos comete esse erro por ter uma experiência de 500 anos de convivência com o país através de Macau. Tenho alguns exemplos que aconteceram comigo, e fiquei abismado com frequência por ver até que ponto essa história ainda se reflecte no nosso diálogo. Esse modelo que criámos permanece, com altos e baixos, e Portugal deveria explorar mais, do ponto de vista diplomático, este vector. Actualmente a China parece estar a usar a pandemia como uma ferramenta de soft power, e Xi Jinping tem usado muito o conceito do “socialismo com características chinesas”. Com base nestes dois factores, como olha para a estratégia diplomática de Xi Jinping para os próximos tempos? Sou prudente nessas coisas, porque mesmo a China tem desvios nesse tipo de linhagem ideológica. O problema que está a acontecer, e que é grave, são as relações com os EUA. Vimos que o Trump teve uma política externa desastrosa para a imagem externa do país. Estava com esperança de que Joe Biden viesse dar uma volta a isso, mas infelizmente não deu. Ou ainda não teve tempo para dar? Agora é tarde demais para dar, e ainda por cima tem de lidar com problemas internos graves. Ele quer afirmar-se e nesse processo não quer dialogar, porque acha que dessa forma fica com uma imagem de fraqueza. Isso prejudica porque estamos perante dois pólos economicamente e tecnologicamente concorrenciais. Sem diálogo, o problema é grave e isso junta-se ao problema que temos hoje na Ucrânia. Penso que da parte da China há uma vontade real de diálogo, porque sem isso os problemas económicos podem agravar-se no país. A China está numa grande fase de desenvolvimento e para isso precisa de um mundo estável, a sobrevivência do país depende dessa estabilidade, pois permite-lhe ter relações vantajosas. Se há uma guerra ideológica isso prejudica gravemente a China. Um cenário de guerra comercial com os EUA está afastado? Infelizmente não está. Em relação a Taiwan, paira o fantasma de um conflito armado? Convém não confundir Taiwan com a Ucrânia, que não têm nada a ver um com o outro. Mais uma vez a política da China em relação a Taiwan foi sempre a mesma, que é afirmar que o território faz parte da China desde a dinastia Ming. A diplomacia chinesa tem sido basicamente a mesma, mas infelizmente a diplomacia americana tem sido um zigue-zague nos últimos anos. E há académicos a afirmar isso, incluindo o próprio Kissinger. É difícil prever o que vai acontecer, porque vai depender muito da influência externa dos outros países. Teremos de ver qual vai ser a atitude dos EUA face a Taiwan. A China vai, de certeza, manter a posição de “wait and see” [esperar e ver] e não vai copiar o senhor Putin e invadir. Se não tivesse surgido o problema da Ucrânia a questão de Taiwan seria um dos maiores focos de tensão a nível mundial. Vamos ter esperança de que as coisas se resolvam com Taiwan de uma maneira diferente, porque Taiwan é hoje uma grande economia e já é diferente da região que era nos anos 70. É natural que o diálogo tenha de ter uma formulação diferente. A Coreia do Norte condenou as forças ocidentais na invasão da Ucrânia. Sendo uma potência nuclear, tal como a Rússia, teme algum tipo de união entre os dois países para um maior poder nuclear? Espero que isso não aconteça. Não vejo nenhum tipo de ligação possível entre Putin e Coreia do Norte, são actores radicalmente diferentes. Quando eu lá estava, um dos inimigos da Coreia do Norte era a URSS. Mas quando há inimigos comuns, a união entre adversários é relativamente possível, pelo que há sempre um perigo. Não podemos esquecer as quatro potências nucleares a Oriente e não podemos brincar com o fogo, com o louco da Coreia. A Coreia do Norte é mais um laboratório psíquico do que um Estado. Nunca vi nem vejo comparação com outro país. Mas quem tem um cão tem de saber lidar para que ele não morda. Orador no CCCM José Manuel Duarte de Jesus será um dos oradores no ciclo de conferências da Primavera organizado pelo Centro Cultural e Científico de Macau. No dia 31 deste mês irá apresentar a palestra “A construção de uma imagem externa na diplomacia da República Popular da China, desde Zhou En Lai até aos nossos dias”, que serviu de ponto de partida para esta entrevista. José Manuel Duarte de Jesus participa na qualidade de académico do Instituto do Oriente, ligado à Universidade de Lisboa.
Andreia Sofia Silva Grande Plano MancheteDia da mulher | O impacto da pandemia e a menor representatividade política Celebrou-se ontem o Dia Internacional da Mulher, mas, em Macau, o desequilíbrio na representatividade de género permanece activo em vários sectores. As mulheres são, para Christiana Ieong, do Zonta Clube, as maiores vítimas do impacto da pandemia. Esta acredita que mais dias de licença de maternidade podem trazer problemas às trabalhadoras do sexo feminino. Nedie Taberdo Palcon, do Sindicato de Trabalhadores Migrantes das Filipinas, diz que as condições de vida e de trabalho das mulheres migrantes pioraram Ser mulher em Macau no século XXI continua a significar não ter grande presença no sistema político, com cada vez mais jovens a procurarem um eterno equilíbrio entre a carreira e uma família. Ontem, celebrou-se o Dia Internacional da Mulher num contexto de pandemia que trouxe muitos impactos negativos à sociedade e à economia locais. Para Christiana Ieong, presidente da assembleia-geral do Zonta Clube de Macau, as mulheres foram as principais vítimas da pandemia. “Penso que a pandemia afectou mais as mulheres porque normalmente elas precisam de cuidar da casa. Com a pandemia, a maior parte das famílias não teve ajuda no trabalho doméstico, e muitos pais tiveram de trabalhar em casa e cuidar dos filhos ao mesmo tempo.” Para a responsável, a pandemia agravou uma situação que já antes se verificava. “Mesmo sem a covid-19, a nova legislação tornou mais difícil e caro contratar uma empregada doméstica. Isso não ajuda as mulheres a apostarem na carreira”, frisou. Christiana Ieong acredita que, se as mulheres são as que mais sofrem com este panorama, tal implica uma mudança em toda a estrutura familiar. “Haverá mais problemas familiares porque há mais stress económico e mental, sobretudo num panorama de desemprego. Mas penso que, acima de tudo, temos sorte, se nos compararmos com as regiões vizinhas, como é o caso de Hong Kong. Temos sorte de termos um Chefe do Executivo forte e competente para liderar nestes tempos difíceis”, disse, num elogio a Ho Iat Seng. Boa licença de maternidade Christiana Ieong, que foi ontem uma das oradoras num evento dedicado ao Dia da Mulher promovido pelas câmaras de comércio do Reino Unido e Austrália em Macau, defendeu ainda ao HM que aumentar os dias da licença de maternidade pode ter um resultado negativo para quem busca uma carreira. “Não é mau a fasquia de 70 dias de licença de maternidade em Macau, penso que é uma boa política. Se as mulheres tiverem mais dias de licença de maternidade ficam numa posição de menor vantagem em termos de recrutamento, porque os custos [laborais] para contratar mulheres vão aumentar. Não diria que o aumento dos dias de licença de maternidade pode não ser algo positivo para as mulheres e penso que a actual situação não é totalmente má. Os empregadores podem optar por contratar mulheres mais velhas, que têm menos possibilidade de engravidar.” Esta posição é, por exemplo, contrária à que tem sido defendida pelos deputados ligados à Federação das Associações dos Operários de Macau, que pedem que as grávidas possam ter direito a uma licença de maternidade até 14 semanas, além de exigirem que os empregadores concedam, por dia, uma hora de trabalho para que as mães possam amamentar. Sobre a igualdade de género em áreas como a política, a responsável defende que continua a haver um desequilíbrio. “Olhando para os dados e para a representação das mulheres na Assembleia Legislativa, vemos uma tendência de quebra. As mulheres têm menos voz na elaboração de políticas. Elas desempenham um papel muito importante nas famílias e, se tiverem uma maior representatividade, haverá um maior equilíbrio em termos de igualdade de género, o que leva a uma maior estabilidade social.” Actualmente, o hemiciclo é composto por apenas cinco mulheres (Angela Leong, Ella Lei, Song Pek Kei, Lo Choi In e Wong Kit Cheng) num total de 33 deputados. Relativamente ao elenco governativo liderado por Ho Iat Seng, Elsie Ao Ieong U, com a tutela dos Assuntos Sociais e Cultura, é a única secretária no grupo de cinco. Christiana Ieong pensa que mais mulheres em cargos de liderança significa maior igualdade na elaboração das leis, sobretudo em matéria laboral. “Haveria uma maior estabilidade se as leis fossem mais favoráveis às mulheres.” Segundo a agência Lusa, a Associação Geral de Mulheres teve um aumento do número de pedidos de ajuda desde que a pandemia começou. Dos 337 pedidos feitos em 2019, passou-se aos 1.236 pedidos de ajuda no ano seguinte. No ano passado, houve uma ligeira redução de casos, para 904. Ouvida pela Lusa, a ex-deputada e académica Agnes Lam também destacou um maior cenário de desigualdade de género. “A pandemia causou a algumas mulheres a perda dos seus empregos, perturbou o mercado de empregadas domésticas em Macau, aumentou as responsabilidades financeiras e familiares das mulheres, e dificultou a progressão das mulheres em Macau na carreira profissional, o que, de facto, afectará o progresso da igualdade de género”, salientou. Migrantes sofrem mais Se as mulheres parecem ter sido das principais vítimas da pandemia, as mulheres migrantes parecem ter sofrido ainda mais as consequências de cenários como a perda de emprego, quebra de vencimento e dificuldades económicas para continuarem em Macau. “Penso que o primeiro grupo a ser atingido foi o dos trabalhadores migrantes, mas não tenho informação suficiente para falar sobre isto. Mas não surpreende o facto de os migrantes serem as maiores vítimas [da situação]”, frisou Christiana Ieong. Nedie Taberdo Palcon, dirigente do Sindicato Verde dos Trabalhadores Migrantes das Filipinas em Macau, conta que a situação de enorme desigualdade verificada antes da pandemia se agravou nos últimos meses. “Todos sabemos que há muitos trabalhadores migrantes, sobretudo domésticos, que perderam o trabalho durante a pandemia. A falta de protecção social destes trabalhadores continua a ser um a realidade. Vimo-nos forçados a deixar o emprego sem regalias ou pagamentos. Até hoje, não temos direito a um salário mínimo como sempre exigimos. O fim do contrato antes do seu termo tem sido gritante se o trabalhador decidir não continuar com o mesmo empregador. Mesmo que faltem apenas um ou dois dias para o contrato terminar, ele é imediatamente banido nos serviços de emigração, sem a possibilidade de poder encontrar outro emprego.” Desta forma, Nedie Taberdo Palcon conclui que “os direitos dos migrantes continuam a não estar protegidos em Macau”. “Posso dizer que a situação é pior do que no passado. Os grandes problemas que os trabalhadores migrantes e as mulheres enfrentam hoje em dia estão ligados à mudança de emprego. Além disso, se o trabalhador ficar doente, é despedido pelo empregador para que este não tenha de suportar as despesas médicas. Desta forma, os trabalhadores vêem-se sem trabalho e com enormes despesas hospitalares para pagar, vivendo do apoio de doações feitas por associações e organizações não governamentais (ONG)”, adiantou. Além das frágeis condições laborais, Nedie Taberdo Palcon pensa que as ONG que defendem os direitos dos trabalhadores migrantes têm hoje menos voz no diálogo com as autoridades. “O Governo nunca nos ouviu ou convidou para qualquer consulta pública relacionada com os nossos direitos. Os nossos pedidos mais importantes passam pela revisão do nosso salário mínimo, do apoio financeiro para a renda de casa e cuidados de saúde e outras questões às quais continuam a fazer ouvidos moucos e olhos cegos”, rematou. Na liderança Teve ontem lugar no hotel St. Regis, em Macau, um evento para assinalar o Dia da Mulher, organizado pelas Câmaras de Comércio do Reino Unido e Austrália. Como temas, estiveram em cima da mesa a igualdade de género e a necessidade de quebrar barreiras no acesso das mulheres a posições de liderança na sociedade. Citada por um comunicado, Janet McNab, vice-presidente para a área das propriedades do Sheraton Grand Macao e St.Regis, destacou a importância de se atingir uma maior igualdade salarial entre homens e mulheres. “Macau é casa para muitas mulheres que assumem posições de liderança, e é uma honra conhecer e trabalhar com muitas delas que constroem, inovam e lideram todos os dias apesar dos desafios e das constantes mudanças no cenário de negócios”, frisou. O evento serviu ainda para a recolha de 130 mil patacas que serão doadas ao Centro do Bom Pastor, uma associação que trabalha com vítimas de violência doméstica e de outro tipo de abusos. Dia da Mulher | Governo comprometido com igualdade de género No Dia Mundial da Mulher, o Governo garantiu estar empenhado na concretização do plano Objectivos do Desenvolvimento das Mulheres de Macau (2019-2025). O documento foi publicado pelo Instituto de Acção Social e tem como objectivo global “permitir que ambos os géneros possam exercer os mesmos direitos”. Segundo o documento recordado ontem, depois de concretizados os objectivos, “espera-se que as mulheres (sobretudo as mais vulneráveis) tenham mais oportunidades de desenvolvimento em áreas como a participação política, carreira profissional, participação social, economia e bem-estar”. Ontem, o Executivo defendeu que para concretizar os objectivos é necessário tomar medidas concretas como o apoio às vítimas de violência doméstica, prevenir que as pessoas do género feminino caiam na tentação do jogo e ainda reforçar o papel da mulher e do homem na educação dos filhos. Como forma de garantir as medidas concretas, ao Governo diz ter realizado 18 sessões de formação para os funcionários públicos, associações e escolas do ensino superior sobre a “integração de género” e ainda um trabalho na comunidade através de curtas-metragens, aplicações de jogo Wechat e concursos para residentes com o tempo da igualdade de género.
Andreia Sofia Silva Eventos Manchete“Debate sobre libertação das mulheres foi importante no PCC” Em traços gerais, como tem evoluído a posição da mulher chinesa, sobretudo entre a queda do império e o período da República? Podemos falar de uma libertação da mulher dos padrões sociais normais e um início de debate sobre os seus direitos? A China Imperial regia-se pelos princípios patrilinear e da hierarquia social, sendo que ambos constituíam uma herança do pensamento confucionista. Neste contexto, a mulher encontrava-se subordinada ao homem e dever-se-ia submeter à autoridade masculina (primeiro, do pai, depois, do marido e dos filhos), sendo a linhagem da família assegurada pelos membros masculinos. Tendo em conta que as funções da mulher se circunscreviam ao círculo familiar, as virtudes femininas (socialmente consideradas) remetiam para a obediência, a docilidade ou a castidade. Não é, assim, por acaso que, no final do século XIX, quando assistimos, ainda no final da Dinastia Qing, ao nascimento de um movimento feminista chinês, a herança confucionista será um dos alvos de contestação. Que papel teve este movimento? Ainda que brotando das entranhas das classes mais abastadas e tenha nascido sob o impulso de mulheres que tiveram a possibilidade de estudar no exterior (nomeadamente, no Japão, EUA e Europa), o movimento feminista chinês vai lançar o debate, no seio da tradicional sociedade chinesa, sobre a condição e a posição social das mulheres. Quais as principais reivindicações à época? Reivindica-se, então, o direito a uma educação para as mulheres, direitos iguais, perante a lei, e a abolição dos pés enfaixados (um acto que remontava à dinastia Song e que pretendia demonstrar, no seio de uma determinada comunidade, a riqueza de uma família). Todas estas reivindicações têm a particularidade de unir o feminismo com o patriotismo, já que se considerava que o fato de as mulheres terem acesso à Educação permitiria que os seus filhos pudessem ter uma melhor formação, o que, afirmavam as feministas chinesas, conduziria a uma melhoria qualitativa do nível de conhecimento e de formação do povo chinês. Ainda que, do ponto de vista legal, a educação feminina tenha o seu início formal em 1907, será necessário aguardar pela instauração da República, em 1912, para que se verifique, de facto, uma evolução qualitativa na condição da mulher no seio da sociedade chinesa. O debate iniciado no final do século XIX acaba por surtir um efeito legislativo na China republicana, pelo que, a partir de então, o enfaixamento dos pés é proibido e as escolas passam a poder ser mistas. Não obstante, a Constituição elaborada pela Assembleia Legislativa de Nanjing, e tornada pública a 11 de março de 1912, não prevê, por exemplo, o sufrágio feminino ou a elegibilidade das mulheres, o que constituiu um motivo de desapontamento para as sufragistas chinesas. Apesar disso, a mulher, no plano social e jurídico, vai assumindo um novo papel, pelo que podemos falar de uma evolução, a qual, no contexto chinês, passa por uma libertação da mulher das amarras patriarcais, herdadas, em parte, do confucionismo. Em 1915, a emancipação das mulheres vai encontrar-se no centro de vários debates, discutindo-se temas como a denúncia da moral confucionista, o casamento, o concubinato ou o encorajamento do suicídio feminino, em nome da virtude e da lealdade. A discussão aprofunda-se aquando do movimento 4 de maio de 1919, momento este que podemos considerar como o ponto alto na história do feminismo na China. Houve mudanças a nível jurídico, por exemplo? Aprofunda-se, então, uma reflexão sobre o papel das mulheres na sociedade, a necessidade da sua libertação, a castidade e virgindade (duas virtudes consideradas fundamentais na China tradicional) ou a desigualdade sexual. O debate sobre a condição feminina vai, depois, a partir de 1921, ser levado para o interior do Partido Comunista Chinês. Aliás, muitos dos autores que colaboram na imprensa vanguardista pós-movimento 4 de maio e que defendem a libertação da mulher na sociedade chinesa serão ativos militantes comunistas. Com efeito, estes futuros membros do Partido Comunista Chinês (como Chen Duxiu, Chen Wangdao ou Qu Qiubai) concluem que é necessário operar-se uma mudança sociopolítica para que a mulher, na China, possa alcançar uma nova posição social. Em suma, o debate no que diz respeito à condição feminina foi-se aprofundando, ao longo da primeira metade do século XX, abrindo, deste modo, o caminho para uma efetiva igualdade sociopolítica e jurídica. Na China de Mao, e sobretudo no período da Revolução Cultural, os direitos das mulheres eram abordados ou simplesmente ignorados pelo poder? Como referi, o debate sobre a libertação das mulheres passa a constituir um elemento importante no seio do Partido Comunista Chinês, e isto logo após a sua fundação, em 1921. Quando, no final da década de 1930, o PCC domina algumas zonas rurais (fundando, então, a República Soviética da China), os comunistas vão, desde logo, integrar as mulheres nas atividades políticas e económicas. O PCC enceta, assim, um movimento sociopolítico vanguardista, libertando a mulher da esfera patriarcal e familiar e trazendo-a para a esfera pública. Data, aliás, de 1931, o Regulamento sobre o Casamento, publicado na então República Soviética da China, o qual podemos considerar como o primeiro texto legal que codifica a prática do casamento entre indivíduos livres e iguais. Na sequência deste regulamento, o governo soviético chinês publicou, três anos depois, a Lei do Casamento, a qual estipula, entre outras prerrogativas, uma idade mínima no casamento (18 anos, para as mulheres, e 20 anos, para os homens), a obrigatoriedade de declarar o casamento às autoridades, a proibição da poligamia e do concubinato ou o divórcio por mútuo consentimento. Depois da revolução chinesa, em 1949, a recém-nascida República Popular aprova, desde logo, matéria legislativa que pretende colmatar as diferenças, perante a lei, de homens e mulheres. Esta legislação herdou, aliás, muito daquilo que havia sido estipulado nos regulamentos aprovados durante a década de 1930. A lei do voto garante o direito de voto das mulheres e estipula-se, por exemplo, que as mulheres recebam o mesmo salário que os homens, pelo mesmo trabalho, assim como direitos de propriedade e de acesso ao trabalho iguais. Sendo consideradas, tal como os homens, como parte da força de trabalho, as mulheres são chamadas a participar na construção da nova sociedade socialista, buscando-se atingir uma igualdade, de facto, por meio da transformação da sociedade. Aliás, já no Livro Vermelho, Mao Tsé-Tung assinalava que, ao longo da história chinesa, o homem havia estado sujeito à dominação de três sistemas de autoridade: a autoridade política, a autoridade familiar e a autoridade religiosa. A mulher, por seu lado, alertava Mao, encontrava-se, contudo, submetida a uma quarta autoridade – a autoridade masculina -, pelo que Mao considerava que o exercício destas quatro autoridades constituía a própria essência ideológica e moral do sistema feudal-patriarcal que havia que derrubar. Os direitos das mulheres não apenas não foram ignorados, na China Popular, como após 1949 se iniciou um processo social, político e jurídico com o objetivo de terminar com as desigualdades existentes entre homens e mulheres, nas diferentes esferas da sociedade. Aliás, a própria Julia Kristeva, na sua obra Des chinoises, ainda que criticando o fato de as ativistas feministas, depois de 1949, terem optado pela luta de classes, em detrimento da luta pelos direitos das mulheres, assinala que foi sob a influência de Mao que as mulheres obtiveram mais direitos, no plano jurídico, assim como cargos e tarefas de responsabilidade. Kristeva assinala, desta forma, a relevância do papel da mulher chinesa e a sua ligação com as transformações ocorridas na China, ao longo do século XX. Com efeito, a Revolução de 1949 permitiu uma rutura com a China feudal, possibilitando um salto qualitativo na igualdade entre homens e mulheres, quer no plano político, quer no plano familiar, quer, ainda, no plano religioso, num movimento sociopolítico que se tem vindo a desenvolver e aprofundar até à atualidade. A abertura do país, desde Deng Xiaoping, trouxe um maior alerta sobre os direitos das mulheres no geral, mas sobretudo em matéria de direitos laborais? Os avanços nos direitos das mulheres, levadas a cabo pelo Partido Comunista Chinês, remontam, como assinalei, à década de 1930. Estes avanços aprofundam-se depois de 1949, momento a partir do qual as mulheres alcançam um novo papel sociopolítico e jurídico, nomeadamente com o reconhecimento do seu papel na atividade produtiva e na construção de uma China socialista. Ainda assim, as transformações mais marcantes, no plano legislativo, datam da década de 1980, sobretudo depois da aprovação da Constituição de 1982, durante o mandato de Deng Xiaoping. A Lei Fundamental da República Popular da China vai enquadrar medidas em defesa dos direitos das mulheres, consagrando a igualdade entre mulheres e homens, em todas as esferas da vida, os mesmos direitos no acesso a um trabalho, a promoção do acesso das mulheres a cargos de responsabilidade, assim como disposições sobre a proteção das mulheres no trabalho. No quadro legislativo, são, ainda, de destacar, no plano jurídico, os Regulamentos de Saúde Pública (1986), os Regulamentos de Proteção do Trabalho (1988) e a Lei para a proteção e defesa dos direitos e interesses das mulheres (1992). Desta forma, podemos dizer que a pretensão de alcançar, no plano jurídico, uma igualdade plena, foi, finalmente, alcançada, com a aprovação da Constituição que, em 1992, veio substituir a Constituição de 1978, e pelos diplomas legais aprovados depois desta data. O “mee too” parece ser pouco discutido no país actualmente. Pensa que deveria haver espaço para uma mudança de mentalidades neste sentido? Creio que a história da China nos demonstra que a evolução sociopolítica e jurídica das mulheres não se desliga da luta pela emancipação e libertação do Homem. A capacidade que o ser humano possui de reivindicar e de ousar denunciar constitui uma condição prévia para que, no plano das consciências e nas diferentes esferas da vida em sociedade, se efetue um salto qualitativo com vista a uma vida em sociedade que não seja marcada pela barbárie, pela violência e pela exploração. Ousar lutar e ousar reivindicar é um ato necessário tanto para a emancipação social, jurídica e política da mulher, quanto para a emancipação do ser humano. Na actualidade, perduram formas de opressão e de violência que atingem diferentes grupos e estratos da sociedade e que, naturalmente, se abatem com maior ferocidade sobre aqueles que se encontram mais desprotegidos, seja por razões económicas ou sociais, seja por pertencerem a um género que, ao longo da história das diferentes organizações societais, têm sido alvo de um domínio e repressão particulares (como é o caso das mulheres). Creio, por isso, ser fundamental, não apenas a libertação e emancipação, de facto, das mulheres (para além do plano jurídico), como, igualmente, a libertação e emancipação do ser humano de todas as formas de opressão e violência. Quero com isto dizer que, ainda que a opressão patriarcal tenha condenado a mulher (não apenas na China) a um papel subalterno e de subserviência, persistem formas de sujeição e de tirania, independentes do género, cujo término é fundamental para que, no plano sociopolítico, a mulher e o homem possam libertar-se da crueldade, ignorância e formas de domínio que, infelizmente, persistem (e, em alguns casos, se acentuam). Não há mudança de mentalidades sem luta, sem consciência, sem debate. Por isso, há pouco, referia que, no caso da mulher, há que ir além de uma igualdade no plano jurídico. A igualdade jurídica permite aceder a novos espaços e territórios que, até então, lhe estavam vedados. No entanto, acredito que apenas com resistência, palavra e luta se construirão, de facto, espaços de igualdade, de respeito mútuo e de comunhão de esforços na construção de uma sociedade que não imponha guerras, opressão e violência à grande maioria desprovida das ferramentas que permitem o acesso a espaços decisórios e de poder. Houve uma evolução da representação da mulher em áreas como a arte e literatura? O exercício de leitura e de interpretação, assim como de escrita ou de concretização de uma obra de arte, implica que seja possível aceder a espaços formativos e educativos. A arte existe no seio de uma determinada cultura, sendo dela produto e, concomitantemente, reflexo. Na China, as primeiras escolas femininas remontam ao final do século XIX, sendo que o governo imperial apenas legaliza a educação feminina em 1907. Neste sentido, durante séculos, o acesso à leitura e escrita era apanágio, sobretudo, de homens. Destes, apenas aqueles que pertenciam às classes mais abastadas àquelas tinham acesso. Por outro lado, até ao século XX e ao surgimento das primeiras escolas, as mulheres letradas pertenciam, também elas, às classes mais favorecidas da sociedade. Estávamos, assim, perante uma situação em que a grande maioria da população era iletrada e em que o acesso à cultura – e, portanto, às manifestações artísticas -, apenas era permitido a uma minoria. No quadro desta minoria, os homens tinham um acesso privilegiado. Ora, sendo a literatura e outras manifestações artísticas parte da vida de uma determinada comunidade humana, aquelas constituem manifestações não apenas estéticas, mas também sociais, pelo que a representação que, nas diferentes artes, podemos encontrar da mulher e do homem, refletem não apenas o gosto e valores estéticos que se manifestam num determinado período socio-histórico, como, também, a organização socioeconómica na qual aqueles valores se impõem. Naturalmente que, neste sentido, a representação que é feita da mulher evolui concomitantemente com a evolução da organização política e económica de uma determinada sociedade. Costumo dizer que a arte e a literatura têm vida, respiram, andam, saltam mundos e caminhos. Assim, a interpretação de uma personagem feminina, numa obra de finais do século XIX, não pode ser desligada nem do ambiente socioeconómico em que a mulher real vive, nem do seu criador, o qual respira, pensa e sente, num determinado quadro sociocultural. Hoje, fruto da evolução sociopolítica e jurídica da mulher, temos uma proliferação de autores mulheres, na China, como em todos os restantes cantos do mundo. Este facto traz, naturalmente, novas representações e cosmovisões da mulher para o plano artístico, enriquecendo a literatura e a arte com novas propostas de leitura. Como escrevia o António Gedeão, o mundo pula e avança. Acrescento eu que também pulam e avançam formas de luta e de resistência que permitiram que, hoje, na China, e fora dela, as mulheres alcançassem espaços de poder e de palavra que lhe haviam sido, tradicional e secularmente, negados.
Andreia Sofia Silva EventosAna Saldanha, académica: “Debate sobre libertação das mulheres foi importante no PCC” Ana Saldanha fala hoje, na Fundação Rui Cunha, às 18h30, sobre a evolução do papel da mulher na sociedade chinesa ao longo do século XX. A palestra, integrante da Semana da Cultura Chinesa, aborda vários períodos históricos, desde a queda do Império à chegada do comunismo. A académica frisa que os avanços significativos nos direitos das mulheres, por intermédio do PCC, remontam aos anos 30 Como evoluiu a posição da mulher chinesa entre a queda do Império e o período da República? A China Imperial regia-se pelos princípios patrilinear e da hierarquia social, sendo que ambos constituíam uma herança do pensamento confucionista. A mulher encontrava-se subordinada ao homem e dever-se-ia submeter à sua autoridade, sendo a linhagem da família assegurada pelos membros masculinos. Tendo em conta que as funções da mulher se circunscreviam ao círculo familiar, as virtudes femininas (socialmente consideradas) remetiam para a obediência, a docilidade ou a castidade. Não é, assim, por acaso que, no final do século XIX, quando assistimos, ainda no final da Dinastia Qing, ao nascimento de um movimento feminista chinês, a herança confucionista será um dos alvos de contestação. Que papel teve este movimento? Ainda que brotando das entranhas das classes mais abastadas e tenha nascido sob o impulso de mulheres que tiveram a possibilidade de estudar no exterior, o movimento feminista chinês vai lançar o debate, no seio da tradicional sociedade chinesa, sobre a condição e a posição social das mulheres. Quais as principais reivindicações à época? O direito a uma educação para as mulheres, direitos iguais, perante a lei, e a abolição dos pés enfaixados (um acto que remontava à dinastia Song e que pretendia demonstrar, no seio de uma determinada comunidade, a riqueza de uma família). Todas estas reivindicações têm a particularidade de unir o feminismo com o patriotismo, já que se considerava que o facto de as mulheres terem acesso à educação permitiria que os seus filhos pudessem ter uma melhor formação, o que, afirmavam as feministas chinesas, conduziria a uma melhoria qualitativa do nível de conhecimento e de formação do povo chinês. Ainda que, do ponto de vista legal, a educação feminina tenha o seu início formal em 1907, será necessário aguardar pela instauração da República, em 1912, para que se verifique, de facto, uma evolução qualitativa na condição da mulher no seio da sociedade chinesa. Houve mudanças a nível jurídico, por exemplo? O debate iniciado no final do século XIX acaba por surtir um efeito legislativo na China republicana, pelo que, a partir de então, o enfaixamento dos pés é proibido e as escolas passam a poder ser mistas. Não obstante, a Constituição elaborada pela Assembleia Legislativa de Nanjing, e tornada pública a 11 de Março de 1912, não prevê, por exemplo, o sufrágio feminino ou a elegibilidade das mulheres, o que constituiu um motivo de desapontamento para as sufragistas chinesas. Apesar disso, a mulher, no plano social e jurídico, vai assumindo um novo papel, pelo que podemos falar de uma evolução, a qual, no contexto chinês, passa por uma libertação da mulher das amarras patriarcais, herdadas, em parte, do confucionismo. Em 1915, a emancipação das mulheres vai encontrar-se no centro de vários debates, discutindo-se temas como a denúncia da moral confucionista, o casamento, o concubinato ou o encorajamento do suicídio feminino, em nome da virtude e da lealdade. A discussão aprofunda-se aquando do movimento 4 de Maio de 1919, momento este que podemos considerar como o ponto alto na história do feminismo na China. Em que sentido? Aprofunda-se uma reflexão sobre o papel das mulheres na sociedade, a necessidade da sua libertação, a castidade e virgindade (duas virtudes consideradas fundamentais na China tradicional) ou a desigualdade sexual. O debate sobre a condição feminina vai, depois, a partir de 1921, ser levado para o interior do Partido Comunista Chinês (PCC). Aliás, muitos dos autores que colaboram na imprensa vanguardista pós-movimento 4 de Maio e que defendem a libertação da mulher na sociedade chinesa serão activos militantes comunistas. Com efeito, estes futuros membros do PCC (como Chen Duxiu, Chen Wangdao ou Qu Qiubai) concluem que é necessário operar-se uma mudança sócio-políticapara que a mulher, na China, possa alcançar uma nova posição social. Na China de Mao os direitos das mulheres eram abordados ou simplesmente ignorados pelo poder? Como referi, o debate sobre a libertação das mulheres passa a constituir um elemento importante no seio do Partido Comunista Chinês, e isto logo após a sua fundação, em 1921. Quando, no final da década de 1930, o PCC domina algumas zonas rurais, os comunistas vão, desde logo, integrar as mulheres nas actividades políticas e económicas. O PCC enceta, assim, um movimento socio-político vanguardista, libertando a mulher da esfera patriarcal e familiar e trazendo-a para a esfera pública. Depois da revolução chinesa, em 1949, a RPC aprova matéria legislativa que pretende colmatar as diferenças, perante a lei, de homens e mulheres. Esta legislação herdou, aliás, muito daquilo que havia sido estipulado nos regulamentos aprovados durante a década de 1930. A lei do voto garante o direito de voto das mulheres e estipula-se, por exemplo, que as mulheres recebam o mesmo salário que os homens, pelo mesmo trabalho, assim como direitos de propriedade e de acesso ao trabalho iguais. Sendo consideradas, tal como os homens, como parte da força de trabalho, as mulheres são chamadas a participar na construção da nova sociedade socialista, buscando-se atingir uma igualdade, de facto, por meio da transformação da sociedade. Os direitos das mulheres não apenas não foram ignorados, como após 1949 se iniciou um processo social, político e jurídico com o objectivo de terminar com as desigualdades existentes entre homens e mulheres, nas diferentes esferas da sociedade. A abertura do país ao mundo, desde Deng Xiaoping, trouxe um maior alerta sobre os direitos das mulheres no geral, mas sobretudo em matéria de direitos laborais? As transformações mais marcantes, no plano legislativo, datam da década de 1980, sobretudo depois da aprovação da Constituição de 1982, durante o mandato de Deng Xiaoping. A Lei Fundamental da RPC vai enquadrar medidas em defesa dos direitos das mulheres, consagrando a igualdade entre mulheres e homens, em todas as esferas da vida, os mesmos direitos no acesso a um trabalho, a promoção do acesso das mulheres a cargos de responsabilidade, assim como disposições sobre a proteção das mulheres no trabalho. No quadro legislativo, são, ainda, de destacar, no plano jurídico, os Regulamentos de Saúde Pública (1986), os Regulamentos de Protecção do Trabalho (1988) e a Lei para a protecção e defesa dos direitos e interesses das mulheres (1992). Desta forma, podemos dizer que a pretensão de alcançar, no plano jurídico, uma igualdade plena, foi, finalmente, alcançada, com a aprovação da Constituição que, em 1992, veio substituir a Constituição de 1978, e pelos diplomas legais aprovados depois desta data. Houve uma evolução da representação da mulher em áreas como a arte e literatura? Na China as primeiras escolas femininas remontam ao final do século XIX, sendo que o governo imperial apenas legaliza a educação feminina em 1907. Neste sentido, durante séculos, o acesso à leitura e escrita era apanágio, sobretudo, de homens. Destes, apenas aqueles que pertenciam às classes mais abastadas àquelas tinham acesso. Por outro lado, até ao século XX e ao surgimento das primeiras escolas, as mulheres letradas pertenciam, também elas, às classes mais favorecidas da sociedade. Estávamos, assim, perante uma situação em que a grande maioria da população era iletrada e em que o acesso à cultura – e, portanto, às manifestações artísticas -, apenas era permitido a uma minoria. No quadro desta minoria, os homens tinham um acesso privilegiado. Ora, sendo a literatura e outras manifestações artísticas parte da vida de uma determinada comunidade humana, aquelas constituem manifestações não apenas estéticas, mas também sociais, pelo que a representação que, nas diferentes artes, podemos encontrar da mulher e do homem, refletem não apenas o gosto e valores estéticos que se manifestam num determinado período sócio-histórico, como, também, a organização sócio-económica na qual aqueles valores se impõem. Naturalmente que, neste sentido, a representação que é feita da mulher evolui concomitantemente com a evolução da organização política e económica de uma determinada sociedade. Hoje, fruto da evolução sócio-política e jurídica da mulher, temos uma proliferação de autores mulheres, na China, como em todos os restantes cantos do mundo.
Andreia Sofia Silva SociedadeDemografia | Mais TNR na construção civil. Menos em trabalhos domésticos Dados da Direcção dos Serviços de Estatística e Censos (DSEC) revelam que o número de trabalhadores não residentes (TNR) era, no final do ano passado, 30.362, o que representa um aumento de 3.378 trabalhadores face a igual período de 2020. Por sua vez, registaram-se, em Dezembro, menos 3.372 TNR na área do trabalho doméstico, que empregava um total de 26.033 pessoas. No ano passado, existiam 2.627 indivíduos do Interior da China recém-chegados a Macau titulares de “Salvo-Conduto Singular”, uma quebra de 346 em termos anuais. Desses, 1705 eram provenientes de Guangdong, sendo que 65,9 por cento diz respeito a mulheres. No ano passado, foi concedida residência a 468 pessoas, menos 262 em termos anuais. Em Dezembro, Macau tinha uma população de 683.200 pessoas, mais 900 face a Setembro e mais 100 em termos anuais. A população local, que não inclui TNR ou estudantes vindos do exterior, era de 570.100 pessoas, um aumento de 1,1 por cento face a 2020. O índice de envelhecimento, aumentou para 83,7 por cento. No ano passado, morreram mais 90 pessoas face a 2020, num total de 2.320 óbitos. A maior causa das mortes foi a ocorrência de tumores malignos, num total de 873 casos e 37,6 por cento. Seguem-se as doenças de coração, com 253 casos, e pneumonia, 252, representando ambos 10,9 por cento do total de óbitos.
Andreia Sofia Silva Entrevista MancheteSheyla Zandonai, antropóloga e autora do livro “The City in Review”: “Todos os caminhos apontam para Hengqin ” A residir no território desde 2008, a antropóloga e professora universitária Sheyla Zandonai prepara-se para lançar, em Abril, um livro que reúne os artigos de opinião que publicou no antigo jornal Business Daily e no portal Macau News Agency. Editado pelo Instituto Internacional de Macau, “The City in Review – Episodes of hope and not so in Macau” contém posições sobre urbanismo, transportes públicos, jogo ou a protecção do património e pretende ser “um registo da memória recente” de um território em permanente mudança Este livro é uma compilação das suas crónicas, mas desde então Macau tem mudado muito rapidamente. Olhando para os textos em perspectiva, como vê a evolução do território a nível sócio-económico? A nível sócio-económico, provavelmente por causa da pandemia, mudou completamente a situação das contas públicas, a situação individual, com pessoas a perderem o emprego ou a trabalhar a tempo parcial para não serem despedidas. Há menos dinheiro, menos impostos do jogo e o Governo teve de ter uma certa cautela, apesar da reserva. A situação não vai voltar ao que era porque ocorreu uma grande mudança no sector do jogo. Penso que a pandemia é o grande factor disruptor do funcionamento da sociedade. Em relação ao passado. Sim, e em relação há uns bons anos sem dúvida, pois mudou a maneira de viver em Macau, há menos liberdade de movimento. Houve adaptações no mercado de trabalho e tem acontecido nos últimos meses algumas pessoas, do meio não chinês, acabarem por deixar a cidade. É uma mudança lenta [face à pandemia], e as pessoas passam por uma fase de frustração ou acabam por sair. Mas voltando ao livro, ele está organizado por temas, e há alguns que ainda são relevantes, ou que contêm questões que não foram resolvidas e continuam em debate. Há outras questões que já tiveram desenvolvimentos ou respostas do Governo. Um dos capítulos é sobre o desenvolvimento urbanístico, e finalmente Macau tem um plano director. Esse é um ponto positivo, por exemplo? Da perspectiva do Governo, que sempre quis apresentar um plano director, sem dúvida que é uma conquista, e também para a sociedade no geral. Houve ataques ao tecido urbano de Macau que aconteciam porque faltava um plano, por exemplo. Em relação à protecção do património, sabemos que em Macau houve edifícios que foram destruídos, mesmo estando numa zona que deveria estar protegida. Há outros elementos envolvidos e não basta haver uma lei. Penso muito no Instituto Cultural, cujas opiniões devem ser seguidas e muitas vezes isso não aconteceu na prática. Falo do caso do Farol da Guia, é o exemplo mais emblemático do embate com o desenvolvimento urbano. O facto de as pessoas estarem a sair de Macau vai mudar o tecido social, composto por várias comunidades? Isso vai alterar o funcionamento da sociedade? Há uma mudança nesse tecido humano. Nos últimos anos, e até antes da pandemia, já era possível notar, em termos das práticas adoptadas, uma vontade do poder de dar mais projecção ao residente chinês de Macau. Existem muitas instituições locais que recrutaram mais chineses, na área do ensino, por exemplo. O que acontece, desde que o Governo fechou a porta à contratação de mão-de-obra estrangeira, é que todas as empresas, no sector dos negócios ou do ensino, só podem contratar mão-de-obra da China ou de Hong Kong. Se, por exemplo, uma universidade abre uma vaga para professor, parece uma porta aberta para recrutar em todo o mundo, mas na prática não podem trazer ninguém que não seja dessas duas zonas, ou que já esteja em Macau. Isso tem criado problemas às instituições que não conseguem recrutar pessoal e obriga a que os professores tenham de dar horas de aulas além do que deveriam para cobrir as faltas. Muitos colegas também se foram embora. Será mais problemático em departamentos que precisam mesmo de mão-de-obra estrangeira, como os de línguas, por exemplo. Existe também o grupo dos filipinos que foi o primeiro a sofrer um golpe que mudou bastante a maneira como viam Macau, como um local de trabalho. Muitos blue card ficaram mesmo sem possibilidade de voltar. São exemplos que mostram existir uma mudança nesse tecido. Não tenho números e provavelmente os novos Censos vão ter números interessantes de observar. Se haverá uma alteração profunda, penso que no que toca à existência de comunidades estrangeiras, sim. Mas é sempre bom lembrar que a comunidade chinesa é maioritária, mas há menos vozes de diversidade, embora Macau tenha uma história de multiculturalidade. Sem dúvida que há um impacto da política adoptada para lidar com a pandemia. Este livro funciona um pouco como um registo da memória recente de Macau que terá algum valor académico, porque são artigos que contam factos. Publicou há uns anos um estudo sobre “Macau governada pelas suas gentes”, em que concluía que este conceito foi desenvolvido por Pequim. Até que ponto ainda tem espaço para existir no contexto da integração regional? Existe essa divisão entre o chinês que é de Macau e o que vem do continente. Mas existem critérios que definem o que é uma pessoa de Macau, e isso está até estabelecido pela Lei Básica. Há membros do Governo que são residentes de Macau mas que vêm da China e começaram aqui a carreira como funcionários públicos. É um trabalho que tem sido feito desde a transição e estas pessoas já são consideradas de Macau. Esse é um fenómeno histórico em Macau, que é o facto de o chinês do continente se ter tornado num futuro residente. O sector do jogo está numa fase de mudança e o Governo tem uma estratégia de redução do peso dos casinos na economia. Até que ponto isso vai mudar o panorama sócio-económico de Macau? A tendência é que Macau venha a ter uma reputação mais positiva. O jogo é ainda visto, e não apenas pela China, como uma actividade quase sórdida, com um cunho negativo. A maior mudança, em termos da estrutura do jogo, como ele tem operado desde a época do Stanley Ho, é no sector dos junkets. O jogo VIP vai sofrer, inevitavelmente, porque o grande controlo agora é feito no fluxo de capitais. Penso que a ideia é transformar o jogo, ou os casinos, em lugares de lazer e entretenimento, com maior investimento nas artes. Isso é o que tem sido feito e não é uma mudança repentina. O facto de os junkets terem sido presos foi um pouco surpreendente, mas a China já tinha enviado alguns sinais. As empresas querem manter-se no mercado, e o jogo ainda vai continuar a ser a principal actividade económica durante uns anos, mas todos os caminhos apontam para Hengqin. Esta vai ser a alternativa ao jogo, porque na cidade em si nada mais tem um volume tão relevante. Talvez nos tornemos numa sociedade mais saudável, porque, em vários aspectos, o jogo provoca distúrbios nas famílias, com as pessoas a trabalharem à noite e por turnos, por exemplo. Mas é preciso que haja emprego, por isso os casinos ainda se vão manter. É preciso um período de transição para que a economia se foque nas PME e na investigação. Há inúmeras áreas em Macau que podem ser desenvolvidas, como o ensino de línguas. Macau tem um pouco essa relevância devido ao seu papel de plataforma, embora a China também tenha apostado no ensino de línguas e de tradutores. As startups são relevantes, mas não podemos esquecer que Shenzhen está aqui ao lado e a competição é enorme. Mas existem nichos e oportunidades de negócio. Se a ideia do Governo é mesmo transformar [o território] num centro de investigação, há condições para isso. É preciso algum tempo também. Mas isso por si só não vai mudar as mentalidades. É difícil ver o caminho e é preciso acompanhar os sinais e a direcção de Pequim. Haverá um momento em que vai ocorrer uma mudança e uma nova leva de pessoas, o que vai mudar o perfil e a função de Macau.
Andreia Sofia Silva SociedadeJogo | Número de trabalhadores em queda. Média salarial aumenta O sector dos casinos e lotarias registou, em termos anuais, uma quebra de 1774 trabalhadores, sendo que, no final do quarto trimestre do ano passado, estavam empregadas nesta área um total de 54.839 funcionários a tempo inteiro. Os dados da Direcção dos Serviços de Estatística e Censos (DSEC) ontem divulgados revelam ainda uma quebra no número de croupiers a trabalhar, 758, sendo que estão actualmente empregados 24.406 no total. Em relação ao pessoal dos serviços e vendedores era, no quarto trimestre do ano passado, 4.899, representando uma queda homóloga de 410. Estes dados, que não incluem promotores ou colaboradores de jogo, mostram também uma ligeira subida, de 1,1 por cento, na remuneração média dos trabalhadores deste sector. O ordenado médio está hoje nas 23.700 patacas, enquanto que a remuneração média dos croupiers é de 20.020 patacas. No fim do trimestre em análise existiam apenas 58 postos vagos no sector das lotarias e outros jogos de aposta, correspondendo a um aumento homólogo de 32. No mesmo período foram recrutados 128 pessoas, enquanto que 521 trabalhadores deixaram os seus empregos nesta área. Segundo a DSEC, “a taxa de recrutamento de trabalhadores (0,2 por cento) e a taxa de rotatividade de trabalhadores (0,9 por cento) diminuíram ambas 0,1 pontos percentuais, em termos anuais, enquanto a taxa de vagas foi somente de 0,1 por cento”. Os números “reflectem que a procura de mão-de-obra no sector das lotarias e outros jogos de aposta permaneceu num nível relativamente baixo”, aponta a DSEC em comunicado. Quanto à formação profissional, mais de 309 mil pessoas frequentaram cursos de formação profissional organizados pelas empresas do sector do jogo, um aumento de 57,3 por cento em termos anuais.
Andreia Sofia Silva Eventos MancheteComeça hoje a II Semana da Cultura Chinesa do Hoje Macau Começa hoje a II Semana de Cultura Chinesa do Hoje Macau, pelas 18:30, na Fundação Rui Cunha. A sessão de abertura contará com actuação do Macau String Trio, que interpretará um extracto de “Butterfly Lovers”, de He Zhanhao and Chen Gang, e “Serenade”, de Wolfgang Amadeus Mozart. Seguidamente, será o lançamento do livro “Li Bai – A Via do Imortal”, de António Izidro, com apresentação de Frederico Rato. Trata-se de um volume editado pela Livros do Meio, profusamente ilustrado, com capa dura, marcada a prata, no qual o autor nos transporta pelos poemas e pelos sítios frequentados pelo poeta Li Bai, considerado um dos maiores de toda a literatura chinesa. Além da tradução para língua portuguesa de numerosos poemas, talvez os mais importantes da obra do poeta, o livro contém uma espécie de biografia de Li Bai e, sobretudo, a contextualização dos poemas e notas que deslindam as referências históricas e mitológicas que perpassam pelos versos do poeta, facilitando assim a compreensão do sentido de cada poema. Além disto, o volume abre com uma introdução, intitulada “Li Bai – Apontamentos Nómadas”, de Carlos Morais José, onde é feita uma análise de alguns aspectos da poesia de Li Bai (do qual aqui apresentamos uma parte); e fecha com uma extensa cronologia da História dinástica da China, que servirá no futuro como referência, a quem se interessa por estas questões. António Izidro, que foi até 2002 Chefe do Departamento de Informação do Gabinete de Comunicação Social, trabalhou durante muitos anos como tradutor oficial do Governo de Macau. Por isso, é completamente fluente em língua chinesa, falada e escrita. Assim, é a primeira vez que os poemas de Li Bai são traduzidos directamente do Chinês para Português. Li Bai fora também já traduzido para português por António Graça de Abreu que, além de um volume datado de 1990, uma edição do Instituto Cultural de Macau, publicou recentemente em Portugal “Cem Poemas de Li Bai”. Carlos Morais José, editor da obra, revela, no entanto, que se apresenta agora uma tradução diferente. “Esta tradução começa por ser entrelaçada com textos que contextualizam os poemas. Estes não surgem sozinhos, aparecem com um contexto, para haver uma melhor compreensão de como os poemas foram escritos e o que querem dizer. Por outro lado, cada poema tem bastantes notas para se conseguir perceber as expressões antigas. A tradução, em si, é também muito diferente daquela que foi feita pelo António Graça de Abreu, o que só enriquece o próprio conhecimento que se vai tendo do Li Bai no Ocidente, sobretudo na língua portuguesa.” Afirmando que o trabalho de Graça Abreu é “altamente meritório”, Carlos Morais José acrescenta que “Li Bai – A Via do Imortal” traz “versões dos mesmos poemas que dão uma outra visão do Li Bai”, numa vertente de complementaridade e não de substituição. No arranque da segunda edição deste evento, organizado pelo Hoje Macau e pela editora Livros do Meio, Carlos Morais José entende ser “muito importante que a comunidade lusófona em Macau faça parte da ponte que liga a China aos países lusófonos”, com a aposta na vertente cultural e não apenas nas áreas comercial e económica. “Só assim os povos se podem compreender, criando laços duradouros e evitando uma série de mal entendidos, cuja origem radica, precisamente, no desconhecimento”, rematou.
Andreia Sofia Silva EventosMacau Art Garden | Exposição de Vicent Cheang patente até quarta-feira Chama-se “Universo Paralelo” e é a nova exposição de Vicent Cheang, que está na galeria Macau Art Garden até à próxima quarta-feira, dia 9. O público pode ver trabalhos que revelam uma outra Macau imaginada, numa mistura entre o passado e o futuro Está patente até à próxima quarta-feira, dia 9, a exposição da autoria de Vicent Cheang, artista, músico e gestor do Live Music Association (LMA). Em “Universo Paralelo”, patente na galeria Macau Art Garden, da associação Art for All Society (AFA), Vicent Cheang explorou outras realidades, numa mistura de imaginação e realismo. Confinado em casa no período mais grave da pandemia, o autor decidiu recorrer a ferramentas digitais para fazer quadros que misturam uma Macau do passado com o futuro. “Nunca tinha feito desenhos sobre Macau, e como estávamos fechados e não podíamos ir a lado nenhum, comecei a desenhar paisagens de Macau. Mas ao mesmo tempo fiquei muito ligado à ficção científica, via muitos filmes deste género, e pensei então no tema ‘universo paralelo’. Na minha imaginação pensei em como seria Macau numa outra realidade.” Vicent Cheang fez um trabalho de investigação, recorrendo a fotografias antigas do território, mesclando-as depois com um futuro imaginado. A aposta nas ferramentas digitais para a criação desta exposição surgiu naturalmente. “Antes criava trabalhos com ferramentas tradicionais, mas agora a tecnologia ocupa um grande espaço na minha vida. Se usar os media tradicionais para fazer o meu trabalho, preciso de estar em estúdio. Mas também faço música, e sempre viajei por muitas cidades. Com o Ipad percebi que podia fazer o meu trabalho em qualquer altura e lugar, num café ou num aeroporto. Esta ferramenta faz com que os artistas possam criar mais facilmente as suas obras”, concluiu. Desafios do LMA Além da veia artística, Vicent Cheang assume também a faceta de gestor do LMA, uma sala de espectáculos que lhe coloca muitos desafios. Este sábado, o LMA abre portas para um novo concerto, desta vez com os Twisted Tables, um grupo de jazz que actua a partir das 20h. Mas o espaço que trazia ao território bastantes projectos musicais de países estrangeiros está agora dependente das bandas e músicos locais. Para manter um cartaz diversificado no LMA, Vicent Cheang, afirma ao HM que deseja uma maior conexão com quem faz música no território. “Agora não podemos ter bandas e músicos de fora, então o nosso foco é nos projectos locais. Espero que novos músicos se possam aproximar de nós, para que conheçamos o seu trabalho.” Vicent Cheang diz ser difícil lidar com um orçamento apertado. “O LMA é um projecto muito desafiante. Já fazemos isto há alguns anos e o maior desafio é ter dinheiro para fazer reparação de instrumentos e de equipamentos, para que o espaço possa funcionar normalmente. O orçamento é o primeiro desafio e precisamos de mais projectos.” Entretanto, Vicent Cheang prepara um novo trabalho discográfico com a sua banda, os L.A.V.Y., mas optou por não divulgar ainda detalhes sobre este disco. “Temos canções suficientes para gravar um segundo álbum, mas os membros da banda estão todos ocupados e precisamos de tempo para gravar este trabalho. Algumas músicas já estão gravadas, mas é uma pena porque o meu produtor está em Taiwan há algum tempo. Este é um problema, comunicar estando em diferentes lugares.” O novo disco poderá sair apenas no próximo ano, confessou.
Andreia Sofia Silva Grande Plano MancheteChina | Antevisão das sessões da APN e CCPPC que estão a começar Arranca hoje a sessão anual da Conferência Consultiva Política do Povo Chinês e começa amanhã a 13.ª Assembleia Nacional Popular, com um total de 2.951 delegados. Os olhares do mundo vão estar postos nestas sessões onde será anunciado o Plano Quinquenal do país para o próximo ano, incluindo os orçamentos das áreas económica e da defesa Um dos períodos políticos mais importantes do ano na China começa hoje e prolonga-se nos próximos dias. Isto porque arrancam hoje, por volta das 15h, os trabalhos da quinta sessão da 13.ª Conferência Consultiva do Povo Chinês (CCPPC), com fim agendado para o próximo dia 10 de Março. O CCPPC é um órgão com carácter consultivo onde os delegados, representantes das várias províncias e regiões administrativas especiais da China, apresentam e discutem as suas propostas. De frisar que o desenvolvimento da Zona de Cooperação Aprofundada de Macau em Hengqin deverá ser um dos pontos mais abordados pelos delegados da RAEM presentes em Pequim. Amanhã começa também a 13.ª sessão da Assembleia Popular Nacional (APN), órgão legislativo chinês onde vai ser apresentado e discutido o Plano Quinquenal do país, bem como os orçamentos para as áreas da economia e defesa. Vão estar presentes um total de 2.951 delegados, segundo avança a agência Xinhua. A recuperação da economia na era pós-covid-19 e a estabilização do sector imobiliário, sobretudo depois do escândalo com a gigante Evergrande, deverão ser os dois assuntos principais em agenda, escreve a AFP. “Este ano as preocupações centram-se na lenta recuperação da economia”, aponta a agência, sendo que o ministro do Comércio Wang Wentao admitiu esta semana que a economia chinesa tem enfrentado “enormes” pressões. A invasão da Ucrânia pela Rússia, com quem a China mantém importantes laços comerciais e económicos, é também um factor em análise. O primeiro-ministro Li Keqiang deverá, como é habitual, aproveitar a oportunidade para anunciar a previsão de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB), além de fazer o discurso sobre o Estado da Nação. Seguir-se-á uma conferência de imprensa. A AFP recorda que o PIB chinês cresceu de forma lenta nos últimos meses de 2021, devido à “morna” procura interna e ao declínio do sector imobiliário, ainda que a economia chinesa tenha sido das primeiras a recuperar em contexto de pandemia. Os líderes chineses “têm baseado a sua legitimidade no argumento de que o seu modelo de governação representa [a oportunidade] de crescimento económico e a continuidade”, mas a manutenção da política de zero casos de covid-19 na China, com muitas restrições, teve um impacto “na confiança dos consumidores”. Dizem os analistas As reuniões da APN decorrem à porta fechada e, tradicionalmente, os pontos da agenda só são divulgados em cima da hora. Os analistas ouvidos pela AFP falam de um cenário de imprevisibilidade em termos económicos, com a possibilidade de as autoridades chinesas manterem previsões semelhantes ao ano transacto em matéria de crescimento. “Esperamos que o crescimento seja firmado em ‘cerca de cinco por cento’”, defendeu o economista Ho Woei Chen num relatório recentemente publicado. No caso de Zhaopeng Xing, investigador sénior para a China da ANZ (Australia and New Zealand Banking Group Limited), defendeu que o sector das infra-estruturas deverá ser “a chave usada pelo Governo no apoio à economia”. O responsável considera expectável o “crescimento de dois dígitos do investimento em infra-estruturas” no primeiro trimestre do próximo ano, além da implementação de benefícios fiscais. Segundo a Xinhua, a 13ª sessão anual da APN será uma oportunidade para o mundo ver a continuação da construção de uma “sociedade socialista moderna”. “O ano de 2035 (o ano em que iremos atingir a modernização socialista) não está longe. Deveríamos aproveitar cada minuto. E, desta forma, é cada vez mais fundamental desenhar um modelo e responder a questões nestas duas sessões anuais de como vamos atingir esse objectivo”, disse Zhou Hanmin, conselheiro político de Xangai. As duas sessões serão também importantes para perceber se a política de zero casos de covid-19 irá continuar, escreve o jornal South China Morning Post (SCMP). Isto porque, apesar do impacto que traz para a vida de cidadãos, empresas e investidores, é possível que a estratégia continue, uma vez que “o crescimento económico nacional se mantém relativamente forte”. A sessão anual da APN poderá servir igualmente para encontrar respostas para resolver o aumento do desemprego no país, que cresceu nas zonas urbanas, com as pequenas e médias empresas a empregar cerca de 80 por cento da força de trabalho. Segundo o SCMP, a taxa de desemprego na China parece ter, no entanto, estabilizado em relação ao primeiro ano da pandemia, quando atingiu 6 por cento em Abril de 2020. A mesma taxa é agora de 5,1 por cento. Em cima da mesa Na quarta-feira a AFP divulgou algumas das propostas que serão apresentadas na 13ª sessão da APN, e que dizem respeito a matérias como o tráfico de mulheres, a necessidade de maior flexibilização das licenças de maternidade e paternidade e regulamentação das cirurgias plásticas no país. Fan Yun vai propor alterações às leis criminais para punir intervenientes no tráfico humano de forma igual, ou seja, quem trafica pessoas e quem daí retira benefício. Actualmente, que beneficia deste crime enfrenta uma pena máxima de apenas três anos, contra 10 anos aplicados a traficantes. A medida surge depois de ter sido divulgado o caso de uma mulher que, durante vários anos, foi mantida presa com correntes numa zona rural da China. A situação levantou também o debate sobre a falta de serviços de saúde mental na China, pelo que o delegado Sun Bin irá defender a reforma do actual sistema jurídico, para que sejam disponibilizados tratamentos e medicação gratuita para pacientes de zonas rurais. Em matéria de relações familiares, a delegada Jiang Shengnan vai apresentar uma proposta que visa aumentar a licença de paternidade dos actuais 15 dias para um mês, uma vez que “a paternidade diz respeito tanto ao homem como à mulher”, disse à publicação Women’s News, citada pela AFP. Actualmente, na maior parte das cidades do país, as mulheres têm cerca de 150 dias de licença de maternidade, que aumentou após a abolição da política do filho único, mas “há ainda uma enorme diferença entre homens e mulheres, com cenários de discriminação no local de trabalho e os deveres da maternidade a recair, na sua maioria, sobre a mulher”. Ainda no contexto das políticas de família, a AFP aponta que um dos factores em consideração durante as sessões é o facto de “muitos casais jovens dizerem ser muito caro ter mais do que um filho”. Por sua vez, o delegado Wang Jiajuan irá apresentar uma proposta que regulamenta as cirurgias plásticas, intervenções que têm sido muito procuradas na última década. O delegado propõe uma legislação que defenda a presença de adultos quando menores de idade são sujeitos a este tipo de procedimento, além de proibir os menores de receber cirurgias que não são essenciais. Já Zhu Lieyu irá propor legislação para regulamentar o horário e condições de trabalho dos transportadores de comida de take-away. Ho Ion Sang e Hengqin O deputado e membro da Conferência Consultiva Política do Povo Chinês (CCPPC), Ho Ion Sang, disse que nas sessões, que começam hoje vai apresentar propostas sobre serviços sociais a desenvolver na Zona de Cooperação Aprofundada de Macau em Hengqin, acesso de veículos com uma única matrícula de Macau para Hengqin e sobre o desenvolvimento da Grande Baía. Segundo o jornal Ou Mun, Ho Ion Sang entende ser fundamental melhorar as instalações complementares da Zona de Cooperação Aprofundada para criar melhores condições de vida a moradores que residam na zona e estudem nas cidades da Grande Baía.
Andreia Sofia Silva Grande Plano MancheteHistória | Henrique Valdez, um republicano que amou Macau e a luta política Comandante da marinha, maçom e cronista em vários jornais de Macau, Henrique Valdez fundou em 1922 a primeira organização republicana no território, o Centro Republicano Eleitoral. Uma consulta a documentos históricos, incluindo ao espólio pessoal, permitiu conhecer melhor esta personalidade que defendeu a aposta no ensino em Macau e foi interveniente num dos períodos políticos mais conturbados de Portugal Fotos do espólio de Henrique Valdez gentilmente cedidas pelo seu neto, Vasco Valdez Após a queda da Monarquia e a implementação da I República em Portugal, em 1910, houve um homem que estabeleceu a ligação de Macau com a política da então metrópole. Henrique Valdez, nascido em Lisboa em 1884, republicano convicto, comandante da Marinha e maçom, fez carreira em Macau em diversas áreas, não só na qualidade de comandante da Lancha-Canhoeira “Macau”, mas também na política. Em 1922, fundou a primeira associação de cariz republicano do território, o Centro Republicano Eleitoral (CRE), ligado ao Partido Reconstituinte, fundado por Álvaro de Castro. Este facto é, aliás, referido no artigo “A Primeira República, Macau e os Maçons”, do académico Arnaldo Gonçalves. O HM consultou os estatutos do CRE, publicados em Boletim Oficial e disponíveis em formato micro-filme no Centro Cultural e Científico de Macau, que permite conhecer melhor os objectivos políticos à época. “A associação ficará, desde o seu início, filiada no Partido Republicano de Reconstituição Nacional, cumprindo-lhe, portanto, enquanto existir esse partido, aceitar e defender o seu programa e respeitar a sua lei orgânica”, pode ler-se. O CRE pretendia também “manter-se, por intermédio da Comissão Política local, em contacto constante com o Directório do Partido Republicano de Reconstituição Nacional, trazendo-o ao facto da política local e orientando-o ou apoiando-o na resolução de assuntos ou questões coloniais que, sobretudo, interessem a esta região”. Esta entidade propunha-se ainda à edição de um periódico que seria o “órgão do Centro, utilizado para propaganda dos ideais republicanos no estudo das questões sociais, na defesa dos interesses da Colónia e na divulgação das produções literárias dos mais notáveis escritores portugueses”. Formação de ideais O CRE queria apostar na melhoria do sistema de ensino de Macau e no fomento de ideais políticos. Desta forma, pretendia-se “vigiar por que o Estado e o Município dediquem a sua melhor atenção ao ensino primário e secundário”, bem como “fazer a educação cívica do Povo”, aspecto mencionado no artigo oitavo dos estatutos. Os propósitos da organização incluíam apetrechar a população com o “conhecimento dos seus direitos e dos seus deveres e o desenvolvimento entre todos os cidadãos do espírito de solidariedade, como a virtude que mais condiz com o progresso e o desenvolvimento (…)”. Para tal, o CRE propunha-se a usar “(…) todos os meios legítimos de propaganda: o jornal, o livro, a conferência e ali sendo preciso, o comício”. A entidade fundada por Henrique Valdez desejava também “usar os meios legítimos de propaganda para, sem preocupações individualistas e dentro da lei constituída, de promover a discussão de todos os assuntos que importam ao bem moral e material do nosso País e, muito em especial, desta colónia”. Havia inclusivamente a preocupação do “estudo das questões de carácter económico, cuidando com devoção dos que mais convenham ao interesse e bem-estar das classes mais desfavorecidas e procurando conseguir a adaptação das medidas que se relacionam com o desenvolvimento da riqueza pública”. Curta vida O CRE teria, no entanto, uma curta vida, pois logo em 1925 seria dissolvido, alegadamente devido a quezílias políticas entre Valdez e o Governador Rodrigo Rodrigues, que administrou o território entre os anos de 1923 e 1925. Arnaldo Gonçalves, em “A Primeira República, Macau e os Maçons”, descreve que o CRE “foi o ponto de convergência entre maçons e republicanos, tendo como objectivo principal a participação nas eleições camarárias de 1923, mas dissolver-se-ia em 1925 com a saída de Macau de Henrique Valdez. Saída decorrente da vitória da lista de Henrique Nolasco da Silva e, ao que se insinua, por insistência do governador Rodrigo Rodrigues”. Henrique Valdez deixaria Macau em Maio de 1923, não sem antes ser eleito presidente honorário do CRE e seu representante em Lisboa. No território, Constâncio da Silva foi presidente durante um breve período. No espólio pessoal de Henrique Valdez, que hoje está à guarda do seu neto, Vasco Valdez, o HM encontrou recortes de jornais sobre uma reunião do CRE que serviu para esta eleição e onde se dá conta das quezílias que terão levado à sua saída de Macau. “Ali estavam todos fraternalmente unidos e firmes no mesmo fervoroso ideal de fé, prestando o devido e justo tributo de homenagem aquele que tanto se tem empenhado na conquista de melhores dias para o Povo de Macau e que, agora, vítima de uma mesquinha perseguição, se vê obrigado a deixar a Colónia que tanto ama, e os seus amigos, que tantos são.” Uma vida dividida entre a Lancha Macau e as batalhas políticas em Lisboa Henrique Valdez nasceu em Lisboa a 15 de Abril de 1884. Casado com Elvira Lapa Travassos Valdez, foram pais de quatro filhos. Em 1902, deu entrada no Colégio Militar e fez carreira na Marinha. Assentou praça na Armada a 29 de Julho de 1903 e foi promovido a primeiro tenente em 1917. Seria “imediato do transporte ‘Álvaro de Caminha’ e das canhoeiras Save, Lúrio e Pátria”, além de ter comandado a Lancha-Canhoeira “Macau”. Ainda em Lisboa, Henrique Valdez “destacou-se na revolução republicana de Outubro de 1910, com a formação e comando de um pelotão de voluntários com civis, estudantes do Colégio Militar, marinheiros, cadetes e praças do Exército, com o qual assegurou o policiamento de Lisboa”. O historiador António Ventura, no livro “A Marinha de Guerra e a Maçonaria”, descreve que Henrique Valdez viajou para Macau na qualidade de adido da Direcção-Geral das Colónias. No território, onde viveu entre 1915 e 1923, assumiu “diversas funções na Repartição dos Serviços de Marinha”, entre 1915 e 1919. Neste ano, Henrique Valdez seria eleito Senador em Lisboa por Macau. No artigo “Conjuntura e Vida Política”, integrado na obra “História dos Portugueses no Extremo Oriente”, a historiadora Célia Reis, escreve que Henrique Valdez regressou ao território ainda antes do fim do mandato. É nesta altura que funda o CRE. A nota biográfica do militar, integrada no seu espólio pessoal, descreve-o como um “conhecedor profundo dos problemas de Macau, na Imprensa e no Parlamento”, em matérias tão díspares como “os vencimentos dos funcionários [públicos]”, conseguindo “a sua equiparação aos de Moçambique”. Henrique Valdez foi também um acérrimo defensor “da delimitação dessa nossa província [Macau]”, bem como “da questão do caminho-de-ferro Macau-Cantão”, sem esquecer matérias como “a navegação para o Extremo Oriente” e do “porto artificial de Macau”. Alguns destes assuntos chegaram a ser abordadas em intervenções no Senado. Fundou também em Macau a Associação dos Funcionários Públicos, a Liga dos Oficiais Mercantes e uma escola técnica, intitulada de “Escola Nova”, que disponibilizava ensino gratuito. Foi condecorado com várias distinções pela Administração portuguesa em Macau. Uma delas, atribuída em 1918, foi um “louvor pela instrução dos macaenses”, pelo facto de ter demonstrado “interesse manifestado em difundir pelos macaenses os conhecimentos inerentes à profissão de oficial de marinha mercante”. Contra a ditadura Regressado definitivamente a Lisboa em 1923, Henrique Valdez seria um resistente à Ditadura Militar de 28 de Maio de 1926, ao participar, no ano seguinte, em Fevereiro, no movimento revolucionário que tentou derrubar o regime. Acabaria por ser deportado para os Açores juntamente com Alberto Soares, pai de Mário Soares, ex-Presidente da República portuguesa. Henrique Valdez esteve em Angola entre 1929 e 1932, onde foi director-geral, em Malange, da Companhia Geral dos Algodões de Angola. Ao regressar a Portugal, foi julgado pelo Tribunal Militar Especial em 1931, pela luta contra a Ditadura Militar, mas foi absolvido e reintegrado na Armada em 1937, já reformado. Henrique Valdez foi também jornalista e cronista, redactor principal de “O Liberal!” e colaborador do semanário “A Colónia”. Autor de um romance nunca publicado, intitulado “Guida”, Henrique Valdez editou ainda vários compêndios escolares e técnicos sobre Angola, actividade decorrente da carreira de docente. Faleceu em Lisboa em 1953.
Andreia Sofia Silva EventosLivros | “Sílaba” quer promover a leitura junto dos mais novos Com o objectivo de promover a leitura e o gosto pelos livros em língua portuguesa, Susana Diniz decidiu criar a Sílaba – Associação Educativa e Literária. Além dos clubes de leitura para os mais novos, estão a ser pensados passeios focados na história de Macau, entre outras actividades Proprietária de uma empresa ligada à formação, ensino e tradução, Susana Diniz percebeu que não havia em Macau nenhum clube de leitura em português para os mais pequenos. De sessões em que se lê uma história, com a ajuda do personagem Diniz, para a criação de uma associação foi um passo. Nasceu, assim, em Dezembro, a Sílaba – Associação Educativa e Literária. “Pretendemos ir um pouco mais além deste clube de leitura e estamos a pensar fazer um clube de cinema em português, chinês ou inglês, ainda não decidimos”, adiantou Susana Diniz ao HM. “Vamos também fazer workshops de escrita criativa e lançar um website, que ainda não está completo, e que irá ter um blogue onde os miúdos podem deixar os seus textos e imagens. Também já comunicámos com uma escola em Portugal para criarmos uma rede de pen friends, seja por carta ou por email”, acrescentou. Apesar de esta ser uma associação que pretende ir “de encontro aos miúdos” e levar-lhe os livros, a “Sílaba” poderá ser também uma entidade de promoção de passeios que revelem pedaços da história de Macau. “Temos algum contacto com miúdos que estão no ensino em português e que, por isso, aprendem história de Portugal. Mas há partes da história portuguesa em Macau que não conhecem, e vamos começar por aí. Vamos criar alguns passeios e temos dois peddy-papers desenhados para eles poderem participar.” Trabalho informal A criação de um clube de leitura surgiu depois de Susana Diniz ter percebido que as crianças com quem trabalha têm “muita dificuldade na interpretação de textos”, apesar do domínio do português ir melhorando. “Está provado que, quanto mais lermos, melhor nos exprimimos. Achei que não havia nenhum clube de leitura em português em Macau e que poderia ser engraçado [fazer esta actividade]. No nosso caso, a personagem do clube, o Diniz, convida uma pessoa para contar a história e depois criamos uma série de actividades a partir dela. O objectivo é promover o debate de ideias, para que consigam resolver questões rapidamente.” Susana Diniz não aponta o dedo às escolas no seu papel de dinamização da leitura. Mas assume que o facto de as crianças lerem livros com a ajuda da Sílaba pode ajudá-los, uma vez que “não há a pressão das notas”. “Não somos os professores destas crianças e não há a pressão de dar a resposta certa ou tentar entender a história toda logo à primeira. E quando essa pressão desaparece, acontecem coisas engraçadas. As crianças partilham mais coisas connosco, porque sabem que não estão a ser avaliadas”, frisou. Outro dos objectivos, é promover o contacto com o português fora da sala de aula, sobretudo para as crianças que não têm o idioma como língua materna. “[Nas escolas] há algumas actividades em português, mas penso que direccionadas aos livros e ao contar de uma história não é muito comum. Pretendemos fazer um clube de leitura mensal, mas se fosse possível faríamos todas as semanas. Falta isso às crianças, sobretudo os que não são portugueses, é difícil o contacto com a língua portuguesa fora da escola”, apontou a fundadora da Sílaba.
Andreia Sofia Silva Grande Plano MancheteTurismo | Pandemia afasta chineses das viagens internacionais a curto prazo Um estudo da consultora Mckinsey & Company revela que os turistas chineses continuam a manter o interesse em viajar para o estrangeiro, apesar de não estarem a planear visitas a curto prazo. Mais de 80 por cento dos turistas pretende visitar destinos com menos casos de covid-19. As restrições que vigoram em Macau são um dos exemplos apontados como tendo um imediato impacto nas viagens Os turistas chineses continuam a ter vontade de sair do país e viajar pelo mundo, mas em tempos de pandemia a precaução continua a ser palavra de ordem. As viagens domésticas são agora uma opção mais comum. Em termos gerais, é expectável uma tendência de “períodos emergentes de suspensão na procura de viagens, seguidos de uma rápida recuperação”. Estas são algumas das conclusões do mais recente estudo da consultora Mckinsey&Company, intitulado “Outlook for China Tourism in 2022: Trends to watch in uncertain times” (Panorama para o turismo na China em 2022: Tendências a observar em tempos de incerteza)”. Este trabalho é o resultado de cinco rondas de inquéritos realizados nos meses de Abril, Maio e Agosto de 2020, bem como Janeiro e Outubro do ano passado. O objectivo do estudo, elaborado por Guang Chen, Steve Saxon, Jackey Yu e Cherie Zhang, foi analisar as percepções dos turistas chineses e padrões de consumo. Uma das conclusões aponta para o facto de “os viajantes chineses expressarem vontade de viajar, tanto no país como no estrangeiro”. “Mesmo com restrições nas viagens internacionais, e com a percepção de que viajar para fora não é seguro – a maioria dos inquiridos não planeia viagens internacionais a curto prazo – o estudo mostra que continua a existir um forte interesse nos destinos internacionais”, pode ler-se. Olhando para os números, 24 por cento dos inquiridos “revela vontade de viajar para destinos da APAC [Ásia-Pacífico]”, tal como países do sudeste asiático ou Japão, incluindo Rússia e Europa. Estes são apontados como “os destinos internacionais mais desejados”. Obviamente, os inquéritos foram conduzidos antes do conflito armado resultante da invasão da Ucrânia, assim como a divulgação dos resultados. Além disso, 86 por cento dos participantes nos inquéritos aponta que, “para viajar para o estrangeiro, querem que o número de casos de covid-19 nos países de destino se aproximem de 0”. Este é, aliás, um dos três factores mais importantes apontados para viajar. No entanto, os autores da investigação ressalvam: “Uma vez que o mundo está a ajustar-se à covid-19 endémica com novas variantes, parece pouco provável que este cenário venha a ser uma realidade num futuro próximo.” O fim da quarentena é o segundo factor mais importante para que os chineses tenham vontade de viajar, com 84 por cento das respostas a irem nessa direcção. O estudo elaborado pela Mckinsey & Company descreve que “são vários os factores que afectam a disposição [dos turistas chineses] de viajarem para o resto do mundo”. “Uma vez que as políticas anunciadas pela China continuam a atrasar a abertura [das fronteiras] ao mundo, espera-se que as viagens de lazer para fora continuem a ter uma lenta recuperação”, acrescenta-se. O panorama do sul Os autores da pesquisa de turismo apontam o caso de Macau como um exemplo de como as medidas restritivas para travar a ocorrência de infecções de covid-19 podem influenciar a vontade de viajar. “Quando a situação da covid-19 estabilizou, sem novos casos em Macau ou exigência de quarentena para turistas oriundos de zonas de baixo risco, o número de turistas recuperou para 50 por cento dos níveis pré-pandemia. No período do surto de covid-19 em finais de Setembro e inícios de Outubro, em Macau, cerca de mil turistas viajaram para Macau por dia. Em Outubro, o número chegou aos 20 mil por dia e atingiu o pico de 30.500 num só dia em finais desse mês.” O recente surto em Hong Kong, que parece não dar sinais de abrandar, é também um exemplo apontado como o panorama da covid-19 pode ser imprevisível. “Recentemente, parecia que Hong Kong seria o próximo destino a abrir [fronteiras], devido ao baixo número de casos de covid-19. No entanto, o percurso [da pandemia] é difícil de prever e o recente surto trouxe uma nova complexidade ao processo de reabertura de fronteiras.” Viajar cá dentro Com incertezas em relação às viagens para o estrangeiro, os turistas chineses parecem estar a apostar em passeios dentro do país, apesar da ocorrência de surtos esporádicos “terem afectado a confiança nas viagens domésticas”. “Um recente inquérito da Mckinsey indicava que o ressurgimento de viagens domésticas poderia ajudar a apoiar a recuperação da indústria do turismo na China, mas com a ocorrência de surtos esporádicos, a confiança nestas viagens tem sido afectada”, lê-se. O estudo exemplifica que “em Outubro de 2021 apenas dois por cento das pessoas planeavam viajar nos próximos dois meses”, mas em comparação com os resultados deste novo inquérito, “parece que os surtos de covid-19 suspenderam o desejo de viajar por mais de dois meses”. Há, no entanto, “um previsível padrão de recuperação” nesta matéria, ainda que ocorram algumas flutuações. “Actualmente, 42 por cento dos inquiridos planeia viajar na China na sua próxima viagem de lazer, enquanto que 26 por cento destas viagens envolve voos com mais de três horas.” Outro indicador que releva uma tendência padronizada é que as viagens às cidades natal dos inquiridos surgem como a primeira escolha. “Esta preferência constitui uma oportunidade para as empresas de turismo atraírem a procura nas cidades, providenciando experiências em linha com aquilo que os viajantes procuram nesse período”, aponta o estudo. O desejo por viagens de lazer, com visitas a locais históricos e patrimoniais registaram um aumento de 39 para 44 por cento e “são agora a segunda actividade mais procurada”, indo além das viagens a destinos de praia ou resorts, embora estes “se mantenham populares”. Fazer compras ou viagens gastronómicas deixaram de estar no top 5 das principais preferências dos turistas chineses. A procura de destinos ao ar-livre, com bonitas paisagens, “mantém-se [a escolha] mais popular”, conclui este inquérito. Em matéria de consumo, a confiança “está a crescer”, estando agora “no nível mais alto desde o início da pandemia”. O estudo descreve que “em Fevereiro de 2020 a confiança no consumo era de 43 por cento, sendo que em Outubro 67 por cento dos inquiridos indicaram acreditar que a economia chinesa poderia recuperar num espaço de dois a três meses”. Os dados mais recentes mostram ainda que cerca de sete em cada dez consumidores na China têm uma “visão optimista” em relação ao retorno económico do país.
Andreia Sofia Silva Grande Plano MancheteCovid-19 | Caso em Tanzhou obriga a oito mil testes e aulas online Cerca de oito mil pessoas que moram e trabalham junto às Portas do Cerco terão de fazer testes de despistagem à covid-19 na sequência de um caso positivo detectado em Zhongshan, ao lado de Zhuhai. As aulas presenciais foram suspensas em 46 escolas e instituições do ensino superior com docentes, alunos e funcionários que tenham passado na zona Um novo caso positivo de covid-19 registado no domingo na vila de Tanzhou, na cidade de Zhongshan, ao lado de Zhuhai, vai obrigar à realização de nova uma ronda de testes para quem vive e trabalha na zona das Portas do Cerco. Os testes começaram ontem às 17h e terminam hoje às 12h, e cerca de oito mil pessoas, incluindo moradores do edifício Kong Nam (blocos 1, 2 e 3), edifício Arco-Íris (blocos 1 e 2), edifícios San Nam, Ling Nan, Wa On, Wa Hong, Wa Keong, Wa Fu e Jardim do Mar do Sul (blocos 1 e 2). Quem trabalha junto às Portas do Cerco também tem de submeter-se ao teste de ácido nucleico. Segundo adiantou Leong Iek Hou, coordenadora do Centro de coordenação e de contingência do novo tipo de coronavírus, haverá dois modelos de teste. O teste gratuito pode realizar-se no primeiro andar do Campo dos Operários, mas serve apenas para rastreio e não para passar a fronteira. O segundo modelo de teste é pago e o resultado será integrado no código de saúde, o que permite atravessar os postos fronteiriços. “As pessoas que já fizeram o teste hoje em Macau ou Guangdong, ou que fazem esta terça-feira [hoje], não serão sujeitos a esta ronda de testes obrigatórios”, adiantou a responsável. Além de moradores e empregados em negócios da zona das Portas do Cerco, também deve realizar teste de ácido nucleico quem esteve nos arredores do edifício do posto fronteiriço entre 22 e 27 de Fevereiro, altura em que a pessoa infectada circulou na área. A mulher que testou positivo é natural do Interior da China e entre os dias 22 e 27 de Fevereiro “deslocou-se várias vezes entre Macau e Zhuhai pelo posto das Portas do Cerco”, tendo realizado vários testes com resultado negativo. As autoridades classificam este como um caso “leve”, sendo a situação “estável”, apesar das medidas preventivas adoptadas. Até à altura da conferência de imprensa de ontem tinham sido contactadas 28 pessoas, sendo que duas delas são consideradas de contacto próximo. A maior parte das pessoas teve apenas um percurso comum com a pessoa que testou positivo, além de que cinco estiveram nos mesmos locais. “Ainda não dominamos muitos dados sobre esta senhora. Sabemos que ela esteve em Macau, Zhuhai e Zhongshan. Para já, só vamos fazer testes obrigatórios a pessoas destas zonas. Foi feito um percurso simples em Macau, mais nos arredores da praça das Portas do Cerco, e com um tempo de permanência muito curto. Vamos acrescentar mais sítios ao código de saúde local para ajudar as pessoas a fazer o registo do itinerário”, explicou Leong Iek Hou. Aulas online Outra das medidas preventivas é a suspensão das aulas presenciais, a partir de hoje, em 46 escolas e instituições do ensino superior que têm alunos, docentes ou funcionários que tenham passado na vila de Tanzhou nos últimos dias. “Os alunos passam a estudar em casa e a avaliação será flexível. Caso a situação se mantenha estável, a data das aulas será divulgada posteriormente”, disse Luís Gomes, Chefe do Departamento do Ensino Não Superior dos Serviços de Educação e Desenvolvimento da Juventude (DSEDJ). Em causa estão cerca de 300 pessoas. “A medida envolve 46 escolas e cada uma tem uma situação diferente. Não temos números concretos de alunos e professores de cada escola que estiveram em Tanzhou. Ainda precisamos de contactar as escolas para conhecer a situação concreta”, adiantou o mesmo responsável. Não há, para já, alterações das regras na passagem da fronteira na zona das Portas do Cerco. Também não está prevista nova ronda de testes a toda a população, mas caso tal venha a ser necessário as autoridades adiantaram estarem preparadas para fazer 340 mil testes diários. Bloqueio a Gongbei Um vídeo divulgado ontem à tarde no grupo de Facebook “Golden Macau”, mostra um grupo das seguranças bloquearam a estrada em frente da Plaza Fronteiriça de Gongbei, o acesso principal para entrar em Zhuhai vindo do posto fronteiriço das Portas do Cerco. Das imagens recolhidas pelo internauta consegue-se ler a informação “não é permitido entradas ou saídas”. À procura de hotel Um responsável da Direcção dos Serviços de Turismo adiantou ontem que continuam os contactos com unidades hoteleiras do território para receber pessoas em quarentena. “Estamos a contactar com o número máximo possível de hotéis para entrarem no plano de observação médica. Neste momento, as pessoas vindas de Hong Kong e Singapura têm de fazer quarentena no Hotel Tesouro, enquanto que as pessoas vindas de Taiwan têm à sua disposição três hotéis.” As autoridades frisam que o mais importante para travar eventuais surtos comunitários é “controlar as fronteiras”, além de ser feito “um controlo bastante exigente das mercadorias vindas de zonas de médio e alto risco”. Existe ainda “uma capacidade rápida de identificação dos possíveis meios de transmissão” do novo coronavírus. Hong Kong | Novo recorde diário com 34 mil novos casos As autoridades de Hong Kong registaram ontem um novo recorde diário de infecções de covid-19 com o registo de 34 mil casos. Além disso, foram reportadas 124 mortes devido à doença. Segundo o canal de rádio e televisão de Hong Kong RTHK, Albert Au, responsável pelo Centro para a Protecção de Saúde, disse ser “preocupante a crescente tendência de infecções, uma vez que o número de casos continua a duplicar a cada dois ou três dias”. Até ontem foram diagnosticadas com covid-19 um total de 190 mil pessoas, só neste último surto, sendo que as autoridades vão abrir mais cinco clínicas apenas para tratar este tipo de doentes. Nesta altura operam na região vizinha 14 clínicas privadas que ajudam a aliviar a pressão que se vive nos hospitais. De frisar que, na última sexta-feira, a região já tinha atingido a fasquia inédita de dez mil novos casos, depois de superar seis mil ao longo da semana. O número de mortos fixou-se na última semana numa média de cerca de 50 por dia, sendo que muitos deles são idosos não vacinados. O Executivo de Carrie Lam anunciou planos para testar todos os 7,4 milhões de habitantes, no próximo mês.
Andreia Sofia Silva China / ÁsiaGrupo Alibaba realiza tour com empresas em Portugal Decorreu a semana passada em Portugal, nas cidades de Albufeira, Lisboa e Porto, uma tour de representantes do grupo chinês Alibaba na Europa com empresas portuguesas que pretendem explorar as oportunidades de ligação a esta grande plataforma de comércio electrónico. As visitas foram organizadas pelas câmaras de comércio e indústria Portugal-Hong Kong e Luso-chinesa, das quais Bernardo Mendia é presidente e secretário-geral, respectivamente. Ao HM, o responsável traça um balanço positivo destas iniciativas. “Disseram-nos que já tinham Portugal em mente e que tinham muito interesse. Deu para perceber que as pessoas e as empresas estavam satisfeitas. O balanço é positivo e está acima das expectativas deles [representantes do grupo Alibaba]”, disse. Segundo Bernardo Mendia, a plataforma alibaba.com permite que as empresas portuguesas possam exportar os seus produtos para mercados de 190 países. Tal é importante em contexto de pandemia, “num momento em que as empresas não conseguem sair para estarem representadas em feiras ou estar com clientes”. “A plataforma alibaba.com é a maior do mundo a nível do comércio entre empresas e é realmente uma oportunidade para as empresas terem uma montra e chegarem a mercados onde nunca tinham pensado chegar”, frisou Bernardo Mendia. Neste momento marcas como a SuperBock ou Sumol já trabalham com a Alibaba. “Esta é uma experiência recente. A maior parte das empresas só está presente nesta plataforma há cerca de dois anos.” HK sem alterações Questionado sobre as consequências da situação pandémica em Hong Kong para o sector empresarial, Bernardo Mendia assegurou que o impacto sente-se sobretudo a nível interno. “Não se alterou nada a nível das empresas porque já não era possível viajar para Hong Kong. Não há uma quebra de facturação. Digamos que a situação já não estava boa e agora temos a confirmação de que vai continuar assim por uns tempos”, frisou. Relativamente à câmara de comércio Portugal-Hong Kong, existem planos para criar, em Outubro, a distinção Ambrose So. Esta terá um carácter bi-anual e pretende “distinguir uma personalidade, instituição ou actividade que tenha contribuído para as relações entre Portugal e Hong Kong”. Quanto à câmara de comércio e indústria luso-chinesa, está prevista a abertura de uma delegação em Xangai no final do Verão. “Este é um projecto que temos há 15 anos e agora foi possível concretizá-lo. Criaram-se agora condições para termos portugueses e chineses, pessoas com bastante credibilidade que se quiseram associar a este projecto”, rematou. Lucros com queda de 50 por cento A gigante chinesa do comércio eletrónico Alibaba obteve um lucro líquido de 70.937 milhões de yuans, nos primeiros nove meses do seu ano fiscal, uma queda de 54,47%, face ao mesmo período do ano anterior. No relatório enviado à Bolsa de Valores de Hong Kong, a empresa atribuiu a queda dos seus lucros entre abril e dezembro a um menor volume de negócios, relacionado com algumas das suas operações e a contração das receitas, devido à alteração no valor dos seus investimentos. A receita da empresa de tecnologia nesse período foi de 649.010 milhões de yuans, o que representa um aumento de 22,48%, em termos homólogos. Porém, ainda maior foi o aumento dos custos operacionais, que subiram 35,42%, para 400.505 milhões de yuans. No terceiro trimestre fiscal (outubro-dezembro), os lucros líquidos caíram 74%, fixando-se em 20.429 milhões de yuans. O volume de negócios aumentou 10% no mesmo período, para 242.580 milhões de yuans. A diretora financeira do Alibaba, Maggie Wu, assegurou que o crescimento das receitas do último trimestre é representativo de “resultados saudáveis”, salientando que nesse período a empresa efetuou a recompra de mais de 10 milhões das suas ações cotadas nos EUA, por cerca de 1.400 milhões de dólares. O presidente e CEO do grupo, Daniel Zhang, falou em termos semelhantes: “Continuamos a executar a nossa estratégia de crescimento diversificado, num ambiente de mercado complexo e volátil”. Na divisão por segmentos de negócios, o setor de comércio na China continuou a dominar amplamente no trimestre – realizado principalmente através dos seus populares portais Taobao e Tmall -, que representa 73% do faturamento total e registou receitas 7% superiores às do mesmo período do ano anterior. Os negócios internacionais avançaram 18%. Fora desses dois segmentos tradicionais, que respondem por 80% do faturamento do Alibaba, destacam-se os avanços do negócio de computação em nuvem (‘cloud’), que cresceu 20%, ou da subsidiária de logística Cainiao (+15%). Negócios menores, como serviços ao consumidor local (+27%) ou iniciativas de inovação (+63%) também tiveram um bom desempenho. Os órgãos digitais e de entretenimento mantiveram o volume de negócios, face ao ano passado. “Sempre inovamos e investimos a longo prazo. Os nossos investimentos contínuos em iniciativas de crescimento produziram resultados tangíveis”, disse Wu. No final de dezembro, as plataformas da Alibaba – designadas por “ecossistema” pela empresa – acumulavam cerca de 1,28 mil milhões de usuários ativos anuais, ou seja, clientes que realizam pelo menos uma transação por ano. Desse montante, cerca de 76,5% correspondem a utilizadores na China, enquanto os restantes encontram-se noutros territórios; no entanto, em termos de crescimento por área geográfica, o crescimento internacional (+5,6%) é superior ao verificado no país de origem do grupo (+2,7%). As ações do Alibaba na Bolsa de Hong Kong fecharam hoje com uma queda de 6,67%, para 104,9 dólares de Hong Kong. Com Lusa
Andreia Sofia Silva PolíticaGoverno prepara planos de emergência para eventual surto pandémico Numa sessão de intercâmbio para o balanço e apresentação de perspectivas da acção governativa”, que decorreu no sábado no edifício do Fórum Macau, a secretaria para os Assuntos Sociais e Cultura, Elsie Ao Ieong U, referiu que “tendo em conta a situação epidémica grave em Hong Kong e, o facto de Macau e Hong Kong estarem muito próximos, é preciso estar em alerta permanente sobre a evolução da situação”. Como tal, “o Governo da RAEM encontra-se a elaborar planos de emergência”. Por sua vez, o Chefe do Executivo, Ho Iat Seng, adiantou que as autoridades prometem “empenhar-se na elevação da taxa de vacinação dos residentes, no sentido de construir imunidade comunitária e reforçar o sistema de prevenção e controlo da epidemia”. Pretende-se ainda “consolidar o mecanismo de prevenção e controlo conjunto a nível inter-regional”. Planos para 2022 O secretário para a Segurança, Wong Sio Chak, frisou que este ano “serão desencadeadas trabalhos nos âmbitos de defesa da segurança nacional, de implementação e aplicação da lei”. O secretário para os Transportes e Obras Públicas, Raimundo do Rosário, acrescentou que irá avançar o projecto de concepção e execução das obras dos edifícios destinados aos tribunais de Última Instância, Segunda Instância e Judicial de Base e da estação do Posto Fronteiriço da Flor de Lótus. Além disso, serão iniciados os trabalhos de elaboração do “Planeamento Geral do Trânsito e Transportes Terrestres de Macau (2021-2030)”, para construir “uma rede de transportes em conjugação com o sistema pedonal de lazer, o Metro Ligeiro, os autocarros públicos, entre outros meios de transporte”. Ho Iat Seng acrescentou que 2022 será um ano “crucial para o Governo aproveitar as oportunidades resultantes da estratégia de desenvolvimento nacional”. Destacando a revisão da lei do jogo e a aposta na diversificação económica através de sectores como finanças e turismo de saúde, o governante referiu também a importância de realizar uma “promoção pragmática” da construção da Zona de Cooperação Aprofundada com Hengqin. Neste sentido, Ho Iat Seng considera necessário “acelerar os trabalhos de articulação dos sistemas financeiros e jurídicos em matéria civil e comercial”.
Andreia Sofia Silva Entrevista MancheteArnaldo Gonçalves, autor de “Por quem os sinos não dobram”: “Lojas maçónicas em Macau vão desaparecer” O novo livro de Arnaldo Gonçalves, “Por quem os sinos não dobram – A maçonaria e a Igreja Católica”, aborda o conflito secular que sempre existiu entre estas duas instituições e as razões da sua origem. O autor considera que as lojas maçónicas em Macau têm vindo a perder membros, devido à saída de muitas pessoas do território, e que vão acabar por desaparecer com o tempo Como nasce este livro que faz a ligação entre os valores maçónicos e os dogmas da igreja? Estive sempre ligado, na parte académica, à ciência política e relações internacionais, e foram essas áreas que ensinei em Macau. Mas quando vim para Portugal achei que a parte filosófica que a maçonaria me dava não chegava, e tinha muita curiosidade intelectual em relação a isso. Fiz então um mestrado em estudos da religião e escolhi o tema para a tese de mestrado sobre o grande arquitecto do universo, que é central na maçonaria, e a qualificação que damos a Deus, para poder incluir gentes de várias religiões. Eu não tenho nenhuma religião, e na maçonaria agregamos essas pessoas. Quando elaborei a tese tive curiosidade de perceber as razões da animosidade da Igreja contra a maçonaria. Peguei então nas insígnias, nas bulas, estudei o pensamento dos Papas, e entre 2020 e 2021 comecei a juntar a documentação para tentar perceber esse conflito, que do meu ponto de vista não fazia grande sentido. Porquê? Os valores da solidariedade, da fraternidade, da inter-religiosidade, que existem muito na maçonaria, achava que a Igreja também os tinha. E o livro faz esse balanço do passado, de como a Igreja se coloca [perante a Maçonaria]. Com os últimos três Papas, a Igreja fez um grande esforço de ligação com outros espaços religiosos. Apesar de se assumir como o caminho da salvação preferencial, a Igreja católica neste momento aceita que as pessoas possam ser judeus ou protestantes, por exemplo, e terem um caminho espiritual como aquele que a Igreja pontua. Queria perceber porque continua a existir esse bloqueio, porque é que os católicos são dissuadidos de participar nas lojas maçónicas, porque é que havia a pena da excomunhão dos que participavam, até há pouco tempo. E a que conclusões chegou? Percebi que há vários factores [para essa situação de bloqueio]. Existe a questão histórica, da tradição, do dogma da Igreja, de que os Papas nunca se enganam, e que em matéria de ensino religioso ou dogma, quando estes tomam determinada decisão, esta não pode ser revogada. Por exemplo, o Papa João Paulo II, ou o Papa Francisco, não podem dizer que a bula de um outro Papa é um perfeito disparate e não faz sentido. E esta é uma situação que acho confrangedora e sem sentido. Sendo uma pessoa fora do catolicismo, sou muito ligado ao Papa Francisco e aos seus valores, porque é latino, tem uma sensibilidade parecida com a nossa. É uma pessoa muito agregadora. No livro cito muitas declarações dele, incluindo uma em que ele diz “Somos todos irmãos”, porque não fazem sentido estas divisões dentro das várias religiões, escolas e congregações. E o livro tenta dar essa reflexão pessoal às pessoas de dentro e fora da maçonaria, no espaço católico. Foi fácil o acesso a fontes e documentos? Que desafios enfrentou para a escrita deste livro? O acesso às fontes da maçonaria foi relativamente fácil, porque eu tinha os documentos históricos que estão no website do Vaticano. Encontrei algumas coisas nos jornais. Acedi a núcleos documentais do Grande Oriente de Inglaterra, de Itália, e isso ajudou-me muito. Na Igreja, não tive grande saída. Tentei contactar o nosso cardeal na Santa Sé, mas ele não me respondeu. Achei que estar dependente de um contacto com a Igreja para o acesso às fontes não ia adiantar muito em relação ao livro. Essa foi a pequena dificuldade. O livro faz suficientemente o contraditório com os textos escritos pela Igreja e nos comentários que existem da parte das Grandes Lojas e maçons. No caso de Macau, tem-se verificado também este conflito entre a maçonaria e a Igreja? Não há diálogo nenhum. Falo, no livro, no debate que foi promovido pelos Papas Paulo VI e João XXIII, em que impulsionaram iniciativas de diálogo discretas. Mandataram bispos para aproximar as organizações maçónicas e ver se se podia ultrapassar a proibição de católicos na maçonaria. No caso de Macau acho que não, porque a Igreja Católica é muito conservadora, sempre achou que a maçonaria ia contra a fé e os próprios ensinamentos da Igreja, e nunca houve uma grande aproximação, sobretudo no tempo em que Macau tinha administração portuguesa. Foram duas realidades completamente diferentes. Em Macau, há poucos maçons enterrados em cemitérios cristãos. Mas se formos ao cemitério protestante encontramos vários maçons. E daí o nome do livro “Por quem os sinos não dobram”, porque os sinos não dobravam por serem maçons, os católicos não os reconheciam como estando no caminho para a salvação. Achavam que o maçon estava perdido. Essa separação continua a existir, mas conheci o caso de um bispo de Macau que frequentava um núcleo de maçons ligado ao Grande Oriente Lusitano, e há fontes que dizem, embora isso não esteja provado, que ele terá sido iniciado na maçonaria. Qual o panorama da maçonaria nos dias de hoje em Macau, tendo em conta as mudanças pelas quais atravessa a comunidade portuguesa? Estive ligado à formação de duas Lojas em Macau, a Grande Loja Legal de Portugal e a Grande Loja Unida de Portugal. São as duas lojas que existem, bem como uma terceira ligado ao Grande Oriente Lusitano. Esta está mais ligada à comunidade macaense, ao Jorge Neto Valente, ao arquitecto Maneiras, a pessoas mais antigas da comunidade. A maçonaria é muito discreta, até devido à arquitectura jurídica em Macau e a premência que se coloca nos problemas da segurança nacional e da defesa da identidade da China, acho que há a possibilidade de os maçons não virem cá para fora com tomadas de posição. O facto de a comunidade portuguesa ser cada vez mais pequena reflecte-se nas Lojas, porque muitos regressaram a Portugal. Uma das lojas a que pertenci, com pessoas de diferentes nacionalidades, tinham um grande peso dos filipinos. Com a evolução e redução da actividade do jogo e desaceleração do crescimento dos casinos, eles foram sendo despedidos e regressaram às Filipinas. Percebo que é difícil as Lojas terem quórum para conseguirem funcionar. Este problema existe em Macau e talvez em Hong Kong. Quem não tem raízes familiares acabou por regressar aos seus países de origem. Gradualmente as lojas maçónicas em Macau vão desaparecer? Sim. Acho que com o tempo vão desaparecer à medida que vão tendo menos membros. Acho que nem é preciso qualquer iniciativa da China, depois de 2049, para as lojas maçónicas desaparecerem. Além disso, as Lojas não têm grande atracção pelos chineses, que têm uma mentalidade diferente. Eles participam em associações que têm alguma forma de retribuição, através de oportunidades e contactos. As lojas maçónicas não têm essa vocação de partilha de negócio, pelo que é inevitável que elas se mantenham como uma realidade puramente ocidental. Como têm operado as lojas maçónicas em Macau? Onde se encontram os seus membros? São diferentes mentalidades. Em Hong Kong existe uma estrutura maçónica, constituída no tempo dos ingleses, que é na Camden Road número 1, onde reúnem todas as lojas. Em Macau, isso nunca existiu, porque não era fácil, porque a maçonaria, na tradição portuguesa, é muito escondida, e não apenas discreta. O Grande Oriente Lusitano talvez tivesse umas instalações físicas, mas tenho ideia que depois de 1999 deixaram de o fazer e passaram a usar um hotel para fazer as reuniões. Nas minhas lojas aconteceu a mesma coisa, nós temos espaços onde acontecem as reuniões, improvisamos a decoração, mas no fim as coisas são arrumadas e nada identifica esses espaços como sendo da maçonaria. Falou dos macaenses ligados à maçonaria. Têm um perfil de adesão diferente em relação aos portugueses? São os mesmos princípios. Existem alguns macaenses que pertencem à loja do Grande Oriente Lusitano em Macau e tiveram essa ligação, porque também têm uma forte relação de amizade entre eles. Mas a comunidade macaense também é muito dividida. Existem essas pessoas que não têm uma vocação católica e que podem ser maçons, mas a predominância da comunidade macaense é praticamente do cristianismo, muito ligada ao bispado. Como existe esta questão de os católicos serem dissuadidos de pertencerem à maçonaria, nunca houve esse apelo para os macaenses participarem. É difícil uma adesão em massa porque têm medo de ser prejudicados. Diria ainda que em Macau não há maçonaria feminina, nem a maçonaria mista. Sempre achei estranho porque isso nunca foi possível em Macau, o que mostra o conservadorismo da sociedade.
Andreia Sofia Silva Grande Plano MancheteEconomia | Relatório do DLA Piper destaca efeito da política de zero casos no desemprego O relatório “APAC Employment Law Forecast 2022”, elaborado pelo escritório de advocacia DLA Piper, prevê que a manutenção da política de zero casos covid-19 no território poderá ter “um impacto significativo no emprego este ano”. No capítulo dedicado a Macau, elaborado por uma equipa do escritório de advogados Lektou – Rato, Ling, Lei & Cortés, o regime de captação de quadros qualificados é descrito como “ambicioso” O cenário de desemprego e de quebra de receitas do jogo devido à pandemia, em Macau, é descrito no mais recente relatório editado pelo escritório de advogados DLA Piper, que conta com os contributos de uma equipa do escritório de advogados local Lektou – Rato, Ling, Lei & Cortés. No capítulo dedicado a Macau, descreve-se que o território “está a passar de uma situação de quase pleno emprego para um panorama de crescente desemprego”. Os autores consideram também que “os empregadores continuam a lidar com a quebra das receitas do jogo (a principal fonte de receitas para Macau), agravada pela política de zero casos covid-19 [implementada no território]”. Desta forma, “espera-se que continuemos a ter um impacto significativo no emprego este ano”, lê-se ainda num capítulo que destaca novos diplomas laborais como a proposta de lei sindical ou a nova lei das agências de emprego. É também comentado o regime de captação de quadros qualificados, considerado “ambicioso”, pois “introduz o teletrabalho no sistema jurídico de Macau e revoga certas responsabilidades do Instituto de Promoção do Comércio e Investimento de Macau (IPIM)”. “Este esquema visa rever políticas de imigração a fim de atrair recursos humanos qualificados e atrair talentos para áreas especificas como saúde, finanças, tecnologia de ponta, cultura e desporto”, é ainda referido. Este regime esteve em consulta pública entre os meses de Novembro e Dezembro, sendo que o Governo se encontra actualmente a analisar as opiniões recolhidas. O objectivo das autoridades é atrair “quadros altamente qualificados e de excelência” mediante “determinadas exigências e aptidões padronizadas”. Desta forma, estes quadros deverão ser integrados no mercado laboral local mediante as lacunas que o território apresenta a fim de promover “o desenvolvimento constante desses sectores industriais”. Estes profissionais “funcionarão como alicerces de um sustentado desenvolvimento socio-económico de Macau”, criando-se, para esse efeito, quotas para a vinda de talentos para trabalhar em certas indústrias que se vão desenvolver no território. O relatório faz também referência ao novo regime jurídico do controlo de migração e das autorizações de permanência e residência, que entrou em vigor a 15 de Novembro do ano passado. É referido que esta legislação prevê “autorizações especiais de permanência para trabalhadores qualificados e não qualificados”, bem como das suas famílias. Além disso, “os trabalhadores não residentes podem entrar em Macau com o propósito de desenvolverem uma determinada actividade, necessitando de uma autorização especial de entrada na qualidade de trabalhadores”. Salários congelados Este relatório anual cobre 16 jurisdições da zona da Ásia Pacífico incluindo Malásia, China, Japão, Hong Kong ou Cambodja, entre outros. No caso de Hong Kong, espera-se que a pandemia possa levar ao congelamento dos actuais valores do salário mínimo, que é de 3.750 dólares de Hong Kong, e cuja revisão deverá acontecer entre os meses de Outubro e Novembro deste ano. Tudo irá depender “do impacto económico da covid-19”, apontam os analistas. O relatório destaca ainda o aumento dos feriados de 12 para 17 dias em 2030, com a adição de um feriado a cada dois anos. Além disso, é feita referência à abolição de um mecanismo de segurança social, o “MPF offsetting mechanism”, uma proposta que há muitos anos é defendida pelas autoridades de Hong Kong. Este mecanismo prevê que os empregadores possam recorrer às contribuições dos trabalhadores para realizar determinados pagamentos. Desta forma, espera-se que o Governo da região vizinha “legisle para que os empregadores abram contas poupança em seu nome” para futuros pagamentos relacionados com os seus trabalhadores, entre outras medidas alternativas. Questões maternais No que diz respeito à China, o documento dá conta do facto de as famílias poderem agora ter, no máximo, três filhos, após a abolição da política de filho único que vigorou no país durante décadas. Além disso, as autoridades chinesas deverão implementar uma extensão da licença de maternidade em mais cidades depois das alterações feitas em Pequim, Xangai e Zhejiang, bem como providenciar mais apoios para quem deseja ter filhos. No entanto, “a extensão das políticas de licença de maternidade não são bem vindas pela maior parte das trabalhadoras, uma vez que muitas mulheres têm receios de uma discriminação de género por parte dos empregadores em resultado da implementação dessas medidas”, pode ler-se. Ainda em matéria de legislação, o relatório refere a implementação da nova lei de protecção de dados pessoais que vigora desde o dia 1 de Novembro do ano passado, que estabelece, pela primeira vez, um regime regulatório para a protecção dos dados pessoais. Os analistas “antecipam que directrizes mais detalhadas possam surgir como suplemento à lei”. Ainda sobre a China, o relatório dá conta de mudanças em matéria de segurança social para trabalhadores e empregadores estrangeiros. Sobre este ponto, e relativamente aos trabalhadores chineses, no ano passado mais cidades e províncias começaram a seguir a medida que vigora em Pequim, desde 2020, que proíbe as empresas de pagarem as contribuições de segurança social dos seus trabalhadores através de agências. “Esta política restritiva foi formulada para que empresas tenham uma presença nos locais onde desenvolvem os seus negócios”, pode ler-se. No capítulo dedicado ao Japão, um dos primeiros pontos destaca o facto de, a partir de 1 de Abril deste ano, todas as pequenas e médias empresas do país serem obrigadas a implementar medidas de prevenção e proibição do assédio sexual. “Tendo em conta que muitas empresas já proíbem o assédio sexual, tendo introduzido esta questão nas suas regras de conduta laboral, seria prudente rever as directrizes de trabalho existentes em conformidade [com a nova legislação]”. Sobre Taiwan, o relatório dá conta do panorama de teletrabalho na região. “Apesar do quase regresso à normalidade depois do grande surto de covid-19 em Taiwan em 2021, no Verão, espera-se que a variante Ómicron e a sua rapidez de contágio possa trazer novos problemas.” Na Ilha Formosa discute-se ainda a implementação da regra de contratação de trabalhadores vacinados contra a covid-19, ou a realização de testes de despistagem, depois de um período em que a região registou atrasos na recepção de vacinas. “Há uma crescente expectativa social de que os trabalhadores serão vacinados. Enquanto que o esquema de vacinação tem avançado no seio dos jovens trabalhadores e empregadores, existe um desfasamento em relação à vacinação dos mais velhos”, lê-se. Taiwan enfrenta ainda, segundo o relatório, dificuldades de contratação de mão de obra estrangeira de países como as Filipinas, Indonésia ou Tailândia, o que “alterou a dinâmica da procura e o fornecimento de trabalhadores de forma significativa”. Estes trabalhadores parecem não aceitar mais as más condições de trabalho ou de alojamento que se verificavam no passado, sobretudo desde o início da pandemia.
Andreia Sofia Silva China / ÁsiaUcrânia | Efeitos da invasão russa sentidos em Hong Kong, China e Taiwan O consultor e analista de jogo Steve Vickers defende que a invasão russa na Ucrânia poderá ter um impacto em determinados sectores económicos na China, Hong Kong e Taiwan. “O panorama na região da Ásia-Pacífico irá depender da turbulenta relação sino-americana, com implicações para o sector tecnológico de Hong Kong, Taiwan e China”, além de provocar “flutuações a nível financeiro, no comércio regional e tarifas”. Para este analista, “a possibilidade de extensão [do impacto] em áreas aparentemente não relacionadas é real”. Em termos gerais, Steve Vickers entende que a invasão decretada por Vladimir Putin à Ucrânia “promete trazer novos choques a um já instável ordenamento político e financeiro, em matéria de aumento dos preços de energia e uma grande incerteza”. Relativamente à situação pandémica para este ano, a análise de Steve Vickers aponta para uma maior tranquilidade na situação social e política em Hong Kong com a lei de segurança nacional. No entanto, “a imposição de agressivas medidas de quarentena, e com a imposição de testes obrigatórios a partir de Março, poderá trazer algumas frustrações”. No que diz respeito à política de zero casos covid-19 seguida pelas autoridades chinesas, e que também se aplica a Macau e Hong Kong, incluindo “uma crescente separação económica entre a RPC, os EUA e seus aliados” vai continuar a “reverter décadas de uma tendência de integração financeira, liberdade de movimento e globalização comercial na região da Ásia-Pacífico como um todo”.