Governo quer taxistas “asseados e aprumados”

[dropcap]L[/dropcap]am Hin San, director da DSAT, explicou ontem que foram aditados novos deveres que os taxistas devem passar a cumprir daqui a 90 dias, ou seja, com a entrada em vigor da lei.

“Somos um centro de turismo e lazer e os taxistas devem apresentar-se de forma asseada e aprumada. Muitos não cumprem o dever de ajudar o passageiro com as malas e por isso incluímos essa regra na lista de deveres. Queremos que os taxistas apoiem os turistas, tal como acontece noutras cidades.”

O Governo não esqueceu, contudo, aqueles que sofrem de problemas de saúde. “Alguns taxistas têm problemas de coração, vamos adoptar medidas para essas situações através da apresentação de atestados médicos.”

Song Pek Kei defendeu que os motoristas infractores são poucos, apesar das inúmeras críticas apontadas. “Esse grupo é pequeno. A maior parte dos taxistas têm proporcionado um bom serviço à sociedade.”

20 Fev 2019

Videovigilância | Taxistas não vão ter acesso a imagens

[dropcap]L[/dropcap]am Hin San, director dos Serviços para os Assuntos de Tráfego (DSAT), garantiu ontem no hemiciclo que os taxistas não vão ter acesso às imagens captadas no interior do veículo. “Estamos a preparar o regulamento administrativo (que regula a instalação de câmaras) e realizar concurso público para escolher a empresa que irá fornecer esses aparelhos.

O condutor não terá acesso a essas informações, que não serão partilhadas”, explicou o governante. Na prática, os táxis só serão obrigados a adquirir os aparelhos a partir de finais do próximo ano, uma vez que a nova lei entra em vigor daqui a 90 dias, existindo um período de 18 meses para que o sector se adapte às alterações. O Governo deseja que apenas uma empresa forneça os equipamentos de gravação, o que não agradou à deputada Song Pek Kei.

“A compra do equipamento deve ser feita de forma livre pelos interessados. Se a compra for feita a uma entidade indicada, as pessoas não têm condições para negociar o preço. Isso vai agravar os custos suportados pelos proprietários dos veículos”, frisou.

20 Fev 2019

Nova lei dos táxis aprovada com votos contra dos deputados pró-democratas

Foi aprovada a nova lei dos táxis, que entra em vigor daqui a três meses. O diploma foi ontem alvo de intensa discussão no hemiciclo, com os deputados do campo pró-democrata a votarem contra vários artigos. O Governo foi muito criticado por não permitir licenças individuais para taxistas

 

[dropcap]O[/dropcap]deputado Sulu Sou faz parte da comissão da Assembleia Legislativa (AL) que analisou na especialidade a nova lei dos táxis. No dia da votação final quis deixar bem claro os pontos com os quais nunca concordou nas reuniões realizadas à porta fechada. Não só pediu para votar vários artigos em separado, como votou contra.

A acompanhá-lo estiveram os seus colegas de bancada Au Kam San e Ng Kuok Cheong. José Pereira Coutinho também votou contra vários pontos.

Sulu Sou elencou muitas falhas do diploma: o facto de não legalizar plataformas como a Uber, o fim das licenças individuais de exploração de táxis e a manutenção de um modelo empresarial, que dá permite que apenas empresas com capital social não inferior a cinco milhões de patacas possam concorrer a licenças.

O Governo reiterou que esta é a melhor forma para regularizar um sector que tem sido polémico devido ao elevado número de irregularidades cometidas por taxistas.

“Uma pessoa também pode concorrer, basta constituir uma sociedade em nome individual ou com outros sócios”, explicou Raimundo do Rosário, secretário para os Transportes e Obras Públicas. “Quanto ao capital social com um limite mínimo de cinco milhões, não tem de ser um capital realizado, mas depois o proprietário da licença terá de ser responsabilizado [por esse valor, caso haja alguma ocorrência].”

Na prática, a nova lei, que entra em vigor daqui a 90 dias, vai acabar com as licenças individuais, cerca de 1500, sendo que 100 licenças estão atribuídas a sociedades comerciais, que se manterão sem alterações.

Questionado sobre o facto de ter de vir a “enfrentar” os mais de mil taxistas visados, o secretário não mostrou reservas. “Para nós, este é o modelo mais fácil. Chegámos a este consenso, pode não ser por unanimidade, e não aceitámos algumas opiniões. Hoje temos aqui o consenso obtido entre Governo e comissão.”

Vira-casacas

Muitos deputados acusaram o Governo de ir contra os objectivos iniciais da lei, que era o de transformar os táxis num serviço público de transporte e não num negócio. “No futuro, todos os taxistas vão ser contratados pelas grandes empresas? Parece um modelo de investimento, contraria o que foi dito”, disse Au Kam San.

Ella Lei alertou para o facto de o Executivo não ter acolhido “as opiniões do sector empresarial e dos deputados”.

“Porquê um capital social de cinco milhões? Alguns taxistas que começaram a trabalhar na década de 80 por conta própria, ou que alugam um táxi ao proprietário da licença, queixaram-se a mim de que estão a ser prejudicados pelas ovelhas negras”, referiu Agnes Lam.

20 Fev 2019

Ponte HKZM | Si Ka Lon questiona ausência de planos para sector logístico

[dropcap]O[/dropcap]deputado Si Ka Lon fez esta tarde queixas na Assembleia Legislativa (AL) sobre o facto do Governo não ter ainda apresentado planos para a utilização da nova ponte Hong Kong-Zhuhai-Macau por parte do sector logístico.

“Hong Kong já tem projectos de desenvolvimento para o sector da logística, mas em relação a Macau, ainda nada se ouviu”, começou por dizer, no período de interpelações antes da ordem do dia.

“Segundo os dados mais recentes dos Serviços de Alfândega, ainda não há transporte de mercadorias através da Ponte, e segundo o sector da logística, é provável que, com a sua entrada em funcionamento, haja mudanças na principal forma de ligação a Hong Kong, ou seja, no transporte marítimo, que venha a aumentar a integração do sector da logística de Macau no desenvolvimento da Grande Baía e que se criem novas fontes de abastecimento”, acrescentou.

O deputado fala também das vantagens desta travessia para o sector. “A ponte Hong Kong-Zhuhai-Macau pode reduzir os custos de transporte do sector logístico de Macau, abrir novos mercados e evitar a sua marginalização. No entanto, as zonas de tomada e largada de passageiros e as zonas de carga e descarga de mercadorias ao redor dos postos fronteiriços ainda não foram utilizadas.”

Nesse sentido, “o Governo deve manter a comunicação com o sector, estudando a abertura gradual da ponte ao transporte de mercadorias, para que o sector possa integrar-se no desenvolvimento da Grande Baía”.

O deputado defendeu também uma forma mais flexível para a atribuição de quotas para a circulação na nova ponte. “Neste momento, as quotas para veículos particulares já atingiram 600 em Macau e 300 em Hong Kong. Para reforçar a utilização da ponte, o Governo deve estudar com Hong Kong a possibilidade de flexibilizar o regime de quotas a título experimental, podendo, numa primeira fase, atribuir 300, no sentido de permitir a apresentação imediata do pedido, a verificação dos resultados e posteriores ajustamentos, de modo a elevar a eficácia.”

19 Fev 2019

Função pública | Mak Soi Kun sugere criação do Prémio Caracol e Cavalo

[dropcap]O[/dropcap]deputado Mak Soi Kun defendeu esta tarde na Assembleia Legislativa (AL) que o Governo deveria criar prémios especiais na Função Pública para aqueles que trabalham de forma lenta ou rápida.

“Segundo as sugestões dos cidadãos, o Governo deve rever a eficiência administrativa, ponderar sobre a criação de um regime de prémios e sanções, e aprender com as cidades e províncias do Interior da China, por exemplo atribuir o Prémio Caracol e chamar à atenção dos que trabalham devagar ou não trabalham, e atribuir o Prémio Cavalo aos que fazem bem o seu trabalho”, defendeu.

“Estabelecendo a comparação com a imagem do búfalo e do cavalo de boa raça, o caracol está sempre associado à lentidão. Algumas entidades (na China) foram premiadas e as responsabilidades foram efectivadas, e muitas entidades locais, inspiradas pelo referido prémio, atribuem o “prémio de cavalo de boa raça” aos trabalhadores aplicados e pragmáticos, e o “prémio ouriço” e o “prémio avestruz às pessoas com má atitude no trabalho”, explicou.

Na sua visão, o Instituto para os Assuntos Municipais (IAM) poderia ganhar o Prémio Cavalo. “Alguns cidadãos disseram que se o Governo aceitar esta proposta, o IAM será eficiente e
o seu desempenho positivo, merecendo então o nosso elogio”, apontou.

O deputado disse, contudo, que “estas designações podem ser definidas pelo Governo ou pelos cidadãos através de votação, para que estes sintam a determinação do Governo em governar para
o povo, e para elevar a eficiência e prestígio do Governo”.

19 Fev 2019

Trabalhadoras domésticas ponderam “protesto silencioso”

[dropcap]A[/dropcap]reunião com a Direcção dos Serviços para os Assuntos Laborais (DSAL) foi histórica, mas foi encarada pelas activistas como apenas o primeiro passo. Além da reunião a agendar com deputados da Assembleia Legislativa, está a ser pensado um “protesto silencioso” das empregadas domésticas.

“Não é bem uma greve, mas sim um protesto silencioso. Sabemos que as greves não são feitas em Macau, a não ser que estejamos registadas como associação local”, explicou Benedicta Palcon.
Além desse processo burocrático, o próximo objectivo de luta pode passar pela legalização do trabalho a tempo parcial fora dos contratos laborais.

“Elas fazem isso porque ganham pouco. Talvez o nosso próximo passo seja tentar legalizar essa situação”, frisou a porta-voz da Green Philippines Migrant Workers Union. Jessy Santos, por sua vez, assegura que “as empregadas fazem isso porque ganham muito pouco. Não podemos pensar que vão ficar sentadas à espera de ter seis mil ou sete mil por mês. Não as culpo por fazerem part-time”.

A situação não está regularizada e acontece, na maior parte das vezes, com o conhecimento dos patrões. Mas a empregada fica sempre mais fragilizada, asseguram.

“É uma situação complicada, porque muitas vezes os patrões dizem-lhes para fazerem part-time nesta ou naquela casa, mas se houver uma queixa e a DSAL perguntar se a empregada concordou com este sistema, claro que ela vai dizer que sim”, adiantou Jessy Santos.

Ainda assim, as queixas sobre este tipo de situações são quase nulas. “Conheço uma empregada doméstica que trabalha a tempo inteiro e ganha 5300 patacas por mês. Agora o patrão está a planear um horário de apenas quatro horas por dia e pagar-lhe quatro mil por mês, então dão-lhe tempo para ter trabalhos parciais. Disse-lhe que era uma boa opção, porque pode ganhar mais dinheiro, mas aconselhei-lhe cuidado”, concluiu Benedicta Palcon.

19 Fev 2019

Histórias de vida das quatro mulheres que lutam pelos direitos das empregadas domésticas

Retratos de luta

As quatro mulheres que reivindicam direitos para as empregadas domésticas trilharam diferentes caminhos até chegarem a uma causa comum. A maioria começou a sua jornada em Hong Kong, mas muitas passaram por Singapura e pelo Médio Oriente. Uma delas cuidou dos filhos de Bashar al-Assad e guarda boas recordações da família que governa a Síria

 

Jean Calma – Ao serviço de Assad

[dropcap]Q[/dropcap]uando lhe perguntamos pelo passado, Jean Calma rasga um sorriso que guarda histórias como alguém que já passou por muito. A viver em Macau há dez anos, Jean trabalhou como empregada doméstica no Brunei, em Beirute, capital do Líbano, onde se cruzou, em actos oficiais, com Hillary Clinton, ex-candidata às presidenciais dos Estados Unidos e mulher do ex-presidente Bill Clinton, e Madeleine Albright, ex-secretária de Estado e embaixadora dos Estados Unidos na ONU. Diz ter-se cruzado também com Laura Bush, esposa de George W. Bush.
No entanto, as memórias mais importantes que guarda do Médio Oriente vêm de Damasco, Síria, onde trabalhou na casa do actual Presidente Bashar al-Assad, a tomar conta dos seus filhos.

Jean Calma. Sofia Margarida Mota

“Foram tempos muito interessantes. Trabalhei na casa privada da família. Ele tratava-me muito bem, éramos como uma família”, recordou Jean Calma. “Na verdade, eu não os via com frequência todos os dias. Eles estavam sempre muito ocupados, a viajar, por exemplo. Mas a mulher [Asma al-Assad] estava sempre lá.”

Os filhos estudavam numa escola privada na capital síria e ocupavam a maior parte do tempo de Jean Calma que nem se ocupava com muitas tarefas domésticas. “A casa era enorme, mas eu não me importava de fazer as coisas. Além disso, só estava encarregue das crianças. Eram como uma família normal.”

Jean Calma acabou por deixar a Síria em 2008, quando já se adivinhavam tensões políticas que se materializaram no início da guerra civil em 2011, no rescaldo dos movimentos da chamada Primavera Árabe.

“A Síria já era um país perigoso na altura, era difícil continuar a trabalhar lá. Depois, a minha mãe ficou doente, queria ficar mais perto dela e decidi vir para a China, e depois para Macau.”

Apesar de Bashar al-Assad ser visto mundialmente como um ditador sanguinário, Jean Calma tem dele a melhor das impressões. “São pessoas boas, simpáticas e generosas. Não posso dizer nada contra eles. Damasco era uma boa cidade para viver, o tempo era fantástico. Parecia que estava na Europa.”

Apesar de ter deixado o trabalho, os laços afectivos continuaram. “Na verdade, eles convidaram-me a visitá-los e chegámos a encontrar-nos no Dubai, para nos vermos outra vez.”

Hoje, a empregada doméstica lamenta o conflito que destruiu o país. “A situação é muito triste, tendo em conta tudo o que ficou para trás, a minha experiência. É tudo muito assustador. [Na altura] decidi não pôr a vida em risco e fui trabalhar para outro país. Já havia tensões políticas, que duram até hoje. Não queria continuar lá e não sabia se ia continuar viva”, assegurou.

À espera da reforma

Depois da Síria, a China apareceu-lhe no mapa. Trabalhou em casa de uma família com dois filhos, a quem ensinou inglês, que lhes permitiu estudarem no Reino Unido. Macau chegaria mais tarde, e daqui só quer sair quando atingir a idade da reforma.

Apesar de cá estar há dez anos, nunca tentou obter a residência, pois é um processo “difícil”. Ganha quatro mil patacas e vive na casa dos patrões, mas está satisfeita com as condições de trabalho. “Não tenho de fazer muitas horas. Começo às sete da manhã e preparo os pequenos-almoços, depois lavo a roupa, faço a limpeza e só tenho de preparar as refeições no final do dia. Então à tarde tenho muito tempo para descansar. Às duas e meia vou buscar as crianças à escola”, conta.

Jean Calma garante que nunca foi vítima de qualquer tipo de abuso. “Os meus patrões são compreensivos, gostam de mim e até as crianças não querem que eu esteja de parte das actividades do dia-a-dia.”

 

Benedicta Palcon – Da fábrica para as limpezas

Se não fosse o marido, Benedicta Palcon, actual porta-voz da Green Philippines Migrant Workers Union, talvez não tivesse vindo para o sul da China. Em 1988, a vida era difícil em Manila e na fábrica ganhava apenas o equivalente a 20 patacas por mês (100 pesos). Benedicta respeitou a decisão do marido e deixou para trás uma filha com nove meses, que hoje também trabalha em Macau como empregada doméstica. 

A primeira paragem da sua jornada foi Hong Kong, para onde se mudou em 1990. Aí deu os primeiros passos como activista. Macau seria o novo destino, em 2004. “Em Hong Kong, o trabalho era bom, tinha um bom salário. Há 15 anos que trabalho com o mesmo patrão. Hoje vivo em casa dos meus patrões. Começo a trabalhar às sete da manhã, às vezes acabo às 22 ou 23 horas. Estou sozinha a fazer todo o trabalho.”

Não luta por melhores condições para si, pois ganha mais do que a maioria das empregadas domésticas: sete mil patacas. Mas o seu caso espelha a irregularidade dos contratos de trabalho a que estas profissionais estão votadas. “Ganho sete mil patacas, mas o meu contrato diz 2.500. O meu patrão paga-me em gorjetas, como ele diz.”

Não sabe porque os termos contratuais nunca foram alterados. “Ele deposita-me sete mil por mês na conta, e se tiver algum problema com os cálculos a DSAL vai verificar as transferências bancárias e não o contrato. Há pessoas que ganham apenas o que determina o contrato”, explicou.

A organização não governamental que representa em Macau ficou conhecida em 2015 com as primeiras campanhas públicas. Ainda assim, só agora Benedicta Palcon começa a reconhecer-se como alguém que defende os direitos dos outros. “Não é apenas por mim que eu luto. Luto porque conheço muitas histórias de abusos e de empregadas que trabalham muitas horas.

Comecei a ser activista em Hong Kong e ainda hoje não gosto de me intitular como tal. Mas tenho de admitir que sou uma verdadeira activista (risos).”

Histórias de assédio

Benedicta Palcon chegou a ajudar outras colegas de profissão que foram alvo de abuso. Recorda um em particular, em que uma empregada foi vítima de assédio sexual. O caso acabou arquivado pelas autoridades.

“O patrão costumava espiá-la enquanto ela estava na casa-de-banho, chegou mesmo a pôr uma câmara de filmar num buraco escondido na casa-de-banho. Nessa altura, ela não tinha provas e aconselhei-a a conversar com ele no WhatsApp, porque as mensagens ficam gravadas.

Finalmente, o homem admitiu que a tinha filmado secretamente e que não tinha visto bem as imagens. Obtivemos essa prova e levámos à polícia.”

O homem em questão era irmão do patrão a quem a empregada limpava a casa como trabalho parcial, uma situação ilegal, mas comum em Macau. “O homem aproveitava os momentos em que a mulher saía de casa para se masturbar no quarto de porta aberta, enquanto a empregada trabalhava. O caso acabou por ser arquivado. O patrão deu-lhe tempo para arranjar um novo emprego, pagou-lhe mais um pouco e o bilhete de avião para as Filipinas”, recordou Benedicta Palcon.

A porta-voz da ONG deu a cara por muitos movimentos de defesa dos direitos dos migrantes, e assegura que o seu trabalho não fica por aqui. “O meu patrão sabe o que faço. Quando fui entrevistada pela TDM, pedi permissão para isso e ele disse-me ‘não fales demais’ (Risos). Não tenho medo de perder o trabalho, porque há inúmeras coisas para fazer, mesmo que tenha de voltar para as Filipinas. Tenho muitos planos para o futuro.”

 

Luzviminda Sabado – Quando o patrão era agressivo

A secretária da Progressive Labor Union of Domestic Worker, natural de Davao, é das poucas trabalhadoras migrantes que nunca tiveram de trabalhar fora do país para enviar dinheiro para a família. Ainda assim, a ida para Hong Kong foi uma decisão pessoal que surgiu com naturalidade.

“A minha melhor amiga estava em Hong Kong e ajudou-me. Já não tinha os meus pais, por isso podia trabalhar para mim própria. Tenho meios-irmãos e irmãs, se me pedissem e se tivesse dinheiro de parte, mandava-lhes. Mas precisava de me sustentar também e tinha de poupar. Durante anos não consegui poupar.”

Luzviminda Sabado. Sofia Margarida Mota

Em 2012 aderiu à ONG que representa em Macau porque ganhava abaixo do salário mínimo da região vizinha, três mil dólares de Hong Kong, quando o limite mínimo era 3.700. Só aí se tornou mais activa na luta pelos direitos dos migrantes.

Nos quatro anos que passou em Hong Kong, a vida profissional de Luzviminda Sabado foi feita de idas e vindas, até que lhe calhou “em sorte” um patrão agressivo. “O terceiro empregador não era bom para mim e vi-me forçada a chamar a polícia (hesita). Ele exercia violência psicológica e falava de uma forma muito agressiva comigo. Fui também vítima de discriminação. Com a ajuda da ONG fui à polícia e consegui protecção.”

Em Macau arranjou emprego através de uma agência, que lhe cobrou mais do que o ordenado, que é de quatro mil patacas. “Não ficaram com os meus documentos, mas tive de pagar cinco mil dólares de Hong Kong, em prestações, durante três meses.”

Depois do encontro com o Governo, Luzviminda tem esperança de que o sistema mude. “Espero que possamos criar algum movimento, mas acho que é preciso tempo. Independentemente do que aconteça, e das reuniões que tivermos, é preciso paciência para que aconteça algo.”

 

Jassy Santos – A detenção em Singapura

Jassy Santos, também ligada à Progressive Labor Union of Domestic Worker, é uma lutadora por natureza. Nota-se-lhe no rosto, na forma como fala. Em 1996 decidiu emigrar para Singapura para sustentar o pai, doente, a filha pequena e a irmã que estava a estudar. Acabou presa depois de ter sido denunciada por realizar trabalhos a tempo parcial, algo que também é ilegal na Cidade-Estado.

No centro de detenções, percebeu que tão depressa não sairia dali. “Deram-me cinco dias para sair, mas acabei detida num centro durante seis meses. Ganhava o equivalente a 4.600 patacas, valor que não era suficiente, e precisava trabalhar o dobro. No centro percebi que havia trabalhadores presos há muito tempo sem acusação. Decidi contactar a ONG, que me deu um telemóvel, um computador e uma câmara. Isto ajudou-me a reportar todos os casos que conheci lá dentro.”

Jassy Santos. Sofia Margarida Mota

Fez tudo sozinha, ligou para jornais, contactou o consulado-geral das Filipinas e outras ONG do seu país. Ao fim de seis meses, estava em liberdade. “O polícia disse-me que fui presa por ser uma activista e não por trabalhar a tempo parcial. Quando estava presa não podia contactar com ninguém de fora, nem sequer um advogado que, de qualquer das formas, não tinha. Tirei fotos lá dentro e liguei a todos que conhecia a dizer que precisava de ajuda.”

Foi também em Singapura que conheceu Fish Ip, a sindicalista de Hong Kong que agora apoia o movimento de apoio às empregadas domésticas. No sul da China, cedo teve noção de que a luta estava longe de terminar.

“Depois de quatro anos em Hong Kong, decidi vir para Macau e percebemos que os migrantes não estavam protegidos pela lei. Para onde quer que fossemos ouvíamos queixas sobre os salários baixos.”

Em Macau, arranjou trabalho de forma legal numa agência de emprego, com a qual se viu obrigada a lutar pelo pagamento de cauções justas. “Disse-lhes que só pagaria se me dessem recibo. Perguntaram-me o que ia fazer com o recibo, e frisei ‘a lei diz que só podem cobrar 50 por cento do nosso salário, então porque me estão a pedir seis mil? Num dia podem ter um cliente que precisa de dez empregadas, então quanto vão ganhar?”, questionou. O braço-de-ferro compensou e acabou por pagar apenas o que está previsto na lei.

Jassy Santos ganha cinco mil patacas, mas não vive com os patrões. As ajudas de alimentação e alojamento estão incluídas neste montante. Conhece casos de violência perpetrada contra empregadas domésticas, que ficam escondidos por medo e vergonha. Para ela, a reunião com a DSAL foi apenas o primeiro de muitos passos.

19 Fev 2019

Violência doméstica | ONG dispõe-se a financiar tratamento de vítima em Singapura

Uma organização não governamental norte-americana está disposta a doar 80 mil dólares americanos a Lao Mong Ieng, a mulher que foi queimada pelo marido, desde que esta faça o tratamento em Singapura. A deputada Agnes Lam acusa os Serviços de Saúde de falta de comunicação

 

[dropcap]L[/dropcap]ao Mong Ieng, a mulher de 31 anos que foi vítima de violência doméstica por parte do marido, estando com 40 por cento do corpo queimado, pode recuperar a visão num hospital em Singapura.

De acordo com a deputada Agnes Lam, há uma organização não governamental (ONG) norte-americana disposta a financiar o tratamento, doando um total de 80 mil dólares norte-americanos, com a contrapartida que a operação seja feita num hospital em Singapura. O nome da ONG não foi divulgado a pedido da própria entidade.

“A família ainda não tem nada planeado”, disse a deputada ao HM. “É uma oferta condicionada, não é apenas para os ajudar a ter o tratamento. O dinheiro só será doado se ela for para Singapura”, acrescentou Agnes Lam.

Depois do ataque com óleo a ferver e líquido para desentupir canos, Lao Mong Ieng, de 31 anos, tem agora a hipótese de recuperar a visão dos dois olhos recorrendo a uma osteo-odonto-queratoprótese, uma cirurgia que tem uma taxa de sucesso de 80 por cento e que pode ser feita no Reino Unido. A sugestão partiu do Prince of Wales Hospital, de Hong Kong, mas os Serviços de Saúde de Macau (SSM) recusaram pagar a operação.

“A família ainda não confirmou se a vítima vai para Singapura ou para o Reino Unido, porque a vítima já foi diagnosticada pelo médico do Reino Unido. Ele fala chinês, o que é bom para a família em termos de comunicação. Além disso, em 2008 houve outro caso bem-sucedido ao nível da restauração da visão, no mesmo hospital.”

Agnes Lam adiantou que, por enquanto, a família de Lao Mong Ieng está mais confiante no tratamento do Reino Unido. A deputada adiantou também que foram recolhidas 88 mil patacas em fundos doados pela população de Macau, que serão depositados na conta do Centro do Bom Pastor.

Em silêncio

A decisão da família de optar pelo tratamento em Singapura está pendente da reacção dos SSM, a quem Agnes Lam acusa de falta de comunicação. Lao Mong Ieng necessita ainda de uma posição formal do Governo para saber se recorre ou não da decisão dos SSM de não financiar o tratamento no Reino Unido.

“Até este momento a família não recebeu uma decisão formal dos SSM, e isso é necessário para avançar com o caso para tribunal. É preciso um documento formal escrito.”

A deputada lembra que os SSM só começaram a contactar directamente com a família depois da realização da primeira conferência de imprensa, promovida pela própria. “A situação alterou-se um pouco, porque no início o hospital não queria comunicar [com a família], e só o faziam através de comunicados de imprensa.

Mas agora eles têm contactado a família de forma directa, então vão considerar se ainda querem avançar com o caso em tribunal ou não.”

Na visão de Agnes Lam, os SSM “não respeitam os direitos da paciente no que diz respeito ao acesso à informação e à decisão sobre o seu caso”.

“Estão a atrasar a sua decisão, porque a família continua à espera da posição do Governo. O hospital falou com a família há dois meses. Se tivessem falado das dificuldades do processo então a família teria procurado ajuda mais cedo. Eu própria entrei em contacto com o Governo, mas há cerca de três meses que espero por uma resposta. Nunca me disseram uma palavra até que organizamos uma conferência de imprensa”, rematou.

 

Em busca de consensos

Convidada a comentar a decisão judicial que condenou, na semana passada, um homem a dez meses de pena suspensa, Agnes Lam considera essencial que haja “uma espécie de consenso legal depois de lançarmos uma nova lei da violência doméstica”. “O que está escrito na lei é que, mesmo que haja apenas um ataque, é [sempre ] classificado como violência doméstica, mas penso que o sistema judicial precisa de olhar melhor para a verdadeira definição”, frisou a deputada.

Projecto em andamento

Agnes Lam está a preparar um novo projecto de investigação na qualidade de docente da Universidade de Macau, em colaboração com outros professores. “Temos vindo a estudar as notícias que saíram na imprensa chinesa nos últimos 18 anos, e abordamos a forma como as pessoas olham para esta questão. Também entrevistámos um grande número de vítimas e agressores. Ainda não temos quaisquer conclusões, mas penso que iremos concluir todo o processo ainda este ano.”

18 Fev 2019

TSI | Ponderada redução de número de processos por juíz

[dropcap]O[/dropcap]Governo defendeu a redução do número de processos atribuído a cada juíz do Tribunal de Segunda Instância (TSI), que actualmente é “muito elevado”.

De acordo com o parecer que resultou da análise na especialidade da lei de bases da organização judiciária, cada juíz do TSI tem, em média, 115 a 120 processos, volume “bastante superior ao valor entendido como sendo recomendável, que é de 70 a 75 processos para cada magistrado de segunda instância, em processos cíveis, e de 75 a 80 processos, para processos criminais”.

Nas reuniões com os deputados, o Governo disse que “poderia ser considerado recomendável que cada juíz de segunda instância proferisse, anualmente e em média, 70 a 80 decisões”, sem que tenha sido apontada uma medida para atingir este objectivo.

O Executivo decidiu manter o mesmo número de magistrados no Tribunal de Última Instância e Tribunal Administrativo, o que desagradou à Associação dos Advogados de Macau.

15 Fev 2019

Nova lei não contempla limites ou critérios para decisões do Conselho de Magistrados Judiciais

A nova lei de bases da organização judiciária não contempla um limite máximo para a acumulação de funções dos juízes, uma vez que o Governo confia na “razoabilidade” do Conselho dos Magistrados Judiciais. De fora ficam também “critérios legais” para a redistribuição dos processos

 

[dropcap]O[/dropcap]Conselho dos Magistrados Judiciais passará a ter, com a nova lei de bases da organização judiciária, plenos poderes para decidir critérios na redistribuição de processos e na escolha de juízes. Isto porque o Governo não quis definir, na proposta de lei, limites e “critérios legais” para essas acções.

A nova lei dará, assim, uma “ampla margem discricionária ao Conselho dos Magistrados Judiciais”, uma vez que as decisões passam a depender “genericamente para as necessidades do serviço”.
“Não se concretizam os critérios que permitem, em cada caso, a acumulação de funções, o destacamento dos juízes ou a redistribuição dos processos”, lê-se ainda no parecer da Assembleia Legislativa (AL) relativo à análise, na especialidade, da proposta de lei, que terá ainda de ser votada pelos deputados.

O Governo “não quis introduzir restrições à acumulação de funções, sobretudo para efeitos dos tribunais de primeira instância, não querendo fixar um limite máximo de juízos em que um magistrado judicial possa estar a exercer funções simultaneamente, por via de acumulação de funções”.

Tudo para “evitar excesso de trabalho e dispersão de tarefas por várias áreas de especialização jurídica pelos magistrados judiciais”.

Aos deputados, o Executivo garantiu confiar “na razoabilidade e ponderação com que se espera que o Conselho dos Magistrados Judiciais venha a fazer uso da acumulação de funções, tendo em conta a experiência dos magistrados e o volume de trabalho exigido”.

O Governo justificou também aos deputados que “não se pretende que a acumulação de funções seja permitida entre as várias instâncias, não sendo possível acumular funções, por exemplo, entre o TJB e o Tribunal de Segunda Instância”.

As intenções avançaram apesar dos receios que alguns deputados, uma vez que estes estão contra a introdução “deste tipo de alterações genéricas, sem que seja definido claramente na lei quais são os critérios e fundamentos que possam estar subjacentes a decisões discricionárias”. Tal “não permite salvaguardar a sempre almejada transparência administrativa”, lê-se ainda.

Lei sem critérios

Outro ponto em que o Governo não cedeu foi na criação de “critérios legais” na proposta de lei para a redistribuição de processos. Caberá ao Conselho dos Magistrados Judiciais “fixar, previamente, de uma forma geral e abstracta, e tendo em conta factores objectivos, os critérios que devem ser respeitados na redistribuição dos processos anteriormente distribuídos”.

Desta forma, o Governo “não quis firmar na proposta de lei, mesmo de uma forma genérica, quais são os critérios legais que devem relevar para este efeito, como, por exemplo, que a redistribuição de processos apenas possa acontecer até certos momentos processuais”.

O argumento utilizado pelo Executivo foi o mesmo: a confiança nas escolhas do conselho. A medida avançou mesmo apesar de alguns deputados se terem mostrado “preocupados com a salvaguarda do princípio do juíz natural”, “corolário fundamental do sistema jurídico e uma decorrência do princípio da legalidade”.

O Conselho dos Magistrados Judiciais é composto por cinco membros. A saber: Sam Hou Fai, presidente do Tribunal de Última Instância, Tong Hio Fong e Io Weng San, eleitos pelos magistrados, Philip Xavier e Io Hong Meng, nomeados pelo Chefe do Executivo.

15 Fev 2019

AL | Vong Hin Fai admite terem sido feitas reuniões da comissão de regimento sem conhecimento dos deputados

[dropcap]V[/dropcap]ong Hin Fai, deputado e secretário da comissão de regimento e mandatos da Assembleia Legislativa (AL), admitiu ontem que, no passado, foram marcadas algumas reuniões sem o conhecimento de todos os deputados.

“Nos mandatos anteriores da AL, a comissão de regimentos fez muitas reuniões que não eram fechadas mas que serviram para discutir assuntos técnicos. No passado muitas reuniões foram feitas sem que os media tenham sido informados, e algumas vezes foram feitas sem dar conhecimento aos deputados. Algumas vezes não demos conhecimento, mas isso cabe ao presidente da comissão decidir”, disse, à margem do almoço de primavera da AL com os media.

O presidente da comissão de regimento e mandatos é o deputado Kou Hoi In, que não prestou declarações sobre esta matéria.

Entretanto, o presidente da AL, Ho Iat Seng, acrescentou que cabe aos presidentes das comissões decidir se devem convocar os jornalistas para a respectiva cobertura. A questão foi colocada depois de ter sido noticiado que a comissão de regimento e mandatos reuniu à porta fechada, sem conhecimento dos repórteres. Além disso, nem todos os deputados foram notificados.

“Se as respectivas comissões entenderem que devem ser comunicadas, então deve ser feita essa comunicação. Mas isso depende da decisão de cada comissão.” “Não posso estipular qualquer regra. Mas posso alertar para que se avisem antecipadamente os órgãos de comunicação social da realização das reuniões”, acrescentou Ho Iat Seng.

Sulu Sou referiu que nos compromissos “formais com o Governo, o presidente da comissão deve notificar os jornalistas”, enquanto que para os trabalhos técnicos, de natureza interna “os deputados não são notificados”.

“Nas reuniões entre os juristas da AL e os deputados, alguns presidentes de comissão notificam os jornalistas, mas outros não o fazem. Neste aspecto, Vong Hin Fai [presidente da 3ª Comissão Permanente e secretário na Comissão de Regimento e Mandatos] tem uma boa postura, notifica os jornalistas mesmo para as reuniões entre conselheiros jurídicos e legisladores”, frisou.

14 Fev 2019

Associação Novo Macau recebeu queixas por apoiar migrantes

Sulu Sou disse que, em 2013, a Associação Novo Macau foi criticada por apoiar os direitos dos trabalhadores migrantes. O deputado promete ajudar as trabalhadoras migrantes a “construir uma ponte” com o hemiciclo e o Governo e propõe um salário mínimo só para empregadas domésticas

 

[dropcap]R[/dropcap]epresentantes de quase uma dezena de associações que defendem os direitos dos trabalhadores migrantes reuniram esta terça-feira com a Direcção dos Serviços para os Assuntos Laborais (DSAL), tendo clamado pelo apoio de alguns deputados, como o caso de José Pereira Coutinho e Sulu Sou.

Este último garantiu ontem, à margem do almoço de Ano Novo Chinês, que irá apoiar a luta das trabalhadoras domésticas por melhores condições de trabalho, apesar da associação a que pertence, a Novo Macau, ter recebido críticas nas últimas eleições.

“Fomos criticados em 2013 por cidadãos locais por falarmos disto. Alguns empresários, cidadãos locais, ligaram para o nosso escritório a questionar porque é que abordávamos estas questões ligadas aos trabalhadores migrantes e lutávamos pelos seus direitos.”

Nesse sentido, Sulu Sou adiantou “não ter medo” de perder votos por apoiar os trabalhadores não residentes (TNR), uma possibilidade que Benedicta Palcon, representante da Greens Phillipines Migrant Workers, chegou a teorizar.

O deputado entregou, em Novembro, um projecto de lei que pede a implementação do salário mínimo universal que preveja o pagamento de 38 patacas por hora, ainda que não inclua as empregadas domésticas. Ontem, Sulu Sou deixou claro que a ideia é criar uma segunda versão de salário mínimo para esta classe profissional.

“Penso que a nossa proposta é racional e garante o equilíbrio entre a comunidade local e os migrantes. Mas sei que não vai haver consenso na AL.”

O projecto de lei ainda não foi admitido no hemiciclo, nem o deputado tem novas informações sobre o processo.

“Não mudei de opinião”, esclareceu quando questionado sobre a não inclusão das empregadas domésticas na iniciativa legislativa. “Vamos ter duas propostas. Uma delas é para a situação em geral dos trabalhadores. As empregadas domésticas estão numa situação especial, e a definição do horário de trabalho é um dos exemplos. O segundo passo é estudar a criação de um salário mínimo que sirva esses trabalhadores especiais, como as trabalhadoras domésticas.”

Minorias vs maiorias

Depois do encontro com a DSAL, as activistas garantem que vão reunir com os deputados da 3ª Comissão Permanente da AL, uma sugestão que partiu do próprio Sulu Sou.

“Contactei-as antes da reunião e sugeri que depois possamos ter uma reunião para discutir os detalhes das suas reivindicações. Respeito os direitos dos trabalhadores e direitos humanos de toda a sociedade.”

Sulu Sou lamenta que os direitos dos trabalhadores migrantes esteja afastado da agenda política. “Não tive ainda comunicação com outros deputados sobre o projecto de lei. Mas, para ser honesto, apenas uma minoria dos deputados vai debruçar-se sobre essa questão, é um triste facto. Talvez nem sequer estudem a matéria. É importante ter um debate racional porque os migrantes são parte da sociedade. Estão em causa 20 mil trabalhadores domésticos.”

No que diz respeito à Novo Macau, Sulu Sou entende que não se pode “recusar qualquer comunicação com eles, pois temos de concordar que são parte da comunidade de Macau”. “Numa primeira fase vou discutir com elas e compreender melhor as suas reivindicações, mas depois vamos considerar, como as podemos apoiar de forma directa ou indirecta, ou sugerir acções a adoptarem.”

Sulu Sou é membro da 3ª Comissão Permanente da AL encarregue de analisar na especialidade a lei das agências de emprego, organismo que não reúne desde o Verão para discutir este assunto.

“É estranho que o Governo tenha retirado a proposta de lei para fazer alterações. Depois de meio ano não temos novidades sobre isso. Vou exigir ao presidente da comissão [Vong Hin Fai] que fale com o Governo no sentido de apressar o processo. Para ser honesto, a AL ignorou as vozes dos activistas no passado”, rematou.

14 Fev 2019

Lei de Bases | Advogados temem mais morosidade e “controlo absoluto” do TUI

O Governo quer que em alguns processos administrativos passe a haver direito a recurso junto do Tribunal de Última Instância, uma opção que mereceu parecer negativo da Associação dos Advogados. Os causídicos temem que a opção legislativa acrescente ainda mais morosidade aos processos

 

[dropcap]F[/dropcap]oi ontem concluída pela Assembleia Legislativa (AL) a análise na especialidade da revisão da lei de bases da organização judiciária, na qual o Governo decidiu avançar com uma proposta que não é do agrado da Associação dos Advogados de Macau (AAM).

Em causa está a alteração a uma norma do Código do Processo Civil (CPC), que prevê que alguns processos administrativos possam ser passíveis de recurso para o Tribunal de Última Instância (TUI). Nomeadamente, nos casos em que não há voto vencido dos juízes do Tribunal de Segunda Instância (TSI), ou quando a decisão desse órgão judicial é igual à do Tribunal Judicial de Base (TJB).

A possibilidade de acrescentar uma instância judicial apenas se aplica a processos relacionados com contratos administrativos, acções para a efectivação da responsabilidade civil e extracontratual, ou acções relacionadas com contencioso administrativo.

De acordo com o parecer ontem assinado pelos deputados da AL, os advogados temem que o TUI demore ainda mais tempo a tomar decisões. Na visão da associação, a novidade legal fará com que o sistema fique “mais moroso, na medida em que a última decisão só será alcançada no último degrau do sistema judiciário”. Algo que, no entender dos advogados, “seria contrário ao princípio e à necessidade de celeridade da justiça, podendo ser um factor de atraso na realização da mesma, sem qualquer benefício associado”.

Esta situação “pode agravar a morosidade actual do TUI em proferir decisões judiciais, já que se mantém o número de apenas três juízes e uma secção”, além de poder “agravar significativamente o problema que consiste na falta de análise, debate e aprofundamento de diferentes pontos de vista sobre as variadas questões jurídicas colocadas a este tribunal”.

A AAM alertou também para o risco de “descredibilizar as acções tomadas pelo TJB e pelo TSI, na medida em que a decisão de uma única instância judicial, do TUI, possa passar a sobrepor-se à decisão de duas instâncias judiciais diferentes, tomadas no mesmo sentido, sobre a mesma matéria”.

Na visão do Governo, o facto de alguns processos administrativos poderem ser alvo de recurso para o TUI é “um factor de maior garante dos direitos dos cidadãos, pelo facto de permitir não só a possibilidade de acesso a mais um patamar de recurso, como pela circunstância de o fazer para a máxima instância do ordenamento jurídico da RAEM”.

Vong Hin Fai, presidente da comissão que analisou o diploma na especialidade, também advogado, mostrou-se a favor da opção do Governo. “Não podemos ter uma solução que agrade aos dois lados. Claro que vai aumentar o volume de trabalho. Depois de vermos a opinião da AAM ponderámos tudo e só posso responder que esta é a nossa posição.”

Contra aumentos

Outro ponto contestado pela AAM é o aumento do valor da alçada dos tribunais da primeira instância, que será ajustado das actuais 50 mil patacas para 100 mil patacas. A alteração foi justificada com o facto do valor não ser actualizado desde 1999.

Para os advogados, o aumento deveria ser de apenas 10 mil patacas, ou seja, o valor apontado pelo Governo é “excessivo e muito superior à evolução do custo de vida”. Além disso, “não é adequado para causas de pequeno valor e relativas aos direitos do consumidor”.

Esta alteração prevê que a alçada do TSI passe a ter em conta se está a julgar um processo em primeira instância e não apenas a categoria do tribunal competente. De acordo com os argumentos do Governo, a proposta evita “que se verifique um diferencial muito grande, actualmente entre 50 mil e um milhão de patacas”. Na visão do Executivo, há que resolver “este desequilíbrio do sistema judiciário”.

No caso dos processos de contencioso fiscal, acções aduaneiras ou administrativas, os valores das alçadas mantêm-se nas 15 mil patacas, de forma a garantir o recurso junto do TSI.

14 Fev 2019

DSAL | Trabalhadoras migrantes reuniram com Governo, mas não saíram satisfeitas

[dropcap]R[/dropcap]epresentantes de cerca de uma dezena de associações de defesa dos direitos dos trabalhadores migrantes estiveram ontem reunidos com dirigentes da Direcção dos Serviços para os Assuntos Laborais (DSAL), num encontro considerado histórico pelas participantes e que levou um ano a ser preparado.

Foram apresentadas 12 reinvindicações em prol da implementação do salário mínimo universal para trabalhadoras domésticas, o fim da exigência da saída do território por um período de seis meses, aquando da mudança de emprego, ou a padronização dos contratos de trabalho em prol de salários mais regulares.

Fish Ip, oriunda de Hong Kong e coordenadora para a região da Ásia da Federação Internacional dos Trabalhadores Domésticos, tem dado apoio às associações de Macau e garante que o Governo da RAEM deveria ratificar a convenção internacional que regula o trabalho doméstico.

“Actualmente o documento é utilizado como referência [pelo Executivo], mas não é obrigatório fazer esse seguimento, então os empregadores podem celebrar contratos de acordo com as suas preferências, sem que haja um padrão.”

Benedicta Palcon e Jassy Santos disseram que os dirigentes da DSAL prometeram monitorizar a situação dos contratos, mas muitos assuntos foram referidos como sendo da responsabilidade da Direcção dos Serviços de Imigração. No final do encontro, revelaram não estar totalmente satisfeitas com o resultado da reunião, mas acreditam que alguma mudança possa acontecer. Segue-se a marcação de um encontro com os deputados do hemiciclo e a entrega de uma carta ao Chefe do Executivo.

13 Fev 2019

ATFPM | Pereira Coutinho nega ter reunido com trabalhadores migrantes, mas imagens dizem o contrário

O deputado José Pereira Coutinho reuniu em Novembro com membros de associações que defendem os direitos dos trabalhadores migrantes, mas, ao HM, negou que tenha dado apoio a essa causa, ainda que um vídeo e imagens o comprovem. Activistas e analistas políticos acreditam que o apoio aos migrantes escasseia por medo de perda de votos do eleitorado chinês

 

[dropcap]A[/dropcap]s representantes da Green Philippines Migrant Workers Union, uma associação que defende os direitos laborais dos trabalhadores migrantes no território, reuniu em Novembro passado com a Associação dos Trabalhadores da Função Pública de Macau (ATFPM), presidida pelo deputado José Pereira Coutinho.

Imagens e um vídeo a que o HM teve acesso mostram que o deputado ouviu as reivindicações e pedidos das activistas sobre os direitos das empregadas domésticas, embora tenha garantido ao nosso jornal que não esteve ligado ao assunto.

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“Não falei pessoalmente com ela [Benedicta Palcon, porta-voz do grupo]. Se calhar ela esteve lá presente, mas nunca me intrometi no assunto nem ela me pediu qualquer opinião. Nunca falei com eles, nem eles nunca falaram comigo, nunca intervi nisso”, reiterou.

Benedicta Palcon tem uma versão diferente. “Essa é a versão dele. O vídeo não mente”, assegurou a activista, que ontem esteve presente no encontro entre representantes da Direcção dos Serviços para os Assuntos Laborais (DSAL) e os porta-vozes de quase uma dezena de associações ligadas aos direitos dos trabalhadores migrantes.

Cartão de sócia de Benedicta Palcon

No vídeo, Benedicta Palcon surge a questionar José Pereira Coutinho sobre o paradeiro da carta entregue numa primeira reunião na ATFPM, e que terá sido encaminhada para o gabinete do Chefe do Executivo. O deputado garante, na gravação, “não ter conhecimento da situação”, uma vez que “a maioria das cartas que são entregues ao Chefe do Executivo acabam por ir com o vento”. “Nos últimos dez anos entregamos muitas cartas ao Chefe do Executivo, mas nunca nos responderam”, assegura.

A carta em questão continha 12 reinvindicações relacionadas com a implementação do salário mínimo universal ou o aumento de ajudas de custo para alojamento, sendo semelhante à que foi ontem entregue na DSAL.

“A questão do salário mínimo para as trabalhadoras domésticas é um problema que certamente não será resolvido dentro do mandato do actual Chefe do Executivo, porque ele está a terminar o mandato no próximo ano [este ano] e teremos de esperar pelo próximo Chefe do Executivo”, frisou ainda.

Na reunião, Benedicta Palcon fez ainda menção a uma petição que, à data, já tinha reunido 2600 assinaturas, tendo pedido uma sugestão ao deputado sobre as medidas a adoptar. Actualmente esta petição já vai nas três mil assinaturas.

“Sugiro que entregue o documento ao actual Chefe do Executivo, e que guarde uma cópia para entregar ao próximo”, respondeu Pereira Coutinho. Esta é, aliás, a acção que as activistas vão levar a cabo numa próxima fase, depois de reunirem com os deputados da Assembleia Legislativa.

Sócios com blue card

À data, as activistas dirigiram-se à ATFPM para pedir apoio para a sua causa, mas uma secretária terá dado a informação de que, para isso, teriam de se tornar sócias, apesar de não serem funcionárias públicas.

Numa reunião posterior, o deputado José Pereira Coutinho alertou para o facto de a ATFPM não aceitar portadores de blue card como sócios, mas a verdade é que as dez pessoas que se inscreveram na altura continuam a ser sócias, tendo pago uma anuidade de 120 patacas pelo período de um ano.

Benedicta Palcon foi uma das pessoas que se associou à ATFPM, mantendo ainda o seu cartão de sócia e tendo, inclusivamente, recebido uma carta assinada pelo próprio Pereira Coutinho, que determina que foi admitida em meados de Outubro.

Imagem de José Pereira Coutinho no vídeo que retrata a reunião com activistas

Também Luzviminda Sabado, secretária da Progressive Labor Union of Domestic Worker, se fez sócia na esperança de obter apoio da ATFPM. “Ninguém nos disse para cancelarmos a nossa inscrição”, disse ao HM.
“Continuo a receber mensagens da ATFPM, ainda em Dezembro e Janeiro recebi. Nós estivemos lá. Ele falou connosco e tivemos uma reunião com ele. No último encontro disse-nos que não podíamos ser sócias da ATFPM porque somos portadoras de blue card, o que me deixou desapontada.”

Pereira Coutinho foi confrontado com as imagens e vídeos, mas manteve a sua versão até ao fim, tendo garantido também que a reunião que aconteceu na sede da ATFPM contou apenas com filipinos portadores de bilhete de identidade de residente permanente. “Penso que ela [Benedicta Palcon] se está a aproveitar de mim”, frisou.

O apoio de Sulu Sou

Benedicta Palcon mostrou-se bastante surpreendida quando confrontada com a resposta do deputado e acredita que José Pereira Coutinho não quer assumir que a reunião aconteceu com medo de perder votos da comunidade chinesa.

“Ele não quer que os empregadores locais saibam que ele falou connosco, para não perder os seus votos”, assegurou. “Sempre o ouvimos dizer que apoia a comunidade filipina, mas a verdade é que ele apoia a comunidade filipina que pode votar para ele nas eleições. Isso significa os filipinos residentes e não os portadores de blue card.”

Luzviminda Sabado também defende o mesmo. “Não podemos votar nele”, disse.
Benedicta Palcon espera também contar com o apoio do deputado Sulu Sou, uma vez que, inicialmente, este se mostrou contra a implementação do salário mínimo universal para as empregadas domésticas, mas depois revelou que “houve uma incompreensão por parte dos media”.

“É por isso que vamos tentar de novo, porque da última vez ele disse que houve um mau entendimento das suas palavras. Agora sabemos que ele nos apoia e vamos tentar de novo”, disse ao HM.

Quem não está optimista sobre este apoio é Luzviminda Sabado. “Da última vez disse que nos ia apoiar, mas depois voltou atrás. Penso que fez isso porque não podemos votar nele, então decidiu ignorar. Mas talvez possa mudar de ideias e dar apoio às trabalhadoras domésticas, porque temos a apresentar as nossas reivindicações sobre os salários”, frisou.

Também esta activista acredita que não obtém apoio por parte dos deputados por terem estatuto de TNR. “Talvez, porque somos trabalhadoras domésticas e somos discriminadas.”

Interesses políticos

Larry So, analista político, defende que o hemiciclo apoia apenas os trabalhadores de etnia chinesa e não os migrantes por estar em causa um receio de perda de votos e de manutenção dos interesses instalados.

“A maioria dos deputados representa os sectores empresariais e mais tradicionais, e são contra a introdução de qualquer salário mínimo para os trabalhadores migrantes ou a criação de sindicatos. A comunidade local não é muito receptiva ou justa em relação a esta matéria”, começou por dizer.

Larry So acrescenta ainda que “os deputados eleitos pela via directa sabem que estas pessoas [TNR] não são eleitores, e, portanto, não querem representá-las”. “Além disso, se defenderem as necessidades dos TNR estão a ofender os seus próprios eleitores, incluindo os que são empregadores. Não estou a defendê-los, mas é por isso que estão a evitar defender os direitos dos trabalhadores migrantes”, salientou.

Camões Tam, também analista político, assegura que sempre houve racismo e discriminação por parte da comunidade chinesa face a outros povos. “Os chineses sempre foram as pessoas mais racistas do mundo. Eles discriminam pessoas como os japoneses, os coreanos e também os americanos. Claro que os trabalhadores migrantes são importantes para a economia, mas nunca vão obter o apoio dos deputados ou do Governo.”

Esta característica acaba por se revelar na política. “A comunidade chinesa e a sua cultura são muito diferentes, além de que as posições de muitos dos deputados de Macau não reflectem as opiniões das pessoas comuns de Macau.”

Camões Tam acredita que nem Sulu Sou, que representa a bancada pró-democrata, vai colocar os trabalhadores migrantes na sua agenda política.

“Não me parece que haja alguma pessoa, sobretudo dentro da comunidade chinesa, que se preocupe sobre estas questões ligadas aos trabalhadores migrantes.” Esta discriminação acontece também com trabalhadores oriundos da China, sendo que muitos deles são também TNR. “[Os chineses de Macau] Não apenas discriminam os japoneses, portugueses ou outros europeus, mas também os que chegam do continente, porque competem com os trabalhadores locais”, rematou Camões Tam.

O HM tentou, até ao fecho da edição, chegar à fala com Sulu Sou, para saber se vai mesmo dar apoio às reivindicações dos trabalhadores migrantes, mas não foi possível estabelecer contacto.

13 Fev 2019

Estudo | “Macau governada pelas suas gentes”, um conceito que é um projecto de Pequim

No estudo “Macau people ruling Macau – Gambling governance and ethnicity in postcolonial China”, a antropóloga Sheyla Zandonai defende que o conceito “Macau governada pelas suas gentes” constitui um “projecto nacional dominado pela China” e que tenta, sobretudo, aumentar o sentimento de pertença ao país junto dos chineses de Macau, ainda que isso provoque algumas tensões. É também uma forma de quebrar com o passado colonial

 

[dropcap]H[/dropcap]á muito que o slogan político “Macau governada pelas suas gentes” povoa discursos oficiais, não apenas dos dirigentes da RAEM como dos próprios políticos chineses. Este conceito foi analisado pela antropóloga Sheyla Zandonai no estudo intitulado “Macau People Ruling Macau – Gambling Governance and Ethnicity in Postcolonial China”, e que incorpora o livro “Slogans – Subjection, Subversion and the Politics of Neoliberalism, editado em Novembro passado.

As conclusões da investigadora revelam que este conceito, inscrito na Lei Básica constitui, acima de tudo, um programa político do Governo Central e visa aumentar o sentimento de pertença dos chineses de Macau à mãe pátria. Trata-se de “um conceito que está sujeito a diferentes interpretações e representações”, constituindo “uma fórmula que tem um efeito e que opera tanto na legitimação da agenda política chinesa como no modo da sua implementação”.

Ao HM, a investigadora adiantou que “o grande objectivo é o de voltar a incorporar a cidade, no contexto de devolver a soberania de Macau à China, ainda que o território sempre tenha tido portugueses e chineses”.
Além de querer aumentar o sentido de pertença à China, o slogan visa também quebrar amarras com um passado marcado por décadas de Administração portuguesa.

Conforme se lê no estudo, o conceito “é usado como uma estratégia para aumentar a confiança na transformação do presente e futuro da RAEM como parte da Grande China, diminuindo o passado colonial, agitado e, aparentemente, indesejado”.

Ainda que muitos dos actuais governantes tenham estudado a língua de Camões ou frequentado cursos em Portugal, há uma tentativa de esquecer o passado.

“A ideia de que Macau é governada pelas suas gentes indica que há uma situação de ruptura, de que há algum passado ou história que não são satisfatórios e que é preciso contá-los de outra maneira”, explicou Sheyla Zandonai.

“Apesar de a China colocar isso [o slogan] como um marco, ao colocá-lo como princípio mostra que houve alguma coisa que não se quer recordar dessa maneira. Há uma referência óbvia ao facto de Macau ter sido governada por poderes estrangeiros, com outros valores.”

Para Sheyla Zandonai, há duas vertentes na análise ao conceito. “Uma lida com a equação da autonomia do território e da segurança nacional, ao levantar considerações sobre o equilíbrio político e as formas de questionamento da etnia que estão articuladas. A segunda ambivalência está ligada à extensão dos direitos de governação das pessoas de Macau e à sua coexistência com uma forte indústria do jogo, a principal actividade económica.”

Esta investigação é de 2007, mas, mais de dez anos volvidos, a académica considera que é cada vez mais visível na sociedade um aumento da ligação do território à China.

“Um dos aspectos fortes do slogan é que ele é um bocado vago, então uma pessoa escuta aquilo e interpreta da maneira que convém, ou que faz sentido para ela, dentro da sua própria experiência pessoal ou colectiva. Os dados que utilizo para este trabalho não são muito recentes, porque o livro demorou um pouco para sair, mas há uma tendência maior para que Macau se torne cada vez mais chinês”, contou ao HM.

Para a investigadora, esse sentimento de pertença “era um bocado latente, mas agora é mais óbvio”. “Esse princípio [de ‘Macau governada pelas suas gentes’] nasce de um contexto de um projecto político da China [de aumentar esse sentido de pertença]. É uma maneira que se encontra de se desenvencilhar de um certo passado, de um elemento colonial, de negar isso e reorientar, de reescrever a história de Macau com a presença chinesa que tem um maior controlo das decisões que são aqui tomadas”, acrescentou.

Mudanças pós-1999

“Macau governada pelas suas gentes” é um slogan político como tantos outros que foram criados na história, inclusivamente no período do Maoísmo, aponta a autora no seu trabalho. Estes conceitos são usados “como ferramenta para mobilizar as massas ou determinados sectores da população”. No caso de Macau, o facto deste slogan estar na Lei Básica acaba por ajudar na sua consciencialização por parte dos residentes.

“Há uma tomada de consciência progressiva de que este trabalho cabe agora à população [governar o território]. Isto surge do facto da Lei Básica ter sido escrita dessa maneira, sobretudo no que diz respeito aos principais cargos políticos. A população incorpora isso, que os cargos são ocupados por chineses. É uma definição pela etnia e que cria a nova política em Macau, cimentada num elemento étnico.”

Neste sentido, o estudo de Sheyla Zandonai estabelece uma comparação com os anos pré-1999, contendo depoimentos de macaenses sobre o período que se viveu na Função Pública. Estes falam de uma saída em grande número de portugueses e da falta de formação e experiência dos trabalhadores que por cá ficaram.
O slogan “Macau governada pelas suas gentes” determina, assim, uma mudança na percepção das pessoas face ao próprio sistema político, ainda que, para Sheyla Zandonai, não tenha existido essa mudança na elite política, pois esta não chegou a formar-se.

“Isso não aconteceu, a não ser com os elementos que participaram no período de transição e depois se mantiveram no poder, como Edmund Ho, que vem de uma família que já tinha um envolvimento político muito forte. Não há a formação de uma classe política propriamente dita, há a formação de uma burocracia.”

Desta forma, “os chineses de Macau que trabalhavam na Administração passam a assumir cargos de decisão política, que eram de portugueses ou macaenses, mas nem todos. Muitos deles tinham sido recentemente formados para a vida política”.

Tensões sócio-culturais

No estudo, lê-se que o slogan “não foi criado para responder a uma situação de crise económica ou como uma reacção para uma reestruturação económica urgente e de reformas, mas mais no sentido de uma necessidade de normalização política”. Assim, é um “recurso ambivalente e institucionalizado para os chineses residentes de Macau”, evocando “valores neoliberais que estão na base de medidas sociais e políticas que privilegiam os chineses em detrimento de outras populações locais”.

Esta segmentação da sociedade é referida no estudo, mas Sheyla Zandonai frisa que está em causa a mesma etnia, que se divide entre chineses com bilhete de identidade de residente ou com blue card, conceitos meramente “burocráticos”.

“É uma experiência em que o chinês de Macau se opõe ao chinês da China. Há outro tipo de reposicionamento cultural, onde há uma vontade, muitas vezes por parte dos chineses de Macau, de fazer parte desse grande projecto chinês, mas, na realidade, acabam por se deparar com outros chineses que não partilham da mesma cultura.”

Gera-se então uma tensão, que nasce da existência de diferenças sociais, culturais e educacionais entre um cidadão da China que vem trabalhar e viver para Macau e o residente da RAEM, que cresceu num outro tipo de sociedade.

“Apesar de haver a ideia de ‘Macau governada pelas suas gentes’, o residente local sabe que isso tem um limite, porque acima de tudo é um projecto nacional, e quem o determina é a China. Esta tensão existe e surge na experiência quotidiana. Muitas vezes esse projecto não é satisfatório para o residente chinês”, conclui a investigadora.

Esta segmentação social é descrita ao nível da “classe, linguagem e origens étnicas”, uma vez que “os habitantes não chineses, independentemente de terem uma boa ou má educação ou especialização, continuam a desempenhar funções e actividades profissionais específicas, muitas vezes relacionadas com a sua capacidade de mobilizar redes de contactos pessoais ou capitalização de ferramentas linguísticas”.

A autora dá os exemplos dos portugueses que trabalham em áreas como os meios de comunicação social em língua portuguesa ou na advocacia, pelo facto da língua oficial ainda ser o português. Enquanto isso, “os filipinos desempenham sobretudo trabalhos domésticos, onde o seu domínio do inglês é uma mais valia”.

12 Fev 2019

Moisés Silva Fernandes, investigador da Universidade de Lisboa: “Mota Pinto não queria aceitar a acta”

Portugal e a China só restabeleceram relações diplomáticas, há 40 anos, porque houve uma acta assinada que determinava a questão de Macau, algo “imperativo” para a diplomacia chinesa. Mota Pinto, ex-primeiro-ministro, queria ouvir macaenses, portugueses e chineses quanto ao documento, mas o referendo nunca se realizou. Estas são algumas das conclusões de um trabalho de investigação de Moisés Silva Fernandes, a publicar em Maio

 

Em “Uma relação assimétrica: A acta das conversações sobre a questão Macau era uma exigência imperativa chinesa para a normalização das relações com Portugal em 1979” fala do secretismo que este documento teve nos primeiros tempos. Qual a razão para tal sigilo?

Entre 8 de Fevereiro de 1979 e 8 de Janeiro de 1987 passaram quase oito anos sem se ter acesso a este documento, que era a razão de ser das relações bilaterais sino-portuguesas. Por isso, só tiveram acesso a esta acta, na parte portuguesa, o embaixador de Portugal em Paris, Coimbra Martins, o segundo-secretário da embaixada, Cunha Valente, o primeiro-ministro do então IV Governo constitucional, Mota Pinto, e os dois primeiros-ministros anteriores, Nobre da Costa e Mário Soares, e o presidente da República, general Ramalho Eanes, e os ministros dos Negócios Estrangeiros, Freitas Cruz, Correia Gago e os governadores de Macau, o coronel Garcia Leandro e o general Melo Egídio. Todavia, só o primeiro-ministro Mota Pinto e o ministro de Negócios Estrangeiros, Freitas Cruz, se opuseram. Mas, em menos de um mês, não houve alternativa senão concordar com a acta de negociações de Macau.

O conteúdo da acta foi tornado público em 1987. Porque não mais cedo?

Houve uma parte parcial publicada pelo primeiro-ministro Cavaco Silva, após ter passado os últimos três meses de 1986 sob a acusação de que existia um “acordo secreto”. No dia 20 de Outubro de 1986, o deputado Adriano Moreira, presidente do Centro Democrático e Social (CDS), interpela o Governo, na Assembleia da República, sobre o “acordo secreto” com a RPC, e o seu grupo parlamentar apresenta um requerimento que pede ao Governo que divulgue o texto do documento. No dia 25 de Dezembro de 1986, o ex-presidente da República, general Ramalho Eanes, declara à Radio Macau que o texto de compromisso assinado em 1979 se encontra nos arquivos do gabinete do primeiro-ministro e defende que foi “profusamente referenciado no livro Esperanças de Abril, do embaixador Coimbra Martins”. Por outro lado, o deputado Adriano Moreira, presidente do CDS, declara à mesma estação que existe “uma contradição evidente entre o depoimento do livro de Coimbra Martins e a resposta dada”. Por sua vez, o governador Pinto Machado afirma “desconhecer a existência de qualquer acordo celebrado entre Portugal e a China”. No dia 2 de Janeiro de 1987, numa carta enviada ao ex-presidente da República, general Ramalho Eanes, o primeiro-ministro, Cavaco Silva, afirma que “não se encontrava nos arquivos do gabinete e continua a não se encontrar o texto do compromisso assinado entre os Governos de Lisboa e Pequim”. Todavia, André Gonçalves Pereira, ex-ministro dos Negócios Estrangeiros do VI e VII Governos constitucionais, chefiados por Pinto Balsemão, declara: “Aqui há um equívoco. O primeiro-ministro diz que no seu gabinete não tem o tratado assinado sobre Macau e tem razão. O tratado deve estar, com certeza, num cofre do Ministério dos Negócios Estrangeiros (MNE), e não na Presidência do Conselho de Ministros. Foi-me entregue por Freitas do Amaral, e eu entreguei-o, como é da praxe fazer com documentos de certa importância, a Futscher Pereira”. No dia 3 de Janeiro de 1987, o governador Pinto Machado reafirma que desconhece o eventual compromisso sino-português sobre Macau.

Moisés Silva Fernandes. Foto de Paulo Dias

O presidente da República nunca procurou esclarecer o paradeiro do documento?

Ramalho Eanes classifica de “surrealista” o desconhecimento do paradeiro do “acordo secreto” e volta a reafirmar: “Existe, é simples e não contém nada de especial. Compete ao Estado pronunciar-se sobre a matéria que nele se encontra inscrita. […] [O acordo] é a base negocial de todo o processo da transferência da Administração portuguesa do território de Macau para a República Popular da China (RPC)”. Para obter consenso interinstitucional, o Conselho de Estado reúne-se no dia 6 de Janeiro de 1987 e, pela primeira vez, o primeiro-ministro fala sobre a acta de negociações de Macau. No dia 8 de Janeiro, a Presidência do Conselho de Ministros publica pela primeira vez, mas de forma parcial o documento. Em 2010, o ministério dos Negócios Estrangeiros publica na revista Negócios Estrangeiros o texto integral da acta de negociações sobre Macau.

A assinatura de uma acta era vontade da China e Mota Pinto parecia pouco disposto a isso. Que razões aponta para esse sentimento?

O primeiro-ministro não queria aceitar uma acta sobre as negociações de Macau, mas os governos anteriores ao IV Governo, nomeadamente o II e o III Governos constitucionais deram início [ao processo] e consentiram que a RPC apresentasse a acta das negociações sobre Macau, e nunca a rejeitaram.

Portugal queria deixar apenas um esclarecimento verbal de que considerava Macau território chinês. Quais as principais razões para a China insistir na acta e querer ir além do mero acordo verbal?

A RPC queria deixar escrito e assinado pela parte portuguesa que Macau seria reunificada à China continental quando fosse necessário, segundo Pequim. Um acordo verbal teria menos garantias.

Além do Partido Popular Democrático, que propôs que o projecto da nova constituição portuguesa deixasse de mencionar Macau como território de Portugal, qual era a posição dos restantes partidos políticos face a Macau?

Os partidos eram consensuais quanto à questão de Macau, que deveria ser restituída à RPC.

Não chegou a ser feito um referendo ou consulta à população de Macau, como era vontade de Mota Pinto. Foi um erro neste processo?

Já era muito tarde nos finais de 1978 e 1979, isto é, durante o IV Governo constitucional. Por outro lado, durante o ano de 1978, houve três governos, três primeiros-ministros e três ministros dos Negócios Estrangeiros, o que gera uma situação muito volátil na política portuguesa.

Porque é que a elite portuguesa estava contra Mota Pinto em relação ao referendo?

Tanto Ramalho Eanes como a Assembleia da República, incluindo os partidos que formavam os governos, estavam contra o referendo em Macau, porque certamente as três comunidades, chinesa, macaense e portuguesa iriam votar contra a acta. Isto porque [o documento] entregava Macau à RPC quando Pequim o desejasse. Por esta razão, o primeiro-ministro [Mota Pinto] teve de abandonar a ideia do referendo, no dia 2 de Fevereiro de 1979, quando o ministro dos Negócios Estrangeiros, embaixador Freitas Cruz, lhe disse através duma nota que tudo estava correcto e que estava a defender os nossos “interesses”.

A Assembleia Legislativa acabou por ficar mesmo à margem deste processo?

Sim, ficou na periferia desta importantíssima matéria porque, de acordo com o Estatuto Orgânico de Macau, era representativa dos interesses dos macaenses até 1984, quando passou a ser aberta às três comunidades. Mas houve um momento, após o 25 de Abril de 1974, em que o presidente da República, general António de Spínola, queria um referendo para todas as colónias, incluindo Macau.

Acta de Macau

Quais seriam as consequências, caso o referendo acontecesse?

Se nesta altura tivesse havido o referendo aberto a todos os chineses, macaenses e portugueses, seria um absoluto fracasso para a RPC, porque os chineses votariam contra a decisão de entregar Macau à RPC. Convém recordar que até ao dia 29 de Janeiro de 1967, Macau tinha sido, desde 1949, um centro de refugiados da China continental, chegando estes, em certos anos, a exceder a população do território. Todavia, em Portugal, o general António de Spínola demitiu-se na reunião do Conselho de Estado de 30 de Setembro de 1974, e o general Costa Gomes assume a presidência da República. O que se pretendia já não era um referendo, mas a descolonização. Em relação a Macau, acabam por abandonar o referendo e [determinar] a entrega do território à RPC, visto que não há um movimento de descolonização interno e já se tinha sabido, através das Nações Unidas, que a RPC tinha retirado o estatuto de colónias em 1972 a Macau e Hong Kong.

Portugal cedeu numa alteração de termos, na acta, proposta pelos chineses. Havia uma preocupação “de impedir repercussões indesejáveis na ordem interna que podiam originar especulações do efeito desestabilizador”. A nível sócio-político, quais eram os riscos?

Havia em Portugal um certo receio que o Partido Comunista Português (PCP) usasse esta acta para acusar o Governo de centro-direita de estar a actuar com a RPC. Todavia, depois do 25 de Novembro de 1975, o PCP deixou de ter o peso que tinha no sistema político português e não havia qualquer repercussão em Macau. Em relação a Taiwan, após o dia 29 de Janeiro de 1967, era muito difícil movimentar-se no terreno, porque o Partido Comunista Chinês estava em todos os lados, incluindo nos meios governamentais da Administração portuguesa.

Fala de uma “relação assimétrica” entre Portugal e China entre o período de 1949 e 1977. Quais as assimetrias mais evidentes que pode apontar, além desta alteração dos termos na acta?

O novo embaixador da RPC junto da ONU, Huang Hua, envia, no dia 8 de Março de 1972, um ofício ao presidente da Comissão Especial de Descolonização, Salim A. Salim, da Tanzânia, a declarar que Hong Kong e Macau são territórios chineses ocupados pela Grã-Bretanha e Portugal, devido aos tratados iníquos impostos à China em meados do século XIX, e a requerer que ambos os territórios sejam retirados da relação de territórios a descolonizar. Isto é, a Declaração das Nações Unidas sobre a Concessão da Independência a Países e Povos Descolonizados, de 15 de Dezembro de 1960. O Governador de Macau, Nobre de Carvalho, envia um telegrama secreto ao ministro do Ultramar, Joaquim da Silva Cunha, a comunicar que foi informado por Ho Yin que era de “grande conveniência [do] Governo português não fazer qualquer afirmação sobre [a] citada declaração [,] muito menos pretender rebater [e] argumentar”.

Pode apontar mais exemplos?

Sim. Sob pressão intensa da RPC temos o encerramento do Comissariado Especial do Ministério dos Negócios Estrangeiros da República da China (Formosa/Taiwan) pela a Administração portuguesa de Macau em 29 de Março de 1965. A Administração portuguesa de Macau proíbe actividades hostis contra a China continental, no dia 18 de Setembro de 1963. Zhou Enlai manda cancelar o IV aniversário de Macau, em 8 de Outubro de 1955, e, finalmente, o conflito das Portas do Cerco em que esteve presente o ministro do Ultramar, Sarmento Rodrigues, em 1952.

O seu trabalho também conclui que as autoridades de Hong Kong estavam preocupadas com a acta. Poderia ter sido um exemplo para o processo de transição?

Os ingleses que estavam no Governo colonial em Hong Kong permaneciam muito preocupados com a acta sobre Macau, porque era muito explícito que Macau iria reunificar-se a Pequim quando este achasse conveniente, enquanto Hong Kong não tinha um acordo verbal que considerasse Hong Kong território chinês. É por isso que quando o Governador de Hong Kong, Sir Murray MacLehose, vai a Pequim, entre os dias 26 a 30 de Março de 1979. Deng Xiaoping diz-lhe que está satisfeito com o status quo de Hong Kong. Contudo, o presidente chinês informa o governador britânico de Hong Kong que a RPC seria forçada a tomar Hong Kong, caso o Governo do Reino Unido continuasse a fazer pressão sobre o Governo chinês para renovar o aluguer dos novos territórios de Hong Kong. É mais do que óbvio que Deng Xiaoping conhecia o conteúdo da acta de negociações sobre Macau e a elite de Pequim iria pôr imensa pressão sobre as autoridades de Hong Kong para que deixem a colónia em 1 de Julho de 1997.

11 Fev 2019

Portugal-China, 40 anos | Estatuto do território após reatamento de relações foi destaque nos jornais de Macau

Em 1979, o reatamento das relações diplomáticas entre Portugal e China mereceu o aplauso dos deputados do Centro Democrático de Macau e da Associação da Defesa dos Interesses de Macau. A questão de Macau foi um dos destaques dos poucos jornais do território que abordaram o tema

 

Com agência Lusa 

[dropcap]H[/dropcap]á 40 anos, foram poucos os jornais de Macau que abordaram o facto de Portugal e China terem reatado relações diplomáticas depois dos encontros de Paris. O diário Gazeta Macaense, dirigido e administrado por Leonel Borralho, foi um dos que se debruçou sobre o momento histórico que aconteceu graças à chamada Acta de Macau, à excepção de dois textos publicados no semanário católico O Clarim, que na altura era publicado a cada duas semanas. Também o jornal Luso-Chinês abordou o assunto.
Dias antes da celebração do acordo oficial, o jornal publicou um texto com o título “Relações diplomáticas entre Portugal e China”, onde se especulava sobre o verdadeiro objectivo de uma reunião entre o embaixador português Coimbra Martins e o representante diplomático de Pequim em França.

“Anteriormente, os contactos oficiais faziam-se na sede das Nações Unidas, em Nova Iorque, entre os delegados dos dois países. Até à data, nada foi divulgado sobre o resultado dessa viagem, nem sobre o andamento do diálogo que prossegue em Paris, entre Lisboa e Pequim, através dos respectivos embaixadores.”

No artigo, já então se falava do quão primordial era a questão de Macau. “Pelo que temos lido, [o ponto principal] reside na especificidade do estatuto de Macau. (…) para a RPC, Macau é território chinês, eventualmente sob administração portuguesa. E desejaria mesmo que este ponto ficasse bem explícito no instrumento jurídico do estabelecimento dos almejados laços diplomático entre os dois países amigos.”

A 5 de Fevereiro, a Gazeta Macaense publicou um artigo do extinto semanário O Tempo, que relacionava estas viagens com o potencial reatamento de relações bilaterais. “No passado sábado, dia 20, o avião dos transportes aéreos portugueses, que aterrou no aeroporto de Orly, precedente de Lisboa, trazia a bordo o ministro dos Negócios de Estrangeiros, dr. Freitas Cruz, que viajava incógnito. Esta viagem secreta a Paris do chefe da diplomacia portuguesa estará relacionada com o reatamento de relações entre Portugal e China?”, questionava-se no texto, que já então fazia referência à Acta de Macau e à vontade de Mota Pinto, ex-primeiro-ministro, e Freitas Cruz.

“Com efeito, Portugal parece agora pretender que se anule totalmente a acta secreta existente, e se estabeleçam relações através de um comunicado público conjunto, onde se definirão os interesses de ambos os países soberanos.”

Interesses económicos

Na mesma edição, o Gazeta Macaense chamava a atenção para os interesses económicos dos chineses, que também gostariam que Macau continuasse a ser administrado pelos portugueses. “Macau parece ser o ponto do documento que apresentaria maiores transformações, porque Portugal desejaria continuar a administrar aquele território. O desejo português é partilhado por numerosos chineses, titulares de passaporte português e chinês, que traficam, tranquilamente, com os comunistas e os capitalistas de Hong Kong. São estes os homens de negócios que têm sido utilizados pela China como intermediários nalgumas transacções. Por outro lado, Pequim vende anualmente a Macau cerca de 80 milhões de dólares de mercadorias diversas, o que ajuda a satisfazer a sua grande necessidade de divisas.”

Um dia antes da data oficial do estabelecimento das ligações diplomáticos, o mesmo diário publicava um artigo do Diário de Notícias, intitulado “O estatuto de Macau”, onde se lia que “a opinião pública portuguesa tem concedido ao possível restabelecimento de relações diplomáticas entre Lisboa e Pequim uma atenção quiçá excessiva face à sua importância real. Para esse comportamento contribuirá a singularidade da atitude chinesa quanto ao Portugal democrático.”

O restabelecimento de relações diplomáticas coincidiu com a saída de Garcia Leandro do cargo de governador de Macau, substituído por Melo Egídio. A notícia da chegada do novo governante saiu no Gazeta Macaense no dia 10, que também publicou a “Mensagem de Leandro” dirigida à população na hora da despedida.

Na mesma edição, o jornal deu grande destaque às intervenções dos deputados na Assembleia Legislativa (AL) sobre o reatamento das relações diplomáticas, apesar do hemiciclo ter estado à margem do processo relativo à Acta de Macau.

No período de intervenções antes da ordem do dia, falaram Diamantino Ferreira, deputado da Associação da Defesa dos Interesses de Macau (ADIM), Mário Isaac, nomeado pelo governador, e Patrício Guterres, do Centro Democrático de Macau (CDM).

“Como deputado do CDM, não posso deixar de juntar a minha voz ao coro uníssono de júbilo e esperança que, neste momento duplamente histórico, irmana as duas comunidades que formam a população deste território sob administração portuguesa”, disse Patrício Guterres no hemiciclo, à data presidido por Carlos D’Assumpção.

No que diz respeito ao jornal Luso-Chinês, dirigido por Albertino Alves de Almeida, a manchete do dia 10 de Fevereiro noticiava que “Portugal-China restabeleceram relações diplomáticas”. Em baixo, fazia-se a referência à tomada de posse de Melo Egídio.

Em Portugal, relações diplomáticas dominaram primeiras páginas dos jornais

Portugal e China anunciaram o estabelecimento de relações diplomáticas há 40 anos, uma notícia que fez as primeiras páginas da imprensa nacional, que dava ainda conta de que Macau continuaria sob administração portuguesa.

“O Governo da República Popular da China e o Governo da República Portuguesa decidiram estabelecer relações diplomáticas a nível de embaixador, a partir de 8 de Fevereiro de 1979 e trocar embaixadores num prazo de três meses”, anunciava o comunicado conjunto dos dois países, lido pelo primeiro-ministro da altura, Mota Pinto, e reproduzido em toda a imprensa nacional.

Nesse comunicado, Portugal reconhecia o Governo de Pequim como único legítimo e Taiwan – com quem cortara relações diplomáticas desde Janeiro de 1975 – como parte integrante da China. Mota Pinto considerou que o estabelecimento das relações era a tradução “do apreço e da interacção multissecular dos dois povos” e justificou o passo diplomático como a tradução da importância dos dois países no xadrez internacional.

O primeiro-ministro acrescentou ainda que aquele processo marcava também o desejo português de manter relações com todos os países, independentemente dos seus regimes político e económico, conforme foi noticiado pelos jornais.

A assinatura do documento oficial entre Portugal e China, e que culminou quatro anos de negociações, teve lugar na embaixada portuguesa em Paris e foi divulgado quatro horas depois.

Em Portugal, toda a imprensa diária chamou para a primeira página o assunto, embora apenas três jornais o tenham noticiado no próprio dia: o Diário Popular, o Diário de Lisboa e o vespertino A Capital.

No dia seguinte, lia-se na primeira página do Jornal de Notícias: “Relações diplomáticas entre Portugal e a China. Macau: Estatuto não é alterado”. “Portugal e a República Popular da China estabeleceram ontem relações diplomáticas. A assinatura do documento, que culminou quatro anos de negociações, verificou-se na embaixada portuguesa em Paris. Algumas horas mais tarde, o prof. dr. Mota Pinto leu aos jornais o texto do acordo, que prevê a troca de embaixadores dentro do prazo de três meses”, acrescentava.

O apoio da AR

Praticamente toda a imprensa deu conta também da aprovação do voto de congratulação na Assembleia da República, que as repercussões comerciais não seriam significativas imediatamente e que Moscovo não comentou a notícia.

A imprensa nacional noticiou ainda que o “Diário do Povo”, órgão do Partido Comunista Chinês, deixou transparecer que a normalização das relações entre os dois países reflectia o distanciamento de Lisboa de Moscovo.

11 Fev 2019

Rota das Letras | Poesia e Salvador Sobral marcam a edição deste ano

A oitava edição do festival literário Rota das Letras acontece no próximo mês e será dedicado à poesia, lembrando não só o centenário do nascimento de Sophia de Mello Breyner como os 200 anos do nascimento de Walt Whitman. Na música, destaque para o concerto de Salvador Sobral

 

[dropcap]N[/dropcap]em só de romances se fará a nova edição do festival literário Rota das Letras, que este ano muda de casa e acontece em vários pontos da cidade. O programa foi ontem divulgado e dá destaque à poesia escrita em português e inglês, mas também à música. Agendado para os dias 15 a 24 de Março, o festival acontece no Centro de Arte Contemporânea, localizado no Porto Interior.

Grandes nomes da poesia norte-americana, como Walt Whitman e Herman Melville serão recordados, sem esquecer o centenário da poetisa portuguesa Sophia de Mello Breyner. Jorge de Sena, autor que ficou conhecido essencialmente pela sua poesia e que escreveu um único romance, “Sinais de Fogo”, também será lembrado.

A organização do festival vai recordar o poeta macaense Adé dos Santos Ferreira, que escreveu poemas em Patuá. “Todos eles serão homenageados durante o evento, em sessões de poesia, debates, projecção de filmes, performances e exposições, envolvendo convidados locais e vindos do exterior”, aponta o comunicado oficial.

Na música destaque para a presença de Salvador Sobral, o cantor português que venceu o Festival Eurovisão da Canção com o tema “Amar pelos Dois”. O concerto acontece a 17 de Março, estando prevista a realização de outros eventos com “músicos, romancistas e cineastas”, que serão “anunciados oportunamente”.

Nova literatura

A primeira edição do festival sem Hélder Beja como director de programação celebra também o centésimo aniversário do 4 de Maio, a efeméride que marca o nascimento do chamado Movimento da Nova Literatura da China. O programa irá destacar o contributo de alguns dos seus mais importantes mentores, como Lu Xun, Hu Shi e Zhu Ziqing, entre outros.

Está garantida a presença dos poetas chineses Jidi Majia, vice-presidente da Associação de Escritores da China, Bei Dao, Yan Ai-Lin, Chris Song, Yam Gon, Chen Dong Dong, Shu Yu, Huang Fan, Lu Weiping, Na Ye, Tan Wuchang e Hsiu He, a maioria proveniente da China Continental, mas também alguns oriundos de Taiwan e Hong Kong.

Dos países de expressão portuguesa vão chegar, entre outros, José Luís Tavares (Cabo Verde), Pedro Lamares (Portugal), Hirondina Joshua (Moçambique), Gisela Casimiro (Guiné-Bissau) e Eduardo Pacheco (Angola).

A associação local de poesia O Outro Céu junta-se ao evento através dos seus membros Mok Hei Sai, Lou Kit Wa, Wong In In e Gaaya Cheng. O grupo de teatro de Macau Rolling Puppets levará à cena, nos últimos três dias do Festival, nas antigas Oficinas Navais, a peça de teatro de marionetas Droga, adaptação do romance homónimo de Lu Xun publicado em 1919.

Além do Centro de Arte Contemporânea o festival Rota das Letras terá sessões públicas em diversos outros locais da cidade, como o Art Garden, Albergue da Santa Casa, Centro de Indústrias Criativas de Macau, Instituto Português do Oriente, Cinemateca Paixão e Livraria Portuguesa.

A oitava edição conta com o jornalista e escritor Carlos Morais José e a artista plástica Alice Kok na direcção do festival. O director do jornal Hoje Macau assume as funções de director de programação, sendo que Alice Kok, presidente da Associação Arts For All, passa a ocupar o cargo de directora executiva.

A saída de Hélder Beja aconteceu depois de ter sido retirado o convite aos autores Jung Chang, Suki Kim e James Church, cujas obras são sensíveis ao Governo chinês, tendo a direcção do festival sido informada por parte do Gabinete de Ligação do Governo Central na RAEM que a sua presença no território não era oportuna.

10 Fev 2019

Comissão que analisa lei das agências de emprego não reúne desde o Verão

[dropcap]O[/dropcap] documento que servirá de base à reunião das representantes dos trabalhadores migrantes com a DSAL contém também uma exigência relativa às agências de emprego. “Deve ser feita a regulação e fiscalização do pagamento de cauções junto das agências de emprego”. Além disso, vai ser também pedida a revisão do diploma, onde se inclui o estabelecimento de “taxas padrão a serem pagas pelos trabalhadores migrantes, bem como a emissão de um comprovativo em condições”.

Acontece que a proposta de lei relativa às agências de emprego deu entrada na Assembleia Legislativa em Janeiro do ano passado, mas a 3ª Comissão Permanente, que analisa o diploma na especialidade, não reúne desde o Verão passado.

O HM tentou contactar o deputado Vong Hin Fai, que preside à comissão, para perceber as razões da inacção legislativa, mas até ao fecho da edição não foi possível estabelecer o contacto. O deputado José Pereira Coutinho, também membro da comissão, garantiu que não sabe o que se passa.

O objectivo do Governo com a revisão da lei das agências de emprego passa, precisamente, pela regularização do pagamento de cauções. Uma das propostas em cima da mesa é a cobrança de honorários no valor de 50 por cento do primeiro salário recebido de um trabalhador que recorra aos serviços da agência assim que encontre emprego. A cobrança só poderá ser feita depois de 60 dias da contratação e num único pagamento.

Numa entrevista, a representante da associação Overseas Worker Entities, a indonésia Eric Lestari, denunciou a retenção de passaportes por parte destas agências. “Isso acontece com a maioria dos casos, sobretudo com os recém-chegados. Mesmo com muitos anos em Macau, como eu ou algumas pessoas, pedem os documentos e mantém-nos retidos.”

10 Fev 2019

Activistas exigem fim de “quase escravatura” para migrantes. Reunião com Governo acontece terça-feira

Pedem contratos de trabalho uniformizados, aumento do salário mínimo, aumento das ajudas de custo mensais para alojamento e subsídio de alimentação para dar resposta a relatos de fome. Estas são algumas das reivindicações que vão ser apresentadas à DSAL por grupos de apoio aos direitos dos trabalhadores migrantes

 

[dropcap]Q[/dropcap]uatro trabalhadoras migrantes vão reunir, no próximo dia 12, com a Direcção dos Serviços para os Assuntos Laborais (DSAL), e a lista de reinvindicações está longe de ser curta. Numa carta, a que o HM teve acesso, as representantes pedem melhores salários e condições de trabalho.

Para Benedicta Palcon, porta-voz do grupo Greens Philippines Migrant Workers Union, Jassy Santos, porta-voz do grupo Progressive Labor Union of Domestic Workers, Remedios Salamanes e Sheila Ramos, é necessário “rever as políticas de importação de trabalhadores”, para que cheguem ao fim “as condições de ‘quase escravatura’” a que estão sujeitos muitos dos filipinos, indonésios e vietnamitas que trabalham no território.

Uma das principais exigências é responder à necessidade de “estabelecer um contrato padrão, onde fiquem claras as regras laborais que se aplicam em Macau”. Nesse sentido, é importante que os contratos de trabalho passem a determinar “as condições [em que a pessoa vai desempenhar as suas funções] em prol de relações laborais mais harmoniosas, onde as responsabilidades de ambas as partes devem ficar claras”.
No que diz respeito a questões salariais, as representantes defendem que seja especificado um valor de salário mínimo “para todas as trabalhadoras domésticas”, que “não fique abaixo das quatro mil patacas”.

Actualmente, o salário mínimo aplica-se apenas a trabalhadores de limpeza e segurança na actividade de administração predial, sendo que os trabalhadores migrantes ficam de fora desta equação. Na semana passada ficou a saber-se que a implementação do salário mínimo universal não está sequer na agenda do Conselho Permanente de Concertação Social, apesar do secretário para a Economia e Finanças, Lionel Leong, ter prometido que o processo legislativo sobre essa matéria teria início este ano. De frisar que, na apresentação das Linhas de Acção Governativa (LAG) para este ano, Chui Sai On garantiu que a proposta de lei relativa ao salário mínimo daria entrada na Assembleia Legislativa em 2019.

Na visão das porta-vozes, o facto dos trabalhadores migrantes serem os mais mal pagos do território, apesar de constituírem uma fatia importante da população (são mais de 100 mil pessoas a viver em Macau), acabam por estar “mais propensos a abusos e a longas horas de trabalho”.

“A maioria de nós é contra as políticas que promovem o abuso e a exploração dos trabalhadores migrantes”, apontam ainda as activistas, que lamentam o facto das medidas referentes aos trabalhadores não residentes estarem afastadas da agenda política.

“Estamos muito perturbadas com o facto de muitas questões não terem sido abordadas por políticas governamentais. Pelo contrário, novas regras foram instituídas sem consideração pelos trabalhadores migrantes, já inseguros, vulneráveis e sujeitos a uma situação de exploração, sobretudo as empregadas domésticas.”

Pedido subsídio de alimentação

Outra exigência das quatro activistas passa pelo aumento das ajudas de custo para alojamento, cujo valor se mantém intacto desde 2004, apesar da elevada inflação. “Devem ser aumentadas as ajudas de custo [mensais] para alojamento de 500 para 1000 patacas. Esse valor foi implementado em 2004 e não é revisto há mais de uma década. As rendas para quartos ou espaços em beliches decentes aumentaram bastante.”

Uma outra reivindicação prende-se com as trabalhadoras migrantes que optaram por viver na casa dos patrões e que se queixam de falta de comida e descanso. “Os empregadores devem providenciar mais comida aos trabalhadores, porque muitos queixam-se de que não lhes dão comida suficiente. Se não for providenciada alimento, então deve ser pago um subsídio de alimentação.”

Além disso, considera-se que esses mesmos trabalhadores “não devem trabalhar mais que 12 horas por dia”. É também pedido um pagamento extra “aos trabalhadores que estão há mais de quatro anos com o mesmo empregador”.

Será também solicitado à DSAL a implementação de “uma lei anti-descriminação relativa a todos os trabalhadores estrangeiros do território”, uma vez que há disparidades face aos residentes.

“Há políticas que forçam os trabalhadores migrantes a sujeitarem-se a condições laborais abusivas, que são capitalizadas graças à sua vulnerabilidade, uma vez que estão desesperados para garantirem, até ao limite, os seus postos de trabalho. Estas políticas dão espaço a que sejam perpetrados abusos a trabalhadores migrantes, que são desencorajados a pedir indemnizações ou a exigir alterações [à sua condição laboral].”

Suspensão para patrões

As quatro representantes querem também uma alteração na lei de importação de TNR, sobretudo no que diz respeito ao período de seis meses que os trabalhadores migrantes têm de respeitar quando são despedidos sem justa causa, uma vez que têm de abandonar o território.

“Os patrões abusivos também devem ser suspensos. Esta política obriga os trabalhadores a aguentar condições extremas de trabalho para se manterem nos lugares. O desemprego, pelo menos no período de seis meses, é algo que os trabalhadores querem evitar, até porque são forçados a trabalhar no estrangeiro para se manterem a si e às suas famílias, pelo menos para sobreviver”, explicam.

Há também reclamações quanto ao processo de apresentação de queixas à DSAL por parte dos trabalhadores. “Deve ser revista a regra que permite que a relação laboral chegue ao fim depois de três meses de contrato ou período de experiência de apenas dois dias. Também deve ser revista a política que limita os trabalhadores migrantes, que terminaram a relação laboral, de apresentar queixas ou reclamações em apenas dez dias.” “Como é possível apresentar reclamações se apenas podem ficar em Macau entre dois a dez dias?”, questionam as activistas.

As quatro representantes não estão sozinhas nesta luta. A apoiá-las está Cecilia Ho, docente do Instituto Politécnico de Macau (IPM) e outras organizações não governamentais ligadas aos direitos dos trabalhadores migrantes.

10 Fev 2019

Pearl Horizon | Tribunal já recebeu primeiros pedidos de indemnização ao Governo

Entre 600 a 700 promitentes compradores de casas do Pearl Horizon entregaram em tribunal no início do mês os primeiros articulados de acções judiciais onde reclamam indemnizações ao Governo. Os valores pedidos vão até às 10 milhões de patacas

[dropcap]E[/dropcap]m Julho eram uma intenção, em Janeiro são uma realidade. Deram entrada em tribunal as petições iniciais com pedidos de indemnização ao Governo por parte dos promitentes compradores do Pearl Horizon. A informação foi avançada ao HM por Kou Meng Pok, porta-voz dos lesados, que adiantou que entre 600 a 700 pessoas já avançaram com os pedidos de indemnização, que podem chegar a um valor máximo de 10 milhões de patacas.

Em Julho, o JTM avançou que os pedidos de indemnização iriam arrancar nesse mês, mas questões burocráticas fizeram atrasar todo o processo. Kou Meng Pok não adiantou se os restantes lesados, de um total de 1600, vão exigir também compensações.

Os processos judiciais arrancam, assim, na mesma altura em que o Governo vem propor que os promitentes compradores em processos semelhantes ao do Pearl Horizon não recorram aos tribunais para pedir indemnizações, caso adquiram uma habitação para troca, a valores mais baixos que o praticado no mercado.

Esta proposta foi avançada esta quarta-feira aos deputados no âmbito da discussão, em especialidade, do regime jurídico de habitação para alojamento temporário e de habitação para troca no âmbito da renovação urbana. De frisar que, nesta fase, a ideia é apenas uma intenção e que poderá não integrar a proposta de lei.

Vong Hin Fai, deputado e presidente da comissão que analisa o diploma, adiantou quarta-feira que “[a proposta] é para resolver o caso do Pearl Horizon, mas no futuro podemos usar este artigo [da proposta de lei] para resolver casos semelhantes”.

A ideia é garantir que os lesados não tirem partido de duplos benefícios: uma indemnização e uma casa mais barata. “Há casos em que os promitentes compradores aproveitam esta norma legal para adquirir a fracção a um preço inferior do mercado e, ao mesmo tempo, interpõem uma acção contra o Governo a pedir indemnização, na sequência da declaração de caducidade do terreno”, disse Vong Hin Fai.

Queremos o que é nosso

 

Delia, uma lesada do Pearl Horizon, contou ao HM que os lesados continuam a clamar por justiça, apesar de alguns deles terem interposto acções contra a Polytex, ex-concessionária do terreno, entretanto recuperado pelo Executivo.

“Os promitentes compradores são os únicos que estão a sofrer com a perda dos direitos de propriedade, quando fizeram o registo [da fracção] na conservatória do registo predial. Como proprietários por direito, pagamos o imposto de selo, mas perdemos a propriedade”, apontou.

Com base nisso, “apoiamos as pessoas que queiram intentar acções em tribunal contra o Governo para terem uma indemnização e recuperar a propriedade [das fracções]. Esta não nos deve ser retirada por causa de uma lei confusa e incompreensível”, rematou.

1 Fev 2019

Interpelação | Ella Lei quer “balcão único” em mais serviços públicos

[dropcap]A[/dropcap] deputada Ella Lei defende que a medida “balcão único”, que permite aos residentes aceder a vários serviços de um departamento no mesmo balcão, deve ser alargada. Neste momento, apenas o Instituto para os Assuntos Municipais (IAM) e a Direcção dos Serviços de Identificação (DSI) adoptaram a medida de “balcão único”.

Este assunto foi tema de interpelação escrita da legisladora ligada à Federação das Associações de Operários de Macau (FAOM). “Se houver mais serviços de outros departamentos a ser prestados através do ‘balcão único’, os cidadãos têm um serviço facilitado e com mais qualidade”, escreveu. Ella Lei defende ainda que a medida pode reduzir o tempo de espera por serviços diferentes e tornar mais eficaz a atribuição de recursos humanos.

Tendo em conta que actualmente só a Direcção dos Serviços de Identificação (DSI) e o IAM implementam o “balcão único”, Ella Lei questionou o Executivo sobre se outros departamentos públicos vão pôr o mesmo esquema em prática.

Por outro lado, a deputada apontou que apesar do estabelecimento dos centros de serviços da RAEM na Areia Preta e nas Ilhas terem como objectivo facilitar a vida dos cidadãos, os resultados acabam por ser condicionados uma vez que os funcionários apenas prestam serviços relacionados com os respectivos departamentos. Em relação a este ponto, a membro da Assembleia Legislativa questiona o Governo sobre se no futuro estes centros vão poder disponibilizar serviços de outros departamentos, além do IAM.

 

1 Fev 2019

AL | Reuniões secretas dão origem a queixas de Pereira Coutinho e Sulu Sou

Sulu Sou foi convocado para a segunda reunião da Comissão de Regimento e Mandatos relativa a dois casos em que está envolvido, mas percebeu que já tinha ocorrido uma primeira reunião sem que os deputados tivessem sido notificados. Tal levou a uma queixa por parte de Sulu Sou. José Pereira Coutinho também vai apresentar queixa escrita a Ho Iat Seng

[dropcap]N[/dropcap]inguém sabe quando ocorreu a primeira reunião, nem todos foram informados da realização da segunda. A postura adoptada pelos deputados Kou Hoi In e Vong Hin Fai, respectivamente presidente e secretário da Comissão de Regimento e Mandatos da Assembleia Legislativa (AL), vai ser alvo de queixas formais apresentadas pelos deputados Sulu Sou e José Pereira Coutinho, este último membro da referida comissão.

O encontro de ontem serviu para mostrar um parecer previamente elaborado, de que nenhum deputado tinha conhecimento, sobre dois casos envolvendo os deputados Sulu Sou e Ho Iat Seng, que é também presidente da AL.

“Ninguém sabe quando aconteceu a primeira reunião. Tenho um protesto a apresentar junto da Comissão de Regimento e Mandatos, porque de acordo com o regimento deveriam deixar todos os deputados ter conhecimento das reuniões.”

Determinam as regras de funcionamento da AL que os deputados devem ser notificados, com uma antecedência mínima 48 horas, consoante o caso, de todas as reuniões do plenário e das comissões. No que diz respeito às “reuniões urgentes”, devem ser convocadas com uma antecedência de 24 horas.

José Pereira Coutinho considera que a realização de reuniões secretas “é mau e abre um precedente muito perigoso”. “Não sei de onde veio esta ideia genial de secretismo, se veio da Mesa, da presidência da comissão ou da presidência da AL. Nunca me deparei com este tipo de situações”, revelou o deputado, que foi eleito pela primeira vez em 2005.

Na carta que enviou a Ho Iat Seng, Coutinho escreveu que “o presidente [Kou Hoi In] tomou uma posição de que na comissão a que preside não necessitam de ser comunicadas as reuniões aos restantes deputados que não façam parte da comissão”. Coutinho considera que, além de violar o regimento, esta decisão também vai contra “o princípio da transparência e de igualdades de direitos entre os deputados”.

Pereira Coutinho recorda que, “quando a reunião começou, os membros da comissão já estavam a ler o parecer”, pelo que, na sua visão, “tudo foi cozinhado previamente sem o nosso conhecimento”.

Sulu Sou foi convocado por estar envolvido nos dois casos em apreço e estiveram presentes nas reunião todos os membros da comissão: Kou Hoi In, Vong Hin Fai, José Chui Sai Peng, Angela Leong, Wong Kit Cheng e Joey Lao.

Sem protesto

O parecer ontem analisado determina que Sulu Sou não pode apresentar um protesto por escrito relativo a um debate ocorrido em Agosto do ano passado. Na altura, Ho Iat Seng exigiu a Sulu Sou respeito pelo trabalho dos colegas e disse que o deputado continuou a receber o salário, apesar de estar suspenso das suas funções. Sulu Sou nada disse, e agora também não o pode fazer, aponta o parecer.

Para o deputado do campo pró-democrata, também esta decisão vai contra o regimento da AL. “Foi-me dito que, como não protestei durante o debate, não podia depois apresentar um protesto por escrito. Esta explicação não é razoável. O regimento diz que temos o direito de fazer um protesto por escrito. Não há condições para banir um protesto por escrito, mesmo que não haja um protesto oral antes.”

A carta que Pereira Coutinho vai apresentar a Ho Iat Seng também mostra uma posição contra esta decisão. “Entendo de maneira diferente, uma vez que o regime permite que os deputados possam apresentar requerimentos, reclamações e protestos por escrito. Eles acham que os protestos só são verbais, em qualquer momento dos plenários e das comissões.”

A reunião de ontem serviu também para analisar o pedido feito por Sulu Sou para alterar a lei de reunião e de manifestação, que já está em vigor. Na altura, o presidente da AL disse que esse tipo de pedidos teria de ser feito junto do Chefe do Executivo. Sulu Sou recorreu, recurso esse que foi analisado pela comissão a pedido de Ho Iat Seng. A comissão entendeu que o deputado dispõe do direito de recurso nestes casos.

Esta não é a primeira vez que se fala de reuniões secretas. Em 2016, quando a AL discutia a lei das rendas, José Pereira Coutinho denunciou a alegada realização de reuniões de comissão sem o conhecimento dos média.

Jornalistas afastados da sala de reuniões

José Pereira Coutinho adiantou ao HM que a presença dos jornalistas foi questionada no seio da comissão. Por norma, as reuniões das comissões da AL decorrem à porta fechada, seguindo-se a realização de uma conferência de imprensa, à excepção da Comissão de Regimento e Mandatos. Contudo, mesmo sem jornalistas, todos os deputados são, por norma, informados da realização destas reuniões.

Ontem, os repórteres foram impedidos de subir ao andar onde se realizava a reunião, impossibilitando que se fizessem perguntas no final. Houve ainda tentativas de afastar os profissionais da comunicação social da sala de imprensa, com o argumento de que esta teria de ser limpa, o que não aconteceu. Ao HM, um segurança da AL chegou a dizer que só estava uma reunião agendada (sobre o regime jurídico das sociedades de locação financeira). Um repórter foi também avisado para não tirar fotos aos funcionários a falar com os jornalistas. Estes acabaram por conseguir conversar com Sulu Sou no hall de entrada da AL. Nessa ocasião, o deputado pediu um tradutor, pedido que foi recusado, com o argumento de que os tradutores só devem trabalhar nas actividades da AL. É de salientar que noutras ocasiões Sulu Sou foi traduzido do chinês para português.

1 Fev 2019