Qual o nosso lugar? 

[dropcap]O[/dropcap] recente caso do fim da licenciatura em tradução e interpretação chinês/português para nativos de português, no Instituto Politécnico de Macau (IPM), não é sinal de fraca estratégia do Governo ou do próprio IPM em prol do ensino da língua, mas é resultado da história do território, do seu sistema de ensino e das características socioculturais muito específicas.

Em primeiro lugar, o ensino dos bilingues em Macau começou tarde e nunca teve uma estratégia por parte da Administração portuguesa, salvo raras excepções. Além disso, as comunidades de expatriados, e não falo apenas da portuguesa, nunca tiveram muito interesse na aprendizagem do chinês, por falta de necessidade no dia-a-dia. Presumo que em Hong Kong aconteça o mesmo, com a diferença de que o inglês é uma língua mais falada.

É de lamentar o encerramento de uma licenciatura pensada para portugueses, ou para pessoas que dominem totalmente a língua, por falta de alunos. Faz-nos pensar no nosso papel em Macau nos dias de hoje, no papel que tivemos e no posicionamento que queremos ter no futuro. E contra mim falo, pois nunca encontrei espaço temporal e mental na minha agenda para aprender chinês. Com a Grande Baía Guangdong-Hong Kong-Macau à porta, queremos continuar a ser portugueses que apenas falam inglês?

10 Jul 2019

Orientalismo | Obra esquecida do século XIX volta a ser editada em Portugal

Everton Machado, investigador da Universidade de Lisboa, percebeu que “As Jornadas”, livro de Tomás Ribeiro dos anos 70 do século XIX, agora reeditado em Portugal, reflecte a preocupação da época do poder político português com as colónias a Oriente

 

[dropcap]A[/dropcap]pesar de ter sido considerado um escritor de “segunda categoria”, esquecido no panorama literário português, Tomás Ribeiro, nascido em 1831 e falecido em 1901, deixou um importante testemunho sobre a época que viveu. Nomeadamente, no que toca à forma como, em pleno século XIX, a metrópole portuguesa não se preocupava apenas com as colónias africanas e com as pretensões materializadas pelo Mapa Cor-de-Rosa.

A descoberta foi feita por Everton Machado, investigador do Centro de Estudos Comparatistas da Universidade de Lisboa (UL), que lança este ano, com a chancela da Biblioteca Nacional de Portugal, o estudo “O Orientalismo Português e As Jornadas de Tomás Ribeiro – Caracterização de um problema”, que se faz acompanhar da reedição da obra esquecida de Tomás Ribeiro.

O livro não é mais do que um relato da viagem que o autor fez quando partiu para a Índia, onde desempenhou, pelo período de dois anos, o cargo de secretário-geral do vice-governador da Índia Portuguesa, Januário Correia de Almeida, visconde de São Januário, que seria depois Governador em Macau, em substituição de Ferreira do Amaral. As páginas de “As Jornadas” relatam, portanto, o périplo que Tomás Ribeiro fez por Espanha, França, Egipto, Áden (Iémen) e Bombaim até chegar a Goa, onde ficou entre 1870 e 1872. É em Goa que publica a segunda parte de “As Jornadas”, que também foram editadas em Portugal.

Em entrevista ao HM, Everton Machado declara que o livro, apesar de ignorado no meio literário, é importante porque revela essa preocupação com os territórios ocupados e administrados no Oriente. Apesar da Índia Portuguesa ter tido sempre o foco principal, Macau era também um território que gerava receios junto dos governantes.

Já quando o Império português começa a entrar em decadência, depois do fulgor vivido no século XVI, aquando dos Descobrimentos, surge “uma obsessão com o colonialismo e o império subalterno” às mãos dos ingleses e dos franceses.

“Há autores que defendem que, no século XIX, não teria havido uma questão do Oriente. Por isso, não se poderia falar de orientalismo português no século XIX, e eu tento demonstrar através da obra de Tomás Ribeiro que afinal havia essa questão”, contou Everton Machado.

“Claro que o foco maior do Governo, na altura, era África, por causa da questão do Ultimato [inglês]. Mas isso não quer dizer que o Governo não se preocupava com o Oriente. Havia de facto também interesse pelo Oriente, sobretudo pela Índia. O problema africano não deixou de lado o Oriente na segunda modernidade e a partir daí conseguiríamos falar de um orientalismo português no século XIX e XX”, frisou o autor.

Importa dar o contexto de que o ultimato inglês foi a resposta britânica às pretensões territoriais portuguesas espelhadas no Mapa cor-de-rosa, que traçava uma faixa no continente africano, entre Angola e Moçambique, englobando na soberania lusa países como Zâmbia, o Zimbábue e Maláui, entre o Atlântico e o Índico. Ora, as pretensões portuguesas esbarraram no projecto ferroviário britânico que pretendia ligar a África do Sul ao Egipto. Como tal, a Rainha Vitória fez um ultimato à coroa portuguesa: Ou esquecem o mapa ou têm guerra. Apesar dos protestos do rei D. Carlos, Portugal acaba por recuar face ao ultimato de Londres.

A preocupação com Macau

Para o investigador, há uma questão de “centralidade” no livro de Tomás Ribeiro, pela forma como o autor “coloca as questões relativamente à Índia e ao Império português”, ao estabelecer a ideia de que “há outros orientes portugueses”. Apesar disso, “a Índia acaba por ser estruturadora e representar as grandes conquistas, como a chegada de Vasco da Gama ao território. A Índia ocupa no imaginário português um lugar especial e ‘As Jornadas’ acabam por nos dar essa realidade”, acrescentou Everton Machado.

A viagem de Tomás Ribeiro é feita na companhia de vários intelectuais que iam desempenhar serviços nos territórios orientais, como foi o caso de Januário Correia de Almeida, visconde de São Januário. Este, depois de dois anos a desempenhar um importante papel como vice-governador da Índia Portuguesa, embarca para Macau. Tomás Ribeiro regressaria depois à metrópole.

Apesar de “As Jornadas” não retratarem Macau, acabam por estabelecer um elo de ligação com o território, dado o importante papel que Januário Correia de Almeida teve no desenvolvimento da Macau portuguesa.  “Ele queria desenvolver Macau”, apontou Everton Machado. “Ferreira do Amaral foi o grande Governador, que no século XIX garantiu a colonização de Macau, pois havia a preocupação de garantir a soberania dos portugueses no território”, explicou o académico.
O livro mostra também “a própria acção do visconde São Januário em Goa, que foi considerada das mais importantes, apesar de só lá ter estado dois anos, e também por causa da sua acção em Macau, que nos mostra que ele tentou lutar pela soberania de Portugal em Macau”.

A crítica ao “desleixo”

Everton Machado recorda as palavras do sociólogo português Boaventura de Sousa Santos, que fala da existência, no século XIX, de “um colonialismo subalterno de Portugal”, isto porque Portugal se havia tornado “quase numa colónia formal do império britânico, pois não tinha mais nenhum poder no tabuleiro político da época”.

Nesse sentido, “As Jornadas” fazem críticas ao facto de Portugal se ter rendido ao papel de país periférico e de não ter lutado para manter a glória do século XVI, tal como o fizeram outros intelectuais da época.

“O que muitos intelectuais fazem, e o que Tomás Ribeiro faz também, é essa constante crítica ao desleixo do Governo português na altura com as suas colónias, ao mesmo tempo que crítica as acções dessas posições hegemónicas, exaltando sempre a grandiosidade do império português, mas, por outro lado, pondo de parte Portugal”, disse Everton Machado.

No livro “O Orientalismo Português e As Jornadas de Tomás Ribeiro – Caracterização de um problema”, o autor não deixa de lembrar que Tomás Ribeiro não foi o único a lamentar a decadência do império português. “O sentimento híper-identitário é patente noutras narrativas de viajantes portugueses da altura, acompanhado da denúncia face ao desleixo da metrópole para com as colónias. São exemplos “Jornadas pelo mundo” (1895), do Conde de Arnoso, Bernardo Pinheiro Correia de Melo (1855-1911), e “No Oriente: de Nápoles à China” (1896-1897), de Adolfo Loureiro (1836-1911).”

Everton Machado cita mesmo Fátima Outeirinho quando esta afirma que “os textos de Tomás Ribeiro e Adolfo Loureiro são ocasião de testemunho de um sentimento de decadência, de denúncia de uma atitude de negligência e de lamento perante a malsucedida acção governativa portuguesa nessas paragens longínquas”.

10 Jul 2019

Vistos gold | Sócio de Stanley Ho rejeita acusações de burla

Choi Man Hin, Administrador e Presidente da Comissao Executivo da Estoril-Sol III e sócio da POAO II – Investimentos Imobiliários, rejeitou hoje as acusações de burla depois de um jornal português ter publicado uma reportagem sobre um alegado caso de ilegalidades cometidas por esta empresa no âmbito de atribuição de vistos gold. O empresário nega que a sociedade envolvida esteja em risco de falência

 

[dropcap]C[/dropcap]erca de uma semana depois do diário português Público ter noticiado um alegado caso de burla que envolve elevados investimentos em armazéns em Portugal e uma empresa cujo sócio é parceiro de negócios de Stanley Ho, eis que o responsável vem rejeitar as acusações de que é alvo.

Num direito de resposta publicado hoje no Público, Choi Man Hin assegura que o jornal publicou “informações desvirtuadas e inverdades manifestas” sobre o caso que envolve a empresa de que é sócio, a sociedade POAO II – Investimentos Imobiliários.

O responsável assegura que não tirou, “até ao momento, qualquer proveito financeiro do investimento realizado, estando, em conjunto com os demais sócios, a trabalhar no sentido de ultrapassar os resultados menos positivos”.

Apesar da venda de armazéns a investidores chineses estar a ser investigada pelo Ministério Público (MP), Choi Man Hin defende que “a acusação de ‘burla’ é uma difamação lamentável”.

“No âmbito da minha participação no capital da sociedade construtora do centro POAO, jamais pratiquei qualquer ato ou omissão que possa ser qualificada como tal, pelo que repudio veemente todas as acusações que me vem imputadas”.

Oito investidores chineses acreditavam estar a comprar lojas na zona de Porto Alto, Samora Correia, pertencente ao concelho de Benavente, quando se depararam com armazéns adquiridos numa zona comercial “fantasma”. Além disso, dizem ter sido alvo de especulação imobiliária nesse negócio, sendo que muitos não tem ainda os vistos gold que lhes foram prometidos.

“Uma alternativa”

O empresário assegura que a sua participação neste projecto tem um carácter pessoal. “Trata-se de um projeto que pretendia constituir alternativa à sobrecarga que se verificava nas lojas situadas no Martim Moniz, construindo-se um espaço onde a comunidade chinesa residente na área metropolitana de Lisboa pudesse desenvolver os seus negócios.”

O investimento feito na POAO II “não tem qualquer relação com os cargos que exerce no grupo Estoril Sol ou outras entidades”, assume o empresário, que dá conta que Stanley Ho “não tem qualquer relação directa ou indirecta com a sociedade POAO II”.

Na reportagem do Público foi noticiado de que a POAO II tinha entregue um pedido de insolvência, algo que preocupava os investidores chineses, pois tinha sido feito uma promessa de aquisição dos armazéns ao fim de cinco anos.

Choi Man Hin “acredita na prosperidade do espaço (localizado no centro grossista do Porto Alto, Samora Correia, concelho de Benavente) e no projecto em desenvolvimento, não sendo a sociedade atualmente objeto de qualquer processo de insolvência”. “Muito pelo contrário, (a POAO II) é detentora de um património de valor elevado”, assegura o responsável.

Além das queixas apresentadas contra a POAO, está também envolvido o escritório de advogados que mediou a assinatura dos contratos, com o nome de Rui Cunha, Glória Ribeiro e Associados. O advogado de Macau Rui Cunha já assegurou nada ter a ver com este caso, apesar do escritório em causa assumir ter ligações à RAEM.

9 Jul 2019

Exposição | Fotografias de Macau patentes no Porto até 21 de Julho 

A OPPIA – oPorto Picture Academy acolhe até ao próximo dia 21 de Julho a exposição de fotografia “RAEM, 20 anos – Um olhar sobre Macau”, que esteve patente no consulado-geral de Portugal em Macau até à passada sexta-feira. A inauguração aconteceu no domingo e integra a iniciativa “Rota da Seda #2 – China | Macau”

 

[dropcap]A[/dropcap] Casa de Portugal em Macau (CPM) estabeleceu pontes com a cidade do Porto. Foi graças a essa ligação que a exposição de fotografias que marca os 20 anos de transferência de soberania de Macau para a China atravessou fronteiras. Ontem foi inaugurada a mostra “RAEM, 20 Anos – Um olhar sobre Macau”, que estará patente na OPPIA – oPorto Picture Academy até ao próximo dia 21 de Julho.

A inauguração aconteceu este domingo na cidade invicta, com a exibição dos documentários “Dragão embriagado + Espíritos esfomeados”, bem como “Olhar Macau”, produzidos pela CPM, além de “Os Resistentes – Retratos de Macau”, de António Caetano de Faria. A mostra integra a iniciativa da OPPIA intitulada “Rota da Seda #2 – China | Macau”, que começou em 2018.
Cristiano Costa Pereira, director artístico da OPPIA, explicou ao HM como começou esta parceria com Macau.

“Foi-me endereçado, pela CPM, um convite para, pessoalmente, dirigir uma residência artística naquele território, a decorrer entre os meses de Setembro e Dezembro do ano em curso”, apontou. Além disso, o responsável foi também convidado “para ser júri do festival Sound & Image Challenge, facto que veio consolidar a ideia, que já tínhamos, de dedicarmos a segunda edição da ‘Rota da Seda’ a Macau e à China”.

Cristiano Costa Pereira assume ser um apaixonado por Macau e pela China, além de ter consciência “da importância da magnânima e multissecular relação luso-chinesa, bem como dos 20 anos da passagem da administração de Macau para a China”. “Senti que esta era a oportunidade e o momento para homenagear a milenar cultura chinesa e a cultura portuguesa na China, bem como o fruto desta relação, que é o macaense”, acrescentou.

O responsável pela direcção artística da OPPIA diz que, além das expectativas de ordem económica que tem com este evento, há também uma perspectiva cultural. “Espero que o público deste evento possa fruir da experiência e se possam estreitar relações e conhecimento inter-culturais e que Macau fique mais próximo dos portuenses.”

Programa a pensar na Ásia

Foi em Novembro do ano passado que a OPPIA iniciou a primeira edição do ciclo “A Rota da Seda”, com o objectivo de “criar nas instalações da OPPIA um evento total, que não só reunisse a fotografia, o cinema, a música ou performance, mas também que as mesmas fossem desenvolvidas em adequado contexto cultural. Ora, ‘A Rota da Seda’ foi a evocação mais artística e cultural que encontrámos, pelo seu simbolismo, pela sua importância e pela sua universalidade”, frisou o director artístico da entidade.

“A Rota da Seda” não se foca apenas na China, tendo “uma lógica artística, com paragens diversas, cruzando, de forma não linear, pontos históricos desta Rota com a nossa própria utopia”. Dessa forma, foi iniciado um ciclo “com uma programação centrada no mediterrâneo, mais precisamente no Médio Oriente (Irão, Turquia, Síria, Azerbaijão e Grécia)”.

Com o evento “A Rota da Seda”, a OPPIA pretende ser “um ponto de encontro” apresentando um programa que integra várias expressões culturais como a fotografia, cinema, música e gastronomia. “Promovemos o encontro transversal entre as artes e o seu público e proporcionamos a experiência do próprio encontro, sempre pautado pela cultura do(s) lugar(es) invocado(s). Em cada momento, são paragens no tempo e no espaço. São viagens, partilhas e transcendências”, denota Cristiano Costa Pereira.

O evento pretende também ser “um apelo aos sentidos”, bem como “um agente e uma ponte”. “Ao colocarmo-nos num plano tão ambicioso e inovador, como o de mentorar (maturar?) uma programação que faça jus à dimensão desse fenómeno artístico e cultural, como foi e é ‘A Rota da Seda’, na sua essência, agimos como entidade construtora. Peça sobre peça, a cada edição, criamos novos laços interculturais, aproximando culturas, estreitando as diferenças, pondo a nu a essência humana, na sua vertente artística, reciclando as visões mais culturais dos territórios, veiculando uma linguagem universal, de comunhão”, apontou o responsável.

A OPPIA é uma estrutura artística e de aprendizagem que se dedica às principais formas de arte, incluindo o cinema, a fotografia, a música, o teatro e as artes visuais. Fundada em Dezembro de 2015, já apresentou dezenas de eventos, projecções cinematográficas e conferências, entre outras iniciativas do foro artístico.

9 Jul 2019

Ambiente | Ho Wai Tim alerta para quebra da qualidade da água 

O presidente da Sociedade de Oceanografia de Macau alerta para a quebra da qualidade da água no território em comparação com Hong Kong, e defende que o Governo não tem sido fidedigno nos dados oficiais sobre a protecção do meio ambiente. Ho Wai Tim lança ainda críticas ao trabalho de Raymond Tam

 

[dropcap]H[/dropcap]o Wai Tim, presidente da Sociedade de Oceanografia de Macau, disse, de acordo com o Jornal do Cidadão, que a qualidade da água no território está a tornar-se “má” e que a Direcção dos Serviços de Protecção Ambiental (DSPA) ainda não apresentou medidas concretas para a protecção do Delta do Rio das Pérolas. Situação que se agudiza uma vez que a RAEM passou a ter mais 85 quilómetros de área marítima há quatro anos.

Para Ho Wai Tim, há muito ligado a associações de cariz ambiental, a qualidade da água em Macau é pior que em Hong Kong, alertando para a existência de lixo em zonas como as praias de Cheoc Van e Hac Sa, em Coloane. Além disso, o dirigente aponta a necessidade de melhorar o funcionamento das Estações de Tratamento de Águas Residuais de Coloane e Areia Preta, que não atingem os padrões exigidos.

Tendo em conta as notícias recentes sobre dois golfinhos brancos mortos, Ho Wai Tim acredita que as autoridades estão a esconder dados relativos à protecção do meio ambiente marítimo, uma vez que, segundo o relatório de pesquisa feito por Hong Kong sobre a espécie do golfinho branco chinês, a poluição marinha está a aumentar a uma velocidade alarmante. O mesmo relatório terá dado conta que os golfinhos morrem frequentemente em toda a zona do estuário do Rio das Pérolas, referiu o presidente da Sociedade de Oceanografia de Macau.

O mesmo responsável lança ainda dura críticas ao trabalho de Raymond Tam à frente da DSPA, acusando o organismo público de ter omitido os seus deveres nesta área, uma vez que os problemas ambientais são cada vez mais.

No que diz respeito às praias de Coloane, Ho Wai Tim denuncia que muitos resíduos são escondidos em locais “invisíveis” como Long Chao Kok, onde o lixo também se acumula. Desta forma, o responsável pede a criação de um sistema de fiscalização da área marítima atribuída por Pequim a Macau e o envio de navios para proceder à limpeza dessas zonas.

Olha o turismo

Ho Wai Tim justifica a necessidade de acção governamental com o facto de Macau ser cada vez mais procurado como destino de turismo e lazer. No último relatório da DSPA sobre o Estado do Ambiente em 2018, os números não são animadores, uma vez que cada residente de Macau produziu, no ano passado, uma média de 2,17 quilogramas de lixo por dia, superando em larga escala, por exemplo, a capital chinesa, com uma média diária de 1,17 quilos por pessoa.

As críticas de Ho Wai Tim não batem certo com o panorama traçado pela DSPA que, no relatório relativo a 2018, referiu que a qualidade da água potável “satisfez os diversos parâmetros de análise”, mantendo-se “no índice verde de baixo teor de salinidade”, e também a qualidade das águas costeiras melhoraram.

9 Jul 2019

Relatório | Hong Kong considerada “autocracia fechada” com declínio democrático

O terceiro relatório do V-Dem Institute, divulgado este domingo, é demolidor para o panorama político de Hong Kong. O território é classificado como uma “autocracia fechada” e caiu no índice de democracia liberal entre 2008 e 2018. Quanto à China, está apenas dez pontos acima da Coreia do Norte, que ocupa o fundo do índice. A China é também acusada de perturbar a democracia em Taiwan com a difusão de informação falsas

 

[dropcap]O[/dropcap] Governo de Carrie Lam leva nota negativa no terceiro e mais recente relatório do V-Dem Institute, um think-tank sediado no departamento de ciência política da Universidade de Gotemburg, na Suécia, e que tem como objectivo medir os níveis de democracia em todo o mundo. Os resultados relativos a 2018 não são animadores para o território vizinho: em dez anos, ou seja, entre 2008 e 2018, Hong Kong piorou a posição no ranking de democracias liberais e mereceu a classificação de “autocracia fechada”. O documento, que tem como título “Democracy facing global challenges (Democracia enfrenta desafios globais), dá a posição 107 a Hong Kong, enquanto a Coreia do Norte ocupa o último lugar da lista, com 179 pontos.

A região vizinha também leva nota negativa no que diz respeito à exclusão por grupos socioeconómicos, algo que, de acordo com os autores do estudo, “está relacionado com baixos níveis democráticos”. Neste sentido, o estudo revela que a RAEHK enfrenta um problema sério de elevada exclusão destes grupos.

A China está também classificada como uma “autocracia fechada”, tendo piorado, em dez anos, a sua posição no índice de democracias liberais. Ao longo de uma década, o país hoje liderado por Xi Jinping está apenas dez pontos acima da Coreia do Norte. Em termos de confiança no regime político, e dentro do grupo de países com confiança na ordem dos dez por cento no índice da democracia liberal, a China está no fundo da lista, ao lado de países como a Coreia do Norte, Laos, Arábia Saudita e Camboja.

Além disso, a China é também criticada pelos autores do estudo como um dos países que mais informação falsa espalha, com Taiwan como principal alvo. “A China tem vindo de forma activa a espalhar falsas e erradas informações no estrangeiro, tendo Taiwan como um dos seus principais alvos. Ao fazer circular informação errada nas redes sociais e investindo em meios de comunicação taiwaneses, a China procura interferir nas políticas internas e engendrar uma unificação completa.”

O relatório revela que os observadores “reportaram muitos exemplos de campanhas de desinformação por parte da China”, uma vez que o país “providencia fundos para que os media adoptem uma linha mais pró-Pequim nos seus trabalhos jornalísticos”.

Os investigadores chegaram a essa conclusão quando observaram que “a maior parte dos meios de comunicação social de Taiwan providencia diferentes apresentações dos mesmos eventos”.

“Uma vez que os taiwaneses consomem bastante informação online, a estratégia de desinformação chinesa acaba por resultar numa fracturação da informação online, o que tem um impacto negativo na democracia de Taiwan”, lê-se ainda.

Nesse sentido, Taiwan surge ao lado da Letónia como “os dois países com piores pontuações” ao nível da difusão de falsa informação por países estrangeiros, sendo que ambos os países são considerados pelo V-Dem Institute democracias liberais.

“Pouca abertura” no Myanmar

Um olhar sobre o panorama político em alguns países do sudeste asiático permite concluir que a situação também piorou nos últimos dez anos em, pelo menos, sete regimes autocráticos. A Tailândia transformou-se mesmo numa autocracia fechada, desde que uma Junta Militar tomou o poder, lembra o relatório.

Neste âmbito, em dez anos, a Tailândia registou uma “substancial ou significativa” redução da liberdade de associação, de expressão e da igualdade perante a lei. No Myanmar, onde recentemente foram presos dois jornalistas da Reuters por escreverem sobre a perseguição movida aos Rohingya, houve apenas uma “frágil melhoria” ao nível de eleições limpas, liberdade de associação e de expressão, polarização da sociedade.

O relatório dá ainda conta que, no Myanmar, “os grupos que estão alinhados com o antigo regime, tal como os militares, continuam a exercer uma influência importante”, tendo em conta que grupos sociais minoritários, como os Rohingya, “estão sujeitos a uma repressão sistemática”.

No país, em geral, “a abertura (do sistema político) tem sido limitada”, escrevem os autores.
Também as Filipinas integram o grupo dos países em risco de terem uma pior democracia nos próximos anos, uma vez que ocupam um pior nível nas previsões para 2019/2020 face ao ano de 2017/2018.

É também referido o caso do Sri Lanka, onde se registou “um processo eleitoral democraticamente pobre, o que desafiou novamente o progresso democrático” do país. “No Sri Lanka, a transição para a democracia renasceu com a surpreendente vitória eleitoral de Sirisena sobre o veterano líder Rajapaksa, em Janeiro de 2015, e muitos aspectos democráticos registaram melhorias.”

O relatório apresenta como exemplos o facto de “o sistema judicial ter comprovado a sua independência”, embora “muitos outros aspectos se mantenham frágeis, como a liberdade de imprensa e questões igualitárias”.

A Índia, que sempre foi considerado um país exemplar ao nível da participação cívica, e que neste estudo consta no grupo da erosão das democracias liberais, registou “substancial e significativa redução da liberdade de expressão, da polarização da sociedade e populistas no poder”.

Na Índia, bem como na Bulgária e Brasil, houve “ataques ao pluralismo dos media, à liberdade cultural e académica e substancial polarização da sociedade, que em pontos chave está mesmo a piorar”. Nestes três países “está a tornar-se cada vez mais perigoso ser jornalista, como mostram os indicadores deste relatório e também do relatório dos Repórteres Sem Fronteiras, tendo em conta o número de jornalistas que morreram”. Na Índia, o Governo liderado por Narendra Modi “usa leis ligadas à sedição, difamação e ataques terroristas para silenciar as críticas”.

Além de fazer referência à situação política no Brasil, depois do impeachment à presidente Dilma Rousseff, em 2016, e à vitória de Jair Bolsonaro, o relatório do V-Dem Institute dá também conta da degradação democrática nos Estados Unidos. No país, “o presidente Trump ataca constantemente a oposição bem como os media, e parece estar empenhado em reduzir as liberdades civis e a supervisão das instituições, tal como os tribunais e o parlamento”. Ainda assim, “as instituições americanas parecem estar a resistir a estas tentativas a um nível significativo”, tendo em conta a vitória dos democratas nas eleições intercalares no ano passado, que levaram a um reforço do poder parlamentar para travar determinadas medidas do Executivo de Trump, republicano.

O V-Dem Institute declara que “continua a tendência de autocratização (no mundo), embora os níveis globais de democracia não estejam em queda livre”. Um total de 24 países “estão agora a ser severamente afectados pelo que se pode chamar de uma ‘terceira onda de autocratização’, onde se incluem países já referidos acima, como é o caso do Brasil, Índia e Estados Unidos, sem esquecer alguns países da Europa de Leste, como é o caso da Bulgária, Hungria e Polónia, entre outros.

9 Jul 2019

IPIM | Jackson Chang recebeu “vantagens ilícitas” para atribuir falsos BIR

Está confirmada a prisão preventiva a Jackson Chang, ex-presidente do Instituto de Promoção do Comércio e do Investimento de Macau. De acordo com um comunicado do CCAC, o responsável terá recebido “vantagens ilícitas tal como dinheiro, acesso a empregos e acções de empresas” para a aprovação dos processos de concessão de BIR por investimento, em “conluio” com um casal de comerciantes

 

[dropcap]J[/dropcap]ackson Chang, ex-presidente do Instituto de Promoção do Comércio e do Investimento de Macau (IPIM), é o único dirigente desse organismo público a ver ser-lhe aplicada a medida de coacçao de prisão preventiva no âmbito do caso de concessão de falsos bilhetes de identidade de residente por investimento.

De acordo com um comunicado do Comissariado contra a Corrupção (CCAC), já foi concluída a investigação que envolve também uma ex-vogal executiva do IPIM, Glória Batalha Ung, bem como ao ex-director-adjunto do Gabinete Jurídico e de Fixação de Residência do IPIM. O caso que já está a ser investigado pelo Ministério Público (MP).

As três personalidades “terão cometido os crimes de corrupção passiva para acto ilícito, falsificação de documentos, violação de segredo, abuso de poder, entre outros, aquando da apreciação dos pedidos de ‘imigração por investimentos relevantes’ e de ‘imigração por fixação de residência dos técnicos especializados’”, aponta o mesmo comunicado.

A prisão de Jackson Chang poder-se-á explicar pelo facto do CCAC ter descoberto que este “agiu em conluio com um casal comerciante de Macau” que, “em conluio com outros indivíduos providenciou, entre 2010 e 2018, serviços de pedidos de imigração a favor de outrem, ao estilo de um serviço one-stop”.

Esse casal terá criado e controlado mais de 50 sociedades, fazendo também simulação de projectos de investimento e de “informações relativas à experiência profissional e de contratações de pessoal falsas, a fim de obter ilegalmente, por essa via, lucros de montante significativo”.

Nesse contexto, Jackson Chang “recebeu do referido grupo, por um longo período de tempo, vantagens ilícitas, tais como dinheiro, acesso a empregos e acções de empresas, através do seu cônjuge, filha e amante do Interior da China, praticando alegadamente os crimes de corrupção passiva para acto ilícito, de falsificação de documento e de violação do segredo”.

Além disso, o ex-presidente do IPIM “ocultou dolosamente na declaração de bens patrimoniais e interesses, os bens patrimoniais que possuía”, além de que “terá praticado o crime de inexactidão dos elementos previsto no Regime Jurídico da Declaração de Bens Patrimoniais e Interesses”.

Ajudas e redes

A investigação levada a cabo pelo CCAC concluiu que o ex-director-adjunto do Gabinete Jurídico e de Fixação de Residência do IPIM, quando exercia funções de chefe de departamento no Fundo de Pensões, “participou directamente nas actividades criminosas do referido grupo no que respeita aos ‘falsos’ pedidos de imigração”. Já Glória Batalha Ung, do IPIM, “terá aproveitado os seus poderes funcionais, prestando apoio ilegal a dois requerentes e revelando informações confidenciais internas do serviço para que os pedidos dos referidos requerentes pudessem ser aprovados facilmente”. Nesse sentido, praticou “os crimes de abuso de poder e de violação do segredo”.

O grupo que operou esta rede com o apoio de Jackson Chang cobrou, no total, cerca de dez milhões de patacas a pessoas “que não se encontravam habilitadas à imigração”, com o objectivo de cobrir “despesas para o tratamento representativo de formalidades”. Nesse sentido, também esse grupo contabilizou “a título de ‘despesas diversas e de consultadoria do IPIM’ ou ‘despesas de consultadoria’, 20 a 30 por cento da ‘despesa para tratamento representativo de formalidades’” durante os pedidos dos falsos BIR. Também este casal de comerciantes “são suspeitos da prática dos crimes de corrupção activa, de associação criminosa, de falsificação de documentos e de uso de documentos falsos”.

7 Jul 2019

A arte de engonhar

[dropcap]A[/dropcap]s autoridades de Macau são peritas na chamada arte do engonhanço. Em bom português, a expressão engonhar ou engonhanço significa tudo o que é oposto à decisão ao acto de fazer. Perde-se tempo pelos mais variadíssimos motivos e interesses.

O projecto da Biblioteca Central de Macau é um excelente exemplo de engonhanço: há mais de dez anos que está para se fazer. Depois das polémicas com os concursos públicos e com alegados plágios de projectos de arquitectura que foram negados, a obra avança. Eis que, afinal, há ainda uma coisa que não está bem, e surge em cena Chan Tak Seng, da Aliança do Povo da Instituição de Macau, para dizer que, afinal, a Biblioteca Central de Macau não deveria ser ali, num lugar central como é a avenida da Praia Grande porque, pasme-se, tem muitas pessoas e carros e é uma localização mais comercial.

Pergunto-me porque é que este membro do Conselho do Planeamento Urbanístico quer agora alterar um plano que já foi mudado muitas vezes e adiá-lo para quando o novo Executivo tomar posse. Para quê mais meses de, lá está, engonhanço, quando o CPU já debateu este projecto inúmeras vezes e já existem adjudicações? Se é assim com uma biblioteca, imagine-se com tudo o resto que é obra pública.

5 Jul 2019

CE | Novo candidato quer dar dinheiro a residentes que invistam na Grande Baía

Chan Weng Fu apresentou-se ontem como o novo candidato ao cargo de Chefe do Executivo com uma promessa digna de nota: atribuir 200 mil patacas a cada residente que invista no sector imobiliário na área da Grande Baía. O dinheiro sairia dos cofres da Reserva Financeira de Macau

 

[dropcap]C[/dropcap]hui Sai On deu cheques pecuniários à população, mas o homem que lhe quer suceder deseja ir mais além, em nome dos novos tempos da integração regional. Chan Weng Fu, de 68 anos de idade, director de uma empresa ligada ao ramo da electricidade, apresentou-se ontem como o novo candidato ao cargo de Chefe do Executivo e assegura que a falta de experiência na política não é impeditivo para concorrer.

O candidato vive em Macau há mais de 40 anos e acredita que, depois de divulgar o seu programa político, terá apoio dos membros que integram a Comissão Eleitoral do Chefe do Executivo, que irá eleger, a 25 de Agosto, o próximo líder da RAEM.

Um dos principais pontos do seu programa é a concessão de 200 mil patacas a cada residente que deseje investir no sector imobiliário em qualquer uma das cidades que integram o projecto da Grande Baía Guangdong-Hong Kong-Macau. Esse dinheiro seria retirado da Reserva Financeira de Macau.

“Não é um plano de comparticipação pecuniária, mas tem como objectivo levar a que os cidadãos invistam em imóveis na Grande Baía”, frisou. O candidato ainda disse que “como o Continente está a desenvolver-se rapidamente, dar dinheiro para o público é uma forma de diversificar o investimento pois, no futuro, deve haver dinheiro para ganhar”.

Mais lugares subterrâneos

Chan Weng Fu deseja também resolver o problema do trânsito e da falta de estacionamento em Macau, defendendo, para o efeito, a construção de parques de estacionamento subterrâneos. Na visão do candidato, esta medida iria resolver os problemas de estacionamento no prazo de dois a três anos.

No que diz respeito ao sistema judicial, o candidato defende maior integração na sociedade de ex-condenados, e argumenta que pessoas que tenham cometido pequenos delitos, mas que tenham contribuído para o desenvolvimento económico de Macau, não devem ir para a prisão.

Contudo, o candidato não especificou o tipo de mudanças que deseja fazer a este nível, nomeadamente se defende, ou não, uma alteração legislativa.

Ao nível da corrupção, Chan Weng Fu também prometeu novas medidas de combate a este crime, garantindo que a sua meta é proteger os cidadãos.

Licenciado em engenharia electrotécnica numa universidade da China, com formação superior também na área educativa, o candidato começou a carreira profissional como técnico de reparação de equipamentos eléctricos.

5 Jul 2019

Comunidade macaense | O recado que António Hespanha deixou no seu último livro

O historiador António Hespanha, falecido esta segunda-feira, deixou no seu último livro um aviso à comunidade macaense: “faltam estudos sobre o Senado e a Misericórdia que permitam identificar os grupos dirigentes”, bem como “um estudo sistemático das grandes famílias macaenses”, que são mesmo fruto de uma “intensa crioulização”

 

[dropcap]A[/dropcap] história de Macau e da comunidade macaense foram o mote da última obra do historiador António Hespanha, falecido esta segunda-feira vítima de cancro, com 74 anos de idade. “Filhos da Terra – Identidades Mestiças nos Confins da Expansão Portuguesa”, lançado em Fevereiro pela Tinta-da-China, é a obra que analisa as comunidades compostas por pessoas que se sentem portuguesas, mas que ficaram de fora das linhas formais do Império, o chamado “Império sombra”, como lhe chamou o autor, que inclui também Malaca e outras regiões.

Hespanha ressalva que a ambiguidade do território se manteve até 1999, apesar de ter oficialmente administração portuguesa. E explica as razões pelas quais dedica um capítulo ao território.

Integrado no chamado “império formal” desde o século XVI, Macau é “uma lenda fundacional que tem de ser encarada criticamente”, como refere Hespanha citando Jorge Flores. “Ela surge num texto tardio, de 1629, em que se alinhavam razões que sustentassem autonomia, estabilidade e autossuficiência da povoação, quer em relação à administração formal portuguesa, quer à chinesa.”

“De alguma forma, Macau corresponde a Goa numa fase mais tardia, num novo cenário geográfico, económico e cultural, e com outros modelos de funcionamento. É por isso que os ‘macaenses’ cabem neste roteiro de comunidades ‘portuguesas’ na sombra, apesar de, formalmente, Macau ser tida pela coroa – quem sabe se só por ela e pelos seus oficiais – como uma cidade portuguesa.”

O historiador é um dos poucos que se debruçou sobre o Direito de Macau, frisou também que “dada a sua institucionalização – com Governo e administração formais, produzindo documentação guardada em arquivos que se mantiveram – Macau permite até recuperar um conhecimento sobre estas comunidades que se perdeu noutros lados”.

Os macaenses são aqui vistos como “os filhos da terra”, mas António Hespanha deixa um alerta a futuros académicos. “Apesar da pletora de estudos sobre a história de Macau nas últimas décadas do século XX, a história social dos macaenses não progrediu o suficiente para nos dar uma imagem detalhada e empiricamente fundada desta comunidade. Faltam estudos sobre o Senado e a Misericórdia que permitam identificar os grupos dirigentes, bem como as suas redes de alianças e dependências e as suas estratégias de grupo.”

Além disso, o autor defendeu que continua a fazer falta “um estudo sistemático das grandes famílias macaenses – os chamados ‘filhos da terra’ – cujos nomes portugueses dissimulavam, de facto, uma intensa crioulização – não apenas sino-portuguesa – e uma complexa teia de ligações fora do território”.

Filhos de muita gente

António Hespanha foi além da ideia generalizada de que a comunidade macaense é fruto, essencialmente, do cruzamento de chineses e portugueses. Na verdade, o historiador recorda que os macaenses descendem de várias origens.

“À medida que avançamos no tempo, mesmo a parte ‘portuguesa’, nomeadamente a que usa nomes portugueses, é cada vez mais cruzada com elementos nativos: chineses, japoneses, malaios, indianos, siameses, mesmo africanos”, escreveu. “Uma vez que o preconceito europeu em relação aos chineses (‘alvos como nós’) era menor do que em relação a populações negras, os casamentos de ‘portugueses’ com chinesas eram comuns, existindo também casamentos de portuguesas com chineses. Se olharmos para as prosopografias das cerca de 500 famílias macaenses de hoje, podemos observar a complexidade étnica do grupo”, acrescentou.

No que diz respeito ao relacionamento entre a China e a comunidade macaense, o autor descreve que o país “mostrava maior flexibilidade na relação com os macaenses, que chegavam a ser referidos (em 1623) como ‘nobres estrangeiros’, a quem se tinham conferido ‘os privilégios de naturais da China’”.

Por volta do ano 1584, os chineses, “relutantes em reconhecer a extraterritorialidade da cidade – nomeadamente, a aplicação das leis portuguesas – criaram também uma estrutura de controlo, considerando os líderes da comunidade macaense como funcionários imperiais, ambivalência que se manteve”.

A partir de 1586, “Macau comportava-se como uma república autónoma, que se correspondia com o rei da Conchichina e chegou mesmo a projectar o envio de uma embaixada sua em Pequim”, lê-se no livro.

“Filhos da Terra” retrata, sobretudo, as “comunidades mestiças na civilização e na cultura”, que “podem ser consideradas como uma outra face do ‘império’, cuja história, discreta, ambígua e frequentemente incómoda tem sido pouco cultivada na historiografia portuguesa”.

Hespanha descreve que “as maiores comunidades de ‘portugueses’ fora das fronteiras do império formal eram também ‘cristas’”, algo que “é mais distintivo na Ásia do que em África”. Na obra, o autor destaca também a presença do Cristianismo na China, onde “as comunidades cristas eram várias, algumas das quais bastante numerosas”. No século XVII seriam cerca de 150 mil cristãos no país, sendo que os principais centros do cristianismo estavam situados em Pequim, Fujian e Zhejian.

 

O Mestre que cultivava o espírito crítico

Ex-colegas recordam contributos de Hespanha na área da História e Direito de Macau

António Saldanha, investigador e docente de História na Universidade de Macau (UM), recorda ao HM o lugar de António Manuel Hespanha na academia. “Conhecíamo-nos há cerca de trinta anos: entrava eu para equipa de História do Direito da Faculdade de Direito de Lisboa, quando dela ia sair o António Hespanha para se doutorar em História noutra universidade. Durante esses anos nunca os nossos destinos deixaram de se cruzar: em júris, em conferências, no ensino na Faculdade de Direito de Macau, quando presidiu à Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses, e em ocasionais contactos sobre aspectos específicos da investigação que em muitos pontos de interesse nos era comum.”

Saldanha recorda que os credos políticos de ambos “nunca coincidiram”, mas tal nunca interferiu “na partilha e no encontro dos nossos credos académicos e científicos”. “Pelo contrário: o António Hespanha nunca regateou uma citação, uma nota de apreço em relação à minha obra, que, como poucos entendeu. Fi-lo sempre também, não por mera ou cortês retribuição, mas por sincera admiração pelo contributo único que deu em várias áreas da História e do Direito”, acrescentou.

António Saldanha considera que “nunca ninguém poderá negar o título, hoje raro no seu sentido verdadeiro, de Mestre” a António Hespanha. Nesse sentido, “foi também um pedagogo de que nunca gerações de alunos esquecerão o brilhantismo”. Com a morte do historiador que veio do Direito “fica também a recordação do seu sentido de humor, da sua muita graça e da generosidade com que acolhia quem dele se aproximou”.

Cultivar espírito crítico

Manuel Escovar Trigo cruzou-se com António Hespanha na UM entre 1990 e 2000, período em que o falecido historiador coordenou a Área de Ciências Jurídico-Histórico e Filosóficas. Ao HM, o professor associado da Faculdade de Direito da UM recorda os primórdios do estabelecimento dos cursos de Direito no território. “Era um professor que promovia a participação dos seus estudantes, cultivava o convívio, o bom humor e o espírito crítico.”

Na UM, Hespanha, quer ao nível do ensino, quer da investigação, “deu um contributo de especial relevância para a configuração e desenvolvimento do curso de Direito da Faculdade de Direito da UM”. Dada a “carência de estudos e publicações no âmbito da sua área de coordenação, (Hespanha) deu o seu exemplo de investigar e escrever sobre temas relevantes”, recorda Escovar Trigo, pois “interessava-se pela história e sobre o presente e o futuro do Direito de Macau, sendo interveniente publicamente na definição da estratégia da formação jurídica”.

Obras como “Panorama da História Institucional e Jurídica de Macau” ou “Feelings of Justice in the Chinese Community of Macao, An Inquiry”, são, para Escovar Trigo, um exemplo do empenho de António Manuel Hespanha “nas áreas da sua coordenação, jurídicas-históricas e jurídico-filosóficas”.

Neste sentido, “os seus estudos continuam a ser importantes para a compreensão do sistema jurídico de Macau e um exemplo para os estudiosos desta área do saber”, rematou o docente da UM.

5 Jul 2019

Surf Hong obrigada a pagar multa imposta por Alexis Tam

[dropcap]O[/dropcap] Tribunal de Última Instância (TUI) rejeitou dois pedidos de anulação dos despachos assinados pelo secretário para os Assuntos Sociais e Cultura, Alexis Tam, que obrigam a empresa Surf Hong ao pagamento de 11 milhões de patacas em multas no contexto de um processo laboral. As decisões, referentes à apresentação de dois procedimentos cautelares de suspensão de eficácia por parte da Surf Hong, foram ontem tornadas públicas e confirmam a sentença proferida pelo Tribunal de Segunda Instância (TSI) em Maio deste ano.

As multas foram aplicadas através de despachos, proferidos em Dezembro do ano passado, que exigem o pagamento de quatro e sete milhões de patacas, num total aproximado de 11 milhões de patacas, “por violação dos deveres contratuais, previstos no ‘Contrato de Prestação de Serviços de Gestão das Piscinas situadas em Macau afectas ao Instituto do Desporto’ e no ‘Contrato de Prestação de Serviços de Gestão das Piscinas situadas nas Ilhas afectas ao Instituto do Desporto’”.

Num recurso anterior, Wong Chou Heng, proprietário da Surf Hong, apresentou junto do TSI “informações referentes às contas bancárias da empresa, alegando que os seus bens pessoais e os bens da empresa não são suficientes para pagar as respectivas multas e, caso esses actos recorridos não sejam suspensos, será obrigado a declarar falência e a enfrentar o encerramento da empresa, o que lhe causará prejuízos de difícil reparação”.

O recorrente alegou também perante o tribunal que “a execução imediata dos referidos actos administrativos lhe poderá provocar a perda de todos os contratos de prestação dos serviços de gestão e de salvamento nas piscinas e praias”, além de resultar no desemprego dos empregados da empresa.

No final de Maio, o TSI alertou para o facto de o recorrente ter de “invocar e comprovar, simultaneamente, que os seus bens pessoais e os bens da empresa não são suficientes para pagar as multas”, sendo que este “não indicou os seus bens e as suas situações financeiras”. Neste sentido, o tribunal “entendeu não existirem provas suficientes para sustentar que a medida sancionatória, imposta pela Administração, causa prejuízos de difícil reparação” à Surf Hong.

O TSI considerou ainda que “outras situações, invocadas por A (Wong Chou Heng), não constituíam prejuízos de difícil reparação, uma vez que tais prejuízos, mesmo a existirem, podiam ser quantificados pecuniariamente e o desemprego dos empregados não era questão própria de A”. Os juízes entenderam que “caso existissem prejuízos, deviam os mesmos ser invocados por terceiros, não devendo ser defendidos por A através do seu próprio recurso contencioso, nem podendo ser defendidos em substituição deles”. O acordão da decisão do TUI, que voltou a negar o recurso da Surf Hong, ainda não foi divulgado, mas o portal dos tribunais de Macau refere que foi “negado provimento ao recurso”.

4 Jul 2019

Miguel Guimarães, bastonário da Ordem dos Médicos de Portugal: “Macau está a apostar na qualidade”

Não há mais médicos a emigrar para Macau devido à falta de domínio do chinês, garante o bastonário da Ordem dos Médicos em Portugal. Miguel Guimarães destaca a excelência de dois profissionais recentemente contratados pelos Serviços de Saúde e assegura que o território está no bom caminho no que diz respeito ao desenvolvimento de uma medicina de qualidade. Quanto à Medicina Tradicional Chinesa, o bastonário assegura: “A China está a fazer o caminho da medicina convencional”

 

O sector da saúde em Portugal está a atravessar um momento complicado. Em termos de emigração de médicos, qual o cenário? Macau é um destino procurado?

[dropcap]E[/dropcap]stão a sair milhares de médicos, mas os números exactos nunca existem. As pessoas pedem à Ordem dos Médicos (OM) um documento que permite identificarem-se como médicos especialistas nos países europeus, e essas declarações têm registado uma quantidade acima do normal. Depois, muitos destes médicos emigram. São milhares de médicos e ultrapassam certamente os sete mil nos últimos anos, mas os que verdadeiramente emigraram, diria que são quase cinco mil. A grande saída de médicos acontece do sector público para o privado. Com a actual política de saúde que Portugal está a seguir, será difícil reverter esta tendência. As pessoas estão a ser maltratadas pela Ministra da Saúde e os médicos não tem boas condições de trabalho. Temos hospitais com muitas limitações. Há ainda a questão das remunerações, pois os médicos são pessimamente remunerados no SNS. Vão para Macau ganhar muitíssimo bem, nem é comparável. Mas não é preciso ir para Macau, basta irem para o sector privado ou para países como Espanha, Alemanha e Suíça. Temos uma formação de excelência em Portugal, das melhores do mundo, e passamos a vida a receber propostas de contratação de vários países, até de Macau e dos países do Médio Oriente. Temos uma situação complicada porque os nossos jovens são reconhecidos lá fora, e não apenas em medicina, e não ficam cá. Neste momento, mais de 50 por cento dos médicos que estão no Serviço Nacional de Saúde tem mais de 55 anos.

Quantas ofertas de contratação foram feitas pelos Serviços de Saúde de Macau?

Recebemos várias ofertas de Macau. A última que recebemos era para contratar 40 médicos, de especialidades diferentes. Mas não é fácil, porque Macau tem vantagens e inconvenientes, e o grande inconveniente, neste momento, é saber falar chinês para trabalhar. O último a ir foi o doutor José Miranda, para montar um serviço de cirurgia torácica, e ele vai dirigir esse serviço importante para Macau. Aliás, as pessoas vão para lá com projectos de topo, mas ele nasceu em Macau e fala chinês fluentemente.

Esse serviço vai ser no Centro Hospitalar Conde de São Januário.

Penso que sim. Para Macau também foi o doutor José Costa Maia, que em Portugal era director do serviço de cirurgia geral do Hospital de São João, um dos maiores hospitais portugueses, e que foi contratado especificamente para chefiar uma equipa na área da transplantação e cirurgia plástica. Macau está a ficar com uma medicina de topo, e neste momento levam pessoas com muita experiência. Dá a ideia que há uma grande aposta no sector da saúde, e isto tem uma vantagem muito grande para o território. Macau está a ter boas condições de trabalho e projectos interessantes de desenvolvimento em áreas específicas da medicina. Está a ser criada a Academia Médica de Macau, que lá será o equivalente à OM, e é um colega meu aqui de Lisboa que está lá há algum tempo a trabalhar nisso.

O que pensa dessa iniciativa da Academia?

É uma excelente iniciativa, porque a existência de instituições que zelam pela qualidade da medicina e pelo que é ética e deontologia da profissão são absolutamente essenciais. O facto de os médicos que estão lá terem uma associação própria com objectivos semelhantes aos da OM é um excelente princípio para que a medicina em Macau seja cada vez mais forte. A curto prazo ser uma boa locomotiva para se começar a fazer formação em Macau.

Há o plano para um curso de medicina numa universidade privada, que está a colaborar com universidades portuguesas. É também um passo importante?

Sim. Tive recentemente com o presidente do Conselho Nacional das Escolas Médicas, o doutor Fausto Pinto, e ele está a colaborar nesse projecto. É importante também para quem lá trabalha, porque a existência de um ambiente académico, mesmo que seja no sector privado, tem vantagens a vários níveis. Isso vai estimular a que as próprias unidades de saúde se preocupem com a formação pós-graduada. Qualquer dia começam a formar-se lá médicos de elevada qualidade. Como temos em Macau cerca de 100 médicos portugueses, isso pode ser um bom princípio para conseguirmos ir mais além.

Nos anos 90 havia cerca de 150 médicos portugueses, e muitos deles saíram no contexto da transferência de soberania. Isso causou problemas em termos de recursos humanos no serviço público de saúde.

O actual Governo de Macau está a tentar resolver essas consequências, por isso é que tem tentado contratar médicos e tem-se mantido esta relação estreita com Portugal. Esta relação é importante para nós, os chineses estão a respeitar isso e é bom, porque há alguma tradição. Manter este elo de comunicação entre a China e Portugal é importante, porque a China tem um papel que tem de ser considerado, com força, iniciativa e capacidade de inovação. Esta ponte através de Macau é importante, e a ideia de termos lá os nossos médicos, com projectos de trabalho de elevado nível, e de haver uma escola médica em Macau, é um caminho excelente para a China e Portugal. As coisas em Macau estão a correr bem e há uma evolução positiva, com uma boa integração das pessoas que lá trabalham. É uma aposta no desenvolvimento que está a dar frutos, além de que Macau está numa situação bem mais pacífica do que Hong Kong.

Na área da medicina, é melhor que Macau continue a colaborar com Portugal do que com Hong Kong, que está ali ao lado?

É bom Macau aproveitar as duas sinergias, dos portugueses e de Hong Kong, pois o território pode dar coisas boas também. Macau está a contratar a Portugal médicos de topo. Os médicos que foram para lá tinham aqui lugares importantíssimos, são excelentes profissionais. Macau está a fazer uma aposta na qualidade e é bom que haja diversidade.

Fala-se muito da Medicina Tradicional Chinesa (MTC), e há vários protocolos assinados entre a China e Portugal…

Mas não entra a OM. Temos algumas reservas face a políticas que possam ser implementadas sem que haja evidências científicas. A MTC é constituída por uma série de técnicas que engloba desde terapêuticas como a acupuntura até à fitoterapia, que é aquela que mais problemas levanta. Sei o que estavam a fazer na China há uns tempos atrás, pois visitei durante um mês algumas das cidades mais importantes do país e acho que os próprios chineses estão preocupados com isto. Quando visitei o hospital principal de Pequim eles tinham a medicina convencional, que é a predominante, nesse hospital era 95 por cento, e depois tinham um espaço para MTC, onde estavam a testar a eficácia de alguns produtos e técnicas. Os chineses quando têm problemas vão a hospitais como nós vamos, porque sabem a importância do tratamento em doenças como o cancro, que não se trata com plantas ou agulhas. Isto foi a evolução que a China teve. Há milhares de anos estes produtos podiam ter efeitos positivos, mas hoje vivemos uma era em que a evidência científica é fundamental. Cerca de 95 por cento dos produtos testados da MTC caem por terra.

Assusta-o que haja cada vez mais protocolos nesta área em Portugal?

Não sei que parcerias existem, mas acho que a China, mesmo mantendo algumas das suas tradições que são milenares em algumas matérias, deve seguir aquele caminho que o resto do mundo tem seguido, que é o da valorização da ciência. É ela que permite que a esperança média de vida em Portugal seja superior aos 80 anos, e que o HIV possa ter cura daqui a uns anos, dentro de pouco tempo.

Ao nível da OM, quer estabelecer mais parcerias com a China?

A OM, através do seu departamento internacional, tem uma estratégia importante, seja a nível europeu seja mundial, em várias áreas específicas. Não temos uma relação muito estreita com a China a esse nível, mas é uma área que também é importante para nós. É importante perceber o que se está a fazer em termos de medicina convencional na China e também em Macau. Os chineses têm uma grande potencialidade em termos de investigação, e há milhares de trabalhos a saírem para o desenvolvimento de novas moléculas, por exemplo.

A comunidade médica internacional olha para o sistema de saúde na China com mais confiança?

Neste momento, temos a ideia de que a China está a fazer o caminho da medicina convencional.

E não o da MTC.

Não, porque repare: os chineses são como nós, inteligentes e tudo mais, e as pessoas vão-se apercebendo que a MTC é um património dos chineses, e foi um património que teve um valor durante muitos anos e hoje já perceberam que quando têm um problema de saúde devem fazer o que está provado que faz bem. Há plantas que até podem diminuir a dor. O grande problema da fitoterapia é que tem imensos princípios activos, que podem ter efeitos positivos, mas também muito negativos. Há que separar o trigo do joio e ver aquilo que a medicina convencional pode incorporar e aquilo que, dada a evolução da medicina, já não dá para utilizar.

4 Jul 2019

Isabela Figueiredo, escritora: Chineses “são sábios e estrategas”

A escritora portuguesa Isabela Figueiredo foi uma das convidadas a participar no Fórum Literário Portugal-China, que aconteceu no passado dia 12 de Junho. A autora notou a presença da censura no evento, impressão que não a impediu de se sentir próxima dos seus congéneres chineses. Quanto às letras, “Café-Colina”, título ainda provisório, é o romance que se segue

 

Comecemos pela sua presença no fórum literário na China. Como foi a experiência?

[dropcap]T[/dropcap]enho curiosidade sobre tudo o que desconheço e me parece bom. Não sabia nada sobre a China e conheço muito pouco da sua literatura, tirando alguns clássicos. O que sabia da China era muito estereotipado, muito relacionado com o que aprendemos na escola, sobre Macau, no tempo em que ainda tínhamos colónias. Tinha uma ideia da China relacionada com Macau e também relacionada com um certo caos, barulho, que nos é transmitido pelos filmes. Cheguei a Pequim e a realidade é outra, parecia que estava em Estocolmo. É a cidade mais organizada e limpa do mundo, pelo menos daquilo que vi. Seguríssima, muito desenvolvida, com pessoas muito bem-educadas, sem haver assédio às mulheres, que é uma coisa que eu sofro imenso em todos os países. Também gostei do contacto com os escritores chineses, embora tenha havido um contacto bastante formal e um bocadinho protocolar. Mas para mim foi estúpido, e digo isso porque tem mesmo a ver com a minha falta de conhecimento, descobrir que há pessoas exactamente como eu, com os mesmos gostos, na China. Nunca na minha vida pensei em ir à China. Espero que no futuro esta ida traga frutos, e tenho interesse em conhecer mais. Aliás, já fui comprar um livro de um escritor chinês que também participou neste intercâmbio.

Qual?

Do Su Tong, que tem a minha idade. Não o conheci pessoalmente, mas falaram-me bem dele e ele está traduzido para português. Tenho muita vontade de saber mais sobre a China e também que os chineses me conheçam a mim.

Gostaria que a sua editora traduzisse os seus livros para mandarim?

Sim, o que quero é que a minha editora, ou uma instituição chinesa ou tradutor chinês, tenha interesse em fazer uma proposta. Esta minha ida à China inaugurou um ramo de interesse pela China, porque neste momento já andei a ver quanto custam as viagens para diversos sítios lá. Fiquei interessada na cultura, era uma questão de ignorância pura. Há ali uma discreta elegância ordenada que é bonita, um sentido estético minucioso.

Foi numa comitiva onde estava a ministra da cultura e outros escritores portugueses. Como foi essa partilha?

Com os outros escritores correu muito bem, porque eu e o (José Luís) Peixoto e o Bruno Vieira Amaral queremos é brincar, além de falarmos de literatura. Também correu muito bem com a ministra da cultura (Graça Fonseca), mas na verdade encontrámo-nos poucas vezes porque ela tinha a sua agenda e reuniões.

Com que percepção ficou do olhar que a China tem face à língua portuguesa e aos escritores?

Perante os escritores portugueses, a China tem muita curiosidade, sabem muito sobre o Saramago, Fernando Pessoa, são muito sábios. Eles sabem mais sobre nós do que nós sobre eles, e isso deixou-me envergonhada. As pessoas do público estavam bem preparadas nas perguntas que fizeram.

Que temas foram abordados no fórum?

O tema era “visão e imaginação na literatura”. Claro que os escritores portugueses todos falaram, sobretudo, da visão, e de como ela é depois importante para podermos imaginar, e sobre como a visão do mundo estimula a imaginação. Penso que os chineses fugiram à questão da visão e foram mais para a imaginação, de forma mais direccionada. Tiveram algum receio de falar sobre a visão.

Porque pensou isso?

As comunicações deles eram muito orientadas para a forma como a imaginação já era imaginação, e de como esta vem do nada, como se fosse um contacto com outro mundo, e não como nós a vemos. Nós, os três escritores, achamos que a imaginação é fruto de um estímulo da realidade. Para mim foi surpreendente ver como esse assunto não foi, sequer, abordado pelos chineses. Para eles a imaginação cria-se do nada. Eles têm receio de falar da realidade, ou da palavra realidade. Não sei se isto é real ou não, porque também não tive oportunidade de falar com eles abertamente sobre isto.

Ficou com a impressão de que não estão habituados a poder falar sobre a realidade que os rodeia?

Provavelmente, sim. Mas reparei que as pessoas que estavam na audiência faziam muitas perguntas direccionadas para isso.

Para o facto de não poderem falar sobre a realidade?

Sim. Pelo facto das observações da realidade não serem bem vistas, bem aceites. Notei mais pelas perguntas do público do que pelas intervenções dos escritores, pois estes salvaguardaram-se muito nas suas comunicações oficiais.

O facto de existir censura na China mudou o posicionamento dos escritores chineses no fórum literário?

Acho que sim. Isso esteve sempre presente na minha cabeça quando os estava a ouvir. E a questão da censura também esteve presente na minha comunicação, que era implicitamente um discurso contra a censura e a falta de liberdade de pensamento. Foi muito curioso porque depois de ter falado apenas foi dito, pela pessoa que estava a moderar a conversa, que eu dava muita atenção à autobiografia. Disse, de facto, que aquilo que escrevo se baseia muito na minha autobiografia, mas isso foi um décimo do que falei. Falei de como a liberdade de pensamento e de expressão são fundamentais na arte, e que a arte é um veículo de transformação da sociedade, ao nível da formação da mente. Penso que foi escolhido o pedaço da minha intervenção menos incómodo. Não fui a pessoa que normalmente sou, muita expressiva. Fui muito controlada e tudo o que tinha a dizer disse-o implicitamente, mas, mesmo assim…

Incomoda-a a aproximação do Governo português à China, no campo das artes, tendo em conta a censura?

Os boicotes não servem nada nem ninguém. Só conseguimos mudar uma pessoa se nos dermos com ela. O Ocidente só pode ser lido na China se não boicotar a China. Temos de criar um equilíbrio e dizer quais são as regras. Temos de dizer o que são direitos humanos, o que é digno, e temos de ser muito fortes com isso porque eles são mais fortes do que nós. Temos de ser muito inteligentes para trabalhar com eles e temos de ser humildes para admitir isso. Nós temos a percepção contrária e temos, de facto, uma auto-estima muito elevada. Eu achei que aquela gente é muito mais sábia do que eu.

O próprio Presidente da República portuguesa puxa muito para isso, tem esse discurso da grandiosidade de ser português.

Esse discurso até pode resultar na China porque os chineses também têm esse discurso da grandiosidade. Nós precisamos de ser muito cautelosos com os chineses, porque eles são sábios e estrategas. Somos mais inteligentes se os aceitarmos e dialogarmos com eles.

Foi a estrela do festival literário do Paraty. Acha que a forte presença no Brasil lhe abriu portas para a China?

A minha forte presença no Brasil fez com que, neste momento, eu seja uma das escritoras portuguesas mais lidas lá. No resto do mundo não sei. Hoje tive a notícia de que os meus livros foram, de novo, reimpressos, o que é muito bom num país que está a sofrer uma crise tão grande como o Brasil está a sofrer neste momento. Fui convidada para esta comitiva pela visibilidade que começo a ter em Portugal, e pelo facto de começar a ser muito traduzida. De repente, a máquina começou a funcionar, e também ajuda o facto dos leitores estarem à espera do meu próximo romance, claro.

Está também a trabalhar num livro de contos…

Esse livro de contos começou a ser escrito no contexto de uma residência literária que fiz em Berlim, o ano passado, e o meu objectivo era escrever apenas um conto. Escrevi-o, mas fará parte de uma colectânea de contos que deverá ter como nome “Berlim-Almada”. Esse livro não está ainda escrito porque tenho escrito outras coisas, outros projectos, como um documentário. Além disso, tenho de acabar o meu próximo romance, para sair no Outono.

Fale-me sobre o próximo livro.

O nome provisório é “Café-Colina”. É um romance sobre a forma como tudo aquilo que nós somos é construído e nós poderíamos ser completamente diferentes, e viver de forma completamente diferente e sermos felizes com isso. Isso quer dizer que poderíamos aprender a viver sem depender de um salário, sem comer batatas.

Sermos autossuficientes?

Sim. É um livro muito do novo milénio. Não é sobre colonialismo ou questões do corpo, mas sim sobre questões da ética e do Eu, e da forma como estamos no mundo. É um livro que corresponde, como tudo o que escrevo, aos meus ímpetos de comunicar coisas às pessoas.

Escreveu muito sobre colonialismo e o seu passado. Como foi parar a um novo tema?

Agora porque há urgências. Escrever sobre a minha experiência colonial era uma urgência, era uma coisa que andava a rolar dentro de mim. Em “A Gorda”, há a questão do corpo, da perda, foi a seguinte urgência. E este livro é a terceira urgência. São coisas que andam dentro de mim há muitas décadas, desde pequena, todos os dias olho para o mundo e vejo a forma como vivemos, como pensamos e trabalhamos, e quero questionar tudo isso, mostrar às pessoas.

Porquê agora?

As coisas vão amadurecendo e há uma altura certa. Esta questão que vou trabalhar no próximo livro não consigo esgotá-la num só romance. Não sei se vou ter uma trilogia, mas é um assunto que para o trabalhar sem ter uma forma didáctica, porque o livro é um romance e tem de ser lido como tal, aquilo que quero dizer não pode ser lá metido como uma imposição ao leitor. Preciso de mais de um livro para falar sobre isso. Arrumei outros assuntos e este impôs-se.

Vai voltar a escrever sobre colonialismo?

Sim, não me posso libertar disso. É aquilo que eu sou. Há tanto colonialismo em mim que, para mim, Macau é o sítio mais lindo da China, mas nunca lá fui. E faz parte de mim, do que aprendi na escola primária. Em Moçambique as coisas mais bonitas vinham de Macau, os objectos. Pertencia aquele imaginário. Portugal tem muito pouca memória de Macau, já não se fala de Macau. Quando me falam de Macau eu tenho um imaginário, que é o frontispício das Ruínas de São Paulo e daquelas ruas com as lanternas. Tenho ideia das mercadorias que vinham de Macau e que ambicionávamos ter em Moçambique. Em Lourenço Marques havia muitos macaenses com lojas.

3 Jul 2019

Finalmente, Malaca

[dropcap]R[/dropcap]ecordo-me da cara de felicidade daquele homem no meio de carros barulhentos quando viu o meu passaporte português. Tirou-o das minhas mãos, repentinamente, e sorriu como eu nunca havia visto alguém sorrir perante tal documento de viagem.

Aquele residente de Malaca sentia-se português sem nunca ter ido a Portugal e sentia uma extrema felicidade só de olhar para o meu nome. Malaca é um lugar especial, mas esquecido.

Aquele pequeno bairro português guarda tantas histórias consigo, histórias que permanecem por catalogar e que caíram no esquecimento das autoridades portuguesas. O sentimento de ser português, ainda que essa portugalidade possa ser uma ilusão, está muito presente naquelas ruas e é bonito de se ver, mas, sobretudo, de sentir.

Finalmente, um dirigente português foi a Malaca ver estas pessoas e este sentimento bonito que elas guardam. Vai tarde, mas mais vale tarde do que nunca. Espero que a visita do secretário de Estado das Comunidades Portuguesas, José Luís Carneiro, possa dar àquelas pessoas uma escola de português como tanto desejam, um museu decente e infra-estruturas que permitam manter a sua história, que afinal é nossa também.

2 Jul 2019

IIM | Irmãos Marreiros ganham Prémio Identidade por “obra de reconhecida qualidade”

Vítor Marreiros, designer, e Carlos Marreiros, arquitecto, são os vencedores da edição deste ano do Prémio Identidade 2019 do Instituto Internacional de Macau, por serem “duas personalidades bem conhecidas de Macau” e “dois casos de sucesso”. Carlos Marreiros diz que a distinção é o mote para continuarem a fazer um bom trabalho

 

[dropcap]O[/dropcap] Instituto Internacional de Macau (IIM) decidiu atribuir este ano o Prémio Identidade aos irmãos Vítor Marreiros, designer, e Carlos Marreiros, arquitecto. De acordo com um comunicado do próprio IIM, a distinção justifica-se com o facto de os dois irmãos serem “indiscutivelmente dois grandes talentos de Macau e duas notáveis histórias de sucesso, como inspirados criadores, artistas consumados e profissionais respeitados, com obra de reconhecida qualidade realizada e, ambos, com significativa projecção no exterior, o que tem prestigiado Macau, sua terra natal, além-fronteiras”.

O facto de já terem trabalhado juntos em inúmeros projectos faz com que se enquadrem “perfeitamente no espírito do galardão que lhes foi agora atribuído”. O prémio será entregue no próximo Encontro das Comunidades Macaenses, que se realiza no território na última semana de Novembro deste ano.

Em declarações ao HM, Carlos Marreiros mostrou-se satisfeito por ser um dos nomes escolhidos.
“Há tanto anos que tenho trabalhado de forma desinteressada para a formação da identidade macaense que naturalmente fico feliz e contente por ser recipiente deste prémio. É uma honra. Claro que não trabalhamos para prémios, mas quando somos distinguidos aceitamos e vemos isso como um incentivo para continuar a trabalhar, mais e ainda melhor.”

Carlos Marreiros destaca o facto de ter ganho o prémio com o irmão, “um grande designer e artista”. “Fizemos trabalhos em conjunto nos últimos 35 anos e vamos continuar a ter projectos. Poder receber esse prémio juntamente com os nossos irmãos macaenses que estão cá em Macau é um sinal de alegria. Vamos recebe-lo com humildade e sabemos que doravante ainda temos de nos esforçar para trabalhar melhor”, frisou. O HM tentou chegar à fala com Vítor Marreiros, mas até ao fecho da edição não foi possível estabelecer contacto.

Provas dadas

Carlos Alberto dos Santos Marreiros é arquitecto, urbanista, artista plástico e gestor cultural, com formação superior obtida em Macau, Portugal, Alemanha e Suécia. Além de arquitecto muito conceituado, com cerca de duzentas obras concebidas em Macau, Hong Kong, China, Portugal e Austrália, e de docente universitário e orador em conferências internacionais, desempenhou cargos em organismos públicos e da sociedade civil, entre os quais os de presidente do Instituto Cultural de Macau (1989-1992). Preside, actualmente, ao Albergue SCM, e é igualmente curador da Fundação Macau, membro do Conselho Consultivo da Cultura, do Conselho do Ambiente e do Conselho para as Indústrias Criativas da RAEM e presidente honorário da Associação de Engenharia e Construção de Macau. O IIM recorda que, como artista plástico, protagonizou mais de duas dezenas de exposições individuais e participou em mais de cinquenta colectivas em várias partes do mundo. Nesse aspecto, impossível não mencionar que foi o artista escolhido para representar Macau na 55.ª Exposição Internacional de Arte de Veneza, em 2013.

Victor Hugo dos Santos Marreiros é considerado um dos melhores designers de Macau, tendo-se notabilizado no ramo do design gráfico e como artista, com trabalhos de elevado mérito, muitos dos quais reflectindo a identidade cultural de Macau, que contribuiu para valorizar enormemente, descreve o IIM.

Foi director artístico do Instituto Cultural, bem como da Revista de Cultura do mesmo organismo e da TDM – Teledifusão de Macau, além de fundador do Círculo dos Amigos da Cultura, da MARR Design e da Victor Hugo Design e membro da Associação de Design de Macau. Participou em exposições e eventos culturais realizados em vários países.

2 Jul 2019

Vistos Gold | Sócio de Stanley Ho ligado a alegada burla na compra de armazéns

O Ministério Público português está a investigar um alegado caso de burla na compra de armazéns em troca de vistos gold. Investidores chineses pagaram milhões por lojas, mas perceberam mais tarde que compraram armazéns. Choi Man Hin, sócio de Stanley Ho, está por detrás deste negócio, bem como um escritório de advocacia com ligações a Macau. O advogado Rui Cunha nega qualquer envolvimento no caso

 

[dropcap]O[/dropcap] diário português Público noticiou este sábado que o Ministério Público (MP) em Portugal está a investigar uma suspeita de alegada burla que envolve a compra de armazéns em troca da atribuição de vistos gold.

Os investidores chineses queriam adquirir lojas, mas perceberam mais tarde que tinham comprado armazéns à POAO II – Investimentos Imobiliários, que tem como um dos sócios-gerentes Choi Man Hin, sócio de Stanley Ho e presidente do conselho de administração do Grupo Estoril Sol, que opera casinos em Portugal.

Oito investidores apresentaram queixa às autoridades por se sentirem alvos de burla e especulação dos valores pagos pelos armazéns que, na verdade, não pretendiam comprar.

“O MP está a investigar os contornos que envolveram a construção do Centro POAO, o megacentro comercial chinês grossista no Porto Alto, Samora Correia, concelho de Benavente, que foi anunciado em 2016 como um investimento de 40 milhões de euros”, lê-se no jornal, que escreve ainda que muitos dos que investiram não receberam o visto gold como prometido.

Jin Wenjun, uma das investidoras, disse ao Público que, nos contratos, “em português está escrito armazém, mas em chinês está loja”, adiantando que “jamais compraria um armazém”. Esta disse ainda que “acreditava estar a comprar ‘duas lojas num conceituado centro comercial perto de Lisboa por mais de 551 mil euros’ e não ‘dois armazéns num centro grossista, onde só podem ir lojistas e que, neste momento, parece um local-fantasma, porque são poucos os armazéns ocupados’”.

Rui Cunha nega envolvimento

As queixas foram apresentadas contra a POAO II – Investimentos Imobiliários, os seus sócios e gerentes, os advogados que a representam, Rui Cunha, Glória e Associados, assim como a tradutora. Numa oferta de emprego online, o escritório de advocacia em causa afirma servir de “ponte entre a RAEM e Portugal, através da assessoria jurídica de clientes que pretendam estabelecer negócios em Portugal”. Ao HM, o advogado Rui Cunha, que em Macau detém o escritório de advocacia C&C, garantiu nada ter a ver com este caso. “Não tenho dados do escritório nem do que terá sido publicado. Pessoalmente, nada tenho a ver com esse assunto e com essas pessoas”, disse. Glória Ribeiro, advogada, também não quis fazer comentários ao Público.

A empresa do sócio de Stanley Ho prometeu aos investidores arrendar os armazéns a um valor de quase 14.000 patacas mensais durante cinco anos, sendo que depois iriam comprar esses mesmos armazéns pelo valor de aquisição. Uma das queixosas teme não ver o investimento de volta, uma vez que a POAO II está com um pedido de insolvência em tribunal desde 2017.

O jornal aponta que, depois da compra dos armazéns, “a POAO II contraía empréstimos e hipotecava as fracções que já estavam vendidas.” Segundo o Público, os contratos com hipoteca para a concessão de crédito “não eram do conhecimento dos compradores, que nunca deram o seu consentimento de forma a que aqueles bens servissem como garantia”.

1 Jul 2019

APN | Kevin Ho substitui Ho Iat Seng depois de falhar eleições de 2017

Kevin Ho, sobrinho de Edmund Ho e vice-presidente do grupo Global Media, foi nomeado delegado de Macau à Assembleia Popular Nacional, em substituição de Ho Iat Seng, que se candidata a Chefe do Executivo. Em Portugal, o grupo Global Media está na mira do Sindicato dos Jornalistas por não pagar a trabalhadores nem dar explicações

 

[dropcap]K[/dropcap]evin Ho, empresário e vice-presidente de um dos maiores grupos de media em Portugal, foi nomeado delegado de Macau à Assembleia Popular Nacional (APN) da China, noticiou sábado o semanário Plataforma.

O empresário substitui, naquele que é o mais alto órgão consultivo político chinês, Ho Iat Seng, que se demitiu do cargo após ter anunciado a candidatura a chefe do Governo de Macau, cujas eleições estão agendadas para 25 de Agosto.

“Estou extremamente honrado e o meu empenho em servir Macau e a China sai reforçado”, disse ao Plataforma o vice-presidente do conselho de administração da Global Media Group, que detém títulos como o Jornal de Notícias, TSF, O Jogo, Diário de Notícias, Dinheiro Vivo e também o Plataforma Media. Kevin Ho é presidente da KNJ Investment Limited, empresa que detém 30 por cento do capital do Global Media Group.

Já em 2017, Kevin Ho foi candidato nas eleições para a escolha dos membros deste órgão político da China. Dessa vez, Ho Iat Seng seria eleito com o maior número de votos de todos os candidatos de Macau, com um total de 440, enquanto que Kevin Ho não conseguiu ser eleito, recolhendo apenas 288 votos.

Salários por pagar

Entretanto, em Portugal, Kevin Ho está a ser acusado pelo Sindicato de Jornalistas (SJ) português de não pagar salários aos trabalhadores do grupo Global Media. De acordo com um comunicado do SJ, emitido na sexta-feira, não só estão por pagar salários do mês de Junho como não foram dadas explicações por parte dos membros do conselho de administração do grupo Global Media.

“A administração do Global Media Group tem ignorado os trabalhadores, recusando-se a prestar esclarecimentos quer ao SJ quer aos delegados sindicais sobre a degradação financeira das empresas de comunicação social que detém. Ao mesmo tempo, e pela primeira vez, os salários de Junho não foram pagos no penúltimo/último dia útil do mês (consoante os bancos), como é habitual há anos”, lê-se.

Nesse sentido, o SJ lamenta que, “mais uma vez, a administração opte por ignorar os funcionários do universo do grupo”, uma postura que “já não é nova”, uma vez que “o SJ e os delegados sindicais de JN, DN, TSF e O Jogo têm vindo a solicitar reuniões com a administração desde o início de Janeiro, face às notícias de estar a ser preparada uma reestruturação, que poderia implicar o despedimento de 100 a 200 trabalhadores. Nunca obteve resposta”.

O SJ também pediu “reuniões na sequência do agravamento de problemas de tesouraria, que levaram a atrasos no pagamento aos colaboradores, desde Novembro passado. Nunca chegou uma resposta”. O mesmo comunicado dá conta que “a situação financeira do Grupo Global Media está a deteriorar-se”, acusando os gestores da Global Media de “falta de ética ao ignorar quem trabalha no grupo, não respondendo aos emails enviados nomeadamente um abaixo-assinado de 234 trabalhadores solicitando uma reunião entre a administração e os delegados sindicais de JN, DN, TSF e O Jogo”.

Na última visita do Chefe do Executivo, Chui Sai On, a Portugal, Kevin Ho foi questionado sobre o projecto de reestruturação do grupo de media, mas poucos esclarecimentos foram dados.

“Não se trata apenas de despedimentos ou de recursos humanos, mas é algo que tem a ver com a reestruturação de todo o grupo. Todas as empresas vão passar por fases de reestruturação e há necessidades de mudança em todas elas. O processo de restauração ainda está a decorrer. Não se foquem no número de pessoas que vamos despedir, talvez até venhamos a contratar mais”, disse, à margem de um evento de apresentação dos seus investimentos na cidade do Porto.

1 Jul 2019

Renascimento italiano | Seminário marca últimos dias de exposição no MAM

“Desenhos da Renascença Italiana do British Museum” é o nome da exposição que tem estado patente no Museu de Arte de Macau e que chega ao fim este domingo. Margarida Saraiva, curadora da mostra, explica a essência dos desenhos com foco na figura humana, sem esquecer o movimento do corpo, a luz e as sombras que dele emanavam

 

[dropcap]A[/dropcap] exposição “Desenhos da Renascença Italiana do British Museum” chega ao fim este domingo, mas, antes disso, o Museu de Arte de Macau (MAM) organiza um seminário, este sábado às 16h, que explica precisamente a origem da mostra. A apresentação estará a cargo de Margarida Saraiva, curadora, que vai “explorar aos primeiros estágios de elaboração e planeamento até o papel do curador em projectos itinerantes”.

Além disso, Margarida Saraiva “apresentará as obras de arte seleccionadas exclusivamente para a exposição em Macau e os conceitos do renascimento italiano que inspiraram tanto o design gráfico, quanto o de galeria”. Serão ainda feitas duas visitas guiadas em cantonense, no sábado e no domingo.

Ao HM, a curadora traça um retrato das imagens patentes no MAM desde o passado dia 18, e que tem como principal objecto a figura humana.

“A arte da renascença italiana foi dominada pelo desejo de representar com precisão a figura humana. O objectivo era envolver o espectador na narrativa apresentada na pintura e, para alcançar esse objectivo, as figuras tinham que ser naturalistas e expressivas”, adiantou a curadora.

Desta forma, “a prática artística dos jovens que ambicionavam tornar-se grandes artistas concentrou-se progressivamente no desenho à vista do corpo masculino”.

As descobertas arqueológicas acabaram por influenciar o trabalho destes artistas que começaram a “desenhar a partir das estátuas originais ou de gessos, procurando alcançar a musculatura característica da arte clássica”. Nesse período, eram também realizados “estudos mais detalhados de certas partes do corpo, como a cabeça de amigos ou colegas de várias idades, que mais tarde podiam ser usados para representar santos, personagens mitológicas ou heróis clássicos em obras acabadas”.

Nem sempre o corpo humano era retratado tal como ele era. Nesse aspecto, Margarida Saraiva dá como exemplo as imagens com a assinatura de Leonardo Da Vinci, com retratos mais exagerados ou extravagantes, nas quais “uma compreensão profunda da forma humana constitui um trampolim para uma exploração mais criativa da personagem e do seu carácter”.

A caricatura e a luz

Um dos exemplos do exagero de que fala Margarida Saraiva pode ser visto nas duas obras “Caricaturas de um homem e uma mulher idosos”, e que foram feitas entre os anos 1482 e 1499, pintadas com caneta e tinta castanha.

Neste período, Leonardo Da Vinci estava ao serviço do duque de Milão, sendo que as imagens em apreço “podem ter sido concebidas tanto como divertimentos para corte quanto como explorações da fisionomia, a partir da crença segundo a qual o personagem poderia ser interpretado através dos seus traços faciais”.

Margarida Saraiva acrescenta que “ao longo da vida, o artista explorou obsessivamente os contrastes entre o novo e o velho, a fealdade e a beleza, em esboços rápidos de perfis, frequentes nos seus cadernos de anotações: os seus anjos e rostos femininos incorporavam a beleza ideal, mas a essa perfeição Leonardo contrapunha os extremos do ‘grotesco’”.

A curadora diz ainda que “o humor das caricaturas vem em parte da apresentação incongruente dessas figuras exageradas no formato digno do perfil, associado aos retratos de imperadores e reis antigos, em medalhas e camafeus”.

Segue-se “Estudos para o Juízo Final”, de Michelangelo Buonarroti, que data do ano 1534, uma imagem pintada a giz preto. Este desenho foi “especialmente requisitado pelo MAM ao British Museum para a exposição” e estão ligados à “grande obra da maturidade de Michelangelo”, que é o “Juízo Final” da Capela Sistina, no Vaticano, diz Margarida Saraiva. A obra em causa “representa o momento final da história cristã, no qual Deus julga as almas humanas para admiti-las no céu ou condená-las ao inferno”.

Nesse sentido, “a imagem de Michelangelo é consolidada pelos contrastes dinâmicos das figuras, subindo e descendo, e neste desenho ele estuda figuras que se tornarão anjos no fresco final. O ambicioso esforço de detalhe das poses e a poderosa musculatura aumenta a intensidade dramática do tema”.

Além da presença acentuada do movimento, o jogo de luz e sombras também fez parte da visão artística do Renascimento Italiano. “Da mesma forma que a representação naturalista do mundo se tornou fulcral para artistas da Renascença, a compreensão adequada da luz também”, lembra Margarida Saraiva.

“Pelo uso eficaz de luz e sombra, numa combinação chamada em italiano chiaroscuro, um artista poderia chamar a atenção para partes específicas de uma cena, sugerir volume e solidez, e representar presenças sagradas através do brilho da luz divina. As gradações de luz serviam igualmente para criar, numa composição, a sensação de distância e perspectiva”, acrescenta.

Artistas como Leon Battista Alberti, entre outros, “levaram os seus estudos de luz mais longe”, uma vez que Alberti “escreveu exaustivamente sobre a base matemática da luz”, enquanto que Leonardo da Vinci “dedicou-se a compreender a ciência da luz e da visão”, ao estudar “a óptica, a anatomia do olho e a difusão da luz na atmosfera”.

Este trabalho acabaria por ter impacto no trabalho de artistas posteriores como é o caso de Ticiano, Raphael e Caravaggio, como se observa na obra “Estudos de uma jovem segurando um livro”.

28 Jun 2019

Violência doméstica | DSAJ esclarece que casos únicos podem constituir crime

[dropcap]L[/dropcap]iu Dexue, da Direcção dos Serviços para os Assuntos de Justiça (DSAJ), esclareceu o deputado José Pereira Coutinho quanto ao tipo de casos que podem constituir o crime de violência doméstica, garantindo que actos únicos de violência também são tidos em conta pelas autoridades.

“A prática reiterada ou não dos actos não faz parte dos elementos constitutivos do crime de violência doméstica, o qual abrange não só ofensas reiteradas de reduzida intensidade, mas também ofensa de uma só vez que pode causar resultados consideravelmente graves. Por isso, ao avaliar se um acto constitui crime de violência doméstica, é necessário considerar globalmente as diversas circunstâncias do caso concreto.”

Em interpelação escrita, o deputado questionava se as autoridades iriam analisar melhor os factos que constituem crime de violência doméstica, além de pedir uma diferente interpretação da lei em vigor.

Na resposta, Liu Dexue esclareceu também o número de acções de formação que o Governo tem realizado neste âmbito. “Actualmente, a Polícia Judiciária tem vindo a proceder à abertura de inquéritos e processamento quanto às participações que envolvem o crime de violência doméstica. Entre 2016 e 2017 foi realizado um total de 88 palestras relacionadas com a lei da violência doméstica, que contaram com um total de 5.301 participações.”

28 Jun 2019

Hengqin | Empresa de ex-deputado passa a operar novo centro logístico

O ex-deputado à Assembleia Legislativa Dominic Sio é vice-presidente de uma empresa instalada na Ilha de Hengqin, no Parque Industrial de Cooperação Cantão-Macau. A inauguração do novo centro logístico, operacionalizado pela Dah Chong Hong Macau Limitada, aconteceu ontem

 

[dropcap]F[/dropcap]oi ontem inaugurado com pompa e circunstância o primeiro centro logístico a funcionar na Ilha de Hengqin, no Parque Industrial de Cooperação Cantão-Macau. O centro será operacionalizado pela empresa Dah Chong Hong Macau Limitada, cujo vice-presidente é o ex-deputado à Assembleia Legislativa Dominic Sio Chi Wai.

O empresário referiu que “foi aprovada a função de armazém alfandegário para este centro logístico por parte da Administração Geral da Alfândega da China”, que terá como objectivo conservar produtos alimentares.

Uma das vantagens da localização apontada por Dominic Sio é o facto de “não ser exigida cobrança de imposto”, além de que “os produtos podem ser mantidos num ambiente que ajuda ao processamento de alimentos”. Foi também referida a importância da ponte Hong Kong-Zhuhai-Macau, que irá permitir “um transporte mais eficaz”, frisou o empresário.

Dominic Sio adiantou que o novo centro logístico vai oferecer preços mais competitivos face aos que são praticados em Hong Kong e Macau, além de que o centro pode garantir a conservação de alimentos abaixo dos 40 graus celsius, o que permite a eliminação de bactérias detectadas no peixe, como é o caso do salmão.

Este projecto foi seleccionado em 2014 e foi um dos primeiros a ser escolhido para o Parque Industrial de Cooperação Guangdong-Macau, num investimento de quase 2.500 milhões de renminbi.

A companhia Dah Chong Hong Holdings Limited foi estabelecida em Hong Kong há mais de 70 anos, possuindo actualmente negócios e sucursais em várias cidades como Hong Kong, Macau, Zhuhai, Shenzhen, Guangzhou, Jiangmen, Xiamen e Xangai.

Em Macau, a empresa opera dois grandes centros logísticos na Zona Industrial Transfronteiriça de Coloane e da Ilha Verde, fornecendo serviços de armazenamento a diferentes temperaturas.

Além desta posição empresarial, Dominic Sio é também director da CESL-Ásia, empresa que opera na área da construção civil, entre outras.

Figuras de topo

Zhang Jijing, outro empresário presente na cerimónia de inauguração, garantiu que o centro logístico actuará como ponte com outras regiões da Grande Baía, visando abastecer Macau e Zhuhai com soluções ao nível do fornecimento e armazenamento de produtos, sem esquecer os serviços alfandegários.

No evento de ontem estiveram presentes elevadas figuras do meio político, como o Chefe do Executivo, Chui Sai On, o anterior e actual vice-presidente da Conferência Consultiva Política do Povo Chinês (CCPPC), Edmund Ho, bem como o director do Gabinete de Ligação do Governo Central em Macau, Fu Ziying, entre outras personalidades.

28 Jun 2019

UM | Directora da Faculdade de Letras está de saída e é acusada de abuso de poder

Hong Gang Jin, directora da Faculdade de Letras e Humanidades da Universidade de Macau, está de saída do cargo. Docentes e ex-docentes da faculdade falam de abuso de poder e má gestão, sobretudo no departamento de português. Além disso, fontes ouvidas pelo HM adiantam que o novo reitor está a tentar limpar a imagem da instituição
Hong Gang Jin

[dropcap]A[/dropcap] directora da Faculdade de Letras e Humanidades (FAH, na sigla inglesa) da Universidade de Macau (UM) está de saída do cargo, segundo apurou o HM. Fontes avançaram que o argumento oficial é a passagem de Hong Gang Jin à reforma, mas por detrás da saída estarão problemas ao nível da gestão da própria faculdade. Todos os docentes da FAH já foram informados da saída, mas o HM não conseguiu confirmar a data certa para Hong Gang Jin deixar o cargo de directora da Faculdade de Letras e Humanidades.

Custódio Martins, ex-professor do departamento de português da UM, actualmente a dar aulas na Universidade de São José (USJ), dá conta da redução da qualidade do ensino de língua portuguesa graças às mudanças implementadas por Hong Gang Jin.

“Foi apresentado, há cerca de dois anos, um plano para a alteração da licenciatura em Estudos Portugueses. O número de horas de português reduziu drasticamente e passaram a ter outras disciplinas que não têm interesse nenhum. É um plano inacreditável, mas é também inacreditável que tenha sido aprovado e posto em funcionamento sem ser questionado, até no Senado da universidade”, disse ao HM.

Custódio Martins dá conta de situações de abuso de poder, que o levaram a sair da UM. “A minha saída foi motivada pela perseguição que me vinha a ser feita e também pelo facto de ter sido posto de lado no departamento, a nível profissional. Desde que a directora chegou que a faculdade tem sido comandada com mão de ferro. Tudo o que acontecia no departamento de português, sobretudo nos últimos tempos, era consequência de ordens emanadas da directora que tudo e todos tentava controlar. Havia claras situações de abuso de poder e de assédio profissional”, frisou o docente, que fala também de impedimento no acesso dos professores universitários à investigação.

“Ao contrário do que deveria acontecer a nível académico, não havia discussão de ideias, e o espaço que havia para se fazer investigação séria e de alguma qualidade foi nitidamente reduzido e até mesmo limitado ao nível da acção. Nesse sentido, não havia qualquer estratégia, a não ser para um restrito grupo de pessoas.”

Custódio Martins assegura que foi impedido de orientar teses de doutoramento, além de não mais ter sido chamado para “actos académicos para os quais tinha habilitações”.

“Houve algumas situações em que a directora tentou impedir que eu fosse de licença de investigação, quando a situação estava prevista de acordo com os regulamentos. É uma situação perfeitamente incompreensível e nada profissional, na medida em que uma das obrigações de um director de faculdade, nos dias de hoje, é promover a investigação e não impedir que os membros dessa faculdade o façam”, reiterou.

Sem experiência

John (nome fictício), docente da FAH que não pertence ao departamento de português e que não quis ser identificado, assegura que a nomeação de Hong Gang Jin foi uma surpresa para todos, a começar pelo facto desta não ter qualquer tipo de experiência em termos de gestão universitária.

“Ficámos surpreendidos com a escolha porque, em termos académicos, ela não era qualificada para o trabalho. Ela apenas publicou alguns livros e escreveu alguns artigos em chinês, e lembro-me de falar com um colega da Universidade de Hong Kong que me disse que isso era ridículo, questionando como era possível acontecer uma nomeação como essa.”

No currículo de Hong Gang Jin consta uma experiência de gestão como directora do Hamilton College, nos Estados Unidos, que não é mais do que um colégio de acesso ao ensino superior, adianta John. “Ela não tinha experiência em supervisionar departamentos universitários. Para chegar a esse estatuto é necessário supervisionar estudantes de doutoramento, e ela nunca o fez.”

John recorda que antes de Hong Gang Jin foi escolhido “um director interino óptimo”, mas que depois “ninguém ficou muito contente” com a escolha, uma vez que “foram entrevistados candidatos excelentes”, tendo sido seleccionada a “candidata que estava no final da lista”.

Circunstância que levou à debandada de uma parte significativa dos quadros do departamento de português.

“Tenho um colega no meu departamento que sofreu muito com ela, odiavam-se. Muitas pessoas do departamento de português saíram porque era impossível trabalhar com ela. Rapidamente tornou-se claro que ela tinha as suas próprias ideias, e tínhamos de concordar com ela ou ficávamos de fora. E tornou-se claro que ela é estúpida, mesmo. É uma professora de línguas, mas não a nível académico. Tem apenas uma ideia de como se deve ensinar línguas, sobretudo no que diz respeito ao departamento de português”, acrescentou John.

Recuperar a credibilidade

Manuel (nome fictício), igualmente docente da FAH que não quis ser identificado, também menciona irregularidades cometidas durante a direcção de Hong Gang Jin. “Posso dizer-lhe que a saída corresponde a uma generalizada expectativa de muitos dos membros da FAH”, começou por dizer. “A nomeação da directora foi sempre polémica. Ao longo do mandato acumulou suspeitas de encobrimento (senão promoção) de irregularidades em concursos e acusações de plágio.”

No que diz respeito ao departamento de português e inglês, este professor recorda que as relações foram sempre conflituosas. “É sabido que as hostilidades aos portugueses pesaram na saída antecipada da antiga directora do departamento, Fernanda Gil Costa, e na promoção apressada (e sem justificação curricular) do seu sucessor, Yao Jingming”, disse.

Hong Gang Jin teria ainda uma “forte associação ao ex-vice-reitor Lionel Ni, que também saiu recentemente da UM”, disse o mesmo docente. Lionel Ni era “geralmente detestado e conhecido por abusos de poder”, e o facto de ter deixado a UM “explica a saída” de Hong Gang Jin.

“Estas duas saídas e uma anterior, a do director da Faculdade de Ciências Sociais da UM, correspondem a uma política de saneamento promovida pelo novo reitor, Song Yonghua, no sentido de recuperar a credibilidade da UM, afectada por irregularidades várias e correntes durante o mandato do seu antecessor, Wei Zhao”, adiantou a mesma fonte.

Esta ligação de Hong Gang Jin a Lionel Ni foi também confirmada pelo HM junto de uma outra fonte ligada ao departamento de português. Foram igualmente pedidas reacções a Yao Jingming e a Hong Gang Jin, que até ao fecho desta edição não responderam às questões colocadas.

John defende que o novo reitor da UM “está a remover a corrupção” que existia dentro da instituição de ensino superior público. “O antigo reitor, Wei Zhao, era muito corrupto e penso que nomeou pessoas da sua confiança. O novo reitor está lentamente a remover os dirigentes corruptos da universidade”, apontou.

O HM contactou também alguns professores do departamento de inglês da FAH, mas não foram obtidas respostas. Inocência Mata, que chegou a ser vice-directora do departamento de português, não quis prestar declarações por já não estar veiculada à UM desde 2018.

27 Jun 2019

TUI fixa pena de prisão de dois polícias condenados auxílio à imigração em 15 e 19 anos

[dropcap]O[/dropcap] Tribunal de Última Instância (TUI) decidiu reduzir a pena de um polícia condenado por auxílio à imigração ilegal em um ano de prisão. O Tribunal de Segunda Instância (TSI) já o havia condenado a 16 anos, mas o TUI decidiu, num acórdão ontem divulgado, reduzir a pena para 15 anos. Pelo contrário, a última instância manteve a pena de 19 anos aplicada a outro polícia no mesmo caso.

“Relativamente à pena única aplicada ao recorrente B, é de notar que, em comparação com o recorrente A, ele praticou menos crimes e, no caso de co-autoria, não teve a mesma intervenção, na medida em que foi o recorrente A quem desempenhava um papel de intermédio mais decisiva e contactava directamente com o quarto arguido, o que justifica a redução da pena única para 15 anos de prisão”, lê-se no documento.

Já no que diz respeito ao arguido A “não se afigura excessiva a pena única aplicada pelo Tribunal recorrido ao recorrente A, encontrada dentro da moldura penal do concurso”.

O caso aconteceu nos anos de 2016 e 2017, quando os dois arguidos desempenhavam funções de guardas do Corpo de Polícia de Segurança Pública (CPSP) no Posto Fronteiriço do Cotai. De acordo com o comunicado do TUI, “os dois arguidos usaram os seus poderes ou a sua influência no trabalho, por 17 vezes e por 10 vezes, respectivamente” para ajudarem pessoas que estavam interditas de entrar em Macau. Os actos foram cometidos “com base nas suas relações particulares ou para receberem vantagens patrimoniais, prestando auxílio a outrem, pessoal ou juntamente, com os outros arguidos e, utilizando meios ilegítimos ou de violação dos deveres inerentes às respectivas funções”.

Má imagem da PSP

A pena de prisão a aplicar, à luz do Código Penal, situa-se entre os 7 e os 30 anos de prisão para este tipo de casos. Apesar de chamar a atenção para a importância da reinserção na sociedade, o TUI alega que os arguidos não podem escapar a penas severas.

“No que concerne à avaliação da personalidade dos recorrentes, a prática de tantos crimes e o circunstancialismo em que foram praticados aponta para uma tendência criminosa e não apenas uma pluriocasionalidade, daí que devem os recorrentes ser punidos com uma pena única severa, mesmo considerando as exigências de prevenção especial de socialização.”

Para os juízes do TUI, este caso “põe em crise a confiança e a expectativa dos cidadãos numa Administração pública que sirva com neutralidade, objectividade e eficácia os interesses públicos gerais, prejudicando gravemente o bom funcionamento do sistema de controlo de entrada e saída da RAEM bem como o prestígio e a imagem das Forças de Segurança da RAEM”.

26 Jun 2019

Uma Faixa, Uma Rota | Garcia Leandro alerta para acontecimentos em Hong Kong

Os mais recentes protestos em Hong Kong não alteram o projecto chinês “Uma Faixa, Uma Rota”, mas “comportam riscos” para a estabilidade das regiões administrativas especiais e podem fazer soar o alerta de parceiros e futuros parceiros da China. A ideia é deixada pelo ex-governador de Macau Garcia Leandro, que promove o ciclo de conferências sobre o tema que termina hoje em Lisboa

 

[dropcap]U[/dropcap]ma só proposta de lei não vai mudar um projecto nacional pensado à escala global, mas acarreta riscos que devem ser analisados em nome da estabilidade da própria China e da imagem que tem perante os restantes países. É esta a ideia deixada pelo general Garcia Leandro, ex-governador de Macau, ao HM. Na qualidade de presidente da Fundação Jorge Álvares, Garcia Leandro promove uma palestra sobre o papel de Macau no projecto chinês “Uma Faixa, Uma Rota”, em Lisboa, que chega hoje ao fim.

“Há riscos, porque a população chinesa de Hong Kong e de Macau não é igual à população do continente. Temos os recentes acontecimentos de Hong Kong que demonstram que isso não se verifica apenas em relação às pessoas de forma individual, mas coloca-se também ao nível da justiça, que, de acordo com os estatutos de Hong Kong e Macau, é independente”, começou por dizer.

A independência do sistema jurídico e judicial das regiões administrativas especiais “envolve grandes empresas internacionais que necessitam de ter uma base fiscal e jurídica sólida e estável e não se podem arriscar a ter pessoas extraditadas para a China e a serem julgadas lá. É uma situação que espero que venha a ser bem resolvida, mas que demonstrou algumas fragilidades”, acrescentou.

Garcia Leandro defende também que há o risco de a China enfrentar resistências na hora de negociar de forma bilateral ou multilateral com os países, mas que o projecto “Uma Faixa, Uma Rota”, na sua essência, “não se vai alterar”.

No entanto, “é preciso ter cuidado com a situação e os estatutos, porque as pessoas e as empresas que estão nas regiões administrativas especiais têm estatutos registados para um período de 50 anos, com um quadro jurídico local e a independência dos tribunais. A reacção da população de Hong Kong, que foi muito grande, tem a ver com uma habituação da população a um determinado sistema que seria alterado (com a lei da extradição), criando uma perda de confiança de que a China não poderia beneficiar”.

Nesse sentido, “este é um problema interno da China que o país tem de resolver porque, no seu conjunto, isto faz parte e o papel de Hong Kong e Macau (no contexto da política ‘Uma Faixa, Uma Rota’) é muito importante para eles”.

O discurso de Ho Iat Seng

Apesar deste alerta, Garcia Leandro assume que não está pessimista, tendo em conta o discurso proferido por Ho Iat Seng no dia em que fez a sua apresentação oficial ao cargo de Chefe do Executivo. “Jorge Neto Valente falou dos perigos que podem acontecer e isso tem um significado para as autoridades, nomeadamente para o futuro Chefe do Executivo. (Ho Iat Seng) é o candidato mais credível e já fez um discurso que me chamou a atenção para a importância de ‘Um País, Dois Sistemas’, pelo respeito pela Lei Básica e pelos portugueses, sem esquecer a sua importância em Macau. Essa importância tem a ver com o estatuto jurídico em que vivem, por isso não estou pessimista nem deixo de estar. É um processo que está em desenvolvimento, vamos ver as reacções a isto.”

O ex-governador de Macau recorda que “há limitações em Macau no que diz respeito a tomar posições de força como aquelas que aconteceram em Hong Kong”. Mas, e de acordo “com o interesse da própria China, tem de se respeitar (o estatuto de Macau), e a China tem-no feito”.

Nesse contexto, há a “relação forte” entre Portugal e a China. “Há um interesse geral da China que essas questões locais, não podem vir a prejudicar, tendo em conta o estatuto próprio e a Lei Básica. Há que respeitar os interesses da população de Macau”, adiantou Garcia Leandro.

Coisas mais graves

Paulo Duarte, investigador especialista nesta política chinesa, e um dos oradores convidados da palestra que termina hoje no Centro Cultural e Científico de Macau (CCCM), defende que, além de Hong Kong, a China tem problemas mais graves por resolver e que podem afectar a sua imagem na hora de negociar, nomeadamente Xinjiang e Tibete.

Ainda assim, os protestos em Hong Kong podem afectar o chamado soft power chinês, avisa. “O que poderá ter mais impacto, no caso de Hong Kong, é que a China está preocupada com o soft power, com a tese da ameaça chinesa que é recorrente em todo o mundo. Isso preocupa a China.”

“A China está mais cautelosa, mas ao mesmo tempo não lhe falta vontade de intervir em Hong Kong, tal como em Taiwan, mas sabe que tem de respeitar o seu estatuto. A China está apreensiva, mas o facto de não reagir não quer dizer que não esteja atenta. Sabe que não pode ir contra o estatuto de Hong Kong, e isso é muito problemático”, frisou.

Francisco José Leandro, docente da Universidade Cidade de Macau, também participa na palestra onde apresenta o livro que escreveu sobre a política “Uma Faixa, Uma Rota”. Na sua visão, os recentes acontecimentos em Hong Kong pouco vão mudar o que já está planeado. “A política mantém-se e continua a ser válida, mas o que está a acontecer é importante e relevante. Mas não é caso para se pensar numa alteração significativa de uma política como esta. São, digamos, acidentes de percurso. É preciso encontrar consenso e equilíbrios”, defendeu ao HM.

Analistas discutem o papel de Macau na iniciativa chinesa

A conferência que termina hoje em Lisboa debruça-se sobre o papel de Macau no projecto chinês “Uma Faixa, Uma Rota”. Para Garcia Leandro, esta é a mais importante iniciativa do século XXI e que vai mudar o centro geopolítico do Atlântico para o Pacífico. No que diz respeito a Macau, o território é um instrumento para a China que se espelha através da criação do Fórum Macau, estabelecido em 2003, aponta o ex-governador.

Já Paulo Duarte tem uma posição bem mais crítica face ao posicionamento da RAEM nesta política, uma vez que o território “não tem a mesma proporção económica”, além de entender que a Universidade de Macau (UM) “está subaproveitada neste momento”. Para o investigador, a UM “tem tudo para ser um pólo de atracção de cérebros estrangeiros e de produção científica na China”, algo que “não tem ainda”. “Talvez aí o Governo tenha responsabilidade, mas a tendência será para que o projecto ‘Uma Faixa, Uma Rota’ possa também dinamizar a universidade”, uma vez que “há cada vez mais pessoas a estudar na China, e Macau aí pode ser uma plataforma extraordinária”.

Ainda assim, “se tirarmos a universidade e os casinos, o peso de Macau é insignificante”, acredita Paulo Duarte. “A China quando precisa de negociar com os PALOP fá-lo directamente, não precisa de Macau para nada. Nós portugueses e macaenses é que temos de explicar à China que Macau pode ser interessante nesse sentido.”

“Se as empresas de Macau quiserem partir para o estrangeiro, no âmbito da política ‘Uma Faixa, Uma Rota’, devem aliar-se às de Hong Kong e do sul da China, porque sozinhas não tem a capacidade de competir no estrangeiro”, frisou Paulo Duarte.

Neste contexto, Portugal tem a sua quota parte de culpa, defende o académico. “O Governo da RAEM não tem sabido dar resposta, bem como o legado português. Fizemos questão de ter o aeroporto, mas podíamos ter deixado um legado maior, com mais empresas. Tirando os casinos, Macau está confinado a umas Ruínas de São Paulo e não é um actor de peso, como é Hong Kong.”

Muito para dar

Posição diferente tem Francisco José Leandro, da Universidade Cidade de Macau, que acredita que há ainda muitas janelas por abrir para Macau. “Fala-se de Macau como elo de ligação aos países de língua portuguesa e ao projecto da Grande Baía, mas a ligação, mas não fica por aqui. Há a perspectiva do alargamento do papel de plataforma aos países da América Latina e Europa central. Esta ideia de plataforma continua a ser válida e ainda tem muito para dar a Macau e à China.”

O académico recorda que o Fórum Macau só ganhou estabilidade nos últimos meses, com a entrada de São Tomé e Príncipe, que quebrou laços diplomáticos com Taiwan. “Desde 2003 até agora, o Fórum esteve a crescer e a compor-se e espero que as coisas também possam evoluir mais. São feitas críticas, mas acho que há ainda muito potencial”, concluiu.

25 Jun 2019

André Carrilho lançou “Atrito”, um olhar meditativo sobre a sua realidade

O cartoonista André Carrilho acaba de lançar “Atrito”, um novo livro de desenhos pessoais que dá seguimento à obra “Inércia”, publicada em 2014. Com esta nova obra, Carrilho abraça uma realidade meditativa sobre as viagens que fez, e que incluem Macau e Hong Kong, para culminar em desenhos sobre a sua própria família

[dropcap]A[/dropcap] Feira do Livro de Lisboa, que terminou no passado dia 16, foi palco do lançamento do mais recente livro do cartoonista André Carrilho, intitulado “Atrito”. A obra nasce cinco anos depois de “Inércia”, um outro livro com desenhos e escritos pessoais do artista habituado a ver os seus cartoons em publicações de topo, como a revista Vanity Fair ou o jornal New York Times. Em Portugal, André Carrilho publica no Diário de Notícias.

“Atrito” contém desenhos e escritos de viagens que aconteceram em sítios tão diferentes como Nova Iorque, Macau e Hong Kong, sendo que Portugal assume um lugar de destaque, conforme disse André Carrilho ao HM.

“Este livro tem o dobro dos desenhos e corresponde a um virar mais para dentro e para Portugal. Viajei muito, depois fui abandonando as viagens, fui ficando mais tempo em Portugal, e no final do livro começo outro tipo de viagem, que é a paternidade. Concluo o livro com desenhos de família”, referiu.
Com “Atrito”, André Carrilho assume também ter feito uma viagem interior para se descobrir a si próprio como artista. “No ‘Inércia’ andava muito à procura de um estilo, de como desenhava à vista e de como desenhava depois a realidade. No ‘Atrito’ já estou mais maduro e mais seguro de mim próprio a desenhar e a escrever. Neste caso escrevi menos do que desenhei, no ‘Inércia’ escrevi mais.”

“Andei pelos sítios onde já tinha estado, mas com desenhos mais cuidados e evoluídos. Nos outros desenhos ainda estava um pouco à procura do meu estilo e estes desenhos já estão mais maduros e elaborados”, acrescentou Carrilho.

Macau surge retratada tanto pelos seus casinos como pelas suas ruas antigas e tradicionais. “No primeiro livro centrei-me mais em andar à noite por Macau, ver as sombras e as ruas, mas agora andei por Hong Kong a desenhar a zona de Lan Kwai Fong e Temple Street, quis andar pelas ruas, a olhar os prédios. Fui até onde estava inspirado”, acrescentou.

Apesar do lançamento em Portugal, André Carrilho não põe de parte uma apresentação em Macau, embora não esteja ainda prevista uma data concreta.

Novos trabalhos

Além de “Atrito”, André Carrilho assume estar agora mais virado para publicações com outra densidade. Na calha está um livro com ilustrações para a infância e outros dois dedicados aos poetas Fernando Pessoa e Luís de Camões.

Estes trabalhos dão ao artista “a oportunidade de fazer obras um pouco mais de fôlego e que não são baseadas num desenho ou dois”. “Quando trabalho para imprensa faço uns desenhos e passo para outro assunto, agora interessa-me fazer ilustrações que me permitam criar séries mais alargadas e trabalhos mais alongados”, frisou.

Desenhar aquilo que vê sem estar preso à realidade noticiosa permite a André Carrilho atingir um estado perto da meditação, assegura.

“Quando estou a desenhar o que vejo é quase um acto de meditação que me permite abstrair da realidade. Cheguei à conclusão que desenhar à vista é o mais próximo que consigo estar da meditação, para esvaziar a cabeça e alcançar alguma paz.”

Quando desenha um cartoon “a atitude é exactamente a contrária”, uma vez que trabalha “com base em indignações ou reflexões daquilo que me rodeia”.

“Um cartoon é, acima de tudo, o produto de eu processar o que acontece à minha volta, de um ponto de vista mais racional e de convicções políticas.

Desenhar à vista é um acto da tradução daquilo que eu vejo sem ter o foco na análise intelectual. Por isso mesmo fico mais relaxado e em paz”, rematou.

24 Jun 2019