Chan Meng Kam quer abrir cursos de português em Hengqin

Chan Meng Kam recebeu esta terça-feira o grau de doutoramento Honoris Causa pela Universidade de Évora. Sou Chio Fai, que lidera a Direcção dos Serviços do Ensino Superior, foi o patrono e recordou a vida dura do ex-deputado e empresário. Este adiantou que a licenciatura em português da Universidade Cidade de Macau deverá abrir no próximo ano lectivo e que existem planos para abrir uma escola de graduação em Hengqin

 

[dropcap]H[/dropcap]allelujah”, música de Leonardo Cohen cantada por um irrepreensível coro, foi a banda sonora para a cerimónia de atribuição de doutoramento Honoris Causa atribuído, esta terça-feira, a Chan Meng Kam pela Universidade de Évora (UE).

O ex-deputado e empresário fundador do grupo Golden Dragon, nunca frequentou uma universidade, muito menos publicou livros ou fez investigação científica. Ainda assim, foi distinguido pelos contributos na área social e no desenvolvimento do ensino em Macau, através da Universidade Cidade de Macau (UCM).

Ditam as regras que um doutor Honoris Causa tenha um patrono e Chan Meng Kam contou com o alto patrocínio do Governo de Macau. Sou Chio Fai, que dirige a Direcção dos Serviços do Ensino Superior (DSES), recordou o percurso de um homem que, ainda adolescente, saiu da pobre Fujian para tentar a sua sorte em Macau, no início da década de 80.

“Nessa época, teve diferentes empregos e chegou a dormir apenas duas horas por noite. Viu depois a oportunidade no pequeno comércio, quando as necessidades das populações eram grandes. Comprava vestuário e vendia do outro lado da fronteira”, disse Sou Chio Fai num discurso proferido em português.

O director do DSES recordou também o deputado (Chan Meng Kam esteve na Assembleia Legislativa entre 2005 e 2017), que teve “uma notável contribuição legislativa”, o filantropo, que “desde 1993 contribuiu para mais de 200 instituições sociais em Macau” e o empresário, dado o seu papel na promoção das relações entre Macau, China e os países de língua portuguesa.

O discurso de Chan Meng Kam, que teve tradução para inglês, recordou também o percurso de vida cheio de obstáculos do homem que já recebeu a mais alta distinção do Governo da RAEM, uma medalha atribuída pelo Chefe do Executivo. Além disso, defendeu que o “conhecimento é poder” e que “a educação é muito importante para o sucesso”. No final, agradeceu à plateia que o ouviu em português.

A cerimónia contou com a presença de algumas personalidades ligadas a Macau, tal como Carlos Monjardino, presidente da Fundação Oriente, ou Rui Lourido, presidente do Observatório da China.

Tecnologia e património

A comitiva de Chan Meng Kam, da qual fazia parte Sou Chio Fai e o reitor da UCM, Shu Guang Zhang, chegou uma hora mais cedo para assinar dois protocolos, relacionados com o ensino do português e património.

“Assinámos dois acordos com a UE esta tarde focados em duas áreas. Um deles é na área da saúde e dos cuidados médicos e o outro é ao nível do equipamento de tradução automática português-chinês, com vista a promover a cooperação a longo prazo. A UCM é uma plataforma para atrair pessoas e talentos”, disse Chan Meng Kam, à margem da cerimónia.

A comitiva fez também uma visita ao Parque do Alentejo de Ciência e Tecnologia da UE e ficou fascinada com o que viu. “Vimos que há muito potencial neste parque e também visitámos o laboratório na área do património da UE. Podemos ver que tem centenas de investigadores e talvez possamos fazer mais e desempenhar um papel no desenvolvimento desta área.”

Citada pela agência Lusa, a reitora da UE, Ana Costa Freitas, adiantou mais detalhes sobre estas iniciativas. Um dos memorandos de entendimento foi assinado “na área do património cultural” e que implica a criação de uma cátedra na universidade alentejana, no valor de “cerca de 50 mil euros”.

Esta cátedra permitirá “financiar estudos sobre a herança cultural” comum entre Macau e Portugal, com o envolvimento do Laboratório HERCULES da UE, indicou.

“Vamos receber cá pessoas para fazerem estágios e vamos mandar para lá pessoas para fazerem também estágios e iremos formar alguém que fique à frente do laboratório lá [em Macau]”, explicou.

Segundo Ana Costa Freitas, já foi efectuado o inventário dos equipamentos que a UCM terá de comprar “para ter um laboratório minimamente apetrechado e, depois”, começa-se “logo a trabalhar”.

Na área da informática, explicou a reitora, a colaboração prevê a criação de laboratórios conjuntos entre as duas universidades assentes num sistema “de tradução por computador” de chinês-português e vice-versa. “Já estamos a começar, por exemplo, na parte do ‘machine learning’ [a máquina automática de tradução] já temos o laboratório”, frisou Ana Costa Freitas.

No protocolo relativo à área da informática, consultado pela agência Lusa, pode-se ler que a parceria abrange também um laboratório colaborativo neste âmbito centrado na saúde.

A realização de cursos de Verão, de turismo ou de arquitectura paisagista, na academia alentejana, recebendo alunos de Macau, será outro dos “frutos” da colaboração com a universidade privada macaense, segundo a reitora.

Português em Hengqin

Chan Meng Kam pretende também desenvolver ainda mais o ensino do português na sua universidade, tendo adiantado que deseja alargar essa oferta formativa até à ilha de Hengqin.

“Uma vez que vamos criar a escola de graduação chinês-português em Hengqin, precisamos de talentos nesta área para desenvolver a investigação e projectos inovadores.”

No próximo ano lectivo, a UCM vai abrir a nova licenciatura em estudos portugueses, garantiu Chan Meng Kam, sendo esta uma vontade há muito expressa pelos dirigentes desta universidade.

11 Abr 2019

TUI diz que comunicações da DSSOPT não representam a RAEM

[dropcap]U[/dropcap]m acórdão do Tribunal de Última Instância (TUI) aponta o dedo à Direcção de Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes (DSSOPT) no que diz respeito aos procedimentos levados a cabo sobre dois terrenos situados na zona do Fecho da Baía da Praia Grande, que reverteram para o Governo findo o prazo de 25 anos de concessão.

Os juízes, apesar de não reconhecerem o direito das concessionárias à renovação da concessão dos terrenos, defendem que a postura que a DSSOPT teve e o diálogo que manteve com as duas empresas “não representa a RAEM”.

“As comunicações de serviço interno da DSSOPT, bem como a atitude da DSSOPT revelada nos ofícios, com os quais as recorrentes foram notificadas de que os projectos apresentados eram passíveis de aprovação, mas que o procedimento administrativo ficava suspenso provisoriamente, até que fosse aprovado o novo plano de intervenção urbanística, nunca poderia constituir reconhecimento de nenhum direito das recorrentes por parte da RAEM.” Além disso, “as informações ou opiniões nela contidas não representam nem obrigam a RAEM, muito menos depois do termo do prazo de arrendamento dos terrenos”, lê-se no acórdão.

Além disso, os juízes do TUI também consideram que a questão da culpa pelo não aproveitamento dos terrenos não é fundamental para este caso. “Não é essencial a questão da culpa no não aproveitamento dos terrenos no prazo fixado para o efeito, já que, com o decurso do prazo máximo da concessão provisória sem a conclusão do aproveitamento do terreno, a concessão não pode ser renovada, desde que não se verifique a excepção, e deve ser declarada a sua caducidade”, lê-se.

As empresas em causa são a Sociedade de Investimento Imobiliário Fu Keng Van SA e a Sociedade de Investimento Imobiliário Man Keng Van SA, ambas pertencentes ao universo da Sociedade de Investimento Imobiliário Nam Van, que o ano passado perdeu o direito de concessão de 16 terrenos situados na zona da Praia Grande.

Sem violações

Os procedimentos referidos neste acórdão do TUI dizem respeito às licenças de obra de tapume, ensaio de estacas e alteração da rede de drenagem, pedidos que foram feitos entre 2006 e 2007.

A DSSOPT nunca chegou a aprovar os processos com o argumento de que estaria a ser feito o projecto urbanístico do “Centro Histórico de Macau”, e que este levaria, mais tarde, à suspensão de todos os projectos das zonas C e D da Baía da Praia Grande.

As duas empresas recorreram para o TUI da decisão do Tribunal de Segunda Instância (TSI) proferida em 2018, que comprovou a retirada dos terrenos. Estas alegaram agora junto do TUI que o Executivo violou questões como o princípio da boa-fé ou da igualdade entre partes, mas os juízes não tiveram o mesmo entendimento.

“Não se vê como foi violado o princípio da igualdade das partes, nem as recorrentes chegaram a explicitar concretamente tal violação. Dizem ainda as recorrentes que o tribunal recorrido considera provados factos controvertidos, sem que, no entanto, tenha indicado quais são. Na realidade, não se vislumbra, a nosso ver, nenhuma controvérsia entre os factos provados.”

11 Abr 2019

Rui Horta, coreógrafo e director do projecto Espaço do Tempo: “Sou uma espécie de cota da dança”

Um dos mais conceituados coreógrafos portugueses da actualidade assume-se como alentejano por adopção depois de 19 anos à frente da associação cultural O Espaço do Tempo, em Montemor-o-Novo. Rui Horta assume ter atingido um estatuto que lhe permite fazer apenas o que lhe apetece, e isso pode passar por trabalhar com artistas de Macau nas áreas da dança ou do teatro

 

Apresentou, no ano passado, o espectáculo “A Vespa”. Voltou aos palcos como bailarino, tinha saudades?

Durante muitos anos não tive, porque estou muito bem no meu papel de coreógrafo. Só parei (o espectáculo) porque o ano passado caiu uma abóbada no Convento da Saudação (sede do projecto O Espaço do Tempo) e eu cancelei tudo, porque precisava de concentrar toda a minha energia nisto.

Foi como perder a casa.

Sim. Porque ao fim de 19 anos de estares num sítio e cair-te uma abóbada, quando já deverias estar com o espaço recuperado e com um paradigma diferente, é como perder um membro. Mas foi por causa desta perda que conseguimos que, finalmente, o Ministério da Cultura olhasse para nós. Neste momento, temos aprovada uma linha de salvaguarda de 1,6 milhões de euros, mas é só para segurar o edifício. O convento está na posse da Câmara Municipal de Montemor-o-Novo e nós somos uma espécie de catalisador.

Depois desse contratempo, que projectos podemos esperar?

Pode-se esperar muita coisa. Decidi que a próxima apresentação que vou fazer será uma criação com a cidade, em que vou fazer uma audição aberta e trabalhar com as pessoas da cidade. E depois vou entrar num período mais calmo do ponto de vista d’O Espaço do Tempo, porque vamos mudar para outro sítio em Agosto. Vou depois tirar um ano mais calmo, em que vou ter mais trabalhos artísticos. Não posso deixar de criar, porque se deixar de criar, sou a pessoa mais infeliz desta cidade.

Este projecto com a comunidade local chama-se Quórum. Espera a adesão das pessoas?

Sim. Tenho uma experiência feita de dois projectos parecidos. Tenho obras em 50 companhias do mundo inteiro, nos últimos 20 anos, fiz 2500 espectáculos em toda a minha vida, é quase absurdo. Já não preciso de fazer mais nada, a não ser aquilo que me apeteça muito fazer, que me dê muito gozo.

Já chegou a esse estatuto.

Sim, só faço aquilo que me apetece fazer. E apetece-me fazer coisas novas. Nunca tinha feito um solo só para mim e expor-me dessa forma, que é angustiante. Depois nunca tinha trabalhado com a comunidade e apetecia-me trabalhar com as pessoas na sua maravilhosa autenticidade. Pensei que tinha de fazer isto em Montemor-o-Novo porque celebra o meu tempo aqui. As pedras só fazem sentido se estiverem vivas. Porque é que aquele projecto (O Espaço do Tempo) é fantástico? Porque habitámos o convento durante 19 anos, estava fechado há décadas.

Gosta de pegar em sítios antigos e dar-lhes uma nova alma.

Acho que sou bom nisso. Não me assusto quando vejo uma ruína, dá muito trabalho mas não desisto, porque pegamos numa herança. Acho que trouxe essa força para Montemor, tem sido um legado nosso, somos uma espécie de anti-depressivo da cidade. Fazemos parte da paisagem cultural da cidade, mas há um elemento n’O Espaço do Tempo que vai ser sempre de estranheza.

Não lamenta que a cultura local, ou a adesão das pessoas, se faça apenas pelo folclore ou pela feira, por exemplo?

Já não se faz só assim. Temos criado ao longo dos anos muito público para o teatro. Não fazemos um trabalho só de criação, há depois um grande trabalho de mediação cultural, de ir ter com as pessoas. Haverá sempre o público que estará na feira, mas eu também venho de férias mais cedo e todos me vêem à porta da feira a distribuir panfletos para o concerto da Orquestra Metropolitana de Lisboa na semana seguinte. É preciso lutar. As pessoas ficam sempre espantadas por me verem ali. Eu acho engraçado.

Nunca quis ser estrela.

Não. Uma das coisas mais importantes de se viver em Montemor é ir ao café. Às vezes, mudo de café duas vezes por dia, porque quero estar próximo das pessoas. É nossa obrigação, como associação, estar de mãos dadas, mas viradas para fora, não para dentro. Se não, de que serve fazer cultura? A primeira coisa que o Hitler fez foi fechar os teatros, porque sabia que eram espaços de pensamento crítico.

Aconteceu algo semelhante na China, durante a Revolução Cultural.

Sim, foi brutal. A coisa do pensamento único. Não podes ter a cartilha única. É dessa mistura que saem as coisas mais extraordinárias.

Já que falamos da China, há cerca de dois ou três anos fizeram uma residência artística em parceria com o festival This is My City, de Macau. Tem tido oportunidade de trabalhar com artistas da Ásia, é algo que gostava de fazer?

É algo que ainda está longe. Temos sempre programadores que vêm da Índia, de Hong Kong e da Coreia do Sul. Já temos alguns programadores do Oriente com muita curiosidade em relação aos artistas portugueses. Tivemos um grande projecto há quatro anos atrás com companhias da Índia, mas a nossa esfera de trabalho é mesmo a Europa.

Mas gostava de fazer algo?

Completamente. Aliás, falamos de Macau, de repente fico muito curioso e gostava de eventualmente estabelecer uma ligação com um artista chinês que viesse desse território, e que entendesse melhor a cultura portuguesa, na área da dança contemporânea ou do novo teatro. Mas claro que as grandes companhias de dança chinesas já circulam na Europa e com muito sucesso.

No livro “Sinais do Tempo” fala do discurso político para a área cultural. Como olha para esta ligação entre Portugal e China na área da cultura?

É óbvio que isso deve ser uma prioridade e temos uma relação inevitável do ponto de vista comercial com a China, como tudo o mundo tem. Mas nós temos uma história comum e acho que devemos dar uma capacidade de acrescentar algo e de fazer negócio porque há ainda laços e emoções e há, sobretudo, um conhecimento. No mundo global a China é uma grande potência e penso que não há outra hipótese para nós, neste momento, se não sermos pró-activos nesta relação. É uma terra longínqua, mas a distância ficou mais curta com toda a hipermobilidade do século XX. Não há nada verdadeiramente longe hoje em dia, não é?

Mas não teme o domínio do que é chinês e uma certa permissividade portuguesa?

Não conheço muito bem essa realidade, mas a cultura chinesa é impressionante. A própria filosofia chinesa está antes da filosofia grega, foram os pensadores chineses que fizeram uma reflexão sobre o que é o Homem. É uma cultura milenar com uma tal profundidade que antecede os próprios clássicos gregos e romanos. Temos de ter essa humildade. É claro que hoje é uma cultura de poder. O último século de vida na China é brutal. A China é uma potência económica que projecta poder e vai projectar a sua cultura, não temos hipóteses. É um país que, quando espirra, constipamo-nos todos. Portugal é o oposto, temos de nos aceitar como somos.

Voltemos à coreografia. Que temas lhe falta abordar, numa altura em que só faz o que lhe apetece?

A dança é uma linguagem e a coreografia é a organização dessa linguagem. Podes dizer o que quiseres. E a cada instante assaltam-te coisas diferentes. Hoje tenho três ideias diferentes na cabeça, por exemplo. A história de um montemorense que descobri e que fundou o primeiro circo em Luanda, foi à aventura. Interessa-me falar do sonho, porque é essa espontaneidade que nos leva a ser uns tipos felizes. A vida é só uma. Portanto, não vamos viver deprimidos. Temos a obrigação de ser felizes e isso não é uma opção, é uma obrigação.

Ainda que haja em Montemor-o-Novo um sentimento de depressão colectiva.

Há, e é uma coisa muito alentejana, mas temos de lutar contra isso. Acredito que a cultura é um antídoto para a depressão. Sair para ir ao teatro é um acto de resistência e tem um valor social enorme. Essa é a minha postura perante a arte. Somos um projecto artístico de grande qualidade a nível europeu, temos 70 residências artísticas este ano, passam 500 artistas por aqui, servimos 10 mil refeições por ano. Mas isso é tão importante como fazer outros projectos em parceria com associações locais. Não podes estar numa cidade de província só com um projecto artístico, se não no outro dia mandam-te embora.

Se não fosse a dança era um homem deprimido, ou arranjava outra maneira?

(Risos). Arranjava outra maneira. A dança é brutal. Desde miúdo que partia tudo lá em casa, e fiz desporto antes de ter coragem para ser bailarino. Tornei-me bailarino a partir de 1974, 1975, sou um filho da Revolução.

Ninguém era bailarino na altura, pelo menos os homens.

Fui o primeiro (na área da dança) a ir para o estrangeiro. Fui para Nova Iorque e os outros portugueses iam todos para minha casa, ficavam um mês. Sou uma espécie de cota da dança.

Como foi explicar aos seus pais que queria dançar?

Os meus pais eram professores universitários. O meu pai era patologista, uma pessoa muito culta, austera, mas muito aberta, apesar de tudo. E disse-lhe que queria dança. Ele virou a cabeça lentamente e perguntou-me “filho, não és homossexual, pois não?”. Eu disse que não. Fiquei muito aflito, imagina se fosse! Aí ele disse “então faz o que te apetecer”. Deu uma resposta à frente do seu tempo. Nessa altura, já estava a estudar arquitectura no primeiro ano. Depois saí e fui estudar educação física, que era o que havia mais próximo da dança.

Não havia cursos.

Não. Eu sou o fundador das escolas de dança de hoje. A minha geração era auto-didacta, fui para Nova Iorque lavar pratos. Era para ir por três meses e fiquei dez anos. Sou desses. Limpei apartamentos, trabalhei em restaurantes, dava aulas de ginástica. Foi mesmo o sonho americano, a ganhar 3,75 dólares à hora, o salário mínimo. A minha primeira gripe curei-a com copos de água, não tinha dinheiro para comprar aspirinas. Fui mesmo pobre e nunca contei aos meus pais. Não precisava, mas foi importante ter sido pobre e ter aceite essa fragilidade.

Deu-lhe liberdade para dançar.

Deu-me liberdade para seguir o meu sonho. Gastava todo o dinheiro que ganhava em Nova Iorque para pagar aulas de dança. Lavava pratos num restaurante entre as dez da noite e as quatro da manhã e nas últimas duas horas secava pratos já a dormir. Sei o que isso é, ainda hoje conheço o gesto. Só te conheces com os teus limites. A vida é um acto de curiosidade até ao último dia.

8 Abr 2019

Reitora da Universidade de Évora diz que Chan Meng Kam é “uma personalidade ímpar”

É atribuído amanhã o grau de doutoramento honoris causa a Chan Meng Kam na qualidade de presidente do Conselho da Universidade Cidade de Macau. Ana Costa Freitas, reitora da Universidade de Évora, garante que a distinção não é somente fruto dos projectos que as duas academias têm em conjunto, mas acontece também por ser “pertinente dar a conhecer uma personalidade ímpar da RAEM sobejamente reconhecida e respeitada”

 

[dropcap]C[/dropcap]han Meng Kam, presidente do Conselho da Universidade Cidade de Macau (UCM), vai receber amanhã o grau de doutoramento Honoris Causa pela Universidade de Évora (UE), disse à Lusa a instituição de ensino superior portuguesa.

A cerimónia está agendada para as 15h30 e será marcada pelo discurso de Chan Meng Kam, com o título “My greatest mission in life is to serve society” (A minha grande missão de vida é servir a sociedade). Sou Chio Fai, director do Gabinete de Apoio ao Ensino Superior estará presente no evento.

Em declarações ao HM, Ana Costa Freitas, reitora da UE, garantiu que o elo que junta as duas universidades não é a única justificação para atribuir o grau de doutor honoris causa a Chan Meng Kam.

“A distinção agora conferida a Chan Meng Kam não procura reforçar qualquer parceria. Resulta tão só do entendimento da UE em distinguir o estadista, o empresário e o filantropo Chan Meng Kam, que tem dedicado a sua vida ao bem público da Cidade de Macau e das suas gentes, contribuindo decisivamente para a imagem, reputação e desenvolvimento da RAEM.”

Além disso, a reitora considerou que “numa altura em que Portugal apoia a iniciativa ‘Uma Faixa, Uma Rota’, entendeu a UE ser pertinente dar a conhecer, uma personalidade ímpar da RAE de Macau, sobejamente reconhecida e respeitada, o Sr. Chan Meng Kam”.

A UE atribui esta distinção meses depois de ter sido assinada uma parceria na área da tradução com a UCM. Em Novembro, foi notícia o facto de estar a ser desenvolvido um novo sistema de tradução automático chinês-português que deverá estar pronto este ano. A infra-estrutura ficará na cidade de Évora e terá um custo de cerca de um milhão de euros.

A reitoria da UE garantiu que Chan Meng Kam nunca fez quaisquer donativos financeiros “ou de qualquer outra espécie” à instituição que dirige “ou de qualquer outra espécie”.

Projectos na calha

Depois da criação do Instituto Confúcio na UE, seguem-se mais parcerias com a UCM, cuja ligação com a universidade alentejana aconteceu há três anos. “Neste período, a ligação entra as nossas universidades tem sido fortalecida pelos diversos contactos, directos e indirectos que se têm desenvolvido”, declarou Ana Costa Freitas.

Na resposta ao HM, a reitora explicou que “decorrem dois projectos bilaterais financiados pela UCM”. Um deles versa sobre a área da História e Património, e um outro na matéria da tradução Português-Mandarim.

“Em paralelo deu-se início a um programa de intercâmbio de docentes das duas universidades e, em breve, iniciar-se-á na UE uma Summer School na área da Arquitectura Paisagista. Outras iniciativas de colaboração mútua terão o seu início em breve”, frisou.

Para a UE, a ligação à UCM é “muito especial, dadas as ligações históricas e culturais que unem Portugal a Macau”.

“Não obstante os contactos directos e regulares que mantemos com a China, encaramos Macau e a sua universidade como um apoio efectivo das nossas relações com o País do Rio das Pérolas.

Com esta parceria antecipamos benefícios e o aprofundamento das nossas relações ao nível do ensino, da investigação e da transferência de conhecimento, área que começa a dar os primeiros passos”, apontou Ana Costa Freitas.

A reitoria da UE destaca ainda o facto de “a China ter vindo a ser encarada como parceira prioritária”, até porque a universidade “tem efectuado uma aposta muito forte na internacionalização dos seus ensinos e da sua investigação, enquanto pilar fundamental da sua estratégia de crescimento e de afirmação no panorama internacional”.

O grau de doutoramento honoris causa será também atribuído a António Galopim de Carvalho, professor catedrático jubilado.

8 Abr 2019

China | Analistas defendem reforço da posição da UE no contexto da guerra comercial

Situada no meio da guerra comercial entre a China e os Estados Unidos, a União Europeia deve clarificar relações com a Ásia para desenvolver as suas empresas e travar eventuais pressões dos EUA ou de países do norte da Europa que tentem sabotar essas parcerias. O tema “A ascensão da RPC no tabuleiro internacional do pós-Guerra Fria” esteve ontem em debate na Universidade do Porto

 

[dropcap]N[/dropcap]o princípio era a União Soviética e os Estados Unidos, mas, com a queda da URSS, a China tem assumido cada vez mais um papel de relevo, tanto a nível económico como diplomático. No meio está a União Europeia (UE), que deve clarificar e reforçar o seu posicionamento no contexto da guerra comercial que se vive nos dias de hoje.

A Universidade do Porto (UP), em Portugal, acolheu ontem a palestra “A ascensão da República Popular da China (RPC) no tabuleiro internacional do pós-Guerra Fria”, que contou com a presença de Rui Lourido, presidente do Observatório da China (OC), Jorge Cerdeira, docente da Faculdade de Economia da UP, e António Lázaro, director do Instituto Confúcio da Universidade do Minho.

Em declarações ao HM, Rui Lourido defendeu que é altura da UE assumir a importância do seu posicionamento geoestratégico.

“A Europa tem de compreender que a China não é um inimigo, mas sim um concorrente com o qual deve fazer parcerias e estabelecer um relacionamento pacífico e de mútuo interesse”, começou por dizer.

Neste sentido, a Europa “deve abrir-se às negociações com a China de igual para igual, sem prescindir das suas alianças que podem ligar o continente à América, mas elas não são incompatíveis, bem pelo contrário, deverão ser complementares”.

Também Jorge Cerdeira defende que a UE é, nos dias de hoje, “um dos principais players internacionais, tal como a China ou os Estados Unidos”, “ocupando uma posição de destaque na produção, exportações, importações e investimento a nível internacional”.

Neste contexto, a UE deve compreender qual o seu papel no seio destas relações diplomáticas. “Naturalmente que nesta fase em que existem muitas incertezas sobre o futuro das relações económicas internacionais, a Europa deverá ter uma posição clara e unida sobre o assunto e ser capaz de assumir o seu papel de relevo no xadrez internacional.”

Para Jorge Cerdeira, essa necessidade não tem sido cumprida “muito devido aos constrangimentos internos que tem sofrido (que incluem a crise das dívidas soberanas, a questão dos refugiados, o processo do Brexit ou as diferentes posições dos países relativas à política da União)”, defendeu.

Pressões americanas

No passado dia 5 de Março o Conselho da UE aprovou as novas regulações que serão feitas aos investimentos estrangeiros provenientes de países terceiros em sectores estratégicos, como têm sido os investimentos chineses.

Para Rui Lourido, a UE deve analisar as propostas chinesas de acordo com os seus interesses, mas defende que neste processo de regulação há não só uma pressão dos países do norte da Europa, como é o caso da Alemanha ou França, mas também dos Estados Unidos, a quem não interessa “uma Europa unida”.

“Vejo estes regulamentos que têm vindo a ser levantados na sequência de pressões americanas e desta guerra comercial que é nefasta para o relacionamento e desenvolvimento das empresas europeias.”

Para Rui Lourido, “as empresas alemãs são concorrentes das empresas chinesas e não há mal nenhum nisso”, uma vez que “ambas as empresas devem fazer parcerias no sentido de aproveitarem o mercado chinês”.

O presidente do OC recorda os 17 acordos que recentemente Portugal assinou com a China no contexto da política “Uma Faixa, Uma Rota”, que incluem acções de investimento no Porto de Sines e mais ligações ferroviárias. “Quando Portugal faz isto cria inimizade ou concorrência com os portos do norte da Europa, que até hoje têm sido centrais para o comércio europeu. Estes países, ao verem que este comércio se pode deslocar para sul, algo que já acontece também com a Grécia, com os investimentos no porto de Piréu, pressionam Portugal para não entrar nestas parcerias que propiciam este desenvolvimento”, defendeu Rui Lourido.

O presidente do OC acha que, neste âmbito, “a perspectiva de Portugal tem de ser autónoma” e considera que “não se deve perder o foco face aos investimentos no sul da China e no espaço da Grande Baía e África, que serão centrais para a construção de um mundo pacífico, rentável e produtivo”.

Regular é preciso

Apesar de falar de pressões dos países do Norte da Europa e dos Estados Unidos, Rui Lourido acredita que a regulação do investimento directo estrangeiro na UE é necessária. “Este relacionamento deve ser escrupulosamente encaminhado e regulado nos interesses comuns de ambas as empresas”.

Jorge Cerdeira recorda que os investimentos chineses na Europa têm aumentado progressivamente desde que o país entrou na Organização Mundial do Comércio (OMC), em 2001. “À Europa cabe, dentro da ideologia do nacionalismo pragmático que hoje se apregoa no que concerne à atracção e restrição do investimento directo estrangeiro, seleccionar os investimentos que entende serem favoráveis e rejeitar os que entende serem menos interessantes.”

Se Rui Lourido fala de pressões em prol da regulação, Jorge Cerdeira interpreta estas iniciativas como naturais. “Tal prática, comum noutros países (tal como, por exemplo, na China), deve ser encarada com naturalidade, ainda que, evidentemente, reste saber como é que esse processo de ‘filtragem’ (do investimento directo estrangeiro) vai ser efectivamente feito na prática”, disse ao HM.

“Fecharmo-nos ao relacionamento com a China não é bom, é o caminho inverso que a Europa e Portugal devem ter. A China é neste momento a segunda grande nação a registar as patentes de investigação, está quase colada aos Estados Unidos. Considero que esta aliança com empresas chinesas que detém esse know-how torna-se fundamental para a expansão das empresas portuguesas e a sua expansão nos mercados”, acrescentou Rui Lourido.

Guerra Fria 2.0

Apesar dos vários encontros, não há ainda uma resolução para o fim definitivo do conflito comercial que opõe a China aos Estados Unidos. Jorge Cerdeira não consegue prever se estamos perante uma nova Guerra Fria, ainda que com outros contornos, mas fala de um futuro “incerto”.

“O futuro da relação entre os EUA e a China, bem como a guerra comercial que tem existido, é incerto. Há dados e estudos que sugerem que a guerra comercial já custou aos EUA cerca de 8 mil milhões de dólares. Resta saber qual é a reação que as autoridades de política dos EUA e da China vão ter perante os resultados pouco favoráveis que advêm desta guerra.”

Incertezas à parte, o professor da UP acredita que “os últimos dois anos têm contribuído para uma maior afirmação das políticas proteccionistas face ao que verificou nos anos anteriores”.

Rui Lourido também não consegue prever uma nova Guerra Fria, mas fala de um mundo mais perigoso num futuro próximo caso estes conflitos continuem. “Essa guerra comercial que se tenta expandir a outros sectores com grande perigosidade torna o mundo mais instável. A China tem substituído o papel de equilíbrio que a América desempenhava nessas instituições e defende hoje o multilateralismo e a própria ONU.”

As relações de conflito neste contexto “devem ser mediadas pela ONU e não por reacções caso a caso”, sem esquecer o papel que entidades como a OMC ou o Mercosul devem ter, defendeu Lourido.

“A economia americana perdeu energia com a crise de 2008 e a forma mais inteligente de ultrapassar isso é com um relacionamento concorrencial, mas amigável. Há forças que não pensam assim e temos o presidente norte-americano (Donald Trump) a sair de tratados internacionais e a tentar desestruturar a Europa, porque à América não interessa uma Europa unida e forte.”

“Isso leva à criação de conflitos que os europeus devem ver de acordo com os seus interesses e estabelecer parcerias com a Ásia para que possam balancear a sua influência, com países como a China, Índia e Japão”, concluiu Rui Lourido.

3 Abr 2019

Gestão privada da TAP “não tem sido a mais correcta”, diz Observatório da China

[dropcap]R[/dropcap]ui Lourido, presidente do Observatório da China (OC), disse ao HM que a gestão privada da companhia aérea portuguesa TAP não tem sido a mais correcta, quando questionado sobre a mais recente saída da chinesa HNA da estrutura accionista.

“Em todos os negócios a rentabilidade é a alma. Quando atribuímos a privados empresas que são fundamentais para a expansão de uma imagem da economia nacional, há sempre esse risco. Portugal decidiu dar a nossa empresa bandeira mas este Governo não conseguiu privatizar tudo. Mas não me parece que a gestão privada da TAP seja a mais correcta.”

O responsável defendeu, por isso, a continuação da aposta numa parceria chinesa na área da aviação, mas com outra empresa.

“Talvez a escolha da empresa chinesa não tenha sido a mais pertinente. Deveríamos ter uma parceria chinesa, sem dúvida, e Portugal deve lutar por essa parceria com uma grande empresa de transporte aéreo, para que faça as rotas directas com Pequim e Cantão. Há outras empresas interessadas. O Estado português deveria ter encontrado um parceiro chinês sólido e não estar apenas dependente do lucro”, frisou.

Foi a 28 de Março que se soube que o representante da HNA na estrutura accionista da TAP ia sair, depois da empresa ter vendido a sua participação de 20 por cento no grupo que detém 45 por cento da TAP, a Atlantic Gateway, por 55 milhões de dólares americanos. Com o Governo de

António Costa, primeiro-ministro português, o Estado voltou a ter 50 por cento das acções da TAP, sendo que os privados possuem 45 por cento e os trabalhadores os restantes cinco por cento.

O negócio, anunciado à bolsa de valores de Xangai, aconteceu devido a problemas de liquidez que a HNA enfrenta há cerca de um ano.

2 Abr 2019

Cinema | Cartaz do Índie Lisboa celebra os 20 anos de transferência de soberania de Macau

[dropcap]F[/dropcap]oi hoje apresentado em Lisboa o cartaz da edição deste ano do festival de cinema Índie Lisboa. Além da antestreia de “Hotel Império”, filme de Ivo Ferreira, bem como de três episódios da sua nova série, intitulada “Sul”, serão exibidos alguns filmes que visam celebrar o aniversário dos 20 anos da transferência de soberania de Macau para a China.

Na categoria “Especial Macau 20 anos” será exibido “Foco Macau – 20 anos depois” de Lou Ka Choi, bem como “The Cricket Dynasty”, de Chang Seng Pong, ambos de 2018. O cartaz conta também com a película “G.D.P.: Grandmas’ Dangerous Project”, de Peeko Wong, e “Rabbit Meets Crocodile”, de Sam Kin Hang, um filme de animação também produzido em 2018. “Sheep”, de Mak Kit Wai, também do mesmo ano, encerra o cartaz dedicado ao cinema local.

O Índie Lisboa leva também um pedaço do cinema asiático a Lisboa, com a curtas-metragen chinesa“A Fly in the Restaurant”, de Xi Chen e Xu An, bem como “Wong Ping’s Fables 1”, de Hong Kong. “A Million Years”, uma curta de Danech San, em representação do Cambodja, também será exibida.

No painel das longas metragens há também lugar para “Present.Perfect.”, de Shengze Zhu, um documentário que nasce de uma produção conjunta entre os EUA e Hong Kong, realizada este ano.

O Índie Lisboa acontece entre os dias 2 e 12 de Maio em vários locais da capital lisboeta e contará com mais de 50 filmes portugueses, presentes em toda a programação, entre estreias mundiais, estreias nacionais e primeiras obras. Há 17 filmes na competição de curtas-metragens.

2 Abr 2019

Casa de Macau em Portugal quer ensinar patuá e ter mais sócios chineses

Maria de Lurdes Albino não pode voltar a candidatar-se à presidência da Casa de Macau em Portugal, mas pondera participar numa nova lista. Em entrevista concedida em Lisboa, a responsável fala dos projectos que pretende realizar apesar das dificuldades financeiras. O ensino do patuá é um deles, bem como a abertura da Casa de Macau a jovens bolseiros chineses

 

[dropcap]A[/dropcap] vivenda situada na avenida Almirante Gago Coutinho, em Lisboa, deixa adivinhar um espaço cheio de história. A sua decoração interior também. Notam-se uns jornais de Macau em cima da mesa, a tradicional mobília chinesa, a publicidade a eventos ligados a pedaços do Oriente que se realizam na capital portuguesa.

No primeiro andar, permanece a sala destinada à pessoa que ocupa o cargo de presidente da Casa de Macau em Portugal (CMP), ainda que seja muito pouco utilizada. Descansam uns móveis doados por macaenses ou associações e sobressaiu um quadro que marca a memória da visita do ex-presidente da República Jorge Sampaio, que acompanhou o processo de transferência de soberania de Macau.

As paredes estão ocupadas por quadros de pintores da terra como Herculano Estorninho e fotografias de importantes sócios da casa, como o empresário Ng Fok. No rés-do-chão da casa dispõem-se mais salas onde um grupo de sócios joga bridge uma tarde por semana.

A visita guiada pela casa que guarda pedaços de Macau é conduzia por Maria de Lurdes Albino, a actual presidente da CMP que não pode recandidatar-se a um novo mandato, mas que pondera fazer parte de uma lista candidata às próximas eleições.

Maria de Lurdes Albino não acompanhou de perto o processo de transição, pois veio jovem estudar para Portugal e por cá casou. Mas nunca perdeu a ligação à sua terra, que visita várias vezes por ano. Roque Choi, importante figura da comunidade chinesa que fazia a ligação com as autoridades portuguesas, era visita frequente da sua casa.

Presidente desde 2013 (as últimas eleições foram em 2018), Maria de Lurdes Albino cumpre um segundo triénio de mandato e traça um balanço positivo dos trabalhos associativos que têm sido feitos, mas revela que as dificuldades financeiras foram sempre uma realidade.

“Não tem sido fácil fazer a gestão da Casa, mas temos conseguido ultrapassar as situações. Temos as actividades habituais, como as festas de Natal ou da Páscoa, e depois temos outras actividades que organizamos e que nos permitem continuar a auferir algum lucro para continuarmos a desenvolver o nosso trabalho sem grandes oscilações.”

Os subsídios chegam da Fundação Casa de Macau, bem como do Conselho das Comunidades Macaenses pela via da Fundação Macau, sempre que há os habituais encontros anuais da comunidade.

A CMP sofre de um problema comum a todas as entidades associativas de macaenses espalhadas pelo mundo: a falta de jovens.

“Embora os nossos associados tenham uma idade mais avançada, temos conseguido captar pessoas um pouco mais jovens, embora gostássemos de ter ainda mais”, assegurou ao HM. Tal pode passar pela implementação de outro tipo de actividades, “mais ligadas aos interesses dos jovens hoje em dia, como as novas tecnologias, por exemplo”, disse.

Contudo, “não existem os meios adequados para tal”, adiantou Maria de Lurdes Albino. “Vamos fazendo o que podemos, com os subsídios que vamos tendo, que são usuais, porque a casa é uma entidade de utilidade pública sem fins lucrativos. Portanto, não podemos ter propriamente actividades que gerem lucros.”

Maria de Lurdes Albino tem uma fórmula para renovar a CMP em termos de sócios, que passa “por suscitar o interesse dos jovens bolseiros” chineses que vão temporariamente para Portugal estudar a língua portuguesa ou outras áreas.

“Neste momento, não têm grande capacidade de se tornarem sócios, porque estão cá pouco tempo e depois vão embora, mas isso não quer dizer que nós, enquanto direcção, não estejamos a pensar na hipótese de arranjar uma solução em que eles se tornem sócios temporariamente ou, eventualmente, manterem-se depois sócios mesmo regressando a Macau. Estamos a ponderar essa via”, frisou.

Dialecto na agenda

Numa altura em que o ensino do mandarim está na moda em Portugal, a CMP continua a oferecer cursos de cantonês que, garante Maria de Lurdes Albino, continuam a ser muito procurados.
“Neste momento, começa a haver menos interesse pela frequência dos cursos de mandarim e começamos a ter pedidos de cursos de cantonês.”

A presidente encontra uma explicação “talvez demasiado simplista” para esse facto. “As pessoas vão muito a Macau. Há quem tenha lá trabalho, porque Macau é mais atractivo para os portugueses devido à existência de uma comunidade portuguesa. Mesmo as pessoas que vão em viagem a Macau ou que vão aos encontros da comunidade e que não são macaenses, ou que não têm raízes, pedem porque precisam de saber falar no dia-a-dia. Neste momento, está a haver uma procura muito grande. Poderá haver outras razões.”

Ao nível do ensino de idiomas, a CMP gostaria de abrir cursos de patuá, um objectivo que ainda não foi possível de concretizar. “Temos isso em mente e no nosso plano de actividades, mas é muito difícil de realizar. Fizemos muitos contactos em Lisboa e Portugal, mas não conseguimos arranjar alguém que domine o patuá, porque quem domina o dialecto já são pessoas mais antigas.”

“Em Macau não é tanto assim porque houve uma transmissão do patuá entre gerações, mas aqui em Portugal temos esse problema. Não é fácil e já fizemos imensos contactos e ainda não conseguimos. É um projecto que gostava imenso de levar a cabo”, acrescentou a responsável.

Maria de Lurdes Albino garantiu que existe muita procura pelo ensino do patuá. “Penso que vamos ter alunos suficientes porque já houve várias pessoas que demonstraram interesse no patuá. Estamos inseridos na sociedade portuguesa e estamos dispersos, e não há muitas pessoas que saibam. Não é fácil passar para outras gerações alguns aspectos da cultura macaense. Mas tenho esperança de que vamos conseguir.”

Elogios a Alexis

Quando o HM conversou com Maria de Lurdes Albino, Alexis Tam, secretário para os Assuntos Sociais e Cultura, tinha recebido há dias o doutoramento Honoris Causa da Universidade de Lisboa. A presidente da CMP esteve presente na cerimónia e dedica os maiores elogios ao governante.

“Foi falada essa questão da língua portuguesa em Macau e o estabelecimento de uma ponte entre a cultura portuguesa, através da língua. Estes jovens bolseiros, quando vêm aprender português, chegam a Macau e têm a possibilidade de continuarem os seus estudos de português, e essa é uma via muito importante para manter a cultura portuguesa viva e fazermos a ligação entre as duas culturas.”

“Os chineses não têm a cultura de matriz portuguesa, mas já têm alguma aprendizagem que me parece bastante boa para depois dinamizarem em Macau essa ligação e continuarem os seus estudos. Gostei muito de ouvir o doutor Alexis Tam e acho que ele tem feito um excelente trabalho nesse aspecto”, frisou.

Maria de Lurdes Albino não quis comentar questões políticas por ser algo que vai contra os estatutos da CMP, mas adiantou que “não há mais ou menos interesse” na língua portuguesa entre os governos de Edmund Ho e Chui Sai On.

“Penso que houve sempre bastante interesse da parte do governo da RAEM, com Edmund Ho e Chui Sai On. Não é uma questão de haver mais ou menos interesse, talvez seja uma questão de oportunidades. Durante o mandato de Edmund Ho houve muito interesse demonstrado pela cultura portuguesa, tal como agora haverá. Talvez agora haja um maior impacto em termos de divulgação, devido aos 20 anos da transição”, adiantou.

Sucesso da gastronomia

De entre as várias actividades que a CMP organiza, os eventos gastronómicos têm imenso sucesso, como comprovam as centenas de pessoas inscritas. “O interesse pela gastronomia é enorme, e quando organizamos aqui eventos temos imensa gente interessada em aprender.”

Para Maria de Lurdes Albino, a gastronomia é um ponto chave para responder a uma pergunta que está eternamente sem resposta. “Passamos a vida a debater a questão da identidade, do que é ser macaense, e nunca há uma resposta. Há diversos aspectos que confluem para uma característica diferente, específica em termos culturais, mas é muito difícil definir o que é a identidade macaense. Passa pela definição das várias vertentes. A gastronomia macaense é um dos pontos chave para que não se perca esta identidade. Outra seria o patuá, que seria importante manter.”

A presidente da CMP assume não ser muito dada à cozinha, mas ainda guarda consigo muitas das receitas da sua família. Em casa, há sempre um minchi pronto a comer.

“Hoje há muitos livros publicados, mas cada família tem a sua forma de cozinhar e as suas próprias receitas, com algumas diferenças. E não havia um conhecimento público do que se fazia.

Até que as pessoas resolveram começar a colocar em livros. Quando era miúda havia pessoas que não queriam divulgar as receitas da família, que eram sagradas. É uma pena que não tenhamos a gastronomia macaense mais divulgada.”

Os 50 anos da existência da CMP em Portugal comemoraram-se em 2016 com uma festa que reuniu grandes figuras ligadas ao território. Depois de Sampaio, Maria de Lurdes Albino confessa que “gostava de voltar a receber a visita de um governante chinês ou português”.

2 Abr 2019

Antigo Novo Banco Ásia incluído nas mais de 100 buscas do Ministério Público

[dropcap]A[/dropcap] falência do Grupo Espírito Santo continua a ser investigada pelas autoridades portuguesas e os números mais recentes dão conta da existência de 41 arguidos, bem como um arresto de mais de 122 milhões de euros e de 477 imóveis. Macau, onde funcionou durante anos o Banco Espírito Santo do Oriente (BESOR), mais tarde transformado em Novo Banco Ásia, e que foi posteriormente vendido ao grupo Well Link de Hong Kong, está a ser alvo das investigações por parte do Ministério Público (MP) em Portugal.

De acordo com um comunicado emitido pela Procuradoria-geral da República na quinta-feira, foi accionada uma linha de cooperação judiciária com Macau “para obtenção de dados bancários, audições, arresto de bens e outros actos de recolha de prova”. O território foi também incluído nas 111 buscas realizadas, bem como Portugal, Espanha e Suíça.

“O produto de buscas abrange, além de suportes documentais em papel, cerca de 100 milhões de ficheiros informáticos relativos a sistemas operativos bancários, sistemas de contabilidade, contratos, documentos contabilísticos, documentos de natureza bancária e transmissão escrita de comunicações entre Portugal, Suíça, Luxemburgo, Panamá, Dubai, Espanha, e redigidos em inglês, francês e espanhol”, lê-se no comunicado de imprensa. Quanto aos bens arrestados, o comunicado não específica se tais acções ocorreram também em Macau.

O comunicado do gabinete da PGR diz apenas que “foram suscitados 16 incidentes de arresto, alguns dos quais concretizados no Brasil e Suíça”. No total, “estão arrestados ou apreendidos cerca de 120 milhões de euros em numerário e aplicações financeiras”, acrescenta.

Os 30 milhões

O caso do antigo Grupo Espírito Santo baseia-se na investigação sobre a possível prática dos “crimes de burla qualificada, falsificação de documentos, corrupção activa e passiva no sector privado, corrupção com prejuízo no comércio internacional, branqueamento de capitais, infidelidade e associação criminosa”.

O accionamento da linha de cooperação judiciária entre Portugal e Macau foi notícia em Julho do ano passado, tendo sido pedida uma carta rogatória às autoridades locais para se saber o paradeiro de 230 milhões de patacas (30 milhões de euros), que Ricardo Salgado, ex-CEO do BES, terá depositado numa conta em Macau.

O jornal Ponto Final citou passagens do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, citado também pelo diário português Correio da Manhã. “O arguido [Ricardo Salgado] não apresentou justificação para um conjunto de inscrições na sua agenda de 2013, do qual aparentemente se extraem movimentos com destino a uma conta em Macau”.

Quando foi ouvido pelo Departamento Central de Investigação e Acção Penal (DCIAP) de Lisboa, em 2015, Ricardo Salgado não conseguiu explicar o conteúdo de uma anotação da sua agenda pessoal que continham as expressões “Chegaram a Macau 30 m €”, “com valores de 39 OK” e “saldo Suisse”.

Salgado disse que essas expressões poderiam “dizer respeito a movimentos de clientes”, mas o MP apresentou outra opinião. “Resta explicar por que razão é feita alusão a esta operação na sua agenda pessoal”, lia-se no acórdão.

Estas explicações terão de ser dadas pelos actuais administradores do banco Well Link Macau.

1 Abr 2019

Armazém do Boi recebe “Saline Baths”, uma mostra de Shi Samben

[dropcap]N[/dropcap]o próximo dia 10 de Abril é inaugurada uma nova exposição no espaço Armazém do Boi, situado na Rua do Volong. A mostra individual de Shi Samben, um artista oriundo da China continental, intitula-se “Saline Baths” e está relacionada com as reacções que os seres humanos geram no próprio artista.

“Quando examino de perto a natureza humana, apenas sinto desapontamento. Mas quando olho à volta do caleidoscópio do comportamento humano, o mundo torna-se novamente interessante”, referiu, citado por um comunicado.

Na sua obra, Shi Samben olha para as salinas não só como um lugar onde se produz o sal mas também como uma “solução que mantém a função das células do nosso corpo”. Na sua visão, as salinas são algo “suave, gentil e aborrecido”, sendo que o artista se transforma ele próprio numa salina, que “observa e destila o caleidoscópio da natureza humana”. Por sua vez, o conceito de “banho” surge relacionado com a intimidade que necessitamos de preservar quando estamos rodeados de estranhos.

“Os conceitos de estar em privacidade e em público estão interligados e são calculados, tal como quando o artista produz o seu trabalho pessoal”, adianta o mesmo comunicado.

Shi Samben estará a realizar uma residência artística no Armazém do Boi até 26 de Maio. Esta iniciativa relaciona-se com um projecto de vídeos de animação realizado no passado, quando o artista tentou relacionar pensamentos intimistas e ambíguos com formas visuais, revelando “um dilema entre considerações filosóficas comuns e a vida normal das pessoas”.

1 Abr 2019

CPTTM | Lionel Leong exige melhorias depois de relatório do CCAC

[dropcap]O[/dropcap] secretário para a Economia e Finanças, Lionel Leong, reagiu ontem ao relatório do Comissariado contra a Corrupção (CCAC), nomeadamente ao sistema arbitrário de contratações e pagamento de salários no Centro de Produtividade e Transferência de Tecnologia de Macau (CPTTM).

Citado por um comunicado oficial, Lionel Leong referiu que, “independentemente de se tratar de um serviço público ou entidades públicas, como o CPTTM, a sociedade espera que o processo de recrutamento e promoção seja justo, imparcial e transparente”.

O CPTTM terá agora de entregar um relatório de análise aos “processos de recrutamento para clarificar se, em situação de conflito de interesses, houve algum pedido de escusa”. Nesse sentido, o secretário “espera que o CPTTM siga os conselhos e sugestões apresentados no relatório do CCAC” e “aperfeiçoar, progressivamente, o regime de recrutamento e promoção”.

Lionel Leong explicou ainda que a direcção do CPTTM foi avisada em Novembro do ano passado das sugestões do CCAC, tendo “ele próprio exigiu àquele organismo que tomasse as devidas medidas para melhorar e corrigir a situação, devendo integrar, especialmente, no estatuto de pessoal o regime de impedimento”.

29 Mar 2019

Teresa Nogueira, da Amnistia Internacional em Portugal, sobre a China: “Há ofensivas culturais e de sedução”

Teresa Nogueira coordena o co-grupo sobre direitos humanos na China da Amnistia Internacional em Portugal e defende que o estabelecimento de Institutos Confúcio no país serve para a propagação da ideologia do Partido Comunista Chinês. A responsável alerta também para a vontade de Xi Jinping de mudar o sistema de direitos humanos dentro da ONU

 

Na última visita que fez a Macau, o ministro dos Negócios Estrangeiros português, Augusto Santos Silva, disse que Portugal e China não convergem em matéria de direitos humanos. Considera que o discurso político tem feito a devida referência a esta questão?

[dropcap]N[/dropcap]ão. Não só o discurso político, como os próprios media portugueses não transmitem nada do que se passa em relação aos direitos humanos na China. Não sei até que ponto isso resulta, ou não, de alguma pressão económica indirectamente ligada à China, mas a verdade é que não fazem eco de nada. Já desistimos de fazer manifestações sobre os direitos humanos na China, porque são tantos os polícias que parece que estamos em território chinês. Estou a referir-me à última visita…

Do presidente Xi Jinping?

Não. Aí resolvemos não fazer nada porque já tínhamos tido uma má experiência. Quando veio cá o presidente da Assembleia Popular Nacional (Zhang Dejiang, em 2017) pedimos, com imensa antecedência, uma manifestação a ser feita junto ao Palácio de Belém. Quando lá chegamos havia também uma manifestação de chineses pró-Governo da China, além de uma manifestação dos Falun Gong. A polícia mandou-nos afastar um pouco da entrada do palácio e quando o presidente chegou os chineses avançaram a desfraldaram uma bandeira de apoio ao Governo da República Popular da China (RPC) e ficámos confinados a um canto.

Nota então uma diferença de actuação das autoridades.

Noto que há uma certa protecção dos interesses chineses por parte do Governo português e uma condescendência face ao tema dos direitos humanos. Algo que está relacionado com a compra dos interesses vitais de empresas portuguesas e da obtenção de financiamento chinês.

Como explica o nascimento do movimento pró-China em Portugal?

São chineses que estão cá estabelecidos ou que são da embaixada. Agem com uma certa liberdade. Fui informada que quando veio cá o presidente Xi Jinping, os Falun Gong organizaram uma manifestação e foram empurrados com violência por grupos de chineses. Aí, a polícia actuou, separou as pessoas, não houve confrontos violentos, mas houve uma tentativa.

A visita do presidente Marcelo Rebelo de Sousa à China está agendada para Abril. Que expectativas coloca no seu discurso político relativamente aos direitos humanos?

Temos provas de que o presidente Marcelo é sensível a essa matéria. Tivemos prova disso quando ele fazia comentário político na televisão. Mas, sendo ele presidente, e estando Portugal tão dependente, e cada vez mais, de financiamentos chineses, acho que vai ter muita dificuldade ou não vai mesmo levantar questões relacionadas com os direitos humanos. Não acredito que o presidente se sinta à vontade para falar dessas questões sensíveis.

A China admitiu a existência de campos de detenção de uigures e disse que existirão até serem necessários. Tendo em conta as últimas reuniões na ONU sobre este assunto, a resposta de Pequim fica aquém daquilo que a comunidade internacional esperava?

A AI sempre pediu visitas a Xinjiang para estudar a situação dos direitos humanos, mas isso tem sido sempre recusado pela China. Quando a China diz que vai manter os campos até estes serem necessários, quer dizer que estes se vão manter até conseguir transformar os habitantes de Xinjiang em pessoas obedientes ao Governo chinês.

E falantes de mandarim.

Claro. Esta tem sido a política em relação ao Tibete, continua a ser, e agora em Xinjiang. Há cerca de um milhão de pessoas em campos de concentração que os chineses chamam de transformação pela educação.

Foi tornado público que os detidos são usados como mão-de-obra barata para a produção têxtil em fábricas norte-americanas sediadas em Xinjiang.

Também sabemos que, apesar de extremamente explorados, e de as pessoas terem condições muito penosas de trabalho, mesmo assim sentem um alívio face ao que sofriam nos campos de concentração. Temos declarações de pessoas nesse sentido.

A ONU deveria ter um papel mais activo nesta matéria?

Devia, mas a China, ao pertencer ao Conselho de Segurança, tem o poder de veto, e opõe-se às decisões mandatórias da ONU. Aliás, opôs-se uma moção de condenação do Myanmar e da Síria, e, portanto, com esse poder de veto, o poder da ONU é relativo. A ONU fez várias declarações, nomeadamente através do comité para a erradicação da pobreza extrema, quando se deslocou a Xinjiang e ao Tibete, e verificou que a pobreza nestas regiões é grande.

Em que sentido?

Houve diminuição da pobreza na China, mas no Tibete e em Xinjiang a pobreza é imensa. Isso resulta de uma política colonialista da China, que coloca pessoas de etnia Han nas regiões que passam a deter as principais actividades económicas e que só empregam Han. Os tibetanos e uigures limitam-se a actividades marginais. Esses colonos também exploram as matérias-primas destas duas regiões, que são muitas. O Tibete tem a maior mina de ferro do mundo, que está a ser explorada pelos chineses Han sem qualquer benefício para o Tibete. Há também a questão das florestas, pois metade do Tibete está desflorestado.

Passa-se fome nestas regiões ou estamos a falar de outro tipo de pobreza?

Há baixos salários, dificuldade em encontrar emprego, mas também fome.

Poderemos ver desaparecer a cultura uigur ou tibetana no prazo de dez anos, vinte anos?

Acho que voltará a ressurgir clandestinamente. Além de haver sempre resistentes, que são torturados e enclausurados, há uma transmissão que se faz de pais para filhos, e um dia mais tarde as coisas renascem. São etnias diferentes, com as suas tradições, língua e escrita próprias, é algo que demora muito séculos a desaparecer.

A política “Uma Faixa, Uma Rota” é muito abordada do ponto de vista económico, mas decerto terá também implicações em termos de direitos humanos. O que preocupa a AI relativamente a esta política?

Devo dizer que esta política representa uma viragem de 180 graus na política chinesa, porque durante 30 anos a China andou a dizer que era um país em desenvolvimento e que o que tinha era de conquistar tempo e esconder as suas capacidades. De repente, Xi Jinping começou a afirmar que queria construir uma comunidade com um destino comum para a humanidade, liderada pela China. Ele vai tão longe que quer dominar e moldar as mentalidades, e mudar o sistema de direitos humanos da ONU, substituindo o conceito de direitos humanos pelo conceito de “ganhar-ganhar”. Este baseia-se nos acordos, geralmente comerciais, que a China estabelece com os Estados, em que, de acordo com Xi Jinping, todos ganharão. Mas quem ganha? São os Governos porque, na realidade, a população não ganha.

São casos de exploração laboral?

Sim. No Quénia, na construção de um caminho-de-ferro, os quenianos que lá trabalharam sofreram abusos e foram discriminados por supervisores chineses. Em Moçambique, a exploração de zircónio e titânio, numa aldeia próxima de Nampula, deu origem à quase total destruição da aldeia costeira, graças a cheias que nunca sucediam. Outro exemplo de violação dos direitos humanos é a exploração de cobalto na República Democrática do Congo, feita através de subsidiárias chinesas. A extracção do minério é feita em condições terríveis de salubridade, debaixo da terra e com imensa poeira, utilizando também trabalho infantil. O cobalto é depois exportado para a China para fazer as baterias de telemóveis e carros eléctricos. Se é isto que a China pretende substituir na ONU, está provado que quem ganha são os políticos, mas que não há a mínima preocupação de quem faz os acordos.

Teme que venham a ocorrer casos de exploração laboral na Europa relacionados com esta política, ainda que com outra dimensão?

As consequências são de condicionamento de certos países em relação a votações, nomeadamente na comissão de direitos humanos. Lembro o caso da Grécia que, em 2017, se opôs a uma resolução da União Europeia condenando a China por violação de direitos humanos. Porquê? Porque estava dependente da China em relação à exploração do Porto de Pireu. É isso que poderá vir a acontecer em Portugal. Há pouco tempo o primeiro-ministro António Costa disse que a cooperação com a China tem corrido muito bem e não tem afectado em nada o procedimento de Portugal, mas a verdade é que há uma ausência de condenação dos direitos humanos na China. Mas queria acrescentar que, associada à Rota da Seda, há também a construção de várias infra-estruturas. A posição da AI é que, em alguns casos, essas infra-estruturas, apesar de terem melhorado as condições das populações, mostram o reverso da medalha, de que já dei alguns exemplos. Há depois as ofensivas culturais, e diria de sedução por parte da China.

Em que sentido?

As ofensivas culturais fazem-se através dos Institutos Confúcio.

Considera então que há aí uma tentativa de controlo por parte da China.

É a ideologia. Pode parecer que os institutos são como a Alliance Francaise ou o British Council, mas não são, porque se implantam nas universidades e tentam propagar o pensamento dominante na China aos académicos.

Não há então apenas a aprendizagem do mandarim.

Sim. Houve uma tentativa de censura de um artigo sobre a China apresentado numa conferência por parte de uma pessoa do Instituto Confúcio. Foi censura de alguém, mas que não resultou. Além disso, estes institutos, juntamente com a aprendizagem do mandarim, ensinam a cultura chinesa e dão bolsas de estudo para os alunos estudarem na China, para se integrarem no país, para lhes impregnar o pensamento chinês. A sedução é também feita em relação a muitos políticos e autarcas, e não só. Até pessoas proeminentes em certos sectores.

Pode dar exemplos?

Lembro-me de um caso recente de uma pessoa portuguesa ligada à segurança alimentar que foi convidada para ir à China com tudo pago, mas que não se deixou enganar e viu o que se estava a passar e as restrições que lhe davam. Viu a tentativa que foi feita para lhe tirarem o passaporte quando chegou. Recordo-me também do presidente da Câmara Municipal de Lisboa que foi convidado para ir à China e que já fez acusações muito abonatórias sobre o país. E como ele outros políticos são convidados, há geminação de cidades portuguesas com cidades chinesas, há visitas pagas em que são mostradas maravilhas chinesas. Essas pessoas tornam-se depois cavalos de Tróia da China nos respectivos países.

Que perfil traça do presidente Xi Jinping? É visto por muitos analistas como o novo Mao Zedong.

E podemos estar perante um novo Mao. Estas medidas de colocação dos uigures em campos de aprendizagem pela educação, que são, no fundo, campos de concentração, replicam bastante bem o que o Mao fez com a Revolução Cultural, mas agora com a tecnologia e a Internet. Em Xinjiang há câmaras de vídeo em todo o lado e reconhecimento facial. Em toda a China está a implantar-se o sistema de crédito social em relação ao comportamento das pessoas.

É um perigo real de controlo de mentalidades?

Sim, há um controlo e um auto-controlo. Isso leva as pessoas a pensarem duas vezes antes de terem contactos com pessoas que não estão afectas ao regime.

29 Mar 2019

Investigador português analisou revistas literárias de Macau do início do século XX

[dropcap]D[/dropcap]uarte Drummond Braga, investigador, apresentou esta quinta-feira em Lisboa, na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa (FCSH-UNL), um trabalho intitulado “Revistas literárias de Macau do início do século XX”.

Ao HM, o investigador falou de um trabalho que surge no seguimento de pesquisas já realizadas sobre as revistas literárias em língua portuguesa publicadas em Goa. Duarte Drummond Braga optou por analisar três publicações da primeira década do século XX, nomeadamente a Revista Oriente, dirigida pelo bispo José da Costa Nunes, a Revista Macau, dirigida por Humberto Avelar, e o Boletim Eclesiástico, uma publicação da Diocese de Macau.

“Queria saber como estas revistas se comportavam em termos de produção literária ou de crónicas e como desenvolviam essa parte mais cultural. Já havia um trabalho desenvolvido pelo Daniel Pires sobre os jornais do século XIX, que são bastante políticos, e parece-me que esta dimensão literária tarda em aparecer, só surge mais nos anos 60 ou 70 do século XIX”, contou.

Nas bancas existiam “revistas mais culturais, políticas mas também literárias, com várias rubricas”. “No caso da Revista Macau, esta tinha uma posição mais anarquizante, à esquerda, enquanto que outras têm uma posição mais conservadora. Há diferentes posicionamentos políticos”, adiantou o académico.

A Revista Oriente era uma publicação “cultural católica e não tanto um órgão da Igreja, como era o caso do Boletim Eclesiástico”, sendo “notória” a diferença de conteúdos face ao que era escrito na Revista Macau.

Esta era “mais próxima de uma esquerda republicana, com questões ideologicamente diferentes da Revista Oriente, que por vezes tinha uma posição um pouco mais conservadora, mas não necessariamente”. “Talvez em confronto com a outra ela pareça um pouco mais conservadora”, frisou.

O facto de não dominar a língua chinesa fez com que Duarte Drummond Braga se tenha debruçado apenas sobre estas publicações. Mas havia outras, não apenas escritas em português e chinês.

A questão dos pseudónimos

Questionado sobre a ligação que estas revistas tinham com a imprensa da época, Duarte Drummond Braga garantiu que ainda lhe falta desenvolver mais investigação nessa área. “Havia jornais católicos que já se publicavam, como A Voz do Crente, que é do século XIX, e havia também jornais católicos do mesmo período.”

Duarte Drummond Braga denota também as dificuldades em investigar o jornalismo de Macau dos primórdios do século XX, pelo facto da maioria dos artigos publicados não serem assinados. Daí que não possa garantir se as revistas literárias da primeira década mostraram ou não novos autores macaenses.

“Não posso garantir que não haja colaboradores macaenses, até porque no jornalismo desta época há muito a questão do pseudónimo e das iniciais, e isso torna bastante complicada a investigação com o jornalismo desta época. Mas parece-me que a produção literária de macaenses é uma coisa que aparece mais tarde”, frisou.

O tema da palestra de ontem, inserida no Seminário Permanente de Estudos sobre Macau, ciclo de conferências da FCSH-UNL, poderá um dia dar origem a um livro. “Havendo interesse de alguma instituição em apoiar esse tipo de obra, porque não?”, questionou Duarte Drummond Braga.

Esta não é a primeira vez que o académico se debruça sobre os escritos do Oriente. Duarte Drummond Braga estudou a relação entre Goa e Macau na literatura portuguesa ao abrigo de uma bolsa de pós-doutoramento da Universidade de São Paulo, o projecto “Pensando Goa (Fapesp)”. Além disso, é autor da obra “As Índias espirituais. Fernando Pessoa e o Orientalismo português”.

29 Mar 2019

AL | Director dos SAFP diz que Macau tem um Governo “íntegro”

[dropcap]A[/dropcap]pesar da ausência de Macau no Índice de Percepção da Corrupção da Transparência Internacional, o Governo local pode ser considerado como “íntegro”. A ideia foi deixada ontem pelo director dos Serviços de Administração e Função Pública (SAFP), Eddie Kou em resposta ao deputado Pereira Coutinho que questionava o Governo acerca das medidas a tomar para poder integrar o referido Índice.

Macau saiu do ranking da organização em 2012 por faltarem informações sobre o território. “O Governo não consegue facultar estes dados e também não é exigido que o faça. O Comissariado contra a Corrupção (CCAC) tem feito este trabalho e, como há esta restrição, vamos reforçar as outras vertentes referentes à criação de um Governo íntegro, como a formação e a fiscalização, para melhorar o nível de integridade de Macau”, indica Eddie Kou.

De acordo com o responsável, Macau tem-se mostrado empenhado “no desenvolvimento de um Governo íntegro” e tem mantido “uma atitude de abertura face à avaliação do nível de integridade realizada por entidades internacionais ou organizações não governamentais”. Apesar da posição do território ser pior do que a das regiões vizinhas, o valor de referência destas avaliações é, ainda assim, tido como “positivo”, apontou.

Críticas paralelas

A defesa da existência de um Governo íntegro por parte de Eddie Kou mereceu críticas de Sulu Sou que achou “piada” à classificação, tendo em conta que “o índice de integridade de Macau tem pouco mais pontos do que o das Filipinas tal como a existência dos casos em que os secretários contratam familiares para a função pública”, disse. O deputado pró- democrata fez ainda referência ao recente caso denunciado pelo Comissariado Contra a Corrupção (CCAC) de abuso poder de um funcionário do Instituto para os Assuntos Municipais (IAM) e ao relatório apresentado ontem (ver Grande Plano) que denuncia condutas fraudulentas de funcionários públicos.

Song Pek Kei levantou também a questão da responsabilização dos infractores. “O relatório do CCAC apresentado ontem deixou a sociedade chocada porque revelou as deficiências do nosso sistema”, pelo que é necessário apurar responsabilidades, apontou.

Em resposta, o director dos Serviços de Administração e Função Pública revelou que “em 2019 serão objecto de revisão o regime disciplinar e o regime de aposentação e cessação e funções cujas matérias estão relacionadas com a responsabilidade administrativa”.

O responsável garantiu ainda que os Serviços têm estado empenhados na promoção de acções de formação de modo a alertar os funcionários para esta matéria.

Do lado do Executivo esteve o deputado Wi Chou Kit que elogiou o trabalho feito pelo Governo. “Os trabalhos anti-corrupção têm melhorado. Os crimes de corrupção estão a diminuir”, sublinhou.

Pereira Coutinho questionou também o Governo acerca do desenvolvimento de um sistema político mais democrático que eleja a maioria dos deputados da AL por sufrágio directo. Para Eddie Kou, Macau tem dado mostras de evolução no sentido da democracia na medida em que, “o número de deputados aumentou de 23 para 33 membros desde a primeira legislatura” e “o número de assentos para os eleitos por sufrágio directo e indirecto aumentou de 8 para 14 e 12 respectivamente”.

28 Mar 2019

Governo: Comissão da chefe da delegação da RAEM em Pequim não foi renovada

[dropcap]O[/dropcap] Chefe do Executivo, Chui Sai On, reagiu ontem ao relatório do CCAC em comunicado oficial referindo que a comissão de serviço da chefe da delegação da RAEM em Pequim não foi renovada, após a instauração de um processo disciplinar interno.

No mesmo comunicado, Chui Sai On defende que “os funcionários públicos devem ter como motivação o serviço à sociedade, exercendo as suas funções com integridade e no cumprimento da lei, devendo as chefias dar o exemplo”. “Conforme informações do CCAC, todos os casos de crime já entraram em processo judicial, havendo mesmo para alguns deles decisão dos tribunais.

Relativamente aos casos da Provedoria de Justiça, os respectivos serviços já foram informados e alguns já corrigiram as falhas ou melhoraram os procedimentos. Entretanto, os responsáveis máximos dos serviços ou secretários da tutela vão considerar, de acordo com a situação concreta, se existe matéria para a instrução de processos disciplinares às pessoas envolvidas”, lê-se ainda na resposta.

28 Mar 2019

Contratações ao exterior | CCAC contra “atitude conservadora”

[dropcap]O[/dropcap] relatório do Comissariado contra a Corrupção (CCAC) relativo a 2018 menciona a investigação às irregularidades com os processos de fixação de residência por investimento coordenados pelo Instituto de Promoção do Comércio e Investimento de Macau (IPIM).

Neste sentido, o organismo liderado por André Cheong defende que o Executivo deve deixar de lado práticas mais conservadoras no que diz respeito à contratação de quadros qualificados no exterior.

“No desenvolvimento de Macau não se pode rejeitar a recepção de profissionais qualificados do exterior. Ter uma atitude conservadora ou optar por permanecer num mercado fechado relativamente à política de quadros qualificados corresponde a abdicar de competitividade por iniciativa própria”, lê-se no documento, que defende uma melhoria das leis vigentes nesta área.

Isto porque “não se pode pôr em causa o resultado do regime ou até negar o seu significado devido à existência actual de alguns problemas na apreciação dos processos”.

28 Mar 2019

Leal Senado | Antigo IACM pagou contas de um prédio que não era seu

[dropcap]O[/dropcap] relatório do CCAC contempla também um caso relativo a um prédio habitacional localizado ao lado do edifício que alberga o Instituto para os Assuntos Municipais (IAM).

O organismo liderado por André Cheong concluiu que o antigo IACM pagou despesas relacionadas com a administração do prédio que não lhe competiam, na ordem das 300 mil patacas. Tal aconteceu pelo facto de nunca ter sido nomeada uma administração para o edifício.

“Devido ao facto de que o antigo Leal Senado possuía, antigamente, a maioria dos fogos habitacionais do prédio, o mesmo organismo foi encarregado pelos restantes moradores para a administração daquele parque de estacionamento. No entanto, com o decorrer do tempo, o IACM possui actualmente apenas uma pequena quantidade dos fogos habitacionais do prédio.”

Nesse contexto, e tendo em conta a ausência de administração, “o IACM continuou a prestar apoio na administração do parque de estacionamento, cobrando mensalmente aos utentes dos lugares de estacionamento um montante fixado para o pagamento de água e electricidade, bem para as despesas para manutenção dos equipamentos”.

O CCAC concluiu que o edifício nunca foi do IACM nem do Governo, “mas sim uma propriedade comum dos proprietários do prédio”. De acordo com o Código Civil em vigor, “as responsabilidades de administração, reparação e segurança devem ser assumidas conjuntamente pelos proprietários do prédio, não devendo o IACM ‘pagar a conta’ para o funcionamento do parque de estacionamento com dinheiro público”.

A situação ficou resolvida o ano passado, com o antigo IACM a pôr termo ao seu papel de administrador. Além disso, o organismo “prestou esclarecimentos aos restantes proprietários relativamente às despesas de reparação pagas para o parque de estacionamento ao longo dos anos, com vista a recuperação das respectivas verbas”.

28 Mar 2019

CCAC | Contratações no CPTTM revelam nepotismo

[dropcap]U[/dropcap]m dos casos investigados pelo CCAC, e revelado no relatório de 2018 ontem divulgado, diz respeito à política de contratações do Centro de Produtividade e Transferência de Tecnologia de Macau (CPTTM), tendo sido verificadas “situações de nepotismo e de gestão irregular”, que existiam “há vários anos”.

“A prática inicial de recrutamento do CPTTM era demasiado arbitrária, e a proporção dos trabalhadores que tinham, entre si, relações familiares era demasiado alta, tudo isto suscita inevitavelmente suspeitas por parte do público relativamente a actos de nepotismo”, lê-se no relatório ontem divulgado.

O CCAC chegou à conclusão que a maior parte dos funcionários contratados por este organismo eram familiares. “Até Abril de 2017, existiam 101 trabalhadores no CPTTM. Destes, 16 tinham relações familiares entre si, nomeadamente de pai-filho, pai-filha, cônjuge, irmãos e irmãs entre outras, sendo que três deles já se desvincularam do serviço.”

Além disso, havia falta de documentação sobre estas contratações, uma vez que o organismo “não conseguiu fornecer ao CCAC documentos relativos à contratação de alguns trabalhadores, nem mesmo as propostas de contratação e os respectivos despachos”.

O CCAC concluiu também que durante vários anos o CPTTM “não realizava concursos públicos nem divulgava ao público informações relativas ao recrutamento, e os procedimentos de recrutamento realizavam-se através de recomendações por parte do seu pessoal interno”.

Dessa forma, “os procedimentos de recrutamento eram bastante arbitrários”, uma vez que um gerente de gabinete “não só podia decidir quais os candidatos a emprego que poderiam participar nas avaliações de recrutamento, mas também podia decidir aproveitar-se apenas das entrevistas sem realizar provas escritas ou testes de aptidão profissional”.

Também não havia regras relativamente ao pagamento de salários dos trabalhadores. “A remuneração e regalias de trabalhadores eram decididas pela direcção do CPTTM após consideração global de vários factores. Tudo isto demonstra que o poder discricionário exercido é significativamente excessivo.”

Após a análise efectuada em 2017, o CCAC chegou à conclusão de que o CPTTM poderia ainda melhorar alguns aspectos do seu funcionamento, “nomeadamente o não estabelecimento de um regime de impedimentos no regulamento interno que regula as acções de recrutamento, e que este facto pode aumentar o risco de aparecimento de situações de conflito de interesse”.

28 Mar 2019

CCAC revela abuso de poder cometidos por funcionários públicos

O relatório do Comissariado contra a Corrupção relativo ao ano passado é claro: não só há mais crimes de abuso de poder e burla cometidos por funcionários públicos, como aumentaram as burlas com pedidos de subsídios públicos. Foram detectadas situações de roubo de computadores ou pagamento de despesas ligadas a um caso extraconjungal de um funcionário público

 

[dropcap]A[/dropcap]pesar do discurso político apontar para a necessidade de uma melhor conduta por parte dos funcionários públicos, a verdade é que o número de casos relacionados com burlas ou abuso de poder dentro da Administração não pára de aumentar.

A conclusão é do relatório do Comissariado contra a Corrupção (CCAC), relativo ao ano de 2018, que foi ontem divulgado. No documento, lê-se que, apesar da diminuição do número de casos de corrupção passiva e de recepção de vantagens praticados pelos trabalhadores da Função Pública, “registou-se um aumento no número de casos de crimes de burla, de falsificação de documento, de abuso de poder, entre outros, praticados pelos mesmos, especialmente casos em que alguns dirigentes de determinados serviços públicos violaram a lei penal por terem abusado do seu poder para fins particulares através do aproveitamento de funções”.

Neste contexto, o organismo liderado por André Cheong defende que é necessário “reforçar as acções de sensibilização para elevar a consciência dos trabalhadores da Função Pública face à necessidade de observância da disciplina e cumprimento da lei, bem como de adopção de uma conduta ética”.

Outro dos pontos denunciados pelo relatório diz respeito ao aumento de infracções ligadas a subsídios públicos. “Relativamente aos casos de obtenção fraudulenta de subsídios atribuídos pelo Governo, deparamo-nos com uns primeiros sinais de um rápido crescimento”, defende o CCAC, que estabelece a correlação com o facto de o Executivo ter vindo a criar, nos últimos anos, cada vez mais apoios deste género, tendo em conta o desenvolvimento económico.

“Em 2018, o CCAC investigou vários casos relativos à obtenção fraudulenta de subsídios atribuídos pelo Governo, incluindo, nomeadamente, casos criminais de obtenção fraudulenta dos subsídios concedidos pelo Fundo para a Protecção Ambiental e a Conservação Energética, e pelo Programa de Desenvolvimento e Aperfeiçoamento Contínuo, o que demonstra a necessidade de se adoptarem normas e mecanismos de fiscalização mais rigorosos, no âmbito da atribuição de subsídios pelos serviços públicos.”

Traição paga

Um dos últimos casos investigados pelo CCAC, em Dezembro, diz respeito a despesas pessoais pagas pelo Executivo a um funcionário da Direcção dos Serviços de Protecção Ambiental (DSPA), no âmbito de uma relação extraconjungal mantida pelo próprio.

Tudo partiu de uma denúncia. “Um ex-dirigente da DSPA tinha uma relação íntima com uma colega do mesmo serviço e arranjava sempre deslocações ao exterior em missão oficial de serviço em que ambos participavam.”

Nesse contexto, ambos realizaram uma viagem a Portugal, em 2013, que “não tinha qualquer relação com os trabalhos da responsabilidade da referida colega”, além de que “o ex-dirigente em causa prolongou propositadamente a agenda da referida deslocação dos envolvidos sem que se verificasse oficialmente qualquer necessidade”. “As respectivas despesas de hospedagem, alimentação e ajudas de custo foram pagas pelo Governo da RAEM”, concluiu o CCAC.

Outro caso diz respeito a um dirigente da Delegação da RAEM em Pequim suspeito de “praticar vários actos ilegais através do aproveitamento das suas competências funcionais”. O caso, que está a ser investigado pelo Ministério Público, centra-se no pedido de subsídio de deslocação por parte do suspeito “durante muitos anos”, quando vivia no edifício da delegação.

O dirigente aproveitou “dois escritórios da delegação para ali pernoitar, tirando igualmente partido de dinheiros públicos para ali instalar equipamentos para a sua vida diária e uso pessoal, nomeadamente chuveiro, aquecedor de água, máquina de lavar e secar roupa, entre outros”.

Além disso, “foi descoberto ainda que o referido dirigente deu instruções ao motorista oficial da delegação para levar familiares e amigos seus para visitar alguns lugares famosos, exigindo ao referido motorista que efectuasse o pagamento prévio das despesas de alimentação dos seus familiares e amigos durante as visitas, e aprovando, posteriormente, o reembolso daquelas despesas como se tratando de despesas efectuadas em missão oficial de serviço”.

O computador roubado

Outro exemplo de infração revelado pelo relatório do CCAC versa sobre o roubo de material informático por parte de um trabalhador da Direcção dos Serviços das Forças de Segurança de Macau (DSFSM). “No decorrer da investigação, foi admitido que por não possuir nenhum computador em casa, o funcionário se aproveitou das suas funções para levar para casa os equipamentos informáticos pertencentes ao património do serviço, apropriando-se dos mesmos.”

De frisar que estes aparelhos continham documentos confidenciais de vários serviços públicos.
Numa resposta emitida ontem, a DSFSM adiantou que o referido funcionário foi suspenso de imediato, estando a ser alvo de um processo disciplinar. O computador roubado continua “alguns ‘execution files’ de programas de aplicação pertencentes aos diversos departamentos das forças de segurança, bem como alguns documentos reservados”. Contudo, o trabalhador “não tinha competências e palavras-passes para o acesso aos respectivos documentos”. A ocorrência levou ao reforço do sistema de vigilância.

Taxista nas horas vagas

Outro episódio fraudulento patente no relatório da entidade fiscalizadora incide sobre um funcionário dos Serviços de Alfândega (SA) que conduzia um táxi a tempo parcial. Em resposta, os SA afirmam que “abriram imediatamente o procedimento interno de investigação disciplinar e investigaram o caso de acordo com a lei, tendo sido proposta uma punibilidade pela prática do acto ilegal e infracção disciplinar”.

No mesmo comunicado dos SA, lê-se que “o caso se encontra, neste momento, em fase final de decisão”, e que “os resultados serão anunciados posteriormente”.

Um outro funcionário dos SA foi também suspeito de usar um documento falsificado para se candidatar a habitação social e obter o subsídio de residência. Os SA esclarecem que o trabalhador foi demitido em 2011 por faltas injustificadas, tendo, em 2016, apresentado “o requerimento de reabilitação para ser convertida em aposentação compulsiva a pena de demissão”. No comunicado, os SA esclarecem que, quando o verificador alfandegário cometeu os actos suspeitos, “já estava desligado do serviço”.

Melhorar a lei

Tendo em conta estes casos, o CCAC volta a repetir uma sugestão já feita no passado, que aponta para a necessidade de melhorar a aplicação das leis vigentes e procedimentos. O organismo considera que o conceito de “observância da disciplina e cumprimento da lei” dos trabalhadores da função pública “tem de ser intensificado, e a consciencialização relativa à ‘integridade e dedicação ao público’ do pessoal de direcção e de chefia deve também ser reforçada, não devendo os mesmos aproveitar-se, directa ou indirectamente, das suas funções e poder em prol dos seus interesses pessoais”.

As investigações mostraram que existem “problemas relacionados com a aplicação não rigorosa da lei e a falta de supervisão por parte de alguns serviços públicos se destacam, merecendo uma grande atenção pelo Governo”.

27 Mar 2019

FAM | Metade do programa da 30ª edição com produções locais

Foi ontem apresentado o programa completo da 30ª edição do Festival de Artes de Macau, que decorre este ano entre 3 de Maio e 2 de Junho e conta com um orçamento reforçado em dois milhões de patacas face ao ano passado. De um total de 22 espectáculos, metade são de Macau, com destaque para a nova produção falada em patuá, “Tirâ Pai na Putau (Tirar o Pai da Forca)”

 

[dropcap]V[/dropcap]em aí mais uma edição do Festival de Artes de Macau (FAM), que este ano comemora 30 anos de existência. O programa completo foi ontem apresentado e conta com um extenso leque de produções de Macau, onde se inclui mais uma peça do Grupo de Teatro Dóci Papiaçám di Macau.

Entre os dias 18 e 19 de Maio o público poderá assistir ao espectáculo “Tirâ Pai na Putau (Tirar o Pai da Forca)”, uma peça encenada e escrita por Miguel de Senna Fernandes.

A história gira à volta de Emília, que viaja para Macau para trabalhar como terapeuta ocupacional no Departamento de Psiquiatria do recém-inaugurado Hospital do Cotai. Ela sempre quis trabalhar em Macau, para assim concretizar o sonho de reencontrar o seu pai biológico, com quem perdeu o contacto. Por um acaso, Emília descobre que um dos pacientes da ala psiquiátrica do hospital é o seu pai. Agora, nada detém Emília, que tudo fará para o proteger, nem mesmo os planos urdidos pela sua mulher.

Aos jornalistas, Miguel de Senna Fernandes disse que a peça é composta de “histórias muito simples”, mas sempre cheias de críticas em relação à actualidade do território, mais especificamente ao projecto do novo hospital que irá nascer no Cotai.

“É mais uma rábula que tem como pano de fundo algo que faz parte da curiosidade de toda a gente, neste caso a história do novo hospital. É a segunda vez que abordamos esta questão, mas desta vez ainda com mais premência porque toda a gente fala do hospital do Cotai e nada se vê.

Já nos falaram deste hospital vezes sem conta, mas é claro que ninguém vai explorar as razões de nada acontecer. É uma questão recorrente e vamos falar dele à boa maneira da comédia.”

Teatro em destaque

Além do teatro falado em patuá, o cartaz do 30º FAM dá grande destaque às produções levadas a cabo por companhias teatrais de Macau. Entre os dias 3 e 8 de Maio a companhia “Cai Fora” apresenta “A Viagem de Curry Bone 2019”, cuja história se baseia num guia turístico com o mesmo nome. Este compila as experiências de Curry Bone na Terra dos Anões, que também tem uma aplicação para telemóvel. O percurso pode ser feito por todos.

Com “Pronto-a-Vestir”, a Associação de Desenvolvimento Comunitário Artistry of Wind Box apresenta, no espaço Armazém do Boi, uma história sobre o passado da indústria têxtil em Macau. “Este espectáculo, em formato de teatro documentário, apresenta o quotidiano das costureiras e explora a vida e a cidade de hoje através da memória desta geração”, descreve o IC.

Por sua vez, o grupo de dança Four Dimension Spatial apresenta, a 18 de Maio, o espectáculo “Mau Tan, Kat Cheong”, no edifício do antigo tribunal. Trata-se de uma história sobre os imigrantes ilegais que chegaram a Macau nos anos 80, quando esta era considerada a “terra dos sonhos”. Estas pessoas acabaram por ficar a residir em bairros como a Areia Preta ou o Iao Hon, e foi nesta zona que o grupo visitou e entrevistou pessoas na vizinhança dos edifícios Mau Tan e Kat Cheong para compreender a migração em Macau e reflectir sobre as transformações sociais nos últimos 30 anos.

“Caleidoscópio”, da Associação de Representação Teatral Hiu Koc, apresenta-se ao público no Centro Cultural de Macau entre os dias 1 e 2 de Junho e revela-se como algo “diferente do teatro narrativo”, apresentando “momentos de vida interligados no palco através de música, luz, espaço e ritmos respiratórios dos actores”.

“Wonderland”, da Associação de Dança Ieng Chi x Concept Pulse Studio, é mais uma das onze produções locais que acontece entre os dias 4 e 5 de Junho. “WonderLand” é o resultado da incubação de Rosas Artificiais. O trabalho original foi lançado no Festival BOK, em 2017, e continuou a sua experimentação como dança-teatro e instalação no Festival Fringe Cidade de Macau, em 2018.

A 30ª edição do FAM conta ainda com quatro espectáculos destinados a um público mais novo, além de produções internacionais, onde se inclui uma peça de teatro da companhia teatral portuguesa O Eléctrico.

O orçamento do FAM é de 22 milhões de patacas, um valor superior face a 2018 em dois milhões de patacas. O IC justifica o aumento com a inflação e aumento dos custos associados às produções.

27 Mar 2019

MP | Maioria dos crimes de natureza sexual arquivados no ano passado

Dados estatísticos ontem publicados pelo Ministério Público revelam um elevado número de arquivamentos de processos relativos a crimes de natureza sexual ao longo do ano passado. De um total de 20 queixas de violação 15 foram arquivadas. Por outro lado, aumentaram os casos de importunação sexual e filmagens de zonas íntimas feitas à revelia da vítima

 

[dropcap]A[/dropcap]lei mudou, mas é ainda difícil deduzir acusação. O Ministério Público (MP) revelou ontem novos dados relativos aos casos de natureza sexual ocorridos no território em 2018 e os números mostram que, apesar do aumento de ocorrência de alguns crimes, continua a verificar-se um elevado número de arquivamentos dos processos.

Exemplo disso são os crimes de violação. O MP recebeu um total de 20 casos mas arquivou 15, tendo deduzido apenas cinco acusações. No que diz respeito aos crimes de coacção sexual, foram arquivados metade das queixas, de um total de seis investigações realizadas.

A elevada taxa de arquivamento verificou-se também no crime de importunação sexual, estabelecido com a revisão do Código Penal em 2017. O MP aponta que “o número de inquéritos autuados tem aumentado”, uma vez que, na segunda metade de 2017, “foram autuados 12 inquéritos e, em 2018, foram actuados 50”. No ano passado, o MP “concluiu 34 inquéritos de importunação sexual, deduzindo 16 acusações e determinando 18 arquivamentos”, lê-se em comunicado oficial.

No que diz respeito à importunação sexual pela via de actos exibicionistas, foram arquivados seis dos 11 inquéritos. Também na investigação de crimes de abuso sexual de crianças os números de arquivamento foram elevados. De um total de 16 inquéritos, não foi deduzida acusação em 13.

No capítulo do crime de actos sexuais com menores, foram realizados apenas três inquéritos, que resultaram em dois arquivamentos.

No total, o MP autuou, em 2018, 127 inquéritos penais relativos à prática do crime sexual, entre os quais se destacaram 25 de crime de violação, oito de coacção sexual, 50 de importunação sexual, cinco de actos exibicionistas, 25 de abuso sexual de crianças, três de acto sexual com menores e três de pornografia de menor.

Menos de um por cento

No mesmo comunicado, o MP dá conta do aumento, nos últimos anos, de “casos relacionados com a filmagem secreta de parte íntima de outra pessoa”, que resultaram na dedução de cinco acusações pelo crime de gravações e fotografias ilícitas.

Os números mostram, de acordo com o MP, que “os inquéritos relativos a crime sexual ocupam menos de um por cento da totalidade dos inquéritos penais”, não tendo sido registado “um acréscimo notório de percentagem de inquéritos de crime sexual nos últimos anos. Tudo graças ao “combate rigoroso levado a cabo pela polícia e órgãos judiciários do crime sexual e à maior consciência dos cidadãos sobre a sua prevenção”.

Ainda assim, o MP nota que “tendo em conta que os respectivos inquéritos envolveram a protecção de direitos e interesses das pessoas, designadamente mulheres e crianças, tornaram-se alvo de atenção da sociedade”.

27 Mar 2019

Agências de emprego | AL não discute proposta de lei há meses. Coutinho pede acção

[dropcap]O[/dropcap]deputado José Pereira Coutinho entregou uma carta ao presidente da Assembleia Legislativa (AL), Ho Iat Seng, em que questiona os motivos pelos quais os deputados não reúnem, há vários meses, para continuar a análise da proposta de lei relacionada com a regulação das agências de emprego.

Coutinho recorda que o diploma deu entrada na AL a 28 de Dezembro de 2017, estando em análise pela 3ª Comissão Permanente da AL, presidida pelo deputado Vong Hin Fai. “A comissão reuniu de ‘portas fechadas’, como é costume, nos dias 29/01/2018, 01/02/2018, 26/02/2018, 08/06/2018, 06/07/2018 e 02/08/2018 tendo o Governo prometido que iria analisar algumas questões expostas pelos deputados para posterior melhoramento do referido projecto.”

A última reunião aconteceu em Agosto do ano passado, pelo que o deputado exige a Ho Iat Seng que “mande perguntar aos membros do Governo responsáveis pelo projecto lei quando estarão dispostos a reunir com os membros da 3.ª Comissão Permanente”. Caso contrário, o também presidente da Associação dos Trabalhadores da Função Pública de Macau acredita que a melhor solução é retirar o projecto lei seguido da” devida explanação detalhada e fundamentada desta decisão”.

27 Mar 2019

Lei Básica | “Um País, Dois Sistemas” tem “imensa vitalidade”, diz Chui Sai On

Durante o discurso da cerimónia do 26.º aniversário da promulgação da Lei Básica, Chui Sai On enalteceu a boa saúde de “Um País, Dois Sistemas”. O Chefe do Executivo referiu ainda que este valor deve andar de mãos dadas com a “unificação da Pátria”

 

[dropcap]O[/dropcap]Chefe do Executivo, Chui Sai On, marcou presença na palestra que celebrou os 26 anos de implementação da Lei Básica da RAEM, intitulado “A prática de “Um País, Dois sistemas” em Macau: passado e futuro”.

No discurso de abertura, o governante defendeu que os 20 anos do estabelecimento da RAEM “são a prova cabal de que o princípio ‘Um País, Dois Sistemas’ possui uma imensa vitalidade e é absolutamente correcto”. Neste capítulo, o líder do Governo recordou as palavras de Xi Jinping ao referir que ao mesmo tempo que se promove a política específica das regiões administrativas especiais se deve “impulsionar a unificação da Pátria”. Dois importantes conteúdos “da estratégia fundamental da continuidade e do desenvolvimento do socialismo com características chinesas na nova era”.

Além disso, a mesma política pensada por Pequim para as duas regiões administrativas especiais revela que “a aplicação da Constituição chinesa e da Lei Básica é fundamental para a estabilidade e a prosperidade de longo prazo de Macau, sendo imperiosa a continuidade da sua firme implementação no longo prazo”.

O Chefe do Executivo adiantou ainda que, nos seus dois mandatos houve sempre a “persistência em trabalhar no cumprimento estrito da Constituição e da Lei Básica”, além de que se tem registado “um crescimento assinalável da economia”, com o “aceleramento de novas indústrias”, tais como convenções e exposições, medicina tradicional chinesa, indústrias criativas e o sector financeiro com características próprias.

Todos juntos

Falando sobre o futuro, apesar de estar no último mandato na qualidade de Chefe do Executivo, Chui Sai On adiantou que se deve “dar uma concretização séria às iniciativas apresentadas pelo presidente Xi Jinping” quanto ao papel que Macau irá desempenhar no fomento económico chinês.

“É preciso que, firmes no presente e numa perspectiva de futuro, com um sentido de comprometimento, com grande coragem e em conjugação de esforços, implementemos acções concretas em prol da defesa da soberania integral do Governo Central e da garantia do alto grau de autonomia da RAEM”, frisou.

“Juntos, vamos assumir a responsabilidade histórica do grande rejuvenescimento da Nação Chinesa e partilhar a glória que nos vem da prosperidade, da riqueza e da força da Pátria”, concluiu Chui Sai On.

27 Mar 2019

Entrevista | Vasco Morão, artista

“Remember Hong Kong” é o nome da exposição de Vasco Morão, artista português radicado em Barcelona, patente no Art & Culture Outreach, em Wan Chai, até 24 de Março. Em discurso directo, o desenhador explica o fascínio que sente por paisagens urbanas e a forma como transforma memórias de cidades em arte

[dropcap]A[/dropcap]ntes de mais, como é que Hong Kong surgiu no seu caminho enquanto artista?
Há cinco anos, durante uma viagem de seis meses pela Ásia (Indonésia, Singapura, Vietnam, Japão), decidi passar por Hong Kong antes de voar para o Japão. Estive apenas seis dias, mas foi o suficiente para ficar fascinado. Passei os dias percorrendo as ruas da cidade e recolhi imensas referências fotográficas que guardei durante algum tempo. Quando no final do ano passado surgiu a oportunidade de voltar em Março a Osaka e Tóquio, para uma série de residências artísticas, quis imediatamente colocar também Hong Kong na rota. Isso levou-me a revisitar as fotografias de Hong Kong e criar uma série de desenhos na minha experiência pessoal de locais específicos da cidade. Achei que faria todo o sentido expor estes trabalhos sobre Hong Kong numa galeria da cidade. Após alguns contactos foi-me sugerido a ACO (Art and Culture Outreach), uma galeria em Wan Chai. Será a minha primeira exposição aqui.

Porquê captar a paisagem urbanística de Hong Kong? O que lhe despertou mais interesse?
Para mim, Hong Kong é simplesmente fascinante. A densidade e sobretudo a variedade de escalas, tipologias, fachadas, materiais, janelas, neons, estruturas, caixas de ar condicionado, etc. O contraste e proximidade entre os edifícios mais recentes e os mais antigos resulta em perspectivas quase surreais. É uma paisagem urbana vibrante e particularmente intensa que intriga e atrai desde o primeiro momento.

Porque o nome “Remember”? Que memórias pretende transmitir, ou captar?
O nome da exposição remete para o facto do trabalho estar baseado nas minhas memórias destes locais específicos que guardei da minha primeira visita. Não é uma memória fotográfica, mas sim uma memória fragmentada, distorcida e pessoal, mas ainda assim reconhecível.

Fale-me um pouco das obras que vão estar expostas em Hong Kong e nos materiais que decidiu usar.
As obras falam de locais específicos com que tive uma relação emocional. Onde, por momentos, parei e olhei. Todas as peças têm o mesmo formato e técnica. Desenho à mão com caneta negra e aguarela em papel. Para desenhar memórias pensei que isso implica usar uma técnica que quebrasse com o controle absoluto que costumo ter com o meu trabalho. As manchas em aguarelas dão-me um ponto de partida muito mais fluído para ir entrelaçando os diferentes fragmentos da cidade que me vou recordando.

O que captou destes “fragmentos de cidade”?
Em “Leaving Kowloon station” tinha acabado de chegar do aeroporto e queria olhar para a cidade o mais rápido possível. Por isso, ao sair da estação de metro, subi logo até à praça superior e encontrei-me no centro destes edifícios como lanças que configuram e recortam o horizonte. No trabalho “Around Chunking Mansion” foquei-me na energia da Nathan, Moody e Middle Road, o contraste das fachadas, as diferentes escalas e tantos detalhes e pormenores que se misturam num turbilhão de fragmentos. “Walking through Hoi Ting Road” aconteceu quase por acidente. Cheguei a esta parte da cidade por acaso, à procura de uma casa de chás que me tinha sido recomendada. Nesta zona recente de Kowloon, o ritmo das diferentes torres marca diferentes cadências que os olhos seguem até ao céu. Para “Looking at Yick Cheong building”, local bastante referenciado online, achei muito interessante a repetição do mesmo elemento (varanda coberta de janelas) com pequenas variações de tamanho, caixilharias, caixas de ar condicionados que configuram o pátio interior.

O que mais o fascina nas paisagens urbanas? Quando percebeu que seria o urbanismo a área central do seu trabalho?
As paisagens urbanas fascinam-me pelo seu carácter infinito e que encaixa perfeitamente com o meu estilo obsessivo de desenho. Estudei e trabalhei como arquitecto antes de ter uma carreira artística. Isso foi importante para ter entendimento de como as cidades são criadas e apreço pelas diferentes morfologias da paisagem urbana. A partir desse momento, fiquei obcecado por esta coisa incrível que é uma cidade.

Reside actualmente em Barcelona, mas tem feito trabalhos sobre várias cidades. Qual o sítio que mais o fascinou e que mais o desafiou enquanto artista?
Até agora, o maior desafio foi desenhar a paisagem urbana da cidade japonesa porque é relativamente banal e genérica, mas ao mesmo tempo incrivelmente interessante. E tenho um fascínio especial pelo Japão. Para mim, é o mais parecido a viver numa realidade alternativa.

Gostaria de se embrenhar nas paisagens urbanas da China?
Claro que sim! Xangai e Pequim seriam óptimas referências.

Desenhar cidades noutras formas e moldes contribui para uma outra visão ou compreensão sobre elas?
Desenhar é para mim como olhar devagar, penso que é isso que tento comunicar. As minhas peças pedem tempo para serem decifradas. E, ao observar com cuidado, até a paisagem urbana mais monótona tem algo para dizer sobre quem ali vive, quem a desenhou ou construiu.

Já desenhou a paisagem urbana de Tóquio. Pondera explorar outros países do continente asiático?
Claro que sim. A Ásia é um continente onde regresso sempre com muito prazer. Actualmente, tento passar algum tempo nos sítios enquanto os desenho. Por exemplo, nos próximos três meses no Japão vou estar de novo a viver e desenhar Osaka e Tóquio, porque tenho residências artísticas em ambas cidades. O que me dá mais tempo e prazer para descobrir a cidade enquanto vou criando peças que falam dessas experiências. Com vantagem de no final ter a oportunidade de expor o trabalho no local onde foi criado.

Podemos esperar alguns trabalhos sobre Macau, um território tão perto de Hong Kong e com herança portuguesa?
Talvez numa outra oportunidade. Também visitei Macau há cinco anos, mas foi para rever um amigo. Não tive muito tempo para descobrir a cidade… Apenas uma tarde e noite. Precisava de passar algum tempo aí para absorver um pouco melhor toda a paisagem urbana, que conheço apenas de fotografias. Aceito sugestões e convites.

12 Mar 2019