Andreia Sofia Silva Grande Plano MancheteHistória | A visita da Sociedade das Nações a Macau para analisar o comércio de ópio No final da década de 20 do século XX Macau, então administrada por Tamagnini Barbosa, recebeu uma comissão da Sociedade das Nações que veio ao território fazer um inquérito ao comércio de ópio. A investigação, vista com desconfiança pelo Governador, concluiu que muitas das acusações imputadas a Macau não eram verdadeiras. O tema foi abordado num artigo da historiadora Célia Reis Macau, território que sempre teve comércio e consumo de ópio no imaginário colectivo, recebeu a visita de uma comissão de inquérito da Sociedade das Nações (SDN), entidade internacional saída da I Guerra Mundial e do Tratado de Versalhes, para inspeccionar o tráfico do poderoso narcótico. Tamagnini Barbosa, então Governador, olhou para essa visita com desconfiança, mas depois acabou por aceitar os resultados, que se revelaram benéficos para a imagem do território. Esta é uma das conclusões do artigo académico “Macau e o Tráfico do Ópio no Contexto da SDN (1925-1930)”, da autoria da historiadora Célia Reis, do Instituto de História Contemporânea da Universidade Nova de Lisboa, que recentemente foi apresentado no ciclo de conferências da primavera do Centro Científico e Cultural de Macau (CCCM). À época, o jogo já era muito importante para a economia local, mas o ópio era fundamental. A título de exemplo, no ano de 1929, o seu comércio representava cerca de 22 por cento das receitas obtidas pela Administração. A comissão de inquérito da SDN não se cingiu a Macau e andou por todos os territórios a Oriente onde o comércio do ópio tinha expressão. “Os inspectores verificaram que a situação de Macau não estava num mau caminho, pelo contrário”, começou por dizer ao HM Célia Reis. “O número de estabelecimentos da venda do ópio estava a diminuir e o facto de grande parte dos rendimentos de Macau serem ainda provenientes do ópio não era uma questão apenas do território, verificando-se sobretudo nos territórios mais pequenos.” Além disso, a comissão concluiu que, no território, “era extremamente difícil controlar todo o comércio, dada a ligação comercial que existia com a China, que fazia com que o tráfico ilícito fosse muito fácil”. Como prova da redução do peso do ópio na sociedade local, o artigo aponta que em 1927 existiam no território 65 estabelecimentos de venda, número que passou para 63 em 1929, ainda assim uma diminuição ligeira. Até à visita da comissão de inquérito da SDN, Macau era alvo de acusações por parte de outros países relativamente ao ópio que “não correspondiam à realidade”, aponta a autora do artigo. “Havia interesse das outras nações, quando havia algum problema, em dizer que o ópio era proveniente de Macau. Era difícil ao Governo controlar esse tráfico antes de ele ser administrado pelas próprias autoridades, mas havia muitas acusações que eles consideravam infundadas. No final da década [de 20], mesmo com o acordo dos responsáveis internacionais, passou a ser dado um aditivo ao ópio de Macau, que não lhe alterava as qualidades, mas que dava para reconhecer se este era de Macau ou não. E isso foi uma grande vantagem para ver que, de facto, muitas acusações não eram verdade.” Em termos gerais, Tamagnini Barbosa “até ficou satisfeito com os resultados desta análise, pois não colocava Macau numa situação à parte em relação a outros territórios do Oriente”, disse Célia Reis. Administração assume controlo Outrora explorado por particulares e concessionado, o comércio do ópio e a sua gestão foram alvo de remodelação em finais da década de 20, o que levou à criação, em 1929, da Inspecção dos Serviços Económicos, que tinham à frente figuras conhecidas da comunidade macaense como Pedro José Lobo e Joel José Choi Anock, entre outros. Importa frisar que estas figuras já antes estavam ligadas à inspecção e fiscalização deste tipo de comércio, embora inseridas noutro tipo de estrutura pública. Célia Reis A criação da Régie, como se chamava, ficou determinada após ter sido decidido, na Conferência de Genebra, que a gestão do comércio do ópio teria de passar dos particulares para o próprio Governo. Célia Reis adianta que Pedro José Lobo e Joel José Choi Anock eram, acima de tudo, pessoas próximas do Governador, que na altura “tinha graves problemas com algumas figuras da comunidade local, nomeadamente as que estavam mais ligadas ao poder do Leal Senado, com quem o Governador tinha um confronto aberto”. “Havia muitas acusações do antigo concessionário contra essas pessoas [Pedro José Lobo e Joel José Choi Anock] e o Governador disse mesmo que ele confiava muito nelas e que por isso é que estavam à frente dessas actividades.” A posição da metrópole O Governo chegava a obter uma taxa de lucro na ordem dos 35 por cento com o comércio do ópio, que vinha sobretudo da região da Pérsia, Índia Britânica e Hong Kong, até chegar a Macau. Nesta altura, as autoridades fizeram progressos no controlo contrabando e foi proibida a exportação de ópio através do território, tendo-se registado ainda um aumento da importação entre 1928 e 1929. Quanto à posição da então metrópole, resolver a questão do ópio revelava-se fundamental por uma questão de imagem internacional do país. “Para Portugal, estas questões ultrapassavam muito Macau, porque, por um lado, sempre houve a pressão de que o que era proibido em Portugal poderia não ser proibido nas colónias. Aqui o jogo era regulamentado, mas não tinha nada a ver com o jogo em Macau, e o mesmo se passava com o ópio. Mas isso acontecia também com os outros países, Portugal não era uma excepção nesse aspecto. Mas, nesta fase, para as autoridades portuguesas, não são apenas as questões do consumo da SDN, mas também a imagem que o país oferece.” Célia Reis ressalva que “Portugal tinha grandes dificuldades, e havia sempre o receio de perder as suas colónias, era alvo de muitas críticas”. Desta forma, “resolver o problema do ópio era uma forma de não acrescentar mais dificuldades a este relacionamento” internacional. O artigo desta historiadora dá conta que o comércio do ópio “constituiu um elemento essencial no expansionismo no Oriente a partir dos séculos XVIII e XIX, quando, envolvendo as diversas fases, da produção à distribuição e consumo, se tornou fundamental para suprir o desequilíbrio das transacções ocidentais na China”. O estupefaciente, consumido em Macau inclusivamente por algumas figuras proeminentes da sociedade, como o poeta Camilo Pessanha, era fundamental para a economia de muitas nações do sudeste asiático. “A sua importância e os principais elementos sociais a que estava ligado permitia ultrapassar a visão do ‘vício’ que tinham os ocidentais”, descreve o documento. Se, inicialmente, o comércio era concessionado sob forma de monopólio a privados, depressa essa gestão passou para a hasta pública, criando-se as Régies. “A França foi pioneira dessa forma na Indochina, ainda no final do século XIX. Em 1914 aplicou-se em Hong Kong”, escreve a historiadora.
Andreia Sofia Silva EventosCCCM | Imagens de Macau em exposição a partir da próxima segunda-feira A antropóloga Marisa Gaspar fotografou entre 2010 e 2018 os recantos de Macau à medida que ia fazendo trabalho de campo para as suas investigações. O resultado pode agora ser visto numa exposição que estará patente no Centro Cultural e Científico de Macau, em Lisboa, entre a próxima segunda-feira e 22 de Abril “Macau em contrastes”, a exposição de fotografia Marisa Gaspar, é a primeira iniciativa do género desenvolvida pela antropóloga. Inaugurada na próxima segunda-feira em Lisboa, a fim de acompanhar o ciclo de conferências da primavera que o Centro Científico e Cultural de Macau (CCCM), a exposição junta um conjunto de imagens do território capturadas entre 2010 e 2018, os anos em que Marisa Gaspar esteve em Macau a fazer trabalho de campo para a sua investigação. “Sou amadora e não tenho pretensões de ser outra coisa”, adiantou ao HM. “Esta é uma visão muito minha sobre a cidade e as suas vivências. O título da exposição ‘Macau em contrastes’ traduz muito isso, a minha experiência pessoal à medida que ia descobrindo a cidade”, adiantou. A mostra conta com curadoria de Rui Dantas, director do Museu de Macau associado ao CCCM, e da Fundação Casa de Macau, em Lisboa. “São imagens de lugares e não de pessoas. É uma visão sobre a cidade e não tanto sobre a comunidade macaense ou coisas concretas do meu trabalho. É uma viagem pela minha descoberta de Macau ao longo dos anos”, contou. Marisa Gaspar deparou-se, em 2010, “com vários pedaços” que depois se foram “descobrindo numa malha urbana”. “Houve uma mudança na configuração física da cidade e é isso que a exposição retrata. Macau é muito fotogénica e é natural que as pessoas a fotografem muito e que existam muitos pontos de vista pessoais sobre esse espaço. Não são as fotografias mais bonitas de Macau, mas são as fotografias reais”, frisou. Depois do CCCM, Marisa Gaspar pretende levar a exposição para outras paragens. Investigação suspensa Marisa Gaspar, investigadora no Instituto Superior de Economia e Gestão (ISEG) da Universidade de Lisboa, está neste momento com um projecto de pós-doutoramento suspenso devido às restrições impostas pelas autoridades de Macau no âmbito da pandemia, que a impedem de viajar até ao território. Ainda assim, a académica tem alargado a pesquisa a Macau como espaço de turismo e património, sem ter apenas o foco na comunidade macaense, mas também em determinados factos históricos. “Sendo o meu objectivo o turismo, não consigo imaginar Macau sem turistas. As últimas políticas [previam] uma maior abertura de Macau ao mundo, com o desenvolvimento de várias parcerias. A ideia era uma projecção maior aos turistas internacionais. Estou apreensiva, porque tenho um projecto de investigação embargado”, confessou. Ainda assim, Marisa Gaspar destaca o facto de a comunidade se ter vindo a destacar, nos últimos anos, “como comunidade patrimonial”, tendo em conta que “a gastronomia e o patuá foram reconhecidos como património chinês e foi levada à Assembleia Popular Nacional a possibilidade de a comunidade ser considerada mais uma etnia chinesa”.
Andreia Sofia Silva SociedadeAmbiente | USJ leva a Portugal exposição sobre mangais Foi ontem inaugurada a exposição “Mangroves: a coastal treasure” [Mangais: um tesouro costeiro] em Vila do Conde, Portugal, numa iniciativa do Instituto de Ciência e Ambiente da Universidade de São José (USJ) e do Centro de Monitorização e Interpretação Ambiental de Vila do Conde. A mostra conta com a coordenação de Karen Tagulao, investigadora da USJ, e concepção gráfica de Filipa Martins, sendo composta por “painéis científicos, fotografias e filmes que colocam em relevo a acção das zonas húmidas e dos mangais em particular na salvaguarda da linha costeira face a fenómenos como poluição ou subida do nível médio das águas do mar”, lê-se num comunicado. Além desta mostra, irá ainda decorrer uma palestra, com a participação de Karen Tagulao, que há algum tempo se dedica a estudar os efeitos positivos dos mangais na protecção do meio ambiente. Na conferência será evidenciado “o papel dos mangais como soluções baseadas na natureza, os serviços de ecossistema que providenciam e em particular a sua contribuição para a mitigação dos efeitos das alterações climáticas e para a resiliência das cidades costeiras”. A iniciativa visa celebrar os 15 anos de existência do Centro de Monitorização e Interpretação Ambiental de Vila do Conde.
Andreia Sofia Silva Manchete SociedadeTurismo | Alojamentos de baixo custo isentos pagar imposto O Governo quer isentar o alojamento de baixo custo de pagar o imposto de turismo. Glenn Mccartney, académico especialista nesta área, diz que é uma medida positiva e que até pode incentivar o consumo, mas defende que as PME vão continuar a sofrer com os elevados custos do negócio Deu ontem entrada na Assembleia Legislativa a proposta de lei que altera o actual regulamento do imposto de turismo, que prevê a isenção do imposto para alojamentos de baixo custo, a fim de incentivar o sector. “Ficam isentos do imposto de turismo os bens fornecidos e os serviços prestados pelos alojamentos de baixo custo e hotéis de duas estrelas”, pode ler-se. Desta forma, “o valor tributável é o preço dos bens fornecidos e dos serviços prestados, ainda que o preço deixe de ser cobrado, no todo ou em parte”. O Governo decidiu ainda fazer algumas alterações às categorias de alguns espaços comerciais. No que diz respeito à categoria de alojamento de baixo custo e hotéis de duas estrelas, “transitam as actuais pensões de duas e três estrelas, anteriormente isentos [do pagamento do imposto] e os estabelecimentos de refeições simples e os quiosques das áreas de restauração”. Incluem-se ainda “os estabelecimentos de bebidas e de comida inseridos nos locais acima referidos”. O objectivo desta nova medida é “incentivar o desenvolvimento do sector de alojamentos de baixo custo”. O montante do imposto de turismo deixa de estar afecto ao Fundo de Turismo e passa a ir directamente para os cofres da RAEM. Estas medidas entram em vigor dia 1 de Janeiro do próximo ano, para “dar tempo à Administração fiscal para a boa divulgação da lei e permitir aos contribuintes efectuarem os preparativos para a cumprir”. Pretende-se ainda “tornar mais adequada a gestão do orçamento público”. Uma boa medida Ouvido pelo HM, o académico da Universidade de Macau (UM) e especialista em turismo, Glenn Mccartney, considera que esta é uma boa medida, lembrando que o imposto de turismo é pago pelos hóspedes e turistas e que a isenção pode incentivar o consumo no território. “A indústria fica sempre satisfeita com a redução ou remoção de impostos, mas tudo depende dos benefícios que serão dados às Pequenas e Médias Empresas (PME), que vão enfrentar muitos desafios e problemas.” “Será que esta medida vai ajudar todos?”, questionou Glenn Mccartney. “Vai ajudar decerto muitos negócios, mas as PME vão continuar a sofrer com os elevados custos das rendas, salários e pagamentos a fornecedores. Mas ainda assim é bom remover algumas responsabilidades às PME, mas no final do mês vão ter de continuar a suportar os custos. Será interessante ver o impacto desta medida, pois criar a política é uma coisa, mas o impacto é outra.” Relativamente à alocação do montante do Fundo de Turismo para os cofres do Governo, Glenn Mccartney fala de uma “maior eficiência na recolha de impostos”.
Andreia Sofia Silva SociedadeDSPA | Recebidas 170 candidaturas para substituição de motociclos A Direcção dos Serviços de Protecção Ambiental (DSPA) recebeu, até ontem, 170 candidaturas ao plano de concessão de apoio financeiro para o abate de motociclos obsoletos. Este programa pretende que estas motas venham a ser substituídas por motociclos eléctricos novos, a fim de assegurar uma maior protecção do meio ambiente. Segundo um comunicado, alguns candidatos já foram notificados sobre este apoio financeiro, sendo que a DSPA começou ontem a receber alguns motociclos obsoletos, que farão parte do primeiro grupo de 27 veículos abrangidos por este programa. Cada candidato poderá ter direito até oito mil patacas de apoio financeiro, devendo apresentar, 165 dias após ser notificado, o pedido de nova matrícula para a sua mota eléctrica junto da Direcção dos Serviços para os Assuntos de Tráfego (DSAT). Numa resposta a uma interpelação escrita do deputado Lei Chan U, Raymond Tam, director da DSPA, adiantou que esta direcção de serviços vai vender os motociclos abatidos em hasta pública “e transportá-los para fora de Macau, de acordo com os mecanismos de mercado”. No entanto, não será possível, a curto prazo, fazer o transporte destes veículos para o interior da China para o seu tratamento, uma vez que “existe ainda a necessidade de coordenar e debater com os ministérios e comissões do interior da China as declarações aduaneiras, incluindo outras questões complexas”. Sobre o pré-tratamento destes motociclos obsoletos em Macau, Raymond Tam assume que “é necessário rever o ordenamento dos aterros para que se disponibilize o maior espaço possível [para esse tratamento prévio], sendo que as obras ainda não foram iniciadas”, lê-se na resposta à interpelação.
Andreia Sofia Silva EventosPintura | Exposição de Luísa Petiz inaugurada hoje na Fundação Rui Cunha A arquitecta Luísa Petiz nunca tinha pintado Macau em aguarela até ao ano passado. Os seus retratos dos bairros antigos do território e das ruelas cheias de recantos por descobrir podem ser vistos, a partir de hoje, na Fundação Rui Cunha “Um olhar sobre o Oriente” é o nome da mostra que é hoje inaugurada na Fundação Rui Cunha (FRC) e que apresenta aguarelas da autoria de Luísa Petiz. Formada em arquitectura mas a trabalhar como designer de interiores, a também artista já pintava em aguarela há algum tempo quando começou a retratar as zonas antigas de Macau. “Sempre fiz bastantes desenhos, e também em aguarela, mas foi no final de 2020 que comecei a pintar mais aguarelas, sobretudo dos sítios para onde costumava viajar. Quando vi que o meu trabalho estava a começar a causar algum impacto nas pessoas ponderei começar a fazer desenhos sobre Macau”, contou ao HM. Esta mostra tem como base, sobretudo, reflexos da cultura chinesa e oriental. No entanto, Luísa Petiz focou-se muito na forma como o seu olhar interpreta templos chineses ou pequenas lojas de rua. “No fundo, todas as ruas da zona antiga de Macau são muito diferentes umas das outras. Acho bastante mais interessante desenhar esta Macau antiga, que tem muito mais para oferecer, detalhes e recantos dos quais não nos apercebemos. Os casinos constituem uma parte nova que é mais artificial, como conjunto fazem parte do território, mas a parte antiga é mais interessante”, contou. A aguarela como base Luísa Petiz chegou a Macau há quatro anos, quando se mudou de malas e bagagens depois de o seu namorado ter encontrado emprego no território. Entregou-se ao trabalho enquanto designer de interiores, mas confessa que o desenho e a aguarela estão sempre presentes no seu quotidiano, servindo de base a outros projectos. Convidada a destacar um ou outro trabalho da mostra patente ao pública na Fundação Rui Cunha, Luísa Petiz fala de um quadro que retrata a península de Macau a partir do empreendimento hoteleiro Sofitel Ponte 16. “Fiz a vista até ao Grand Lisboa porque dá para ver todas as coisas de cima, com tudo um pouco caótico. Também gosto muito de um quadro que fiz sobre o início da Rua do Cunha, focado muito nas cores e na envolvente do local e com muitos detalhes das lojas de rua”, frisou. Até 2 de Abril o público poderá desfrutar dos desenhos que transportam par a tela “as ruas estreitas e irregulares da zona antiga, repletas de toldos metálicos, varandas fechadas em gaiolas de todas as cores, formas e feitios, muitas delas cobertas por ferrugem, as paredes ocupadas por caixas de ar condicionado e cabos que parecem não ter fim”. No acervo em exposição há também espaço para paisagens da China, lugares que Luísa Petiz visitou antes da implementação das restrições de passagem nas fronteiras.
Andreia Sofia Silva Grande Plano MancheteUcrânia | China quer ser “potência responsável”, limitando os efeitos da ligação ao Kremlin Luís Cunha, investigador do Instituto do Oriente, defende que a China pretende ser, no contexto da guerra na Ucrânia, uma “potência responsável, limitando os efeitos tóxicos” da sua ligação à Rússia. O autor destaca ainda que o país defende “os seus próprios interesses”, evitando sempre um confronto directo com os EUA Muito se tem falado sobre a posição de neutralidade da China em relação ao conflito na Ucrânia, com os Estados Unidos (EUA) a apontarem o dedo a Pequim, alertando para a necessidade de acabar com essa postura diplomática. Luís Cunha, investigador do Instituto do Oriente da Universidade de Lisboa, acaba de publicar o artigo “O Dragão na Sala”, numa publicação do Instituto de Defesa Nacional (IDN), em Portugal, onde analisa a posição de Pequim no conflito. O autor acredita que a China pretende ser “uma potência responsável, limitando os efeitos tóxicos” da ligação comercial que mantém com Moscovo. Face aos próximos tempos, a guerra na Ucrânia “implicará, provavelmente, uma maior dependência económica de Moscovo face a Pequim”, embora, devido às sanções aplicadas ao regime de Putin, “o auxílio a prestar pela China estará substancialmente condicionado”. Acima de tudo, a China “defende os seus próprios interesses”, pretendendo “evitar o antagonismo frontal com os EUA, numa ocasião crítica para a política mundial e para a economia chinesa”. Esta será, nos próximos tempos, “a prioridade máxima para Pequim”, considera o autor. A “neutralidade colaborante” do Governo de Xi Jinping “cumpre os critérios mínimos”, aponta ainda Luís Cunha. Isto porque “a coexistência pacífica é o principal mandamento da política externa chinesa, indispensável à sua ascensão à posição cimeira da economia mundial”. No artigo publicado pelo IDN, lê-se também que “Pequim tem as suas próprias prioridades geopolíticas”, uma vez que “continuam em aberto as disputas territoriais com vários países no Mar do Sul da China, com o Japão e Índia”. Para Luís Cunha, “a crise ucraniana serve também aqui de teste, uma vez que Pequim nunca renunciou ao possível uso da força para forçar a reunificação com Taiwan. Ao mesmo tempo que acusa os EUA de quererem formar uma versão asiática da NATO na Ásia-Pacífico – alusão à aliança AUKUS –, apoia a autonomia securitária da União Europeia, desde que afastada dos EUA”. Desta forma, “a Rússia arrastou a China para uma posição incómoda, mas potencialmente vantajosa”. “Num curto espaço de tempo, Pequim observa o seu maior rival estratégico a sair debilitado do Afeganistão e o seu maior parceiro estratégico em rota auto-destrutiva”, acrescentou. Em termos gerais, “a invasão da Ucrânia por parte da Rússia, enquanto potência desafiadora da ordem internacional, representa um enorme teste à capacidade de resposta do Ocidente, mas também à relação com a China, principal parceira estratégica”. Uma questão histórica Em 1997, anos depois da queda da URSS, os presidentes Jiang Zemin e Boris Yeltsin, respectivamente da China e URSS, “fizeram saber que uma nova ordem mundial multipolar estava em germinação”. Desde então que as duas nações “vêm fortalecendo uma aliança de conveniência”. Luís Cunha recorda no seu artigo a assinatura, em 2001, do Tratado de Boa Vizinhança entre os dois países “que congelou as disputas numa fronteira comum com mais de 4.200 quilómetros”. Desde 2012 que a China “é o maior parceiro comercial da Rússia”, sendo que dois anos depois “não reconheceu a anexação da Crimeia” por parte de Moscovo. No entanto, “recorrendo ao habitual pragmatismo silencioso da diplomacia chinesa, também não condenou a iniciativa russa”. “Apenas três meses após a anexação, Pequim socorria a sua aliada, alvo de sanções internacionais, com um investimento de 400 biliões de dólares no gasoduto Força da Sibéria, direcionado para a China. Oito anos volvidos, a invasão da Ucrânia provoca o reordenamento das relações internacionais, colocando a China no papel que está habituada a desempenhar: o de ser tudo para todos”, descreve Luís Cunha. Luís Cunha aponta também que, duas semanas antes de invadir a Ucrânia, Vladimir Putin assinou com a China novos acordos comerciais. “O timing não terá sido inocente”, descreve o académico. “É admissível que [Putin] tenha informado o líder chinês da ‘operação militar especial’ em preparação na Ucrânia. Mas a avaliar pela reacção da embaixada da China em Kiev e pela carta aberta divulgada por alguns conhecidos historiadores chineses, que acusavam Putin de ter ‘enganado’ Xi, o líder russo terá ocultado a extensão e profundidade da intervenção planeada para a Ucrânia.” A relação com a Ucrânia A China mantém hoje “excelentes relações com a Ucrânia”, onde se inclui “uma estreita cooperação militar”. Acima de tudo, Pequim “reitera a necessidade de se respeitar a soberania e a integridade territorial de todos os países”, embora responsabilize os EUA e a NATO pela eclosão do conflito. Além disso, o Governo Central “não disfarça de permeio o incómodo pela posição em que Putin colocou a China, encarada pela comunidade internacional como a mediadora privilegiada para dirimir o conflito”. No domingo, o embaixador chinês nos EUA, Qin Gang, confirmou ao canal CBS que Pequim não está a enviar assistência militar a Moscovo. “Há desinformação de que a China está a fornecer assistência militar à Rússia. Nós rejeitamo-la”, disse Qin Gang, que acrescentou que o país “envia comida, medicamentos, sacos-cama e leite em pó”, e “não armas ou munições para as partes [do conflito]”, acrescentou, garantindo que o país fará tudo para diminuir a escalada militar. No entanto, Qin Gang evitou indicar se esta posição se irá manter no futuro. Desde o início da invasão que a China se abstém de apelar a Putin para retirar as tropas russas da Ucrânia. “Uma condenação não resolve o problema. Eu ficaria surpreendido se a Rússia recuasse por causa das condenações”, acrescentou o diplomata chinês durante a entrevista. Questionado se Xi Jinping pediu a Vladimir Putin para pôr fim à invasão da Ucrânia, Qin Gang disse que, “no segundo dia da operação militar da Rússia”, o Presidente chinês apelou para que Putin “considerasse retomar as negociações de paz”. Na sexta-feira, numa videoconferência, Joe Biden advertiu Xi Jinping para as “implicações” e “consequências” para a China, caso forneça “apoio material” à Rússia no “brutal” ataque à Ucrânia. Os dois dirigentes também assinalaram a vontade de “manter os canais de comunicação abertos”. Se, por um lado, Joe Biden não especificou as consequências para a China de um eventual apoio à Rússia, por outro, o chefe de Estado norte-americano “detalhou” a Pequim as duras sanções económicas e financeiras já impostas pelo Ocidente ao regime de Vladimir Putin, salientou a Casa Branca, no comunicado emitido na altura.
Andreia Sofia Silva Manchete PolíticaComércio | Assegurada importação de alimentos, mesmo com pandemia Representantes do Gabinete de Ligação reuniram com o Governo para discutir o abastecimento alimentar do território. A importação de alimentos de Hong Kong é, para já, “estável”. As autoridades garantem a inspecção de cerca de 100 mil encomendas de frescos por semana A situação pandémica nas regiões vizinhas e a necessidade de importar produtos para Macau levou representantes da divisão comercial do departamento dos assuntos económicos do Gabinete de Ligação do Governo Central na RAEM a reunir, na sexta-feira, com a Direcção dos Serviços de Economia e Desenvolvimento Tecnológico (DSEDT). Segundo o Executivo, “a situação de abastecimento de Hong Kong é estável e sem qualquer obstáculo no seu processo de transporte”, sendo que a DSEDT tem procurado fornecedores de outras regiões que não a RAEHK. Desta forma, “o sector empresarial revelou que pode aumentar o volume de importação e das fontes de abastecimento do Interior da China, podendo ainda, caso necessário, aumentar a percentagem das importações do Interior da China”. Sobre este ponto, o Gabinete de Ligação promete dar o seu apoio, “coordenando e tratando das questões relacionadas com as fontes de produtos do Interior da China e mercadorias em trânsito” vindas desta zona. Inspecções aumentam Também na sexta-feira decorreu uma reunião com representantes de diversos serviços públicos, como os Serviços de Alfândega (SA), o Instituto para os Assuntos Municipais (IAM), a Direcção dos Serviços de Economia e Desenvolvimento Tecnológico (DSEDT) e os Serviços de Saúde (SSM), a propósito de medidas de controlo e inspecção de mercadorias vindas do exterior. Os SA asseguram que a desinfecção de produtos e mercadorias foi reforçada, enquanto que o IAM tem desinfectado cerca de 100 mil caixas de alimentos refrigerados e frutas importadas por semana. Diariamente, o número de amostras analisadas é de cerca de meio milhar. Até 15 de Março, foram recolhidas perto de 17.800 amostras de produtos alimentares e amostras do ambiente. Quanto às mercadorias importadas de Hong Kong, a autoridades passaram a exigir, desde o início do mês, que supermercados e sector de fornecedores desinfectem o exterior das mercadorias “depois de removida a película plástica enrolada à volta das paletes”. Além disso, os funcionários dos supermercados que lidam com as mercadorias devem fazer um teste de despistagem à covid-19 a cada sete dias.
Andreia Sofia Silva Manchete SociedadeCovid-19 | Plano de emergência prevê testes rápidos e hospitais de campanha As autoridades apresentaram ontem um novo plano de resposta a um eventual surto comunitário de covid-19 que inclui a instalação de um hospital de campanha no Dome e no centro de formação de atletas. Serão distribuídos pela cidade postos móveis para testagem e os testes rápidos serão generalizados A situação da pandemia em Hong Kong e em algumas regiões da China, nomeadamente Shenzhen, obrigou as autoridades a preparar, nos últimos dias, um novo plano de emergência em resposta a um eventual surto comunitário de covid-19. Como tal, será generalizado o uso de testes rápidos e criados postos móveis de testagem espalhados pela cidade, com capacidade diária para realizar 100 a 300 mil testes. A grande novidade do plano é a criação na Nave Desportiva dos Jogos da Ásia Oriental (Dome) e no Centro de Formação de Estágio de Atletas de um centro de tratamento de doentes com capacidade para 1400 camas. Nestes locais serão instaladas mais 32 casas de banho temporárias e 16 chuveiros para dar resposta e garantir um rácio de doentes por instalações sanitárias que, segundo Alvis Lo, director dos Serviços de Saúde de Macau (SSM), é superior ao definido pela Organização Mundial de Saúde (OMS). “[No Dome] haverá nove doentes por sanita, e nove por chuveiro, enquanto que no centro de estágio de atletas o rácio será de 17 doentes por um chuveiro e sanita. A OMS define 20 doentes por um chuveiro, pelo que temos padrões superiores aos que são recomendados pela OMS.” Neste local não faltam planos para o tratamento de resíduos ou dos restos mortais, que serão transportados e cuidados pelo Instituto para os Assuntos Municipais, em parceria com outras entidades públicas. O plano tem várias fases conforme a evolução da pandemia. Se o número de infectados ultrapassar uma centena entra em funcionamento o centro de tratamento comunitário. Mais capacidade Em matéria de isolamento de infectados em unidades hospitalares e quarentenas, as autoridades prometem aumentar gradualmente em dez vezes a actual capacidade, para um total de 2700 doentes. Serão ainda definidos hotéis de quarentena de infectados com capacidade para 1000 camas. Do total de 266 camas disponíveis actualmente nas unidades hospitalares públicas, 120 vão funcionar no Centro Clínico de Saúde Pública do Alto de Coloane e 146 na enfermaria de isolamento do Centro Hospitalar Conde de São Januário. O plano prevê também a criação de um hospital de campanha ao ar livre, com 1000 camas disponíveis. Alvis Lo adiantou que as autoridades de saúde estão em conversações com empresas para erigir a estrutura num espaço ao ar livre. Por sua vez, fica definido que caso Macau tenha um surto de grandes dimensões, os infectados com covid-19 ficarão em isolamento em casa. Nestas situações, o Governo promete um sistema coordenado de resposta para garantir acesso a alimentos, medicamentos e outras necessidades diárias. As medidas apresentadas pelas autoridades prevêem também que, em caso de surto, o centro de coordenação e de contingência do novo tipo de coronavírus e o centro de operações da protecção civil passem a funcionar sob alçada do Chefe do Executivo e serão criados 15 grupos especializados. Estes vão dedicar-se a questões como o apoio social ou jurídico, entre outras, analisando ainda a evolução da pandemia e as respostas a dar em cada caso. O plano define ainda cinco mecanismos de avaliação da situação pandémica, sendo que o nível 1 representa um surto onde existe baixo risco de disseminação do vírus, e o nível 5 representa uma elevada possibilidade de contágio. Vias de comunicação As autoridades deverão lançar também 30 linhas abertas de apoio para cedência de informações, prevendo-se a criação da linha de emergência 222. Serão ainda instituídos mecanismos digitais para a marcação de consultas médicas. Em termos gerais, as autoridades não colocam de parte a possibilidade de se encerrarem de novo escolas ou repartições públicas caso seja necessário, nem a instauração de um confinamento geral. “Quando a situação ficar grave poderemos aplicar medidas de confinamento a toda a população”, disse Alvis Lo, que apelou à população para não entrar em “stress” com estas medidas. Na conferência de imprensa de ontem foi feito um novo apelo para o aumento da taxa de vacinação, tendo em conta a estabilidade que se vive em Macau. Actualmente quase metade dos elegíveis para a toma da terceira dose ainda não o fez, disse Leong Iek Hou, coordenadora do centro de coordenação e de contingência. Há apenas 153 mil doses administradas a este nível. Zhuhai | Exigido teste para entrar em Macau com validade de 24 horas Desde a meia noite de hoje é obrigatório para quem entra em Macau via Zhuhai apresentar certificado de teste à covid-19 com resultado negativo com validade de 24 horas. Além disso, os não residentes que não tenham certificado não poderão entrar no território, enquanto que os residentes podem fazer teste no local. As autoridades afirmam ainda que mantém um contacto estreito com Zhuhai, sendo que “serão retomadas, logo que possível” os testes com um prazo de validade de 48 horas. Os Serviços de Saúde (SSM) aumentaram o número de vagas para testes à covid-19 nos postos fronteiriços de Qingmao e da Ilha Verde. Desde ontem estão disponíveis mais quatro locais para testes com capacidade para oito mil testes, e que estarão em funcionamento até às 22h. Locais como o Fórum Macau e Campo dos Operários também vão aumentar a resposta quanto à realização de testes.
Andreia Sofia Silva EntrevistaKerry Brown, autor de “China Through European Eyes”: “A China continua a ser um mistério” Kerry Brown, professor de estudos chineses no King’s College de Londres, acaba de lançar a obra “China Through European Eyes”, que reúne escritos e ideias de missionários, exploradores e filósofos sobre a China dos últimos 800 anos. O académico realça a enorme importância que Macau teve na ligação do país ao mundo, sobretudo ao longo do século XVI, e de como esse papel deveria ter mais destaque O seu livro compila escritos e ideias de europeus sobre a China nos últimos 800 anos. Neste processo foi difícil para si juntar num só livro tantas ideias? Sim, poderíamos incluir uma enorme quantidade de escritos e ideias. Mas queria incluir os trabalhos das figuras mais influentes, não foram especialistas na China, mas que são sobretudo intelectuais europeus que ficaram famosos em outras áreas, mas que escreveram sobre o país, como Hegel, Voltaire ou Simone de Beauvoir, Carl Jung ou Max Weber. Todos eles foram muitos influentes em áreas que nada têm a ver com a China. Há também personalidades que desenvolveram um trabalho mais ligado ao país. Creio que muito poucos dos filósofos europeus que escreveram sobre a China estiveram de facto no país. Como explica o facto de a China ter estado tão presente no imaginário destas personalidades? Os primeiros contactos deveram-se ao comércio, e pelo facto de a China ter produtos que interessavam aos comerciantes europeus, sobretudo para as companhias do Reino Unido e da Índia, que foram muito activas neste comércio durante o século XVII. Antes tinham sido os portugueses. Os britânicos sempre tiveram muito interesse no comércio com a China. Temos também as missões cristãs na China que decorreram ao longo do século XVI, e temos Matteo Ricci como um dos grandes exemplos, nome que também incluo no livro. Depois verificamos um grande interesse pela cultura e filosofia chinesas nos trabalhos de Voltaire, por exemplo, e outros autores que desenvolveram um grande interesse pelo confucionismo. Falando da importância de comércio para o conhecimento do país. Macau teve aqui um papel fundamental também. Absolutamente. Matteo Ricci foi uma figura crucial para este livro e para a ligação dos europeus com a China. Esteve em Macau, embora grande parte da sua carreira tenha sido feita na China. Mas Macau teve uma enorme importância, tivemos os jesuítas que tiveram influência nos escritos e pensamentos de autores como Voltaire e outros. Macau é um lugar histórico de cruzamento e penso que há uma falta de compreensão e de exposição da sua importância [neste contexto]. O território era mesmo o ponto chave na ligação entre a China e o mundo exterior ao longo do século XVI, e Hong Kong não aparece até bem mais tarde, e quando tal acontece é em circunstâncias muito diferentes. Então este livro não fala muito de Macau, mas penso que este território, enquanto região que permitia um acesso à China, deu muitas informações aos que escreveram [sobre o país] e que surgem neste livro. Há muita literatura e estudos sobre Macau, mas penso que é um trabalho que necessita de ser mais exposto. Em relação aos chineses que viajaram para a Europa, foram decerto em muito menor número se compararmos com os europeus que viajaram para a China. Porquê? Havia emigração a partir da China, e muitos dos comerciantes europeus cruzaram-se com chineses em alguns portos que falavam relativamente bem inglês. Não era algo usual à época. Havia missionários que convidavam alguns chineses a viajarem até à Europa. Havia alguns chineses que vinham de facto ao continente, mas os dados históricos são muito limitados. Eles vinham, mas há poucas evidências, por exemplo, de chineses no Reino Unido até um período relativamente tardio. E julgo que isso se deve ao facto de a frota marítima inglesa ser superior, então os chineses teriam mais dificuldades em fazer estas viagens até à Europa. E também se deve ao modelo económico na China, pois durante a dinastia Ching o modelo económico era mais virado para o mercantilismo, muito contido, então não havia um forte impulso para procurar recursos fora do país. Mas nos últimos 500 anos muitos mais europeus foram à China do que o oposto, mas não é isso que se passa agora, e essa é uma transformação histórica. Já no século XX o panorama dos exploradores ou missionários que iam para a China mudou. Como descreve as grandes diferenças face ao período imperial? O período de governação de Mao Zedong trouxe, de facto, grandes barreiras [às viagens]. Não era fácil viajar até ao país, penso que Simone de Beauvoir levou três ou quatro dias a chegar, passando por locais no Médio Oriente e Índia, e depois viajou para a China via Hong Kong. O acesso à China nesta altura fazia-se sobretudo por convite e não era fácil. Os casos que inclui no livro são de pessoas que foram convidadas pelo Governo e que faziam parte de delegações que visitavam o país. Os escritos de Simone de Beauvoir são relativamente simpáticos em relação à China, Roland Barthes é talvez menos simpático em relação ao país, mas não é frontalmente crítico. Não se pode notar, nestes escritos, um forte criticismo face ao que viram, e muitos terão aceite que o lhes foi mostrado. Mas estas palavras tiveram um grande impacto cá fora, porque o acesso ao país era bastante limitado. A grande questão é, 800 anos depois, e com todos estes escritos, continuamos a não compreender a China na totalidade? Diria que é impossível conhecer qualquer país na sua totalidade. Eu próprio não compreendo o Reino Unido completamente. Mas, claro, que as mudanças que ocorreram na China nos deram uma outra dimensão sobre o país, porque agora é um país comunista com uma economia mais virada para o capitalismo. É um país mais proeminente do que alguma vez foi, então isto dá-nos novas ideias. A ideia que temos sobre a China não é estática, e a ideia que Voltaire, por exemplo, tinha do país não é aquela que temos hoje. Há elementos que se mantém iguais, como a ideia de um Governo centralizado ou da existência de um sistema burocrático. Alguns elementos da cultura chinesa e da sua importância para a identificação dos chineses. Mas sim, a China continua a ser um país com algum mistério. Mas esta questão não é nova e acontece há muitos séculos. Os media e a globalização mudaram a forma como vemos a China, além de que os chineses viajam agora muito mais. De que forma estes factores nos alteram a visão sobre o país? Esses factores trouxeram uma maior complexidade à questão. Há mais fontes de informação sobre a China neste momento, e sem dúvida que a covid-19 alterou a forma de viajar de chineses, incluindo estudantes, que vinham para o Ocidente. Há novas perspectivas e depende sempre de cada pessoa. Não há uma única resposta para aquilo em que o chinês acredita. Claro que o Governo incute um único sistema de pensamento nas pessoas, mas há diferentes crenças e complexidades. Essa globalização de que fala só mostra que a China tem hoje uma forte presença a nível mundial em relação ao passado e só isso trouxe novas perspectivas. Os encontros da Assembleia Popular Nacional terminaram recentemente. Qual o caminho que a China irá fazer nos próximos meses? Já antes da invasão da Ucrânia havia um cenário de muita incerteza. Este vai ser um ano difícil e o mercado chinês está a passar por um período de transformação. A previsão de crescimento económico de 5,5 por cento não é má, mas tudo depende da qualidade desse crescimento. As autoridades devem pensar em questões de investimento, saúde pública, serviço social ou alterações climáticas. É bom que apresentem uma previsão positiva de crescimento porque o resto do mundo está a enfrentar grandes desafios. Embora mantenham relações algo pragmáticas com a Rússia, não acredito que estejam satisfeitos com o que está a acontecer na região da Ásia Central. A grande questão é se vão manter esta lealdade. O comércio entre a Rússia e a China tem crescido nos últimos anos. Como será a sua evolução com esta guerra? É provável que cresça, porque a Rússia vai passar a ter opções muito limitadas em matéria de energia e de comércio. Mas tudo depende do nível de lealdade que a China vai continuar a ter em relação à Rússia, e penso que não vai querer estar muito envolvida. Se Putin avançar para um ataque mais nuclear a China não vai conseguir manter-se em silêncio e ficar no banco. Agora mantém uma posição de neutralidade, mas a certo ponto a situação vai ficar desconfortável. Historicamente, a China e a Rússia sempre tiveram relações difíceis. Para já, a China vai gerindo a situação, mas quantos mais danos se verificarem, mais difícil será manter essa posição.
Andreia Sofia Silva SociedadeCCAC diz que adjudicação do sistema de gestão de táxis foi legal O Comissariado contra a Corrupção (CCAC) considera que a Direcção dos Serviços para os Assuntos de Tráfego (DSAT) não violou a lei na adjudicação do contrato de “prestação de serviços de fornecimento e manutenção de sistema de gestão de táxis” à New Leader Tecnologia Informática (Macau) Lda. O “Relatório de inquérito sobre o sistema de terminal inteligente no táxi” considera também que a cobrança de taxas mensais de serviços e cauções por parte da New Leader aos titulares das licenças e dos alvarás de táxis é “legal e razoável”. Segundo um comunicado, o CCAC também “não verificou a falta de supervisão, por parte da DSAT, em relação à New Leader” após terem sido ouvidos vários intervenientes no processo. O relatório conclui que a DSAT “procedeu à unificação do contrato de concessão de serviço público, referente ao serviço do ‘equipamento no veículo’, e do contrato de aquisição do serviço público, referente ao ‘sistema de supervisão de táxis’, realizando de forma unificada o processo de concurso”. No entender do CCAC, “não se verificou a existência de ilegalidade ou de irrazoabilidade com a prática da adjudicação, por parte da DSAT, do sistema de terminal, no seu todo, a uma entidade privada única”. Sem queixas Sobre as cobranças feitas pela New Leader, o CCAC diz não ter recebido, até ao momento, qualquer queixa por parte dos taxistas, e não foi encontrada “nenhuma informação concreta que comprove que há titulares das licenças ou dos alvarás de táxis a transferir o seu dever de pagamento da respectiva taxa e despesa para os taxistas”. Ainda sobre a adjudicação do contrato à New Leader, o CCAC “não descobriu nenhuns indícios da existência de quaisquer relações familiares” entre dirigentes da empresa e Governo, pelo que “não há provas que comprovem a existência de qualquer tráfico de interesses”. Não se encontrou, ainda, “qualquer dúvida quanto à legitimidade da New Leader na participação no concurso público”. O relatório do CCAC dá ainda conta que desde a implementação do regime de controlo do sistema de terminal do táxi não foi registado nenhum caso de infracção relacionado com este tipo de transporte. O Corpo de Polícia de Segurança Pública (CPSP) registou menos de 150 casos de infracções neste âmbito. Além disso, o número de casos de cobrança abusiva de tarifas pelos taxistas também diminuiu significativamente com 1.900 casos em 2019 e apenas oito em 2020. No ano passado o número de infracções registadas pelo CPSP não ultrapassou uma centena.
Andreia Sofia Silva EventosCasa Garden | Festival Zilo, dedicado ao património, termina no domingo Termina no domingo a edição deste ano do ZILO Heritage Stroll Festival, um evento que através de espectáculos, exposições e workshops, dá destaque aos principais locais históricos da cidade. O tema é “Invisible Coastlines” [linhas costeiras invisíveis], uma ideia surgida após o tufão Hato Juntar a cultura ao património é uma das propostas conceptuais do Zilo Heritage Stroll Festival, que decorre desde 5 de Março na Casa Garden, da Fundação Oriente, até domingo. Organizado por entidades como a Associação dos Embaixadores do Património e a Associação de Dança Ieng Chi, entre outras, o objectivo do evento é levar o público a “sentir e a explorar a beleza dos locais históricos ao fazer parte de conversas, workshops, exposições, passeios e performances na zona histórica de Macau”, lê-se num comunicado. O evento, que tem o apoio do Instituto Cultural, conta com Chloe Lao como fundadora e produtora. O tema da edição deste ano é “Invisible Coastlines” [linhas costeiras invisíveis], uma ideia que nasceu das suas reflexões depois da passagem do tufão Hato por Macau e tendo em conta o projecto de construção dos novos aterros no território. Chloe Lao inspirou-se também no livro “As Cidades Invisíveis”, de Italo Calvino, para escolher o tema. Nesta edição do ZILO, Chloe Lao pretendeu “ligar as vidas da zona costeira de Macau com diferentes períodos de vida das pessoas, as suas experiências e as indústrias à volta”. Desta forma, o festival “faz uma nova interpretação das datas e histórias a partir das investigações históricas, entrevistas e observações com artistas locais”. É, assim, apresentada “uma experiência visceral para o público que, desta forma, se relaciona com o mar de uma forma temporal”. Aterros e companhia Uma das iniciativas que pode ser vista no âmbito do festival ZILO é a exposição “Dynamics. Invisible Coastlines” [Dinâmicas. Linhas costeiras invisíveis], que até domingo está patente na Casa Garden. Com curadoria de Nero Lio, a mostra chama a atenção para a problemática do desaparecimento de zonas costeiras do território devido às alterações climáticas, mas não só. A construção de novos aterros tem mudado não apenas as vidas da população como a própria cidade, e esta exposição pretende levar o público a compreender “as dinâmicas entre a terra, o mar e nós”, bem como “as histórias das pessoas que vivem entre o mar e a terra”. Estes trabalhos nasceram de workshops anteriormente realizados. No sábado, às 15h30 na Casa Garden, está agendada uma sessão de leitura de poesia, intitulada “Message in the Sea Breeze” [Mensagem na brisa do mar]. O evento, em cantonês, conta com a presença de poetas e amantes da literatura que vão ler textos que remetem para vivências da cidade com a sua zona costeira. Hoje e amanhã, às 19h e 20h, respectivamente, acontece um workshop e uma visita guiada, com ponto de partida na Casa Garden, onde os participantes poderão conhecer alguns locais icónicos do centro histórico e criar projectos artísticos. O evento, intitulado “Hide and Seek in Historic City” [Escondido e encontrado na cidade histórica] será conduzido por Calvin Lam e tem como base um workshop previamente realizado. A participação no evento custa 50 patacas. No último dia do festival, às 11h, decorre uma palestra intitulada “Now and Then – Macao Coast”, apenas em cantonês, onde serão debatidas as alterações verificadas na zona do Porto Interior nos últimos anos bem como a decadência da indústria de construção de juncos, que outrora tinha muita expressão na zona de Lai Chi Vun, em Coloane. Também no domingo decorre, às 17h30, a cerimónia de encerramento num barco que fará uma visita até ao cais de Coloane. O ponto de encontro é na zona da Barra, com partida às 18h, sendo que os responsáveis do Out! Coloane Arts Festival estão a cargo da visita guiada ao local.
Andreia Sofia Silva Entrevista ManchetePedro Paulo dos Santos, académico: “Macau está perfeitamente integrado na China” Prestes a terminar a sua tese de doutoramento, Pedro Paulo dos Santos defende que sem uma data para a nova conferência ministerial o Fórum Macau tornou-se numa “entidade adormecida”, mas que pode ter um papel importante a desempenhar em Hengqin. O académico da Universidade Cidade de Macau acredita que os países de língua portuguesa continuam a responder de forma diferente ao potencial da entidade que é ainda pouco conhecida na RAEM Devido à pandemia não há ainda uma data para a conferência ministerial do Fórum Macau. Isso faz com que pareça uma entidade adormecida? Diria que, devido à covid-19, o Fórum Macau abrandou os seus deveres. As conferências ministeriais são o seu ponto alto e é a ocasião onde estão representados os mais altos dignatários. É nessas conferências ministeriais que são apresentados os planos de acção para os três anos seguintes. Assumo que tudo o que tenha sido proposto no plano de acção anterior foi aprofundado ou estabelecido. Sem uma nova conferência ministerial não se sabe muito bem o caminho que o Fórum Macau vai fazer, porque as suas iniciativas estão paradas. Este vive destas pequenas iniciativas empresariais, porque não é propriamente uma grande organização internacional, não tem um grande impacto nas relações entre os países. Sem estas conferências é uma entidade adormecida, de facto. O Fórum Macau já existe há 19 anos. Quais as grandes lacunas em termos funcionais? O Fórum é ainda muito pouco conhecido, até mesmo em Macau. Antes de começar a minha tese de doutoramento fiz um questionário para tentar perceber a sua visibilidade no território, na China e nos países de língua portuguesa. E no seio de 40 pessoas, a maioria portugueses residentes em Macau, diria que apenas três ou quatro conseguiram dizer alguma coisa sobre o Fórum. Isso acontece talvez também por sua própria culpa. Em que sentido? Porque não tem feito grandes projectos internacionais, não aparece nas notícias como a entidade responsável por grandes acordos. Logo aí o seu impacto é muito limitado. Mas será que o Fórum Macau foi criado para melhorar o lado visível das relações bilaterais entre os países de língua portuguesa e a China? Penso que não. A China tem cerca de dez organizações internacionais semelhantes ao Fórum Macau, e a nível regional também tem vários. No trabalho que estou a desenvolver para a minha tese de doutoramento foquei-me em seis pontos em particular, e em todo o hemisfério sul apenas três ou quatro países não fazem parte de um fórum chinês. Talvez aí o fórum mais conhecido seja o FOCAC (Fórum para a Cooperação China-África), porque conta com todos os países africanos. Estes fóruns não foram criados para ter um grande impacto nas relações económicas ou nas trocas comerciais, e são essas coisas que têm mais visibilidade. Qual foi então o grande propósito para a criação destas entidades? Os fóruns foram criados para permitir à China mostrar um pouco um outro lado. O país criou estas plataformas multilaterais às quais chamou fóruns, e a maneira como funcionam está ligada à discussão de ideias. Apesar de a China ser a líder, quando os países se sentam à mesa todos participam na criação dos planos de acção, e isso ajudou a criar confiança, pois essas mensagens passam para os governos. Pelo estudo que tenho feito, e usando o Fórum Macau [como base], o foco [destes fóruns] foi mais para as áreas relacionadas com cultura, educação, recursos humanos, e isso ajudou a China a promover mais a sua cultura e língua. Isso tem mais impacto em países em desenvolvimento, e não tanto com o Brasil e Portugal, por exemplo. Com o Fórum Macau, de certa forma, tem sido esse o cenário. Este tem tido um impacto secundário na ajuda das relações entre os países de língua portuguesa e a China. Não tem projectos muito visíveis. Há aqui duas questões, e uma delas é a falta de conhecimento sobre o Fórum Macau. Esta conferência que deveria acontecer agora seria um ponto de viragem, com novas instalações que são bem maiores e mais visíveis do que as anteriores. Com a nova conferência ministerial haveria maior atenção da imprensa e era falado que a China iria apresentar novas medidas, e isso não aconteceu. Então o Fórum manteve-se estagnado. Estamos numa situação de hibernação que não sei quando irá acabar. Que outras conclusões da sua investigação pode avançar? A tese tem um estudo comparativo de seis fóruns chineses para entender como funcionam e qual o seu propósito, e também para distinguir o Fórum Macau dos outros. Tem também um capítulo sobre o papel do Fórum Macau na política externa chinesa, bem como um estudo aprofundado sobre a estrutura organizacional do Fórum e o seu funcionamento, para ver se há uma paradiplomacia ou se existe segundo o modelo diplomático tradicional. E há de facto uma paradiplomacia, há outros actores nesse relacionamento? Sim. Este estudo conseguiu provar que há um sistema híbrido na estrutura organizacional do Fórum Macau. Há alguns elementos diplomáticos, e nas conferências ministeriais temos representantes dos governos a participar, e há uma clara linha de comunicação do Fórum a nível governamental. Mas em termos de paradiplomacia existe a participação de membros não ligados aos governos, mas que tentam puxar agendas ligadas aos seus países. E isso consegue-se ver em determinadas áreas. Como por exemplo? Inicialmente, o Fórum Macau tinha um foco nas áreas comerciais e na economia, mas começou a mudar para outras áreas, como a cultura, começamos a ver outros elementos a participar. Falo de elementos que fazem trabalho exterior aos governos e isso era impossível não acontecer. Há vários elementos paradiplomáticos em funcionamento no Fórum Macau. Macau está a caminhar para a integração regional. Qual será o papel do Fórum Macau em projectos ligados a Hengqin ou Grande Baía, por exemplo? Deveria mudar a sua linha de actuação neste contexto? Macau está perfeitamente integrado na China, como sempre foi um objectivo. O acordo assinado para 50 anos [Declaração Conjunta] foi sempre pensado para a integração das duas regiões administrativas, e sem dúvida que Macau está muito mais integrado do que Hong Kong, e assim irá continuar. Nota-se que cada vez mais a RAEM se aproxima das políticas chinesas. Em relação ao futuro do Fórum, temos de analisar também [além de Hengqin] a Grande Baía, que é talvez o maior projecto da China a nível nacional neste momento. A nível internacional, é o projecto “Uma Faixa, Uma Rota”. E Hengqin vai ter um papel importante. A China não está a entregar Hengqin a Macau, nem nada que se pareça. Está a tentar criar mais uma zona neutra onde negócios dos países de língua portuguesa, e até estrangeiros, possam entrar na China através desta zona. E aí o Fórum Macau poderá ter um papel importante, e os países de língua portuguesa deveriam tomar atenção a isso, pelo ponto de ligação que se pode criar. Já existem os acordos CEPA que facilitam a importação, exportação e transporte de produtos para a China, mas tendo uma zona neutra como Hengqin, que pode receber escritórios de empresas, isso iria ajudar bastante os países de língua portuguesa a entrar no mercado chinês, com a ajuda do Fórum. Há ainda desigualdades na reacção dos países de língua portuguesa sobre o potencial do Fórum Macau? Sem dúvida. Vemos isso de uma maneira mais flagrante no facto de os países africanos de língua portuguesa, desde o início, terem enviado os seus representantes que fizeram o seu trabalho a tempo inteiro. Portugal só enviou os seus representantes há seis ou sete anos e o Brasil só agora tem o seu representante a tempo inteiro, e não completamente, porque é o cônsul-geral do Brasil para Hong Kong e Macau que também tem essa função. O Brasil nunca teve um representante a tempo inteiro e isso dá-nos uma ideia de que alguns membros aderiram mais rapidamente à iniciativa do que outros. Como explica a postura do Brasil? O país é uma grande economia e vai continuar a ser, pode ter uma certa rivalidade com a China, sobretudo ao nível da cooperação sul-sul, e África também, que sempre olhou com alguma desconfiança para o Fórum Macau. Talvez tenha havido alguma desconfiança no início em relação a Portugal, e tem agora um participante activo. Mas a nível geral penso que todos os grandes países de língua portuguesa deveriam levar o Fórum Macau um pouco mais a sério, talvez não pelo que tenha feito até aqui, mas pelo seu potencial. E não pode ser só a China a tentar levar esta iniciativa para a frente. A China sabe que não consegue tirar benefícios se outros países não os tiverem. O Fórum Macau não está a ser bem utilizado pelos países de língua portuguesa e a pandemia não ajudou, mas tem de haver uma mudança de mentalidade.
Andreia Sofia Silva EventosCheong Kin Man participa em mostra em Lisboa e Berlim O antropólogo e residente de Macau Cheong Kin Man, que vive em Berlim, é um dos autores que participa na exposição “Sensing the City – Sense of the City”, que estará patente ao público, entre 19 e 27 de Março, em Berlim no bairro Nova Colónia. A mostra é organizada pot estudantes dos cursos de artes visuais e arquitectura da Universidade das Artes de Berlim e acontece em simultâneo em Lisboa, na Biblioteca de Marvila. Doutorado em antropologia visual, Cheong Kin Man participa na instalação de arte intitulada “Arbeitspause”, que em alemão significa pausa no trabalho. O projecto foi desenvolvido em parceria com as artistas Marta Sala, da Polónia, Johanna Reichhart, da Alemanha e Costanza Rossi, do Chile, entre outros. “Com esta instalação artística procuramos reconstituir o projecto de arte participativa com o mesmo título e que foi realizado no ano passado em Berlim, com o patrocínio do Senado e inserido na campanha estatal ‘Berlim contra a violência’”, contou ao HM. Bandeira característica Graças à iniciativa da artista Marta Sala foram ainda desenvolvidas cinco oficinas artísticas que visam uma reflexão colectiva, e cujo resultado será agora mostrado. “Numa das sessões públicas actuei num ritual de dança com uma bandeira costurada com um caracter chinês que significa ‘vazio’ e enverguei um traje experimental, ambos feitos por Marta Sala. Esse caracter, ou o ideograma na sua forma mais primitiva, representa uma pessoa a dançar num ritual”, explicou Cheong Kin Man. Desta oficina artística nasceu um projecto de documentação fotográfica e textual, com uma bandeira, feito em parceria com Marta Sala, e que será agora exposto em Berlim e Lisboa. Em termos gerais, a exposição visa explorar sensações individuais criadas pelas cidades e espaços urbanos, apresentando, em diferentes formatos artísticos, obras de arte, workshops e outro tipo de iniciativas com a presença do público. Em “Sensing the City – Sense of the City” vão ser apresentados trabalhos de audiovisual, escultura, ilustração ou fotografia, entre outros, da autoria de 50 criadores.
Andreia Sofia Silva EventosFotografia | “Matéria Escura”, de Francisco Ricarte, a partir de amanhã na Macau Art Garden “Dark Matter” [Matéria Escura] é o nome da nova exposição de fotografia do arquitecto Francisco Ricarte que abre amanhã na galeria Macau Art Garden. Com curadoria de Alice Kok, a mostra apresenta uma série de imagens captadas nos trilhos de Coloane que representam a sensação de isolamento e de incapacidade de fuga A sensação de isolamento e de incapacidade de viajar para lugares outrora tão acessíveis, como Hong Kong ou Zhuhai, é o tema central da nova exposição de fotografia do arquitecto Francisco Ricarte. “Dark Matter” [Matéria Escura] abre portas amanhã na galeria do Macau Art Garden e pode ser visitada até 11 de Abril. A curadoria está a cargo de Alice Kok. A mostra consiste numa série de 12 fotografias recolhidas nos trilhos de Coloane, um lugar que representa para Francisco Ricarte um “refúgio” e de onde é possível avistar cidades que estão tão próximas de Macau, mas, ao mesmo tempo, tão distantes, graças às medidas impostas pelas autoridades no combate à pandemia. “Este é um conjunto de fotografias que me deu muito gosto. Foram tiradas em Janeiro e Fevereiro de 2021. Graças à pandemia, os trilhos de Coloane adquiriram um outro significado para quem vive em Macau”, contou Francisco Ricarte ao HM. “De repente, vimo-nos confrontados com a existência de uma barreira que nos impede de usufruir de outros espaços. Comecei a entender que existia um mundo lá fora, por oposição ao mundo cá dentro. Nos trilhos de Coloane olhamos para esses territórios próximos com a perspectiva de que não é possível lá chegar, quase como era a realidade de Macau há cerca de 50 anos, ou seja, uma verdadeira ilha com comunicações limitadas.” Francisco Ricarte confessa que, quando fez este trabalho, tinha “uma alma mais carregada”, que ainda hoje se mantém. “Coloane tem sido sempre um sítio de refúgio, quase como um ponto de contraste à híper densidade que a cidade contém. É um sítio onde o ambiente natural, os trilhos e praias nos permitem um reencontro com a natureza. O que traduzo com estas fotografias é uma carga excessiva num contraste com a natureza, moldada por qualquer coisa que não vimos, mas sentimos.” Tons escuros Habituado a apresentar ao público imagens mais urbanas, Francisco Ricarte enveredou agora por diferentes perspectivas fotográficas, onde é dado maior relevo ao que é perceptível, em oposição ao de facto se vê na imagem. “É mais importante o sentimento que emana destas fotos do que a visão de determinados objectos”, explicou, acrescentando que as imagens evocam “uma matéria escura, que não se percebe de imediato o que é”. “As fotografias traduzem essa percepção de qualquer coisa que nos carrega e que ainda está a moldar-nos a percepção do espaço e de Macau, e do modo como o utilizamos. O que tentei traduzir visualmente foi o recurso ao escuro, ao que é apenas percebido, mas não visto”, adiantou. Os tons “bastante carregados”, quase sempre a preto e branco, fazem parte do imaginário fotográfico do arquitecto. “Aqui continuo com essa expressividade que traduz um estado de espírito e uma matéria que não existem fisicamente, mas que são perceptíveis. Neste caso é a situação da pandemia, do isolamento e do confinamento”, rematou.
Andreia Sofia Silva Manchete SociedadeONU | Governo participa na Comissão sobre o Estatuto da Mulher O presidente do IAS participou na 66ª sessão da Comissão sobre o Estatuto da Mulher da Organização das Nações Unidas (ONU), que decorre até ao dia 25 deste mês. O Governo local apresentou as medidas que tem implementado nas áreas dos direitos das mulheres e crianças O Governo da RAEM, representando pelo presidente do Instituto de Acção Social (IAS), Hon Wai, participou na segunda-feira na reunião da 66ª sessão da Comissão sobre o Estatuto da Mulher da Organização das Nações Unidas (ONU), que decorre até 25 de Março. Segundo um comunicado do IAS, Ho Wai deu a conhecer as mais recentes políticas do Executivo da RAEM em matéria de direitos das mulheres e crianças. Foram apontados, como exemplos, o facto de as “mulheres de Macau beneficiarem de um sistema abrangente de serviços médicos de ginecologia e de vários outros serviços médicos gratuitos”. As autoridades consideram que “os direitos e interesses das mulheres são expressamente protegidos pela Lei Básica e pela Lei das Relações de Trabalho”, sendo que, actualmente, as trabalhadoras do sexo feminino representam 51,6 por cento da população total empregada no território. Em 2020, a mediana do rendimento mensal de residentes do género feminino era de 18.500 patacas, valor que contrasta com salários auferidos por homens que se fixou em 20.000 patacas. Ainda assim, o Executivo argumenta que, “em comparação com os países ocidentais, em Macau, a igualdade salarial entre homens e mulheres encontra-se a um nível relativamente elevado”. Coisas de miúdos Relativamente às creches, as autoridades descrevem que “o número de vagas disponíveis excede 55 por cento da população com idade inferior a três anos, podendo satisfazer plenamente a necessidade de admissão das crianças de dois anos”. Em termos gerais, o Governo diz-se empenhado “na implementação das 79 medidas de curto, médio e longo prazo, definidas nos Objectivos do Desenvolvimento das Mulheres de Macau, tendo as 36 medidas de curto prazo sido integralmente implementadas”. Para este ano, fica a promessa de implementação de medidas como “o reforço de prevenção e tratamento de distúrbios do jogo para as mulheres e o aperfeiçoamento da protecção e da assistência a pessoas que sofrem de violência doméstica”, entre outras.
Andreia Sofia Silva Manchete PolíticaAPN | Ho Iat Seng promete impedir “interferência de forças externas” Concluídas as sessões da Assembleia Popular Nacional e da Conferência Consultiva Política do Povo Chinês, Ho Iat Seng promete “prevenir e conter a interferência de forças externas nos assuntos de Macau” e assegurar que só patriotas marcam presença no poder político Travar a influência externa nos assuntos da RAEM e garantir uma governação assegurada apenas por patriotas são alguns dos objectivos políticos traçados por Ho Iat Seng, Chefe do Executivo, para os próximos tempos. Os propósitos foram traçados no âmbito da sessão de transmissão e aprendizagem do espírito das sessões da Assembleia Popular Nacional (APN) e da Conferência Consultiva Política do Povo Chinês (CCPPC) para este ano. As reuniões decorreram em Pequim e terminaram na passada quinta-feira. Citado por um comunicado, Ho Iat Seng garantiu que Macau vai continuar a “prevenir e conter firmemente a interferência de forças externas nos assuntos de Macau”, além de “salvaguardar de forma plena a segurança nacional e a estabilidade social”. Em matéria de segurança nacional, o governante promete “aperfeiçoar constantemente o regime jurídico da defesa da segurança nacional e o respectivo mecanismo de implementação”, bem como “fortalecer a capacidade de execução da lei”. Ho Iat Seng referiu também a importância de salvaguardar os conceitos de “Macau governada pelas suas gentes” e “Um País, Dois Sistema” em prol da “concretização de um novo e melhor desenvolvimento da RAEM”. O Chefe do Executivo defendeu também que o princípio “Macau governada por patriotas” é “uma base importante para garantir a prática” de “Um País, Dois Sistemas” e “a chave da prosperidade e estabilidade duradouras” do território. Neste sentido, será assegurado que “o poder político e a governação da RAEM sejam exercidos por patriotas”. Foi a primeira vez que a ideia de “Macau governada por patriotas” foi incluída no relatório de trabalho divulgado esta semana pelo Conselho de Estado, o que, na visão de Ho Iat Seng, “demonstra a determinação e a firmeza do Governo Central na prossecução plena, precisa e inabalável da política ‘Um País, Dois Sistemas’, tratando-se de uma nova exigência apresentada pelo Governo Central de acordo com a nova conjuntura”. Atentos à integração No que diz respeito ao panorama económico, Ho Iat Seng garantiu a continuidade da aposta na diversificação da economia, e no desenvolvimento dos trabalhos de integração em projectos regionais como a Zona de Cooperação Aprofundada com Hengqin e a Grande Baía. Sobre a pandemia, o Governo promete “promover, de forma rigorosa, meticulosa e prudente, as diversas acções de prevenção e controlo”, consolidando os resultados que “não foram fáceis de atingir”. Ainda para este ano, Ho Iat Seng garante que o seu Governo vai “prolongar as várias medidas em prol do bem-estar da população, designadamente no que respeita à educação, à assistência médica, à segurança social e à comparticipação pecuniária”. Será ainda feito um esforço para “garantir o emprego dos residentes”.
Andreia Sofia Silva EventosCCCM | Pintura de Marciano Baptista e Nuno Barreto em análise De uma “Macau em vias de extinção” retratada nos quadros de Marciano António Baptista, datados dos finais do século XIX, passamos para as telas de Nuno Barreto que reflectem um estilo mais ocidental e um período de enorme mudança no território, quando a administração passou a ser chinesa. A investigadora Maria João Castro, da Universidade Nova de Lisboa, abordou o tema numa conferência do Centro Científico e Cultural de Macau As pinturas de Macau da autoria de Marciano António Baptista e de Nuno Barreto apresentam duas visões completamente diferentes do território em períodos distintos, nos finais do século XIX e nos anos 90 do século XX. A investigadora Maria João Castro, da Universidade Nova de Lisboa, abordou o tema no último ciclo de conferências da Primavera do Centro Científico e Cultural de Macau (CCCM) dedicado a Macau. “As características mais marcantes destes dois artistas relacionam-se com a estética da sua obra e reflectem, de diferentes modos, duas visões da colónia do império português”, começa por dizer a académica ao HM. No caso de Marciano António Baptista, que viveu entre 1826 e 1896 e foi aluno do pintor inglês George Chinnery, acabou por desenvolver “técnicas e feições próprias”. “Os seus esboços e aguarelas são especialmente precisos no que concerne ao detalhe e carregam a marca do seu mestre. A sua pincelada mostra-se de cunho claramente chinês, mas em combinação com técnicas ocidentais de perspectiva linear e coloração”, acrescenta Maria João Castro. Com as pinturas de Marciano António Baptista olhamos “uma Macau em vias de extinção”, do tempo em que existiam “pagodes, fortalezas e juncos de diferentes tipos”, mas onde também se avistavam “navios a vapor, simbolizando o século XX que se aproximava”. Nas telas observa-se “uma Macau idealizada, exótica, pitoresca, cujas telas condensam uma pincelada orientalizante de um território em extinção, devolvendo o olhar nostálgico de um território cuja vivência anunciava novos ventos”. Outro imaginário Relativamente à obra de Nuno Barreto, pintor nascido em 1941 e falecido em 2009, podemos observar uma “atmosfera e envolvência completamente distintas”. “O pintor viveu em Macau durante duas décadas, tendo pintado uma Macau já distante da idealização da província do extremo oriente do império português de Marciano [António Baptista], ou seja, a pintura macaense de Barreto reflecte o seu tempo: a passagem da administração do território para as autoridades chinesas e um traço de cunho nitidamente ocidental”, frisou. Para a investigadora, “esta particularidade faz com as suas obras mais marcantes e emblemáticas retratem não só o fim do império português como uma visão pós-colonialista de vincado cunho global”. “A Macau de Nuno Barreto é uma província moderna, uma cidade plena do século XX e que o artista pinta frequentemente de modo abstracto ou numa figuração muito própria que tem em atenção uma plasticidade profundamente ocidental. De certa forma, os seus quadros também reflectem o fim de um tempo, constituindo alegorias ao fim da administração portuguesa do território.” Neste momento, está patente no Museu do Oriente, em Lisboa uma exposição dedicada às obras de Nuno Barreto, intitulada “Beber da Água do Lilau”. Maria João Castro denota que só agora é que a obra deste pintor “começa a ecoar pelos espaços culturais transnacionais”. Além disso, “a obra de Marciano António Baptista só quase um século depois foi estudada e mostrada convenientemente”. Maria João Castro considera que “as autoridades de Macau têm patrocinado a divulgação pontual da cultura sino-lusa no território, mostrando não a obra dos artistas desaparecidos como promovendo a viagem de artistas portugueses contemporâneos para expor no antigo território português, ou patrocinando pequenas residências”. “Isto parece-me importante e significativo”, notou. Além destes dois pintores, Maria João Castro destaca o trabalho de Fausto Sampaio, que deixou “testemunhos de um olhar cruzado entre Oriente e Ocidente numa produção pictórica profundamente rica e diversa”. Maria João Castro é doutorada em História da Arte Contemporânea e investigadora integrada do Centro de Humanidades da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa.
Andreia Sofia Silva Manchete SociedadeEstudo | Mais de 80% sabe identificar e reportar casos de abuso infantil Um inquérito realizado pela psicoterapeuta Donatella Maschio, em parceria com várias associações de Macau, revela que 82 por cento dos trabalhadores inquiridos tem consciência do que constitui um caso de abuso infantil e sabe como reportá-lo às autoridades. Cerca de metade dos inquiridos, recebeu formação na área. Governo recebe resultados deste estudo em Abril Um estudo desenvolvido pela psicoterapeuta Donatella Maschio procurou saber qual é a percepção dos que trabalham com crianças sobre casos de abuso infantil. Os resultados preliminares mostram um cenário positivo, uma vez que 82 por cento de um total de 78 inquiridos sabe identificar um caso de abuso infantil e reportá-lo às autoridades. O inquérito, foi realizado por Donatella Maschio em parceria com associações como o Centro do Bom Pastor ou a Associação para a Reabilitação dos Toxicodependentes de Macau, entre outras, e dado a conhecer num encontro que decorreu, a 28 de Fevereiro, na Universidade de São José. Ao HM, a psicoterapeuta disse que os resultados finais serão apresentados ao Governo em Abril. “Há, na generalidade, um entendimento, por parte dos inquiridos, do que constitui um caso de abuso infantil”, afirmou. Quanto à formação para lidar com este tipo de situações, cerca de 70 por cento respondeu que recebeu formação fora das organizações onde trabalha. Para Donatella Maschio, professores ou assistentes sociais terão sido os principais alvos destas acções, embora haja uma grande parte dos trabalhadores que não frequentou qualquer curso. “A minha percepção, face aos resultados, é que o Instituto de Acção Social terá sido a entidade responsável por estas acções de formação”, adiantou. “Bom trabalho” do Executivo O inquérito foi realizado através do Google de forma anónima, “totalmente desligado das organizações, o que foi importante porque todos sentiram que podiam expressar livremente as suas opiniões”, disse Donatella Maschio. No que diz respeito ao abuso sexual infantil, cerca de 50 por cento dos inquiridos garantiu não ter recebido formação específica. “É cultural não se falar deste tipo de situações. Há metade dos inquiridos, como assistentes sociais, que recebeu formação, mas temos outro grupo de pessoas, onde se incluem as empregadas domésticas, que não recebeu qualquer formação.” Donatella Maschio adiantou que o próximo passo será mostrar este inquérito às escolas, alertando para o facto de, na comunidade escolar, haver linhas orientadoras para a resposta a estes casos, ao contrário das associações que trabalham com crianças. “As organizações não terão um sistema de formação com linhas orientadoras e esta é uma questão à qual temos de dar atenção.” Ainda assim, a autora do inquérito destaca que o Governo “tem feito um esforço e um bom trabalho” para melhorar a sinalização de casos de abuso infantil, sobretudo comparando com a actual situação na China. “Este é um trabalho sempre em progresso, porque em todos os países se coloca esta questão. Sou do Reino Unido e neste momento, sobretudo devido à pandemia, com as pessoas confinadas em casa, têm ocorrido casos graves de abusos. E isto num país onde existe um sistema de apoio social em funcionamento há várias décadas.” Sobre o futuro, Donatella Maschio espera que possa haver uma concertação entre as várias entidades, como escolas, Governo e justiça, para reforçar as acções de formação nesta área. “As leis existem, mas a questão é como deve ser implementado um sistema de formação por parte do Governo. O sistema deve ser revisto, mas não é uma medida simples, leva o seu tempo e exige muito esforço”, rematou.
Andreia Sofia Silva Grande Plano MancheteUma faixa, uma rota | Um projecto que é um “modelo paradigmático da ‘xiplomacia’” Num artigo recentemente publicado na revista do Instituto Português de Relações Internacionais, da Universidade Nova de Lisboa, o investigador e professor catedrático da Universidade Autónoma de Lisboa, Luís Tomé, defende que o projecto “uma faixa, uma rota” é um dos mais “emblemáticos” da era Xi Jinping, um “modelo paradigmático” e um “poderoso instrumento” para reforçar a presença de Pequim a nível regional Qual a estratégia que Xi Jinping pretende levar a cabo no país para os próximos tempos a nível diplomático? Nesta nova era em que a China cimenta progressivamente o seu poder a nível mundial, o projecto de “uma faixa, uma rota” torna-se cada vez mais importante. Esta é uma das conclusões do artigo “A grande estratégia da China de Xi Jinping: Objectivos, poder nacional abrangente e políticas”. Luís Tomé considera que este projecto “é a mais emblemática das iniciativas” da China de Xi Jinping, sendo este um “modelo paradigmático da ‘xiplomacia’” e um “poderoso instrumento para reforçar a cooperação de Pequim com países e grupos regionais”. No artigo, publicado na última edição da revista do Instituto Português de Relações Internacionais da Universidade Nova de Lisboa, dedicada à China, pode ler-se que a iniciativa “uma faixa, uma rota” contribui “para a China de Xi diversificar rotas de abastecimento e escoamento, aumentar o seu peso económico, comercial e financeiro sobre os países e as regiões envolvidos e, naturalmente, incrementar a sua influência política e os seus fins geo‐ políticos e geoestratégicos”. O catedrático exemplifica com o facto de o país “ter mais portos no seu território do que qualquer outro país do mundo”, além de que “as empresas chinesas, na sua maioria estatais ou controladas por Pequim, já investiram e adquiriram direitos de exploração em mais de 100 portos de 60 países”, como é o caso de Hambantota, no Sri Lanka, ou Gwadar, no Paquistão. O artigo denota que o projecto de “uma faixa, uma rota” é um dos exemplos de como a China tenta “socializar as suas ideias e promover as suas mensagens”. Luís Tomé frisa que os EUA têm a percepção do poder que constitui este projecto político e do “poderoso instrumento que representa na grande estratégia da China”. Neste sentido, chegou a ser anunciada a ideia de desenvolver uma iniciativa semelhante à “uma faixa, uma rota” mas a Ocidente. Bom sucesso Para Luís Tomé, a “xiplomacia”, conceito desenvolvido ao longo do artigo, tem por objectivos a “manutenção do ‘papel dirigente’” do Partido Comunista Chinês (PCC) em prol da construção de um “socialismo com características chinesas”, bem como da “realização do comunismo. Xi Jinping pretende também “preservar a soberania chinesa contra as ‘ingerências externas’ nos seus ‘assuntos internos”. Em matéria diplomática, o Presidente chinês luta para “manter a integridade territorial, incluindo nos mares da China do Sul e Oriental” e concluir a “unificação da China” face à questão de Taiwan. A ideia é que a China possa “restaurar a sua posição central” na diplomacia mundial, adquirir uma “posição dominante” e “reformar a ordem mundial e a governação global”. O académico defende que “a China de Xi antecipou no tempo alguns objectivos traçados anteriormente e delineou novos num ambicioso plano” que ficaria ligado ao centenário do PCC, celebrado no ano passado, e da China Popular, em 2049. Nesta “Nova Era”, na qual Xi Jinping acredita que o país “já alcançou o grande objectivo associado ao primeiro centenário de ‘completar a construção de uma sociedade moderadamente próspera em todos os aspectos’”, parte-se para uma nova fase marcada pela ideia de “construção de um país socialista moderno”. Para Luís Tomé, “a grande estratégia da China de Xi para a ‘Nova Era’ parece estar a ser bem-sucedida, acelerando o crescimento do seu poder nacional abrangente e elevando‐se à categoria de nova superpotência”. Além disso, a ‘xiplomacia’ “tem tido êxito na angariação de parceiros e acordos de comércio livre e na promoção da sua influência nas instituições internacionais” através da presença em organizações criadas por “americanos e aliados” dos EUA, como é o caso da Organização das Nações Unidas ou do Fundo Monetário Internacional, mas também com a criação de “novos quadros e mecanismos centrados na China”. Desafios maiores Nestes novos tempos Xi Jinping parece ter adoptado uma postura diferente em matéria diplomática em relação aos seus antecessores, como denota o autor do artigo. “A China de Xi abandonou a postura de low profile inerente à ‘estratégia dos 24 caracteres’ dos seus antecessores desde Deng Xiaoping para adoptar uma estratégia muito mais assertiva, desafiadora e mesmo confrontacional, tentando acelerar a obtenção dos seus fins”, pode ler-se. Esta estratégia, anunciada por Deng Xiaoping em 1990, referia-se às ideias de “observar calmamente; conservar a nossa posição” e um envolvimento “prudente” nos assuntos internacionais. As autoridades acreditavam, à época, que deveriam “esconder as suas capacidades e esperar a sua vez”, com um perfil diplomático discreto e “nunca reclamar a liderança”. Actualmente “a China de Xi parece imparável, mas são muitos os desafios que enfrenta, interna e externamente. O novo estatuto de superpotência atrai amigos, mas também acarreta custos e a atenção de rivais”. Além disso, esta postura “está a provocar reacções adversas numa magnitude que talvez Pequim não tenha antecipado”, existindo uma tentativa de contenção por parte dos EUA. Luís Tomé apresenta como exemplos a suspensão do acordo de investimentos entre a China e a União Europeia ou algumas críticas internacionais às políticas de Pequim. Neste contexto, “a grande estratégia da China de Xi parece ter ido longe demais e depressa demais”, uma vez que “a outrora imagem geral da China de ‘panda benigno’ reparte‐se agora com outra de ‘dragão ameaçador’”. Relação pragmática No que diz respeito às relações entre a China e a Rússia, e numa altura em que decorre a invasão na Ucrânia, Luís Tomé defende que estas se intensificaram desde a anexação da zona da Crimeia pelos russos, em 2014. “A Rússia é o principal fornecedor de energia e de armamento à China, e essa articulação estratégica e militar envolve também pressões que parecem combinadas no timing de Moscovo sobre a Ucrânia e de Pequim sobre Taiwan, como aconteceu na Primavera e no Outono de 2021”. Está em causa uma “quase aliança RPC-Rússia” que não acontece por ambos os países serem “membros de uma ‘internacional autocrática’ mas por considerarem que isso serve os seus respectivos objectivos geopolíticos: conter a supremacia dos Estados Unidos, dividir o Ocidente e as potências democráticas, suprimir influências políticas liberais nas organizações e convenções internacionais e alterar a ordem mundial”, aponta o artigo.
Andreia Sofia Silva Grande BaíaShenzhen | A presença do grupo Soulfato na cidade das startups É na cidade de Shenzhen que o grupo Soulfato escolheu posicionar-se para dar uma resposta a empresas e investidores portugueses e chineses, na área do imobiliário, mas não só. Nuno Batista, que tem uma experiência de 15 anos na China, assegura que a Grande Baía é, neste momento, um projecto que pode educar empresários portugueses em prol de um acesso mais eficiente ao mercado chinês Saíram da capital chinesa, Pequim, para uma das cidades mais promissoras do sul da China e uma das integrantes do projecto Grande Baía Guangdong-Hong Kong-Macau. O grupo Soulfato, liderado por Nuno Batista, e com uma larga experiência na área da consultoria de investimentos e imobiliário, tem escritórios em Shenzhen, Macau e Portugal, e é um dos exemplos das oportunidades que a Grande Baía pode trazer. “Queremos promover e estimular investimento chinês em Portugal e queremos trazer as empresas e pessoas a expandirem-se no mercado chinês. Uma das razões pelas quais mudámos de Pequim para Shenzhen foi porque esta cidade é a grande cidade de startups da China onde existem muitas políticas locais e onde o Governo promove muito a incubação de projectos.” Neste sentido, o empresário considera que “fazia sentido” deixar Pequim e apostar no trabalho “com a comunidade de startups”. Em Shenzhen o grupo Soulfato opera um centro de negócios e um espaço de co-working. “Fazemos serviços de contabilidade, aconselhamento legal, incorporação de empresas e todo o planeamento estratégico de um projecto para o mercado asiático”, adiantou. Nuno Batista não tem dúvidas de que a Grande Baía é “um projecto de extrema importância” e uma zona do país onde, neste momento, “tem mais recursos económicos e oportunidades”. Além disso, a Grande Baía ajudou também à criação de plataformas comerciais e de contactos empresariais, como é o caso da constituição de associações ou câmaras de comércio entre Portugal e a China. Uma questão de uniformização Nuno Batista defende que, neste momento, a Grande Baía e as autoridades das nove cidades que a compõem aceleraram o processo de desburocratização para quem faz negócios. “Já existem bastantes processos que estão mais uniformizados e abertos dentro das cidades da Grande Baía, como os códigos das empresas ou os sistemas aduaneiros para a importação e exportação. A China tem feito essa dinamização de forma bastante rápida e cada vez mais vai ser assim.” Questionado sobre a capacidade económica de empresas portuguesas de investir nesta zona, Nuno Batista acredita que esse ponto não é o mais importante, mas sim “perceber como se pode entrar no mercado chinês de forma eficiente”. “A Grande Baía pode educar as empresas e empresários sobre como podem implementar um projecto na China, porque é completamente diferente do ponto de vista das marcas e de comunicação, do contacto com o cliente. É um mercado grande, de nove cidades”, concluiu.
Andreia Sofia Silva Grande BaíaFoshan | Inovação é palavra de ordem em zona de desenvolvimento tecnológico Depois de um período de consulta pública sobre o projecto governamental de captação de investimento, as autoridades de Foshan já têm traçados os objectivos para este ano para expandir a Zona Nacional de Desenvolvimento Industrial e de Alta Tecnologia de Foshan. Captação de talentos e aposta na inovação são as linhas orientadoras Foshan, uma das cidades integrantes do projecto Grande Baía Guangdong-Hong Kong-Macau, tem apostado os seus recursos no fomento da Zona Nacional de Desenvolvimento Industrial e de Alta Tecnologia de Foshan (Foshan National Hi-tech Development Zone). Depois de um período de consulta pública iniciado em Julho do ano passado a propósito do plano governamental de captação de investimentos, as autoridades estão apostadas na abertura, este ano, de duas áreas inovadoras integrantes desta zona, os parques industriais para a inovação de talentos e desenvolvimento industrial (Foshan-China Talent Innovation Lighthouse Industrial Park e Dobei Zhanxin Industrial Park). Segundo o jornal China Daily, o objectivo destas zonas é “reforçar a oferta de serviços em áreas como a tecnologia, talentos e recursos”, bem como melhorar “o nível de inovação e desenvolvimento da competividade”. A Zona Nacional de Desenvolvimento Industrial e de Alta Tecnologia de Foshan é hoje tida como uma das áreas piloto escolhidas pelas autoridades chinesas para o desenvolvimento da inovação empresarial. Esta localização disponibiliza apoio e consultoria a 82 empresas que são tidas como as mais inovadoras do tecido empresarial chinês. No ano passado esta zona destinada ao desenvolvimento empresarial e industrial introduziu 128 talentos de alta qualidade, sendo que 80 por cento detém posições de topo. Em prol da captação de pequenas e médias empresas para esta zona, as autoridades têm lançado diversos programas de investimento industrial e outros produtos financeiros que possam ser atractivos para quem ali deseja investir. Só no ano passado esta zona representou um valor de 502.41 mil milhões de yuan, com um crescimento anual de 13,32 por cento, segundo o China Daily. Indústrias de topo Além destas apostas, a Zona Nacional de Desenvolvimento Industrial e de Alta Tecnologia de Foshan pretende reforçar os seus serviços online e organização de feiras de negócios para ajudar as empresas a “conectarem-se com mercados importantes em vários níveis”. Segundo o portal Foshan International, o plano de investimentos proposto pelas autoridades locais visa “atingir um desenvolvimento sustentável e de elevada qualidade”, existindo um compromisso para criar “um sistema de incentivos bem desenvolvido para atrair projectos de topo”. Desta forma, as políticas a implementar deverão focar-se “nas indústrias líderes a nível regional” que apresentam “menos custos em matéria de recursos”, com boas perspectivas de futuro e que possam trazer benefícios para a zona. Além dos sectores financeiro e de alta tecnologia, pretende-se desenvolver áreas como a biomedicina, saúde, indústria de serviços, electrónica e outras indústrias emergentes, como é o caso de veículos ecológicos ou robótica. O projecto em causa prevê financiamentos que podem ir até aos 30 milhões de yuan, consoante a natureza do projecto.
Andreia Sofia Silva Grande BaíaMiguel Rodrigues, presidente da ACDPGB: “Há um enorme pragmatismo” na Grande Baía Criada em 2019, a Associação Associação de Cooperação e Desenvolvimento Portugal -Grande Baía aposta na aproximação cultural como ponto de partida para a realização de negócios nas nove cidades que compõem este projecto político e económico. O seu presidente, Miguel Rodrigues, destaca o “pragmatismo” que há na divisão de áreas e objectivos económicos, mas alerta para a necessidade de mais informação sobre a Grande Baía Guangdong-Hong Kong-Macau A pandemia trocou as voltas a Miguel Rodrigues, presidente da Associação de Cooperação e Desenvolvimento Portugal-Grande Baía, e aos seus membros. Fundada em 2019, esta entidade pretendia desenvolver iniciativas culturais que pudessem dar a conhecer a China do ponto de vista sócio-económico e político aos empresários portugueses com interesse em investir nas nove cidades que fazem parte da Grande Baía Guangdong-Hong Kong-Macau. Apesar da suspensão de alguns projectos, o balanço feito por este responsável é positivo. “Do ponto de vista dos contactos entre nós e algumas entidades, em Macau e na China, foi muito profícuo neste período”, contou. A associação estreitou laços com outras associações e câmaras de comércio e não pretende parar por aqui. “No futuro pretendemos assumirmo-nos como um elemento facilitador de investimento e a possibilidade de podermos apoiar as empresas que se querem internacionalizar para a Grande Baía, e vice-versa. Desde o início da associação que temos como grande objectivo o estreitar de relações não apenas empresariais, mas culturais, e queríamos através da realização de iniciativas mais culturais, ou numa lógica de think-tank, poder estreitar relações que levassem ao intercâmbio empresarial.” Uma das iniciativas previstas passa pela organização, na cidade do Porto, em Portugal, de um ciclo de cinema macaense. “Temos esta lógica de que a cultura nos aproxima e permite que nos conheçamos melhor uns aos outros”, adiantou Miguel Rodrigues. Depois de uma aposta na cultura, a associação quer seguir “para um segundo nível de acção”, com a realização de acções empresariais, tal como a organização de comitivas em feiras de negócios e comércio. “Desde o início que sempre tivemos uma postura de não concorrer com ninguém, mas sim de acrescentar algo e colaborar com este movimento associativo, que é muito rico nas relações entre Portugal e a China”, frisou. Um projecto “pragmático” Para Miguel Rodrigues, há ainda muito a explorar nas nove cidades que compõem o projecto da Grande Baía. Alertando para uma “necessidade de uma maior informação em relação ao projecto”, este responsável pretende, com a associação que dirige, “desenvolver algum tipo de material informativo que possa ser disponibilizado online para auxiliar contactos” do ponto de vista empresarial. Este denota que na Grande Baía existe um “enorme pragmatismo” na forma como as autoridades chinesas elaboraram um projecto que representa cerca de 12 por cento do Produto Interno Bruto chinês. “Estando a Grande Baía dividida por sectores económicos, pois cada região tem o seu objectivo económico e político, existem enormes oportunidades. Os empresários devem olhar para a zona da Grande Baía segundo a sua área de interesse e esse pragmatismo deve ser aproveitado para que o empresário não vá com um projecto que não se enquadre no objectivo dessa região”, acrescentou. Miguel Rodrigues dá o exemplo da cidade de Shenzhen, que é um hub tecnológico por excelência há vários anos, embora Macau também se posicione “como uma zona de intercâmbio com os países de língua portuguesa”. “Olhando para o tecido empresarial português tem sido feita uma aposta, e também por parte das autoridades, ao nível das novas tecnologias e energias renováveis.” Depois de um evento que serviu não apenas de lançamento da associação, mas também para assinar os 20 anos da transferência de soberania de Macau para a China, a associação tem realizado diversas iniciativas, online e não só. A última decorreu a 23 de Fevereiro e consistiu numa conferência intitulada “Presença empresarial Portuguesa na Grande Baía: Perspectivas de Empreendedores e Investidores”, que teve o apoio da Fundação Rui Cunha. Em Macau a associação é representada por Tiago Pereira.
Andreia Sofia Silva Grande Plano MancheteAPN | Li Keqiang alerta para dificuldades em manter crescimento económico elevado Concluída a sessão anual da 13.ª Assembleia Popular Nacional, a China traçou o objectivo de crescimento económico de 5,5 por cento ao ano, mas o primeiro-ministro chinês, Li Keqiang, não ignorou as dificuldades. O relatório sobre o trabalho do Governo, aprovado na sexta-feira, dá conta da “tripla pressão” que o país enfrenta resultante de “constrangimentos na procura” e das “perturbações no fornecimento” de bens A China, que tem vindo a apresentar um rápido desenvolvimento nas últimas décadas, vai ter dificuldade “em manter” um crescimento elevado, advertiu na sexta-feira o primeiro-ministro chinês, Li Keqiang, num contexto em que “as incertezas estão a aumentar”. O país já está a preparar-se para um abrandamento do crescimento, tendo estabelecido uma meta de “cerca de 5,5 por cento” para este ano, no que será o ritmo mais lento para a China desde o início dos anos de 1990, excluindo o período covid-19. A China tinha estabelecido um objectivo de crescimento de “pelo menos 6 por cento” no ano passado, atingido pelo país graças a um efeito de recuperação ligado à covid-19. “A nível global, manter um crescimento médio a elevado para uma economia desta dimensão [como a chinesa] é um grande desafio”, admitiu Li Keqiang, aos jornalistas, à margem do fim da sessão anual da Assembleia Popular Nacional (APN), que terminou oficialmente na quinta-feira. Com a pandemia, uma recuperação da epidemia na China e a guerra na Ucrânia, “a economia está a enfrentar novas pressões descendentes”, advertiu Li, sem mencionar explicitamente estes factores, mas com uma referência a “vários ambientes complexos em mudança e incertezas crescentes”. No encerramento da sessão anual da 13.ª APN, foi divulgado, no sábado, um relatório do Conselho de Estado que traça as metas do país para este ano. Além do crescimento de 5,5 por cento do Produto Interno Bruto (PIB), estima-se que o país possa vir a criar 11 milhões de novos empregos nas zonas urbanas, mantendo o desemprego nas cidades abaixo dos 5,5 por cento. O documento aponta também como metas “um crescimento da riqueza pessoal [de cada cidadão] em linha com o crescimento económico”, além de lutar por um “crescimento sustentável do volume e da qualidade das importações e exportações”. Pretende-se também que haja “um equilíbrio básico na balança de pagamentos”. Em matéria ambiental, o Governo chinês pretende garantir “uma crescente melhoria do ambiente” bem como “uma redução continuada das descargas de grandes poluentes”. “Este objectivo de crescimento económico baseia-se essencialmente na manutenção da estabilidade do emprego, na garantia das condições básicas de vida e na defesa contra riscos”, lê-se no relatório. Prudência é a palavra O cumprimento destas metas só poderá ser feito se o país levar a cabo “políticas macroeconómicas prudentes e efectivas”, a fim de dar “energia” aos mercados. São também importantes “políticas estruturais que possam facilitar um fluxo regular da economia”. Além disso, “devem ser implementadas políticas nas áreas da ciência e da tecnologia”, bem como “reformas e políticas de abertura” em prol do desenvolvimento. Para este ano, “os fundamentos da economia mantêm-se inalterados e irão garantir um crescimento a longo prazo”. O relatório do Conselho de Estado dá conta que existem no país “condições favoráveis para um desenvolvimento sustentado”. Ainda assim, e apesar de serem “reconhecidas as conquistas” do país, existe “clareza quanto aos problemas e desafios que enfrentamos”. O problema da pandemia é referido no documento, enquanto o país mantém a sua política de zero casos. “Tem sido lenta a recuperação da economia mundial e os preços dos bens mantêm-se elevados e sujeitos a uma flutuação. Todos estes factores, fazem com que o ambiente externo seja crescentemente volátil e incerto.” A nível interno, “a China está sob uma tripla pressão com constrangimentos na procura, a existência de perturbações no fornecimento [de bens] e fracas expectativas”. “Os casos locais de covid-19 continuam a ocorrer de forma esporádica. A recuperação do consumo e do investimento tem sido lenta. É cada vez mais difícil manter um crescimento sustentado em matéria de exportações, o fornecimento de recursos energéticos e matérias primas mantém-se inadequado, e aumentou a pressão da inflação em relação aos produtos importados”, lê-se ainda. Neste sentido, o documento dá conta de que sectores como a hotelaria, retalho, cultura, turismo ou transportes “têm uma grande capacidade de emprego”, embora tenham sido “severamente afectados pela pandemia”. “As políticas de apoio a estas empresas irão continuar a fim de garantir que estes sectores enfrentam estes tempos desafiantes com boas perspectivas”, acrescenta-se. Há ainda “dificuldades” sentidas por quem trabalha por conta própria ou por quem tem o seu próprio negócio. “É mais difícil a missão de estabilizar o emprego. A nossa capacidade de apoiar a inovação tem falhas em sectores chave. Os desequilíbrios orçamentais em alguns governos locais tornaram-se mais notórios e há potenciais riscos em sectores económicos e financeiros. Em áreas que são importantes para o bem-estar da população, há várias questões que têm de ser resolvidas.” Em matéria governamental, o relatório dá conta que “há espaço para a melhoria do trabalho do Governo”, uma vez que se mantêm “formalidades desnecessárias e burocracia”. Uma das bandeiras do Governo nos últimos anos, a corrupção, “mantém-se um problema comum em alguns sectores”. Sim à poupança O relatório divulgado por Li Keqiang deixa claro que a poupança é a palavra de ordem para este ano, estando em marcha um plano para o uso de fundos governamentais para “estimular e expandir um investimento efectivo”, com a alocação de 3.65 triliões de yuan em obrigações para os governos locais poderem investir em projectos de renovação e construção de novas áreas de infra-estruturas públicas. Em matéria de contas públicas, o Governo promete manter “o cinto apertado”, mantendo um equilíbrio entre os gastos governamentais e o investimento. A ideia chave é que os governos provinciais e regionais têm de “economizar onde seja possível”. Desta forma, serão proibidos “os gastos excessivos e supérfulos”. “Vamos evitar a construção de novos edifícios governamentais que violem os regulamentos, e não serão tolerados projectos feitos por vaidade. Quem violar a disciplina fiscal ou desperdice fundos públicos será investigado e severamente punido. Devemos garantir que os nossos fundos preciosos são usados em áreas que têm problemas de desenvolvimento e na resolução das necessidades básicas da população.” De um conjunto de seis linhas de acção traçadas, constam a prioridade dada ao emprego e implementação de uma “política monetária prudente”. Para apoiar as empresas, será lançado um novo pacote de políticas fiscais. “Vamos continuar a adoptar passos temporários e medidas institucionais, bem como aplicar políticas em prol da redução de impostos”, pode ler-se. Macau e Hong Kong O relatório divulgado pelo Conselho de Estado contém também um parágrafo dedicado a Macau e Hong Kong. É referido que deve ser seguido “o princípio de que Hong Kong e Macau devem ser governados por patriotas”, sendo que Pequim apoia plenamente “que os governos destas duas regiões administrativas especiais mantenham uma governação com base na lei”. “Vamos ajudar Hong Kong e Macau a responder à pandemia da covid-19, a desenvolver as suas economias e a melhorar o bem-estar das suas populações. Vamos ver estas duas regiões a integrarem-se melhor no desenvolvimento geral do país, mantendo uma prosperidade de longo prazo e estabilidade”, lê-se no documento, que dá ainda conta da importância de manter e cumprir o princípio “um país, dois sistemas”. Com base nisto, é importante “que as pessoas de Hong Kong administrem Hong Kong, e que as pessoas de Macau administrem Macau, ambas com um elevado grau de autonomia”. China e EUA precisam de “dialogar mais” para encarar “desafios globais” Washington e Pequim devem “dialogar mais” num contexto de “crescentes desafios globais”, disse sexta-feira o primeiro-ministro chinês, na conferência de imprensa no final da sessão anual do Assembleia Nacional Popular. “A China e os Estados Unidos precisam de mais diálogo e comunicação. As portas estão abertas e não devem ser fechadas ou apostadas numa dissociação. Ambos os lados devem respeitar as preocupações e interesses um do outro e lidar com as diferenças de forma racional e construtiva”, afirmou Li Keqiang. “A competição” entre os dois países devia ser “saudável e justa”, acrescentou o responsável, e salientou que as relações bilaterais, “apesar dos seus altos e baixos nos últimos 50 anos”, deviam avançar. Além da análise da situação económica e social do país, Li abordou também a guerra na Ucrânia, um conflito sobre o qual a China está “profundamente preocupada”. “A China vai continuar a trabalhar com a comunidade internacional e a desempenhar um papel positivo no restabelecimento da paz. Apoiamos todos os esforços nesse sentido. A prioridade é evitar que as tensões aumentem ainda mais ou que fiquem fora de controlo. São necessários mais esforços para que a Rússia e a Ucrânia continuem a negociar e alcancem um cessar-fogo”, afirmou. Li salientou que Pequim está empenhada em ajudar “a prevenir uma crise humanitária” e que o país asiático vai continuar a cooperar com outras nações “com base no respeito mútuo”, numa referência às relações bilaterais com a Rússia, uma vez que isto “traz estabilidade ao mundo”. Para o primeiro-ministro chinês, as sanções ocidentais contra Moscovo “vão prejudicar a economia global”, sublinhando que os esforços para manter “a estabilidade”, depois de três anos de pandemia da covid-19, são necessários neste momento. Sobre Taiwan, cuja soberania Pequim reivindica, Li disse que a China vai sempre opor-se a “actividades separatistas que procuram a ‘independência'” da ilha. Com Lusa