Pereira Coutinho diz que Raimundo do Rosário fica no novo Governo 

Ho Iat Seng, candidato a Chefe do Executivo, visita na próxima semana a sede da Associação dos Trabalhadores da Função Pública, onde será confrontado com problemas do funcionalismo público e capacidade governativa. Quanto ao elenco do novo Executivo, José Pereira Coutinho, dirigente da associação, acredita que o secretário para os Transportes e Obras Públicas se mantém no cargo

 

[dropcap]O[/dropcap] deputado José Pereira Coutinho acredita que o actual secretário para os Transportes e Obras Públicas, Raimundo do Rosário, deverá continuar no cargo e transitar paro novo Executivo, que toma posse a 20 de Dezembro deste ano.

“Teremos de esperar para ver se ele (Ho Iat Seng) mantém alguns dos secretários que trabalham actualmente com o Chefe do Executivo. O secretário das Obras Públicas vai ficar, não tenho dúvidas nenhumas. Quanto aos restantes remeto-me para um futuro próximo para poder divulgar os nomes”, disse Coutinho ao HM.

O deputado falou ao HM no âmbito da visita que Ho Iat Seng irá fazer à sede da Associação dos Trabalhadores da Função Pública de Macau (ATFPM) na próxima semana. “É a primeira vez em 20 anos que um candidato, e possível futuro Chefe do Executivo, se disponibiliza por iniciativa própria a visitar a sede da ATFPM. É motivo de alegria e de esperança de que este seja o início de uma mudança, que esperamos seja radical, no âmbito do relacionamento entre a ATFPM e o Chefe do Executivo”, acrescentou.

Ho Iat Seng deverá ser confrontado com os temas que Coutinho tem colocado na sua agenda de deputado. “A expectativa dos corpos gerentes da ATFPM é grande. Vai acontecer uma surpresa na sua visita, mas não posso divulgar agora, mas será muito interessante (risos). (Ho Iat Seng) Não vai fugir às questões básicas que dizem respeito à responsabilidade dos titulares dos principais cargos, elevação da capacidade governativa, capacidade de resolução de problemas e necessidade de maior atenção aos funcionários públicos, que estão muito desmoralizados.”

Uma boa assessoria

Ho Iat Seng tem feito uma espécie de pré-campanha na qualidade de candidato a Chefe do Executivo e, na visão de José Pereira Coutinho, está acompanhado pelas pessoas certas. “De alguma forma ele está a ser melhor assessorado no âmbito da governação política e executiva.”

Neste sentido, José Pereira Coutinho adianta que a equipa terá mais um elemento “que não está visível e que o tem orientado na comunicação e na estratégia de ouvir sectores extremamente importantes, sobretudo na Assembleia Legislativa”. “Esse quinto elemento vai continuar muito activo porque é dos assessores mais credenciados ao nível da língua chinesa para a redacção do programa eleitoral, e tem passaporte português”, disse Coutinho, frisando que “há dois assessores da comunidade portuguesa que o estão a ajudar”.

O deputado destaca o facto de Ho Iat Seng, ainda na qualidade de presidente do hemiciclo, ter apoiado a mudança do artigo 25 na lei da protecção civil, ainda que Pereira Coutinho defenda a sua total eliminação da proposta de lei. “Demonstrou sensibilidade para o artigo 25 e uma maior abertura. Isso é positivo, mas não chega.”

No que diz respeito à contratação de mais assessores jurídicos portugueses para a AL, não é mais do que um sinal de comportamento de Ho Iat Seng. “Entendo que a contratação de mais quatro novos juristas pela AL é uma decisão correcta, positiva, mas que, contudo, demonstra que está disposto a dar a mão à palmatória nas situações em que possa ter errado, embora não o admita publicamente”, rematou Pereira Coutinho.

17 Jul 2019

A demissão que não acontece 

[dropcap]A[/dropcap] situação política em Hong Kong está longe de ter fim à vista e a situação pode ter implicações na relação que a China tem com outros países do Ocidente, ainda que já se tenha percebido que nem sempre a comunidade internacional dá a devida a devida importância a questões políticas ou de direitos humanos quando se trata da China.

Agora é o Financial Times que vem escrever que Carrie Lam até se quis demitir, mas a China não deixa. Depois de ter dado uma entrevista onde chorou e falou do seu amor por Hong Kong, a Chefe do Executivo quis sair depois de ter largado a bomba.

Se a China não aceita a sua demissão, a governante mais não pode fazer do que retirar a proposta de lei da extradição, e é se quer manter o mínimo de ordem e de estabilidade na região. É certo que, numa altura destas, a saída da governante e o agendamento de novas eleições poderia ser ainda mais caótico no meio da confusão política que já se vive em Hong Kong.

Os jovens saíram à rua onde clamam não só pelo fim da lei da extradição, mas também por mais democracia, e tão depressa não vão sair de lá. Atirem, por isso, a proposta de lei para um lugar onde ninguém se lembre de a ir buscar.

16 Jul 2019

Ai Weiwei defende que Macau e Hong Kong não serão parte da China 

O artista e dissidente político Ai Weiwei está em Portugal, onde planeia realizar a primeira exposição. Em declarações à RTP, o activista/artista declarou que os conflitos em Hong Kong têm também uma ligação ao Ocidente e defende que as duas regiões administrativas especiais nunca vão fazer parte da China

 

[dropcap]A[/dropcap]i Weiwei fez declarações em Portugal sobre a actual situação política em Hong Kong. De passagem pelo país, o artista e dissidente político chinês disse à RTP ser pouco provável que as regiões administrativas especiais venham, um dia, a integrar a China. “Não acho que Hong Kong e Macau venham a fazer parte da China”, declarou. “Os conflitos entre a China e Hong Kong não são apenas entre a China e Hong Kong, mas entre a China e o mundo ocidental. Será uma luta dura”, acrescentou.

No fim-de-semana a região vizinha voltou a ser palco de confrontos e protestos, numa altura em que a situação parece não ter fim à vista. De acordo com o jornal Financial Times, a Chefe do Executivo, Carrie Lam, terá mesmo pedido a sua demissão junto do Governo Central, mas Pequim não terá aceite.

Actualmente a residir em Berlim, Alemanha, Ai Weiwei garantiu à RTP que tão depressa não irá voltar ao seu país. “Sou um cidadão chinês, mas agora doze dos meus advogados estão presos. Acho que é perigoso regressar.”

Num artigo de opinião publicado no jornal The New York Times, na passada sexta-feira, intitulado “Pode a resistência de Hong Kong vencer?”, Ai Weiwei falou da situação em Hong Kong e das razões que levam os jovens a ir para as ruas protestar. “Deveríamos questionar porque é que os jovens de Hong Kong estão a fazer este tipo de coisas. Para o mundo, a transferência de soberania de Hong Kong pode ser apenas uma nota de rodapé, mas para estes jovens um regresso à China significa tudo.”

O artista e dissidente escreveu também que esses mesmos jovens olham hoje para a China como “uma fábrica para o mundo”. “A China tem mais riqueza e influência do que tinha há três décadas. A sua economia está interligada com a economia mundial, e visa expandir a sua influência através da ambiciosa política ‘Uma Faixa, Uma Rota’. Mas a sua riqueza foi construída com base em baixos salários dos trabalhadores migrantes oriundos dos campos, falta de protecção e de sindicatos e ausência de liberdade de imprensa ou do Estado de Direito”, adiantou no mesmo artigo.

Estreia em Portugal

Ai Weiwei está em Portugal onde está a planear a sua primeira exposição no país, ainda que, à RTP, não tenha adiantado mais detalhes. “Preocupo-me sempre com as condições locais, a cultura, a história e com a actual situação política. Gostaria de mostrar o artesanato português, a tradição, mas claro que com outra interpretação.”

Nos últimos tempos o artista chinês tem abordado temas europeus, como é o caso dos refugiados. Um dos seus trabalhos mais recentes é, precisamente, um barco insuflável gigante com bonecos, para retratar o drama de milhares de pessoas que, com frequência, atracam nas fronteiras da Europa vindos de zonas em conflito.

Nesse sentido, Ai Weiwei considerou Portugal “uma sociedade aberta em questões de emigração”, com “um grande potencial para trabalhar com a arte”.

16 Jul 2019

AL | Juiz Tong Hio Fong preside à comissão das eleições de Novembro 

No dia 24 de Novembro será escolhido um novo deputado que irá ocupar o lugar deixado vago por Ho Iat Seng, que renunciou à presidência do hemiciclo para ser candidato a Chefe do Executivo. O juiz Tong Hio Fong volta a presidir à Comissão de Assuntos Eleitorais da Assembleia Legislativa

 

[dropcap]F[/dropcap]oi ontem publicado em Boletim Oficial (BO) o despacho, assinado pelo Chefe do Executivo, Chui Sai On, que determina a composição da Comissão de Assuntos Eleitorais da Assembleia Legislativa (CAEAL), que irá coordenar as eleições para a escolha de um novo deputado pela via indirecta, em substituição de Ho Iat Seng, que se candidata às eleições para o Chefe do Executivo.

O juiz Tong Hio Fong, do Tribunal de Segunda Instância (TSI), volta a presidir à mesma comissão que dirigiu em 2017, aquando da realização das eleições legislativas. Seguem-se Lai U Hou, delegado do Procurador, o presidente do Instituto para os Assuntos Municipais, José Tavares, Kou Peng Kuan, director dos Serviços de Administração e Função Pública, e Victor Chan, director do Gabinete de Comunicação Social. A data para a eleição do novo deputado está marcada para o dia 24 de Novembro, também de acordo com um despacho publicado ontem em BO.

Mais dinheiro para candidato

Para esta eleição, cada candidato pode gastar até um máximo de 3.549 milhões de patacas, valor que também foi fixado em despacho. A saída de Ho Iat Seng da AL não só obriga à eleição de um novo deputado como leva também à escolha de um novo presidente, algo que acontece amanhã. Até ao momento têm sido apontados para a presidência do hemiciclo os nomes de Kou Hoi In e Chui Sai Cheong, apesar da TDM Rádio Macau ter noticiado que Kou Hoi In deverá ser o escolhido.

Além de ser o deputado mais antigo da AL, uma vez que desempenha essas funções desde 1991, Kou Hoi In é também delegado de Macau à Assembleia Popular Nacional e presidente da Associação Comercial de Macau. Chui Sai Cheong deverá manter-se no cargo de vice-presidente, adiantou ainda a emissora, não se esperando que chegue à presidência por ser irmão do actual Chefe do Executivo, Chui Sai On.

A deputada Chan Hong, eleita pelo sector dos serviços sociais e educação, deverá ser promovida a primeira secretária da Mesa. Para o lugar de segundo secretário deverá ser escolhido o deputado Ho Ion Sang, que representa a União Geral das Associações dos Moradores.

16 Jul 2019

Macau Special Olympics contra inclusão de deficientes no salário mínimo

[dropcap]H[/dropcap]etzer Siu, director-executivo da Macau Special Olympics e ex-candidato às eleições legislativas na lista de Angela Leong, defendeu, de acordo com o Jornal do Cidadão, que os portadores de deficiência não devem ser incluídos na lei do salário mínimo universal.

“Se os deficientes também beneficiarem desta lei, ao terem acesso ao salário mínimo universal, podem ver as suas oportunidades limitadas, uma vez que não respondem aos requisitos necessários para arranjar um trabalho.”

Para Hetzer Siu, “quando uma pessoa com deficiência tem suficiente capacidade de trabalho, deve receber um salário na totalidade como manda a lei”. “No entanto, algumas pessoas não têm total capacidade de trabalho e não conseguem responder a cem por cento, e podem arranjar emprego recorrendo a outros mecanismos flexíveis”, acrescentou.

O responsável lembrou que na Austrália é dado um subsídio aos portadores de deficiência que lhes permite atingir o nível do salário mínimo que é pago no país, enquanto que em Hong Kong existe um mecanismo de avaliação ocupacional das pessoas com deficiência.

Uma protecção

Celeste Vong, presidente do Instituto de Acção Social (IAS) também referiu ao mesmo jornal que o Governo teve “uma boa intenção” ao excluir os portadores de deficiência do salário mínimo universal, uma vez que não existe um mecanismo de avaliação de capacidade de trabalho. Ainda assim, a presidente do IAS defende que as empresas devem ter mais confiança para contratar portadores de deficiência.

O facto da lei não incluir este grupo de pessoas tem como objectivo protege-las em termos de oportunidades de emprego, uma vez que, enquanto não houver forma de avaliar a verdadeira capacidade dos deficientes, estes podem continuar a ser contratados com um salário, ainda que menor face ao que consta na lei.

15 Jul 2019

Medicina | Licenciados vão ganhar 50 mil no curso de especialidade

O director dos Serviços de Saúde revelou que um licenciado em medicina que faça especialidade em Macau vai auferir um salário de cerca de 50 mil patacas mensais. As formações serão feitas nos hospitais do território e do exterior e terão um prazo de seis anos

 

[dropcap]F[/dropcap]oram revelados mais detalhes sobre as condições concedidas aos licenciados em medicina que vão fazer a sua especialidade em Macau, na nova Academia Médica de Macau. De acordo com o Jornal do Cidadão, o director dos Serviços de Saúde de Macau (SSM), Lei Chin Ion, garantiu que cada licenciado em medicina irá ganhar cerca de 50 mil patacas mensais durante o curso da especialidade, que terá uma duração de seis anos.

Além disso, essa mesma especialidade será ministrada, em 90 por cento, nos hospitais de Macau e do exterior, tal como a China, Hong Kong ou Singapura, entre outros. Os formandos vão também ter aulas na Academia Médica, que ficará situada no edifício Centro Hotline, na zona do NAPE. A Academia Médica é formada por 12 colégios que se dividem em 40 secções.

Lei Chin Ion disse ainda que o número de admissões de licenciados, bem como o orçamento da entidade, vai depender das necessidades do sistema de saúde do território após os primeiros seis anos de funcionamento, bem como do ambiente de formação que os hospitais podem fornecer.

Especialidade à espera

Antes do estabelecimento da Academia Médica de Macau, a formação de médicos tem sido feita pelo Centro Hospitalar Conde de São Januário e Hospital Kiang Wu, sem que haja um plano global pensado para todas as entidades hospitalares e profissionais de saúde do território. A Academia Médica vem, por isso, coordenar o acesso à especialidade e o regime de internatos médicos.

Os primeiros membros admitidos pela Academia Médica precisam estar capacitados com conhecimentos e qualificações que correspondam à categoria de médico especialista. Lei Chin Ion explicou que já foram recebidas mais de 700 candidaturas, 384 das quais já foram aprovadas. Cerca de 83 por cento dos candidatos fizeram especialidade em hospitais locais.

Os membros aceites serão responsáveis pela orientação da formação dos licenciados no período de internato médico, além de serem júris na avaliação final desse mesmo internato. Como o regime legal de inscrição de médicos especialistas ainda não entrou em vigor, os finalistas dos cursos de especialidade administrados pela Academia Médica de Macau ficam, para já, com uma qualificação mais técnica, sem poderem exercer medicina na qualidade de especialistas, adiantou Lei Chin Ion.

15 Jul 2019

Casinos | Grupo Estoril-Sol regista quebra nas apostas físicas, mas ganha online 

O primeiro trimestre do ano não foi muito positivo para os casinos de Stanley Ho em Portugal. O segmento jogo do Grupo Estoril-Sol SGPS registou uma quebra de 4,3 por cento nas apostas físicas, enquanto que as apostas online e desportivas cresceram mais de 50 por cento. No geral, o grupo assume que “todos os casinos pioraram os seus resultados”

 

[dropcap]O[/dropcap] Grupo Estoril-Sol SGPS, cujo conselho de administração é presidido por Stanley Ho, registou um crescimento global das receitas totais do jogo em Portugal de 1,5 por cento, no valor de 54,8 milhões de euros, valores relativos ao primeiro trimestre deste ano.

Contudo, e após o pagamento do imposto especial de jogo, as receitas totais do Grupo traduziram-se em 25,7 milhões de euros, uma queda de 2,2 por cento face aos 26,2 milhões de euros alcançados no primeiro trimestre do ano anterior.

O segmento de jogo do Grupo acabou por ter melhores resultados nas apostas online, que em Portugal são legais. O relatório e contas da empresa relativo aos primeiros três meses do ano mostra que houve menos jogadores nos casinos que o Grupo detém em Portugal, uma vez que “as receitas geradas pelo jogo físico recuaram 4,3 por cento”, chegando aos 46,2 milhões de euros.

“As receitas de jogo físico caíram em todos os casinos do grupo Estoril-Sol, com especial relevância no Casino do Estoril e no Casino da Póvoa”, pode ler-se, enquanto que “as receitas do jogo online cresceram 50,9 por cento, impulsionadas pelas apostas desportivas”. Essas receitas chegaram aos 8,6 milhões de euros.

De uma forma geral, “todos os casinos físicos do Grupo pioraram os seus resultados no primeiro trimestre de 2019 face a idêntico período do ano anterior”. “O Casino do Estoril e o Casino da Póvoa apresentam resultados líquidos negativos, contudo os resultados operacionais destes casinos são positivos. A operação online melhorou significativamente os seus resultados no primeiro trimestre de 2019. Esta melhoria decorre essencialmente do bom desempenho das receitas de jogo, que se verificou tanto em jogos de casino como no segmento das apostas desportivas”, aponta o relatório.

Ai os impostos

O Grupo Estoril-Sol apresenta como causas para a quebra das receitas líquidas do jogo a “aplicação da tabela das contrapartidas mínimas anuais, no caso particular do Casino da Póvoa”, e também “com a tributação das apostas desportivas, cuja base de incidência do imposto é o valor apostado e não a receita bruta (valor apostado deduzido de prémios pagos) como nas restantes modalidades de jogo, seja ele territorial ou online”.

Nesse sentido, “a queda das receitas geradas pelo Casino da Póvoa e o crescimento exponencial das receitas de jogo geradas pelas apostas desportivas estão na base de uma maior taxa efectiva de imposto suportada pelo Grupo quando comparado com o ano anterior, e que por sua vez justifica a queda das receitas líquidas geradas pelo Grupo”.

Um maior pagamento de impostos levou a “uma deterioração dos resultados operacionais do Grupo em 13,5 por cento, tendo o Grupo registado no primeiro trimestre de 2019 um EBITDA positivo de 9,2 milhões de euros, face aos 10,7 milhões de euros alcançados em 2018”.

11 Jul 2019

EPM | Carlos Marreiros garante que ampliação prevê espaços ao ar livre

Carlos Marreiros, arquitecto que será responsável pelo projecto de ampliação do edifício da Escola Portuguesa de Macau, garante que haverá espaços térreos ao ar livre e também em terraços. O responsável assegura que o projecto é urgente uma vez que o campus da escola nos novos aterros pode demorar vários anos a ser erguido

 

[dropcap]N[/dropcap]o novo edifício da Escola Portuguesa de Macau (EPM) haverá espaço para sentir a luz do sol e praticar actividades ao ar livre. A garantia foi deixada por Carlos Marreiros, arquitecto responsável pelo projecto de ampliação do actual edifício situado ao lado do casino Grand Lisboa.

“Ao acrescentar um bloco novo vão continuar a existir espaços abertos redefinidos e desenhados de forma distinta. Não vai haver ocupação massiva do local”, adiantou ao HM.

No que diz respeito ao actual auditório, “será integrado no bloco novo”, que terá “um pódio e um prédio muito delgado”. A nova EPM “vai ter espaços ao ar livre, quer a nível do piso térreo quer ao nível dos terraços para actividades”, até porque o projecto preliminar assegura a criação de “espaços abertos para que haja uma ventilação transversal. Os blocos estão pensados para permitir a entrada da luz do sol e do ar”.

Carlos Marreiros não avançaou com datas, porque para o projecto preliminar de ampliação ainda será necessária uma planta de condições urbanísticas aprovada pelo Conselho do Planeamento Urbanístico.

Ainda assim, o arquitecto tem uma certeza: este projecto reveste-se de carácter de urgência, uma vez que a nova EPM prometida para os novos aterros deverá demorar algum tempo a ser uma realidade.

“Não houve ainda uma entrada formal de um projecto, mas temos prazos e cumprimos. Mas passar por vários departamentos oficiais demora tempo. Algo terá de ser feito na actual edificação com carácter patrimonial, porque no novo espaço dos novos aterros o processo político-administrativo pode demorar cinco a sete anos e por isso tem de ser feito algo aqui”, adiantou.

Manter as fachadas

Esta semana, o Jornal Tribuna de Macau noticiou que a Direcção dos Serviços de Educação e Juventude, após “negociar” com a direcção da EPM, “concordou que o projecto de ampliação será favorável a Macau, a nível global”. Nesse sentido, foi entregue à Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes a “sugestão de levantamento das restrições dos índices de ocupação da respectiva construção e da altura do edifício”.

Ao HM, Carlos Marreiros assegura que a escola vai continuar a funcionar enquanto as obras decorrem, estando prevista a manutenção das fachadas.

“A leitura patrimonial da EPM manter-se-ia nessas duas frentes principais, como acontece agora. Para que isso fosse possível (a escola funcionar durante o tempo de obras), o ginásio deixava de existir na tal metade a demolir. Havia um protocolo e julgo que há escolas assim, em que o ginásio e os campos de jogos podem ser usados noutro sítio”, rematou o arquitecto.

11 Jul 2019

Au Kam San pede a Chui Sai On nova reforma política 

[dropcap]A[/dropcap]pesar do actual Chefe do Executivo, Chui Sai On, deixar oficialmente o cargo em Dezembro deste ano, o deputado Au Kam San acredita que ainda há tempo para apresentar um relatório junto da Assembleia Popular Nacional (APN) em prol de uma nova reforma do sistema político.

“Há sete anos, o Governo avançou com uma reforma política que em nada contribuiu para o progresso democrático. Então, o Chefe do Executivo não deverá apresentar agora o relatório ao Comité Permanente da APN, para avançar novamente com a reforma política a fim de aumentar, progressivamente, a componente democrática no sistema político de Macau?”, questionou o deputado numa interpelação, que vai obrigar o Governo a dirigir-se ao hemiciclo para dar respostas.

Além disso, Au Kam San defende que os argumentos usados pelo Governo para não avançar para a implementação do sufrágio universal, ou para o aumento do número de deputados eleitos pela via directa para o hemiciclo, não fazem sentido.

“Ao longo destes dez anos das primeiras três legislaturas da AL, Macau passou por uma fase de grande desenvolvimento económico, o número de assentos aumentou de forma ordenada e conforme o plano definido, e não houve qualquer efeito negativo sobre a estabilidade social e o desenvolvimento económico.”

Pretexto da estabilidade

Nesse sentido, os governantes recorrem “ao pretexto da estabilidade do sistema político para recusar a sua democratização progressiva, a promoção da eleição universal do Chefe do Executivo e a maximização do número de assentos directos na AL, no sentido da concretização do sistema político democrático”. Na visão de Au Kam San, a justificação do Governo é “bastante ridícula e sem fundamento”.

Apesar das críticas, o deputado elogia o facto de a AL terem mudado nos últimos anos. “Nas três primeiras legislaturas da AL, na primeira eram oito assentos directos, oito indirectos e sete nomeados, na segunda passaram a 10, 10, 7 e na terceira para 12, 10, 7. Houve sempre alteração do número de assentos, rumo ao aumento do número de assentos directos. Embora o passo seja lento, é sempre um avanço, concretizando o princípio do progresso gradual e ordenado”, apontou.

11 Jul 2019

Lei | Zheng Anting defende multas para edifícios sem inspecção 

A lei existe, mas não tem efeitos práticos. É esta a crítica do deputado Zheng Anting ao actual sistema de inspecção de qualidade de edifícios antigos, que considera não estar a funcionar, por não obrigar os proprietários a agir. O Governo irá ao hemiciclo para esclarecer as dúvidas dos legisladores

 

[dropcap]O[/dropcap] deputado Zheng Anting questionou o Governo sobre as lacunas existentes na legislação relativa à inspecção das condições de edifícios antigos, o que vai obrigar os governantes a responderem sobre essa matéria na Assembleia Legislativa (AL).

Na sua interpelação oral, o deputado alerta para a falta de medidas dissuasoras na legislação. “Em Macau a lei exige aos proprietários a inspecção de edifícios a cada cinco anos, mas não prevê penalizações. Portanto, não há efeitos dissuasores, então é como se a lei não existisse.”

Nesse sentido, “o Governo deve tomar como referência as experiências de sucesso das regiões vizinhas e implementar, o quanto antes, a inspecção obrigatória de edifícios e de janelas”. Isto porque, em Hong Kong, “o plano de inspecção obrigatória de edifícios e janelas entrou em vigor em 2012, exigindo aos proprietários dos edifícios particulares com 30 ou mais anos que, após notificação legal, designem um inspector inscrito para proceder à vistoria e fiscalização das partes comuns, das paredes exteriores e dos objectos salientes. Se não o fizerem, tem de assumir a devida responsabilidade legal”.

“No caso de Macau não existem normas obrigatórias para a inspecção de edifícios e janelas, e os problemas resultantes da falta de manutenção e reparação dos edifícios mantêm-se e florescem”, acrescentou.

Um problema antigo

A questão da falta de inspecção de edifícios, no que diz respeito à segurança, levantou-se aquando da passagem do tufão Hato pelo território, que pôs a nu muitos dos problemas colocados agora pelo deputado.

Zheng Anting defende que os proprietários não fazem mais obras devido ao custo elevado das mesmas, exigindo também alterações ao plano de apoio.

“A taxa de execução do fundo de reparação predial é baixa. O Governo deve reponderar o aumento adequado da percentagem dos apoios financeiros do plano de reparação e inspecção de edifícios e a simplificação das formalidades, a fim de incentivar os moradores dos edifícios antigos a procederem, por sua iniciativa, às devidas inspecções e reparações”, escreveu o membro da AL. Desta forma, poderiam aliviar-se os “encargos e utilizar o fundo de reparação predial de forma racional”, rematou. Ainda não há uma data marcada para o Executivo ir à AL dar explicações sobre esta matéria.

11 Jul 2019

Crédito Social | Sistema de avaliação de cidadãos contrário à Lei Básica

A implementação do sistema de crédito social em Macau é contra os princípios da Lei Básica, defendem advogados e juristas. A possibilidade de ter no território o mecanismo de avaliação surgiu após a divulgação, na passada sexta-feira, do plano trienal de Guangdong para a Grande Baía. O documento destaca o desenvolvimento do sistema como acção a implementar até 2020

 

[dropcap]O[/dropcap] alarme soou quando foi noticiada que a implementação do sistema de crédito social se poderia aplicar a Macau e Hong Kong, notícia que surgiu com a divulgação plano de acção trienal 2018/2020 de Guangdong para a Grande Baía.

Apesar de ambíguo, o documento deixa entender que a aplicação é restrita à província do continente. De acordo com o artigo 75º, onde é feita referência ao sistema de crédito social, o Governo regional de Guangdong pretende “acelerar o estabelecimento do sistema de crédito social e o sistema de supervisão e controlo de mercado. Estudar e formular os regulamentos do crédito social da Província de Guangdong e explorar a implementação de incentivos de crédito e punição disciplinar para as empresas na Grande Baía”. De acordo com o plano de acção, trata-se apenas de um projecto unilateral da Província de Guangdong, em que o sistema de crédito social é implementado sem incluir as duas regiões administrativas especiais da China.

No entanto, a informação deixa de ser clara no artigo 42º do parecer sobre a implementação das “Linhas Gerais do Planeamento para o Desenvolvimento da Grande Baía Guangdong-Hong Kong-Macau”, divulgado também no passado dia 5. Aqui, as directrizes vão no sentido de “estudar e formular os regulamentos de crédito social provincial de Guangdong, estabelecer um mecanismo de recolha e partilha de informações de crédito totalmente plena, uma “lista vermelha e negra” e um sistema de recompensa e punição conjunta de crédito”. De seguida é mencionada a “cooperação com Hong Kong e Macau para a partilha de informações de crédito, os padrões de avaliação de crédito, o reconhecimento mútuo de produtos de crédito, reconhecimento mútuo de instituições de serviços de crédito, explorar de forma judicial a implementação de incentivos de crédito e medidas disciplinares na cooperação entre as empresas na região”. A referência deixa antever a partilha de dados que podem ser usados no sistema de punição e recompensa, também conhecido como sistema de crédito social chinês.

Impossível em Macau

Recorde-se que o sistema de crédito social permite às autoridades acompanharem as actividades quotidianas dos cidadãos, que vão desde o pagamento da renda e contas de casa, às compras on-line e mesmo os comportamentos diários e inter-acções sociais em espaços públicos.

Para o jurista António Katchi, “as autoridades de Macau também não poderiam, nem aplicar directamente as normas do Interior da China respeitantes ao sistema de “crédito social”, dado que elas não vigoram em Macau nem criar normas semelhantes”. Tal deve-se à colisão “frontal” destas normas do continente com o princípio da continuidade no respeitante à manutenção da “maneira de viver” e com o princípio da igualdade, previsto na Lei Básica.

É também a afronta “à maneira de viver” que começa por ser apontada pelo advogado Jorge Menezes. “Esta é uma das ideias essenciais da Lei Básica e do desígnio que esteve na origem histórica de uma região administrativa especial”, explica, pelo que tal sistema seria “frontalmente inconstitucional”. “Teria o potencial de virar à nossa maneira de vier de pernas para o ar, de adiantar o relógio da história 30 anos”, acrescenta.

Mas os problemas não se ficam por aqui. “O direito à privacidade é outro. A inviolabilidade da dignidade humana, outro ainda”, diz apontando os exemplos de direitos fundamentais “expressamente protegidos pela Lei Básica”.

Por outro lado, atenta contra o princípio da não discriminação, ao rotular a “credibilidade” dos cidadãos. “As pessoas não podem ser distinguidas pelas suas convicções ou por atributos meio arbitrários, como seria o caso”. E a lista continua para Menezes, na medida em que “o direito ao bom nome e reputação implica o direito de não escravizarem o nosso futuro ao nosso passado. Seria um uma espécie de registo criminal da normalidade quotidiana”, sublinha.

Katchi acrescenta ainda que esta medida iria contra “a própria ideia de Estado de direito, que postula uma separação clara entre o Direito e as demais ordens normativas – moral, religião e ordem do trato social (regras de cortesia)”. “Consoante o seu conteúdo, as referidas normas poderiam ofender ainda diversos direitos fundamentais: liberdade pessoal, liberdade de expressão e direito à reserva da intimidade da vida privada”, remata.

Vida devassada

A reserva da intimidade não pode ser violada, prevê a Lei Básica, e um sistema que recolhe permanentemente dados pessoais atenta a este princípio, defende o advogado Sérgio de Almeida Correia. “Acho que esse tipo de recolha de dados não seria admissível face àquilo que nós temos na Lei Básica, porque os dados individuais e aquilo que é a reserva da intimidade dos residentes é protegida pela própria lei básica”,

O sistema “credibiliza” os cidadãos com a atribuição de uma pontuação que define se são ou não de confiança. Os “maus cidadãos” podem sofrer penalizações que vão desde a interdição a serviços públicos, impedidos de entrar num avião ou mesmo de comprarem um bilhete de comboio.

Já aos “bons cidadãos” são oferecidos brindes, descontos e facilidades nos transportes ou mesmo na emissão de passaporte.

A este respeito, Sérgio de Almeida Correia entende que o sistema representa “uma devassa e uma recolha de elementos da vida privada de cada um, e com consequências do ponto de vista prático no seu quotidiano”, tendo como consequência a introdução de elementos de diferenciação entre cidadãos, que não têm base legal.

Por outro lado, o sistema de crédito social “não está previsto em lado nenhum [aqui em Macau]” pelo que “seria uma intervenção abusiva nos direitos individuais dos residentes” e mesmo “nos direitos humanos”.

Além da oposição à Lei Básica, a medida atenta contra os tratados internacionais a que o território está sujeito. “Temos também o pacto internacional de direitos civis e políticos, e dos direitos económicos, sociais e culturais que estão em vigor em Macau, e esse é um tipo de intrusão que eu acho não está previsto e que é condenado à luz dos pactos”, acrescenta o advogado.

Em suma, para Sérgio de Almeida Correia, “uma intromissão desse género não teria cobertura legal e seria perfeitamente abusiva”. Perante o desagrado público com a possibilidade de implementação do sistema de crédito social em Hong Kong, o Governo de Carrie Lam foi peremptório e não hesitou em esclarecer que a medida não vai ter lugar no território vizinho.

O HM tentou contactar o Executivo liderado por Chui Sain On acerca deste assunto, no entanto não recebeu qualquer resposta até ao fecho da edição.

Entretanto, de acordo com o site Liberty Times Net, as regiões de Macau, Hong Kong e Taiwan, terão sido mencionadas no site oficial do sistema de crédito social chinês. No entanto, depois da polémica levantada em Hong Kong, o HM não encontrou menções às regiões administrativas especiais e a Taiwan na mesma página.

Muito além de Orwell

O sistema de crédito social foi lançado em 2014, na apresentação no plano quinquenal do Conselho de Estado do Governo Central com o objectivo de “estabelecer a ideia de uma cultura de sinceridade, promovendo honestidade e valores tradicionais” Este sistema vai avaliar a credibilidade, a confiança e as boas intenções dos cidadãos – através das redes sociais e dos seus comportamentos em espaços públicos que estão, no continente, sob vigilância. A partir de 2020, a adesão é obrigatória em toda a China continental.

Atentado às liberdades

Para o deputado Sulu Sou a ideia de implementação do sistema de crédito social chinês em Macau é inadmissível. “É um atentado a todos os direitos e liberdades fundamentais e vai totalmente contra a Lei Básica” disse ao HM. No entanto, as recentes notícias que apontam o desenvolvimento deste sistema dentro do quadro da Grande Baía são preocupantes e devem ser esclarecidas. “Não é possível admitir qualquer ligação a este sistema dentro do projecto da Grande Baía”, acrescentou.

 

Neto Valente nega sistema de crédito social em Macau “nos tempos mais próximos”

Jorge Neto Valente, presidente da Associação dos Advogados de Macau (AAM), fez ontem comentários quanto à possibilidade do sistema de crédito social, que está ainda a ser testado na China, vir a ser implementado em Macau. “Não estou a ver que isso venha a ser implementado em Macau nos tempos mais próximos. Não creio que haja algum projecto sobre isso e, aliás, nem a China tem isso implementado em todo o lado. Ainda está em experiência piloto, para ver se funciona ou não”, lembrou.

O sistema em questão visa dar pontos aos cidadãos pelo seu comportamento cívico, estando previstas sanções ou limitações a quem não atingir determinados níveis impostos pelo Estado. Em Macau, devido ao facto de vigorar a Lei Básica e não a Constituição chinesa, não se coloca, para já, essa questão, disse o causídico.

Questionado sobre a possibilidade de virem a ser cobradas dívidas com recurso ao sistema de crédito social, graças à partilha de dados pessoais entre entidades privadas, Neto Valente alerta para a ilegalidade dessa medida.

“Ouço dizer que através das câmaras aparecem multas em casa de pessoas que deixaram o carro estacionado ou que passaram o sinal vermelho sem que tenha havido polícias. Isso não é proibido, pelo contrário. A polícia tem apanhado criminosos e suspeitos através de câmaras.”

Contudo, “existir uma identidade privada a filmar pessoas sem autorização para transmitir os dados para outras entidades privadas com vista à cobrança de dívidas difíceis não me parece que seja necessária a Lei Básica, pois isso não tem permissão em nenhuma lei”, apontou. O responsável adiantou que só em casos pontuais, e autorizados pelo Gabinete de Protecção de Dados Pessoais, é possível que isso aconteça.

Mesmo na área do jogo isso não é permitido, lembrou Neto Valente. “Em relação aos junkets, mas não só, não sei se no futuro não haverá uma lei que permita fazer isso. Antes de existir meios informáticos havia algumas jurisdições, como nos EUA, onde se fazia recolha de dados de jogadores que criavam problemas em casinos. Essas listas eram divulgadas pelo mundo fora para quando essas pessoas fossem detectadas em determinados casinos, e até eram feitos avisos. Isso foi proibido. De acordo com a lei dos dados pessoais que temos em vigor isso não é permitido.”

11 Jul 2019

Qual o nosso lugar? 

[dropcap]O[/dropcap] recente caso do fim da licenciatura em tradução e interpretação chinês/português para nativos de português, no Instituto Politécnico de Macau (IPM), não é sinal de fraca estratégia do Governo ou do próprio IPM em prol do ensino da língua, mas é resultado da história do território, do seu sistema de ensino e das características socioculturais muito específicas.

Em primeiro lugar, o ensino dos bilingues em Macau começou tarde e nunca teve uma estratégia por parte da Administração portuguesa, salvo raras excepções. Além disso, as comunidades de expatriados, e não falo apenas da portuguesa, nunca tiveram muito interesse na aprendizagem do chinês, por falta de necessidade no dia-a-dia. Presumo que em Hong Kong aconteça o mesmo, com a diferença de que o inglês é uma língua mais falada.

É de lamentar o encerramento de uma licenciatura pensada para portugueses, ou para pessoas que dominem totalmente a língua, por falta de alunos. Faz-nos pensar no nosso papel em Macau nos dias de hoje, no papel que tivemos e no posicionamento que queremos ter no futuro. E contra mim falo, pois nunca encontrei espaço temporal e mental na minha agenda para aprender chinês. Com a Grande Baía Guangdong-Hong Kong-Macau à porta, queremos continuar a ser portugueses que apenas falam inglês?

10 Jul 2019

Orientalismo | Obra esquecida do século XIX volta a ser editada em Portugal

Everton Machado, investigador da Universidade de Lisboa, percebeu que “As Jornadas”, livro de Tomás Ribeiro dos anos 70 do século XIX, agora reeditado em Portugal, reflecte a preocupação da época do poder político português com as colónias a Oriente

 

[dropcap]A[/dropcap]pesar de ter sido considerado um escritor de “segunda categoria”, esquecido no panorama literário português, Tomás Ribeiro, nascido em 1831 e falecido em 1901, deixou um importante testemunho sobre a época que viveu. Nomeadamente, no que toca à forma como, em pleno século XIX, a metrópole portuguesa não se preocupava apenas com as colónias africanas e com as pretensões materializadas pelo Mapa Cor-de-Rosa.

A descoberta foi feita por Everton Machado, investigador do Centro de Estudos Comparatistas da Universidade de Lisboa (UL), que lança este ano, com a chancela da Biblioteca Nacional de Portugal, o estudo “O Orientalismo Português e As Jornadas de Tomás Ribeiro – Caracterização de um problema”, que se faz acompanhar da reedição da obra esquecida de Tomás Ribeiro.

O livro não é mais do que um relato da viagem que o autor fez quando partiu para a Índia, onde desempenhou, pelo período de dois anos, o cargo de secretário-geral do vice-governador da Índia Portuguesa, Januário Correia de Almeida, visconde de São Januário, que seria depois Governador em Macau, em substituição de Ferreira do Amaral. As páginas de “As Jornadas” relatam, portanto, o périplo que Tomás Ribeiro fez por Espanha, França, Egipto, Áden (Iémen) e Bombaim até chegar a Goa, onde ficou entre 1870 e 1872. É em Goa que publica a segunda parte de “As Jornadas”, que também foram editadas em Portugal.

Em entrevista ao HM, Everton Machado declara que o livro, apesar de ignorado no meio literário, é importante porque revela essa preocupação com os territórios ocupados e administrados no Oriente. Apesar da Índia Portuguesa ter tido sempre o foco principal, Macau era também um território que gerava receios junto dos governantes.

Já quando o Império português começa a entrar em decadência, depois do fulgor vivido no século XVI, aquando dos Descobrimentos, surge “uma obsessão com o colonialismo e o império subalterno” às mãos dos ingleses e dos franceses.

“Há autores que defendem que, no século XIX, não teria havido uma questão do Oriente. Por isso, não se poderia falar de orientalismo português no século XIX, e eu tento demonstrar através da obra de Tomás Ribeiro que afinal havia essa questão”, contou Everton Machado.

“Claro que o foco maior do Governo, na altura, era África, por causa da questão do Ultimato [inglês]. Mas isso não quer dizer que o Governo não se preocupava com o Oriente. Havia de facto também interesse pelo Oriente, sobretudo pela Índia. O problema africano não deixou de lado o Oriente na segunda modernidade e a partir daí conseguiríamos falar de um orientalismo português no século XIX e XX”, frisou o autor.

Importa dar o contexto de que o ultimato inglês foi a resposta britânica às pretensões territoriais portuguesas espelhadas no Mapa cor-de-rosa, que traçava uma faixa no continente africano, entre Angola e Moçambique, englobando na soberania lusa países como Zâmbia, o Zimbábue e Maláui, entre o Atlântico e o Índico. Ora, as pretensões portuguesas esbarraram no projecto ferroviário britânico que pretendia ligar a África do Sul ao Egipto. Como tal, a Rainha Vitória fez um ultimato à coroa portuguesa: Ou esquecem o mapa ou têm guerra. Apesar dos protestos do rei D. Carlos, Portugal acaba por recuar face ao ultimato de Londres.

A preocupação com Macau

Para o investigador, há uma questão de “centralidade” no livro de Tomás Ribeiro, pela forma como o autor “coloca as questões relativamente à Índia e ao Império português”, ao estabelecer a ideia de que “há outros orientes portugueses”. Apesar disso, “a Índia acaba por ser estruturadora e representar as grandes conquistas, como a chegada de Vasco da Gama ao território. A Índia ocupa no imaginário português um lugar especial e ‘As Jornadas’ acabam por nos dar essa realidade”, acrescentou Everton Machado.

A viagem de Tomás Ribeiro é feita na companhia de vários intelectuais que iam desempenhar serviços nos territórios orientais, como foi o caso de Januário Correia de Almeida, visconde de São Januário. Este, depois de dois anos a desempenhar um importante papel como vice-governador da Índia Portuguesa, embarca para Macau. Tomás Ribeiro regressaria depois à metrópole.

Apesar de “As Jornadas” não retratarem Macau, acabam por estabelecer um elo de ligação com o território, dado o importante papel que Januário Correia de Almeida teve no desenvolvimento da Macau portuguesa.  “Ele queria desenvolver Macau”, apontou Everton Machado. “Ferreira do Amaral foi o grande Governador, que no século XIX garantiu a colonização de Macau, pois havia a preocupação de garantir a soberania dos portugueses no território”, explicou o académico.
O livro mostra também “a própria acção do visconde São Januário em Goa, que foi considerada das mais importantes, apesar de só lá ter estado dois anos, e também por causa da sua acção em Macau, que nos mostra que ele tentou lutar pela soberania de Portugal em Macau”.

A crítica ao “desleixo”

Everton Machado recorda as palavras do sociólogo português Boaventura de Sousa Santos, que fala da existência, no século XIX, de “um colonialismo subalterno de Portugal”, isto porque Portugal se havia tornado “quase numa colónia formal do império britânico, pois não tinha mais nenhum poder no tabuleiro político da época”.

Nesse sentido, “As Jornadas” fazem críticas ao facto de Portugal se ter rendido ao papel de país periférico e de não ter lutado para manter a glória do século XVI, tal como o fizeram outros intelectuais da época.

“O que muitos intelectuais fazem, e o que Tomás Ribeiro faz também, é essa constante crítica ao desleixo do Governo português na altura com as suas colónias, ao mesmo tempo que crítica as acções dessas posições hegemónicas, exaltando sempre a grandiosidade do império português, mas, por outro lado, pondo de parte Portugal”, disse Everton Machado.

No livro “O Orientalismo Português e As Jornadas de Tomás Ribeiro – Caracterização de um problema”, o autor não deixa de lembrar que Tomás Ribeiro não foi o único a lamentar a decadência do império português. “O sentimento híper-identitário é patente noutras narrativas de viajantes portugueses da altura, acompanhado da denúncia face ao desleixo da metrópole para com as colónias. São exemplos “Jornadas pelo mundo” (1895), do Conde de Arnoso, Bernardo Pinheiro Correia de Melo (1855-1911), e “No Oriente: de Nápoles à China” (1896-1897), de Adolfo Loureiro (1836-1911).”

Everton Machado cita mesmo Fátima Outeirinho quando esta afirma que “os textos de Tomás Ribeiro e Adolfo Loureiro são ocasião de testemunho de um sentimento de decadência, de denúncia de uma atitude de negligência e de lamento perante a malsucedida acção governativa portuguesa nessas paragens longínquas”.

10 Jul 2019

Vistos gold | Sócio de Stanley Ho rejeita acusações de burla

Choi Man Hin, Administrador e Presidente da Comissao Executivo da Estoril-Sol III e sócio da POAO II – Investimentos Imobiliários, rejeitou hoje as acusações de burla depois de um jornal português ter publicado uma reportagem sobre um alegado caso de ilegalidades cometidas por esta empresa no âmbito de atribuição de vistos gold. O empresário nega que a sociedade envolvida esteja em risco de falência

 

[dropcap]C[/dropcap]erca de uma semana depois do diário português Público ter noticiado um alegado caso de burla que envolve elevados investimentos em armazéns em Portugal e uma empresa cujo sócio é parceiro de negócios de Stanley Ho, eis que o responsável vem rejeitar as acusações de que é alvo.

Num direito de resposta publicado hoje no Público, Choi Man Hin assegura que o jornal publicou “informações desvirtuadas e inverdades manifestas” sobre o caso que envolve a empresa de que é sócio, a sociedade POAO II – Investimentos Imobiliários.

O responsável assegura que não tirou, “até ao momento, qualquer proveito financeiro do investimento realizado, estando, em conjunto com os demais sócios, a trabalhar no sentido de ultrapassar os resultados menos positivos”.

Apesar da venda de armazéns a investidores chineses estar a ser investigada pelo Ministério Público (MP), Choi Man Hin defende que “a acusação de ‘burla’ é uma difamação lamentável”.

“No âmbito da minha participação no capital da sociedade construtora do centro POAO, jamais pratiquei qualquer ato ou omissão que possa ser qualificada como tal, pelo que repudio veemente todas as acusações que me vem imputadas”.

Oito investidores chineses acreditavam estar a comprar lojas na zona de Porto Alto, Samora Correia, pertencente ao concelho de Benavente, quando se depararam com armazéns adquiridos numa zona comercial “fantasma”. Além disso, dizem ter sido alvo de especulação imobiliária nesse negócio, sendo que muitos não tem ainda os vistos gold que lhes foram prometidos.

“Uma alternativa”

O empresário assegura que a sua participação neste projecto tem um carácter pessoal. “Trata-se de um projeto que pretendia constituir alternativa à sobrecarga que se verificava nas lojas situadas no Martim Moniz, construindo-se um espaço onde a comunidade chinesa residente na área metropolitana de Lisboa pudesse desenvolver os seus negócios.”

O investimento feito na POAO II “não tem qualquer relação com os cargos que exerce no grupo Estoril Sol ou outras entidades”, assume o empresário, que dá conta que Stanley Ho “não tem qualquer relação directa ou indirecta com a sociedade POAO II”.

Na reportagem do Público foi noticiado de que a POAO II tinha entregue um pedido de insolvência, algo que preocupava os investidores chineses, pois tinha sido feito uma promessa de aquisição dos armazéns ao fim de cinco anos.

Choi Man Hin “acredita na prosperidade do espaço (localizado no centro grossista do Porto Alto, Samora Correia, concelho de Benavente) e no projecto em desenvolvimento, não sendo a sociedade atualmente objeto de qualquer processo de insolvência”. “Muito pelo contrário, (a POAO II) é detentora de um património de valor elevado”, assegura o responsável.

Além das queixas apresentadas contra a POAO, está também envolvido o escritório de advogados que mediou a assinatura dos contratos, com o nome de Rui Cunha, Glória Ribeiro e Associados. O advogado de Macau Rui Cunha já assegurou nada ter a ver com este caso, apesar do escritório em causa assumir ter ligações à RAEM.

9 Jul 2019

Exposição | Fotografias de Macau patentes no Porto até 21 de Julho 

A OPPIA – oPorto Picture Academy acolhe até ao próximo dia 21 de Julho a exposição de fotografia “RAEM, 20 anos – Um olhar sobre Macau”, que esteve patente no consulado-geral de Portugal em Macau até à passada sexta-feira. A inauguração aconteceu no domingo e integra a iniciativa “Rota da Seda #2 – China | Macau”

 

[dropcap]A[/dropcap] Casa de Portugal em Macau (CPM) estabeleceu pontes com a cidade do Porto. Foi graças a essa ligação que a exposição de fotografias que marca os 20 anos de transferência de soberania de Macau para a China atravessou fronteiras. Ontem foi inaugurada a mostra “RAEM, 20 Anos – Um olhar sobre Macau”, que estará patente na OPPIA – oPorto Picture Academy até ao próximo dia 21 de Julho.

A inauguração aconteceu este domingo na cidade invicta, com a exibição dos documentários “Dragão embriagado + Espíritos esfomeados”, bem como “Olhar Macau”, produzidos pela CPM, além de “Os Resistentes – Retratos de Macau”, de António Caetano de Faria. A mostra integra a iniciativa da OPPIA intitulada “Rota da Seda #2 – China | Macau”, que começou em 2018.
Cristiano Costa Pereira, director artístico da OPPIA, explicou ao HM como começou esta parceria com Macau.

“Foi-me endereçado, pela CPM, um convite para, pessoalmente, dirigir uma residência artística naquele território, a decorrer entre os meses de Setembro e Dezembro do ano em curso”, apontou. Além disso, o responsável foi também convidado “para ser júri do festival Sound & Image Challenge, facto que veio consolidar a ideia, que já tínhamos, de dedicarmos a segunda edição da ‘Rota da Seda’ a Macau e à China”.

Cristiano Costa Pereira assume ser um apaixonado por Macau e pela China, além de ter consciência “da importância da magnânima e multissecular relação luso-chinesa, bem como dos 20 anos da passagem da administração de Macau para a China”. “Senti que esta era a oportunidade e o momento para homenagear a milenar cultura chinesa e a cultura portuguesa na China, bem como o fruto desta relação, que é o macaense”, acrescentou.

O responsável pela direcção artística da OPPIA diz que, além das expectativas de ordem económica que tem com este evento, há também uma perspectiva cultural. “Espero que o público deste evento possa fruir da experiência e se possam estreitar relações e conhecimento inter-culturais e que Macau fique mais próximo dos portuenses.”

Programa a pensar na Ásia

Foi em Novembro do ano passado que a OPPIA iniciou a primeira edição do ciclo “A Rota da Seda”, com o objectivo de “criar nas instalações da OPPIA um evento total, que não só reunisse a fotografia, o cinema, a música ou performance, mas também que as mesmas fossem desenvolvidas em adequado contexto cultural. Ora, ‘A Rota da Seda’ foi a evocação mais artística e cultural que encontrámos, pelo seu simbolismo, pela sua importância e pela sua universalidade”, frisou o director artístico da entidade.

“A Rota da Seda” não se foca apenas na China, tendo “uma lógica artística, com paragens diversas, cruzando, de forma não linear, pontos históricos desta Rota com a nossa própria utopia”. Dessa forma, foi iniciado um ciclo “com uma programação centrada no mediterrâneo, mais precisamente no Médio Oriente (Irão, Turquia, Síria, Azerbaijão e Grécia)”.

Com o evento “A Rota da Seda”, a OPPIA pretende ser “um ponto de encontro” apresentando um programa que integra várias expressões culturais como a fotografia, cinema, música e gastronomia. “Promovemos o encontro transversal entre as artes e o seu público e proporcionamos a experiência do próprio encontro, sempre pautado pela cultura do(s) lugar(es) invocado(s). Em cada momento, são paragens no tempo e no espaço. São viagens, partilhas e transcendências”, denota Cristiano Costa Pereira.

O evento pretende também ser “um apelo aos sentidos”, bem como “um agente e uma ponte”. “Ao colocarmo-nos num plano tão ambicioso e inovador, como o de mentorar (maturar?) uma programação que faça jus à dimensão desse fenómeno artístico e cultural, como foi e é ‘A Rota da Seda’, na sua essência, agimos como entidade construtora. Peça sobre peça, a cada edição, criamos novos laços interculturais, aproximando culturas, estreitando as diferenças, pondo a nu a essência humana, na sua vertente artística, reciclando as visões mais culturais dos territórios, veiculando uma linguagem universal, de comunhão”, apontou o responsável.

A OPPIA é uma estrutura artística e de aprendizagem que se dedica às principais formas de arte, incluindo o cinema, a fotografia, a música, o teatro e as artes visuais. Fundada em Dezembro de 2015, já apresentou dezenas de eventos, projecções cinematográficas e conferências, entre outras iniciativas do foro artístico.

9 Jul 2019

Ambiente | Ho Wai Tim alerta para quebra da qualidade da água 

O presidente da Sociedade de Oceanografia de Macau alerta para a quebra da qualidade da água no território em comparação com Hong Kong, e defende que o Governo não tem sido fidedigno nos dados oficiais sobre a protecção do meio ambiente. Ho Wai Tim lança ainda críticas ao trabalho de Raymond Tam

 

[dropcap]H[/dropcap]o Wai Tim, presidente da Sociedade de Oceanografia de Macau, disse, de acordo com o Jornal do Cidadão, que a qualidade da água no território está a tornar-se “má” e que a Direcção dos Serviços de Protecção Ambiental (DSPA) ainda não apresentou medidas concretas para a protecção do Delta do Rio das Pérolas. Situação que se agudiza uma vez que a RAEM passou a ter mais 85 quilómetros de área marítima há quatro anos.

Para Ho Wai Tim, há muito ligado a associações de cariz ambiental, a qualidade da água em Macau é pior que em Hong Kong, alertando para a existência de lixo em zonas como as praias de Cheoc Van e Hac Sa, em Coloane. Além disso, o dirigente aponta a necessidade de melhorar o funcionamento das Estações de Tratamento de Águas Residuais de Coloane e Areia Preta, que não atingem os padrões exigidos.

Tendo em conta as notícias recentes sobre dois golfinhos brancos mortos, Ho Wai Tim acredita que as autoridades estão a esconder dados relativos à protecção do meio ambiente marítimo, uma vez que, segundo o relatório de pesquisa feito por Hong Kong sobre a espécie do golfinho branco chinês, a poluição marinha está a aumentar a uma velocidade alarmante. O mesmo relatório terá dado conta que os golfinhos morrem frequentemente em toda a zona do estuário do Rio das Pérolas, referiu o presidente da Sociedade de Oceanografia de Macau.

O mesmo responsável lança ainda dura críticas ao trabalho de Raymond Tam à frente da DSPA, acusando o organismo público de ter omitido os seus deveres nesta área, uma vez que os problemas ambientais são cada vez mais.

No que diz respeito às praias de Coloane, Ho Wai Tim denuncia que muitos resíduos são escondidos em locais “invisíveis” como Long Chao Kok, onde o lixo também se acumula. Desta forma, o responsável pede a criação de um sistema de fiscalização da área marítima atribuída por Pequim a Macau e o envio de navios para proceder à limpeza dessas zonas.

Olha o turismo

Ho Wai Tim justifica a necessidade de acção governamental com o facto de Macau ser cada vez mais procurado como destino de turismo e lazer. No último relatório da DSPA sobre o Estado do Ambiente em 2018, os números não são animadores, uma vez que cada residente de Macau produziu, no ano passado, uma média de 2,17 quilogramas de lixo por dia, superando em larga escala, por exemplo, a capital chinesa, com uma média diária de 1,17 quilos por pessoa.

As críticas de Ho Wai Tim não batem certo com o panorama traçado pela DSPA que, no relatório relativo a 2018, referiu que a qualidade da água potável “satisfez os diversos parâmetros de análise”, mantendo-se “no índice verde de baixo teor de salinidade”, e também a qualidade das águas costeiras melhoraram.

9 Jul 2019

Relatório | Hong Kong considerada “autocracia fechada” com declínio democrático

O terceiro relatório do V-Dem Institute, divulgado este domingo, é demolidor para o panorama político de Hong Kong. O território é classificado como uma “autocracia fechada” e caiu no índice de democracia liberal entre 2008 e 2018. Quanto à China, está apenas dez pontos acima da Coreia do Norte, que ocupa o fundo do índice. A China é também acusada de perturbar a democracia em Taiwan com a difusão de informação falsas

 

[dropcap]O[/dropcap] Governo de Carrie Lam leva nota negativa no terceiro e mais recente relatório do V-Dem Institute, um think-tank sediado no departamento de ciência política da Universidade de Gotemburg, na Suécia, e que tem como objectivo medir os níveis de democracia em todo o mundo. Os resultados relativos a 2018 não são animadores para o território vizinho: em dez anos, ou seja, entre 2008 e 2018, Hong Kong piorou a posição no ranking de democracias liberais e mereceu a classificação de “autocracia fechada”. O documento, que tem como título “Democracy facing global challenges (Democracia enfrenta desafios globais), dá a posição 107 a Hong Kong, enquanto a Coreia do Norte ocupa o último lugar da lista, com 179 pontos.

A região vizinha também leva nota negativa no que diz respeito à exclusão por grupos socioeconómicos, algo que, de acordo com os autores do estudo, “está relacionado com baixos níveis democráticos”. Neste sentido, o estudo revela que a RAEHK enfrenta um problema sério de elevada exclusão destes grupos.

A China está também classificada como uma “autocracia fechada”, tendo piorado, em dez anos, a sua posição no índice de democracias liberais. Ao longo de uma década, o país hoje liderado por Xi Jinping está apenas dez pontos acima da Coreia do Norte. Em termos de confiança no regime político, e dentro do grupo de países com confiança na ordem dos dez por cento no índice da democracia liberal, a China está no fundo da lista, ao lado de países como a Coreia do Norte, Laos, Arábia Saudita e Camboja.

Além disso, a China é também criticada pelos autores do estudo como um dos países que mais informação falsa espalha, com Taiwan como principal alvo. “A China tem vindo de forma activa a espalhar falsas e erradas informações no estrangeiro, tendo Taiwan como um dos seus principais alvos. Ao fazer circular informação errada nas redes sociais e investindo em meios de comunicação taiwaneses, a China procura interferir nas políticas internas e engendrar uma unificação completa.”

O relatório revela que os observadores “reportaram muitos exemplos de campanhas de desinformação por parte da China”, uma vez que o país “providencia fundos para que os media adoptem uma linha mais pró-Pequim nos seus trabalhos jornalísticos”.

Os investigadores chegaram a essa conclusão quando observaram que “a maior parte dos meios de comunicação social de Taiwan providencia diferentes apresentações dos mesmos eventos”.

“Uma vez que os taiwaneses consomem bastante informação online, a estratégia de desinformação chinesa acaba por resultar numa fracturação da informação online, o que tem um impacto negativo na democracia de Taiwan”, lê-se ainda.

Nesse sentido, Taiwan surge ao lado da Letónia como “os dois países com piores pontuações” ao nível da difusão de falsa informação por países estrangeiros, sendo que ambos os países são considerados pelo V-Dem Institute democracias liberais.

“Pouca abertura” no Myanmar

Um olhar sobre o panorama político em alguns países do sudeste asiático permite concluir que a situação também piorou nos últimos dez anos em, pelo menos, sete regimes autocráticos. A Tailândia transformou-se mesmo numa autocracia fechada, desde que uma Junta Militar tomou o poder, lembra o relatório.

Neste âmbito, em dez anos, a Tailândia registou uma “substancial ou significativa” redução da liberdade de associação, de expressão e da igualdade perante a lei. No Myanmar, onde recentemente foram presos dois jornalistas da Reuters por escreverem sobre a perseguição movida aos Rohingya, houve apenas uma “frágil melhoria” ao nível de eleições limpas, liberdade de associação e de expressão, polarização da sociedade.

O relatório dá ainda conta que, no Myanmar, “os grupos que estão alinhados com o antigo regime, tal como os militares, continuam a exercer uma influência importante”, tendo em conta que grupos sociais minoritários, como os Rohingya, “estão sujeitos a uma repressão sistemática”.

No país, em geral, “a abertura (do sistema político) tem sido limitada”, escrevem os autores.
Também as Filipinas integram o grupo dos países em risco de terem uma pior democracia nos próximos anos, uma vez que ocupam um pior nível nas previsões para 2019/2020 face ao ano de 2017/2018.

É também referido o caso do Sri Lanka, onde se registou “um processo eleitoral democraticamente pobre, o que desafiou novamente o progresso democrático” do país. “No Sri Lanka, a transição para a democracia renasceu com a surpreendente vitória eleitoral de Sirisena sobre o veterano líder Rajapaksa, em Janeiro de 2015, e muitos aspectos democráticos registaram melhorias.”

O relatório apresenta como exemplos o facto de “o sistema judicial ter comprovado a sua independência”, embora “muitos outros aspectos se mantenham frágeis, como a liberdade de imprensa e questões igualitárias”.

A Índia, que sempre foi considerado um país exemplar ao nível da participação cívica, e que neste estudo consta no grupo da erosão das democracias liberais, registou “substancial e significativa redução da liberdade de expressão, da polarização da sociedade e populistas no poder”.

Na Índia, bem como na Bulgária e Brasil, houve “ataques ao pluralismo dos media, à liberdade cultural e académica e substancial polarização da sociedade, que em pontos chave está mesmo a piorar”. Nestes três países “está a tornar-se cada vez mais perigoso ser jornalista, como mostram os indicadores deste relatório e também do relatório dos Repórteres Sem Fronteiras, tendo em conta o número de jornalistas que morreram”. Na Índia, o Governo liderado por Narendra Modi “usa leis ligadas à sedição, difamação e ataques terroristas para silenciar as críticas”.

Além de fazer referência à situação política no Brasil, depois do impeachment à presidente Dilma Rousseff, em 2016, e à vitória de Jair Bolsonaro, o relatório do V-Dem Institute dá também conta da degradação democrática nos Estados Unidos. No país, “o presidente Trump ataca constantemente a oposição bem como os media, e parece estar empenhado em reduzir as liberdades civis e a supervisão das instituições, tal como os tribunais e o parlamento”. Ainda assim, “as instituições americanas parecem estar a resistir a estas tentativas a um nível significativo”, tendo em conta a vitória dos democratas nas eleições intercalares no ano passado, que levaram a um reforço do poder parlamentar para travar determinadas medidas do Executivo de Trump, republicano.

O V-Dem Institute declara que “continua a tendência de autocratização (no mundo), embora os níveis globais de democracia não estejam em queda livre”. Um total de 24 países “estão agora a ser severamente afectados pelo que se pode chamar de uma ‘terceira onda de autocratização’, onde se incluem países já referidos acima, como é o caso do Brasil, Índia e Estados Unidos, sem esquecer alguns países da Europa de Leste, como é o caso da Bulgária, Hungria e Polónia, entre outros.

9 Jul 2019

IPIM | Jackson Chang recebeu “vantagens ilícitas” para atribuir falsos BIR

Está confirmada a prisão preventiva a Jackson Chang, ex-presidente do Instituto de Promoção do Comércio e do Investimento de Macau. De acordo com um comunicado do CCAC, o responsável terá recebido “vantagens ilícitas tal como dinheiro, acesso a empregos e acções de empresas” para a aprovação dos processos de concessão de BIR por investimento, em “conluio” com um casal de comerciantes

 

[dropcap]J[/dropcap]ackson Chang, ex-presidente do Instituto de Promoção do Comércio e do Investimento de Macau (IPIM), é o único dirigente desse organismo público a ver ser-lhe aplicada a medida de coacçao de prisão preventiva no âmbito do caso de concessão de falsos bilhetes de identidade de residente por investimento.

De acordo com um comunicado do Comissariado contra a Corrupção (CCAC), já foi concluída a investigação que envolve também uma ex-vogal executiva do IPIM, Glória Batalha Ung, bem como ao ex-director-adjunto do Gabinete Jurídico e de Fixação de Residência do IPIM. O caso que já está a ser investigado pelo Ministério Público (MP).

As três personalidades “terão cometido os crimes de corrupção passiva para acto ilícito, falsificação de documentos, violação de segredo, abuso de poder, entre outros, aquando da apreciação dos pedidos de ‘imigração por investimentos relevantes’ e de ‘imigração por fixação de residência dos técnicos especializados’”, aponta o mesmo comunicado.

A prisão de Jackson Chang poder-se-á explicar pelo facto do CCAC ter descoberto que este “agiu em conluio com um casal comerciante de Macau” que, “em conluio com outros indivíduos providenciou, entre 2010 e 2018, serviços de pedidos de imigração a favor de outrem, ao estilo de um serviço one-stop”.

Esse casal terá criado e controlado mais de 50 sociedades, fazendo também simulação de projectos de investimento e de “informações relativas à experiência profissional e de contratações de pessoal falsas, a fim de obter ilegalmente, por essa via, lucros de montante significativo”.

Nesse contexto, Jackson Chang “recebeu do referido grupo, por um longo período de tempo, vantagens ilícitas, tais como dinheiro, acesso a empregos e acções de empresas, através do seu cônjuge, filha e amante do Interior da China, praticando alegadamente os crimes de corrupção passiva para acto ilícito, de falsificação de documento e de violação do segredo”.

Além disso, o ex-presidente do IPIM “ocultou dolosamente na declaração de bens patrimoniais e interesses, os bens patrimoniais que possuía”, além de que “terá praticado o crime de inexactidão dos elementos previsto no Regime Jurídico da Declaração de Bens Patrimoniais e Interesses”.

Ajudas e redes

A investigação levada a cabo pelo CCAC concluiu que o ex-director-adjunto do Gabinete Jurídico e de Fixação de Residência do IPIM, quando exercia funções de chefe de departamento no Fundo de Pensões, “participou directamente nas actividades criminosas do referido grupo no que respeita aos ‘falsos’ pedidos de imigração”. Já Glória Batalha Ung, do IPIM, “terá aproveitado os seus poderes funcionais, prestando apoio ilegal a dois requerentes e revelando informações confidenciais internas do serviço para que os pedidos dos referidos requerentes pudessem ser aprovados facilmente”. Nesse sentido, praticou “os crimes de abuso de poder e de violação do segredo”.

O grupo que operou esta rede com o apoio de Jackson Chang cobrou, no total, cerca de dez milhões de patacas a pessoas “que não se encontravam habilitadas à imigração”, com o objectivo de cobrir “despesas para o tratamento representativo de formalidades”. Nesse sentido, também esse grupo contabilizou “a título de ‘despesas diversas e de consultadoria do IPIM’ ou ‘despesas de consultadoria’, 20 a 30 por cento da ‘despesa para tratamento representativo de formalidades’” durante os pedidos dos falsos BIR. Também este casal de comerciantes “são suspeitos da prática dos crimes de corrupção activa, de associação criminosa, de falsificação de documentos e de uso de documentos falsos”.

7 Jul 2019

A arte de engonhar

[dropcap]A[/dropcap]s autoridades de Macau são peritas na chamada arte do engonhanço. Em bom português, a expressão engonhar ou engonhanço significa tudo o que é oposto à decisão ao acto de fazer. Perde-se tempo pelos mais variadíssimos motivos e interesses.

O projecto da Biblioteca Central de Macau é um excelente exemplo de engonhanço: há mais de dez anos que está para se fazer. Depois das polémicas com os concursos públicos e com alegados plágios de projectos de arquitectura que foram negados, a obra avança. Eis que, afinal, há ainda uma coisa que não está bem, e surge em cena Chan Tak Seng, da Aliança do Povo da Instituição de Macau, para dizer que, afinal, a Biblioteca Central de Macau não deveria ser ali, num lugar central como é a avenida da Praia Grande porque, pasme-se, tem muitas pessoas e carros e é uma localização mais comercial.

Pergunto-me porque é que este membro do Conselho do Planeamento Urbanístico quer agora alterar um plano que já foi mudado muitas vezes e adiá-lo para quando o novo Executivo tomar posse. Para quê mais meses de, lá está, engonhanço, quando o CPU já debateu este projecto inúmeras vezes e já existem adjudicações? Se é assim com uma biblioteca, imagine-se com tudo o resto que é obra pública.

5 Jul 2019

CE | Novo candidato quer dar dinheiro a residentes que invistam na Grande Baía

Chan Weng Fu apresentou-se ontem como o novo candidato ao cargo de Chefe do Executivo com uma promessa digna de nota: atribuir 200 mil patacas a cada residente que invista no sector imobiliário na área da Grande Baía. O dinheiro sairia dos cofres da Reserva Financeira de Macau

 

[dropcap]C[/dropcap]hui Sai On deu cheques pecuniários à população, mas o homem que lhe quer suceder deseja ir mais além, em nome dos novos tempos da integração regional. Chan Weng Fu, de 68 anos de idade, director de uma empresa ligada ao ramo da electricidade, apresentou-se ontem como o novo candidato ao cargo de Chefe do Executivo e assegura que a falta de experiência na política não é impeditivo para concorrer.

O candidato vive em Macau há mais de 40 anos e acredita que, depois de divulgar o seu programa político, terá apoio dos membros que integram a Comissão Eleitoral do Chefe do Executivo, que irá eleger, a 25 de Agosto, o próximo líder da RAEM.

Um dos principais pontos do seu programa é a concessão de 200 mil patacas a cada residente que deseje investir no sector imobiliário em qualquer uma das cidades que integram o projecto da Grande Baía Guangdong-Hong Kong-Macau. Esse dinheiro seria retirado da Reserva Financeira de Macau.

“Não é um plano de comparticipação pecuniária, mas tem como objectivo levar a que os cidadãos invistam em imóveis na Grande Baía”, frisou. O candidato ainda disse que “como o Continente está a desenvolver-se rapidamente, dar dinheiro para o público é uma forma de diversificar o investimento pois, no futuro, deve haver dinheiro para ganhar”.

Mais lugares subterrâneos

Chan Weng Fu deseja também resolver o problema do trânsito e da falta de estacionamento em Macau, defendendo, para o efeito, a construção de parques de estacionamento subterrâneos. Na visão do candidato, esta medida iria resolver os problemas de estacionamento no prazo de dois a três anos.

No que diz respeito ao sistema judicial, o candidato defende maior integração na sociedade de ex-condenados, e argumenta que pessoas que tenham cometido pequenos delitos, mas que tenham contribuído para o desenvolvimento económico de Macau, não devem ir para a prisão.

Contudo, o candidato não especificou o tipo de mudanças que deseja fazer a este nível, nomeadamente se defende, ou não, uma alteração legislativa.

Ao nível da corrupção, Chan Weng Fu também prometeu novas medidas de combate a este crime, garantindo que a sua meta é proteger os cidadãos.

Licenciado em engenharia electrotécnica numa universidade da China, com formação superior também na área educativa, o candidato começou a carreira profissional como técnico de reparação de equipamentos eléctricos.

5 Jul 2019

Comunidade macaense | O recado que António Hespanha deixou no seu último livro

O historiador António Hespanha, falecido esta segunda-feira, deixou no seu último livro um aviso à comunidade macaense: “faltam estudos sobre o Senado e a Misericórdia que permitam identificar os grupos dirigentes”, bem como “um estudo sistemático das grandes famílias macaenses”, que são mesmo fruto de uma “intensa crioulização”

 

[dropcap]A[/dropcap] história de Macau e da comunidade macaense foram o mote da última obra do historiador António Hespanha, falecido esta segunda-feira vítima de cancro, com 74 anos de idade. “Filhos da Terra – Identidades Mestiças nos Confins da Expansão Portuguesa”, lançado em Fevereiro pela Tinta-da-China, é a obra que analisa as comunidades compostas por pessoas que se sentem portuguesas, mas que ficaram de fora das linhas formais do Império, o chamado “Império sombra”, como lhe chamou o autor, que inclui também Malaca e outras regiões.

Hespanha ressalva que a ambiguidade do território se manteve até 1999, apesar de ter oficialmente administração portuguesa. E explica as razões pelas quais dedica um capítulo ao território.

Integrado no chamado “império formal” desde o século XVI, Macau é “uma lenda fundacional que tem de ser encarada criticamente”, como refere Hespanha citando Jorge Flores. “Ela surge num texto tardio, de 1629, em que se alinhavam razões que sustentassem autonomia, estabilidade e autossuficiência da povoação, quer em relação à administração formal portuguesa, quer à chinesa.”

“De alguma forma, Macau corresponde a Goa numa fase mais tardia, num novo cenário geográfico, económico e cultural, e com outros modelos de funcionamento. É por isso que os ‘macaenses’ cabem neste roteiro de comunidades ‘portuguesas’ na sombra, apesar de, formalmente, Macau ser tida pela coroa – quem sabe se só por ela e pelos seus oficiais – como uma cidade portuguesa.”

O historiador é um dos poucos que se debruçou sobre o Direito de Macau, frisou também que “dada a sua institucionalização – com Governo e administração formais, produzindo documentação guardada em arquivos que se mantiveram – Macau permite até recuperar um conhecimento sobre estas comunidades que se perdeu noutros lados”.

Os macaenses são aqui vistos como “os filhos da terra”, mas António Hespanha deixa um alerta a futuros académicos. “Apesar da pletora de estudos sobre a história de Macau nas últimas décadas do século XX, a história social dos macaenses não progrediu o suficiente para nos dar uma imagem detalhada e empiricamente fundada desta comunidade. Faltam estudos sobre o Senado e a Misericórdia que permitam identificar os grupos dirigentes, bem como as suas redes de alianças e dependências e as suas estratégias de grupo.”

Além disso, o autor defendeu que continua a fazer falta “um estudo sistemático das grandes famílias macaenses – os chamados ‘filhos da terra’ – cujos nomes portugueses dissimulavam, de facto, uma intensa crioulização – não apenas sino-portuguesa – e uma complexa teia de ligações fora do território”.

Filhos de muita gente

António Hespanha foi além da ideia generalizada de que a comunidade macaense é fruto, essencialmente, do cruzamento de chineses e portugueses. Na verdade, o historiador recorda que os macaenses descendem de várias origens.

“À medida que avançamos no tempo, mesmo a parte ‘portuguesa’, nomeadamente a que usa nomes portugueses, é cada vez mais cruzada com elementos nativos: chineses, japoneses, malaios, indianos, siameses, mesmo africanos”, escreveu. “Uma vez que o preconceito europeu em relação aos chineses (‘alvos como nós’) era menor do que em relação a populações negras, os casamentos de ‘portugueses’ com chinesas eram comuns, existindo também casamentos de portuguesas com chineses. Se olharmos para as prosopografias das cerca de 500 famílias macaenses de hoje, podemos observar a complexidade étnica do grupo”, acrescentou.

No que diz respeito ao relacionamento entre a China e a comunidade macaense, o autor descreve que o país “mostrava maior flexibilidade na relação com os macaenses, que chegavam a ser referidos (em 1623) como ‘nobres estrangeiros’, a quem se tinham conferido ‘os privilégios de naturais da China’”.

Por volta do ano 1584, os chineses, “relutantes em reconhecer a extraterritorialidade da cidade – nomeadamente, a aplicação das leis portuguesas – criaram também uma estrutura de controlo, considerando os líderes da comunidade macaense como funcionários imperiais, ambivalência que se manteve”.

A partir de 1586, “Macau comportava-se como uma república autónoma, que se correspondia com o rei da Conchichina e chegou mesmo a projectar o envio de uma embaixada sua em Pequim”, lê-se no livro.

“Filhos da Terra” retrata, sobretudo, as “comunidades mestiças na civilização e na cultura”, que “podem ser consideradas como uma outra face do ‘império’, cuja história, discreta, ambígua e frequentemente incómoda tem sido pouco cultivada na historiografia portuguesa”.

Hespanha descreve que “as maiores comunidades de ‘portugueses’ fora das fronteiras do império formal eram também ‘cristas’”, algo que “é mais distintivo na Ásia do que em África”. Na obra, o autor destaca também a presença do Cristianismo na China, onde “as comunidades cristas eram várias, algumas das quais bastante numerosas”. No século XVII seriam cerca de 150 mil cristãos no país, sendo que os principais centros do cristianismo estavam situados em Pequim, Fujian e Zhejian.

 

O Mestre que cultivava o espírito crítico

Ex-colegas recordam contributos de Hespanha na área da História e Direito de Macau

António Saldanha, investigador e docente de História na Universidade de Macau (UM), recorda ao HM o lugar de António Manuel Hespanha na academia. “Conhecíamo-nos há cerca de trinta anos: entrava eu para equipa de História do Direito da Faculdade de Direito de Lisboa, quando dela ia sair o António Hespanha para se doutorar em História noutra universidade. Durante esses anos nunca os nossos destinos deixaram de se cruzar: em júris, em conferências, no ensino na Faculdade de Direito de Macau, quando presidiu à Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses, e em ocasionais contactos sobre aspectos específicos da investigação que em muitos pontos de interesse nos era comum.”

Saldanha recorda que os credos políticos de ambos “nunca coincidiram”, mas tal nunca interferiu “na partilha e no encontro dos nossos credos académicos e científicos”. “Pelo contrário: o António Hespanha nunca regateou uma citação, uma nota de apreço em relação à minha obra, que, como poucos entendeu. Fi-lo sempre também, não por mera ou cortês retribuição, mas por sincera admiração pelo contributo único que deu em várias áreas da História e do Direito”, acrescentou.

António Saldanha considera que “nunca ninguém poderá negar o título, hoje raro no seu sentido verdadeiro, de Mestre” a António Hespanha. Nesse sentido, “foi também um pedagogo de que nunca gerações de alunos esquecerão o brilhantismo”. Com a morte do historiador que veio do Direito “fica também a recordação do seu sentido de humor, da sua muita graça e da generosidade com que acolhia quem dele se aproximou”.

Cultivar espírito crítico

Manuel Escovar Trigo cruzou-se com António Hespanha na UM entre 1990 e 2000, período em que o falecido historiador coordenou a Área de Ciências Jurídico-Histórico e Filosóficas. Ao HM, o professor associado da Faculdade de Direito da UM recorda os primórdios do estabelecimento dos cursos de Direito no território. “Era um professor que promovia a participação dos seus estudantes, cultivava o convívio, o bom humor e o espírito crítico.”

Na UM, Hespanha, quer ao nível do ensino, quer da investigação, “deu um contributo de especial relevância para a configuração e desenvolvimento do curso de Direito da Faculdade de Direito da UM”. Dada a “carência de estudos e publicações no âmbito da sua área de coordenação, (Hespanha) deu o seu exemplo de investigar e escrever sobre temas relevantes”, recorda Escovar Trigo, pois “interessava-se pela história e sobre o presente e o futuro do Direito de Macau, sendo interveniente publicamente na definição da estratégia da formação jurídica”.

Obras como “Panorama da História Institucional e Jurídica de Macau” ou “Feelings of Justice in the Chinese Community of Macao, An Inquiry”, são, para Escovar Trigo, um exemplo do empenho de António Manuel Hespanha “nas áreas da sua coordenação, jurídicas-históricas e jurídico-filosóficas”.

Neste sentido, “os seus estudos continuam a ser importantes para a compreensão do sistema jurídico de Macau e um exemplo para os estudiosos desta área do saber”, rematou o docente da UM.

5 Jul 2019

Surf Hong obrigada a pagar multa imposta por Alexis Tam

[dropcap]O[/dropcap] Tribunal de Última Instância (TUI) rejeitou dois pedidos de anulação dos despachos assinados pelo secretário para os Assuntos Sociais e Cultura, Alexis Tam, que obrigam a empresa Surf Hong ao pagamento de 11 milhões de patacas em multas no contexto de um processo laboral. As decisões, referentes à apresentação de dois procedimentos cautelares de suspensão de eficácia por parte da Surf Hong, foram ontem tornadas públicas e confirmam a sentença proferida pelo Tribunal de Segunda Instância (TSI) em Maio deste ano.

As multas foram aplicadas através de despachos, proferidos em Dezembro do ano passado, que exigem o pagamento de quatro e sete milhões de patacas, num total aproximado de 11 milhões de patacas, “por violação dos deveres contratuais, previstos no ‘Contrato de Prestação de Serviços de Gestão das Piscinas situadas em Macau afectas ao Instituto do Desporto’ e no ‘Contrato de Prestação de Serviços de Gestão das Piscinas situadas nas Ilhas afectas ao Instituto do Desporto’”.

Num recurso anterior, Wong Chou Heng, proprietário da Surf Hong, apresentou junto do TSI “informações referentes às contas bancárias da empresa, alegando que os seus bens pessoais e os bens da empresa não são suficientes para pagar as respectivas multas e, caso esses actos recorridos não sejam suspensos, será obrigado a declarar falência e a enfrentar o encerramento da empresa, o que lhe causará prejuízos de difícil reparação”.

O recorrente alegou também perante o tribunal que “a execução imediata dos referidos actos administrativos lhe poderá provocar a perda de todos os contratos de prestação dos serviços de gestão e de salvamento nas piscinas e praias”, além de resultar no desemprego dos empregados da empresa.

No final de Maio, o TSI alertou para o facto de o recorrente ter de “invocar e comprovar, simultaneamente, que os seus bens pessoais e os bens da empresa não são suficientes para pagar as multas”, sendo que este “não indicou os seus bens e as suas situações financeiras”. Neste sentido, o tribunal “entendeu não existirem provas suficientes para sustentar que a medida sancionatória, imposta pela Administração, causa prejuízos de difícil reparação” à Surf Hong.

O TSI considerou ainda que “outras situações, invocadas por A (Wong Chou Heng), não constituíam prejuízos de difícil reparação, uma vez que tais prejuízos, mesmo a existirem, podiam ser quantificados pecuniariamente e o desemprego dos empregados não era questão própria de A”. Os juízes entenderam que “caso existissem prejuízos, deviam os mesmos ser invocados por terceiros, não devendo ser defendidos por A através do seu próprio recurso contencioso, nem podendo ser defendidos em substituição deles”. O acordão da decisão do TUI, que voltou a negar o recurso da Surf Hong, ainda não foi divulgado, mas o portal dos tribunais de Macau refere que foi “negado provimento ao recurso”.

4 Jul 2019

Miguel Guimarães, bastonário da Ordem dos Médicos de Portugal: “Macau está a apostar na qualidade”

Não há mais médicos a emigrar para Macau devido à falta de domínio do chinês, garante o bastonário da Ordem dos Médicos em Portugal. Miguel Guimarães destaca a excelência de dois profissionais recentemente contratados pelos Serviços de Saúde e assegura que o território está no bom caminho no que diz respeito ao desenvolvimento de uma medicina de qualidade. Quanto à Medicina Tradicional Chinesa, o bastonário assegura: “A China está a fazer o caminho da medicina convencional”

 

O sector da saúde em Portugal está a atravessar um momento complicado. Em termos de emigração de médicos, qual o cenário? Macau é um destino procurado?

[dropcap]E[/dropcap]stão a sair milhares de médicos, mas os números exactos nunca existem. As pessoas pedem à Ordem dos Médicos (OM) um documento que permite identificarem-se como médicos especialistas nos países europeus, e essas declarações têm registado uma quantidade acima do normal. Depois, muitos destes médicos emigram. São milhares de médicos e ultrapassam certamente os sete mil nos últimos anos, mas os que verdadeiramente emigraram, diria que são quase cinco mil. A grande saída de médicos acontece do sector público para o privado. Com a actual política de saúde que Portugal está a seguir, será difícil reverter esta tendência. As pessoas estão a ser maltratadas pela Ministra da Saúde e os médicos não tem boas condições de trabalho. Temos hospitais com muitas limitações. Há ainda a questão das remunerações, pois os médicos são pessimamente remunerados no SNS. Vão para Macau ganhar muitíssimo bem, nem é comparável. Mas não é preciso ir para Macau, basta irem para o sector privado ou para países como Espanha, Alemanha e Suíça. Temos uma formação de excelência em Portugal, das melhores do mundo, e passamos a vida a receber propostas de contratação de vários países, até de Macau e dos países do Médio Oriente. Temos uma situação complicada porque os nossos jovens são reconhecidos lá fora, e não apenas em medicina, e não ficam cá. Neste momento, mais de 50 por cento dos médicos que estão no Serviço Nacional de Saúde tem mais de 55 anos.

Quantas ofertas de contratação foram feitas pelos Serviços de Saúde de Macau?

Recebemos várias ofertas de Macau. A última que recebemos era para contratar 40 médicos, de especialidades diferentes. Mas não é fácil, porque Macau tem vantagens e inconvenientes, e o grande inconveniente, neste momento, é saber falar chinês para trabalhar. O último a ir foi o doutor José Miranda, para montar um serviço de cirurgia torácica, e ele vai dirigir esse serviço importante para Macau. Aliás, as pessoas vão para lá com projectos de topo, mas ele nasceu em Macau e fala chinês fluentemente.

Esse serviço vai ser no Centro Hospitalar Conde de São Januário.

Penso que sim. Para Macau também foi o doutor José Costa Maia, que em Portugal era director do serviço de cirurgia geral do Hospital de São João, um dos maiores hospitais portugueses, e que foi contratado especificamente para chefiar uma equipa na área da transplantação e cirurgia plástica. Macau está a ficar com uma medicina de topo, e neste momento levam pessoas com muita experiência. Dá a ideia que há uma grande aposta no sector da saúde, e isto tem uma vantagem muito grande para o território. Macau está a ter boas condições de trabalho e projectos interessantes de desenvolvimento em áreas específicas da medicina. Está a ser criada a Academia Médica de Macau, que lá será o equivalente à OM, e é um colega meu aqui de Lisboa que está lá há algum tempo a trabalhar nisso.

O que pensa dessa iniciativa da Academia?

É uma excelente iniciativa, porque a existência de instituições que zelam pela qualidade da medicina e pelo que é ética e deontologia da profissão são absolutamente essenciais. O facto de os médicos que estão lá terem uma associação própria com objectivos semelhantes aos da OM é um excelente princípio para que a medicina em Macau seja cada vez mais forte. A curto prazo ser uma boa locomotiva para se começar a fazer formação em Macau.

Há o plano para um curso de medicina numa universidade privada, que está a colaborar com universidades portuguesas. É também um passo importante?

Sim. Tive recentemente com o presidente do Conselho Nacional das Escolas Médicas, o doutor Fausto Pinto, e ele está a colaborar nesse projecto. É importante também para quem lá trabalha, porque a existência de um ambiente académico, mesmo que seja no sector privado, tem vantagens a vários níveis. Isso vai estimular a que as próprias unidades de saúde se preocupem com a formação pós-graduada. Qualquer dia começam a formar-se lá médicos de elevada qualidade. Como temos em Macau cerca de 100 médicos portugueses, isso pode ser um bom princípio para conseguirmos ir mais além.

Nos anos 90 havia cerca de 150 médicos portugueses, e muitos deles saíram no contexto da transferência de soberania. Isso causou problemas em termos de recursos humanos no serviço público de saúde.

O actual Governo de Macau está a tentar resolver essas consequências, por isso é que tem tentado contratar médicos e tem-se mantido esta relação estreita com Portugal. Esta relação é importante para nós, os chineses estão a respeitar isso e é bom, porque há alguma tradição. Manter este elo de comunicação entre a China e Portugal é importante, porque a China tem um papel que tem de ser considerado, com força, iniciativa e capacidade de inovação. Esta ponte através de Macau é importante, e a ideia de termos lá os nossos médicos, com projectos de trabalho de elevado nível, e de haver uma escola médica em Macau, é um caminho excelente para a China e Portugal. As coisas em Macau estão a correr bem e há uma evolução positiva, com uma boa integração das pessoas que lá trabalham. É uma aposta no desenvolvimento que está a dar frutos, além de que Macau está numa situação bem mais pacífica do que Hong Kong.

Na área da medicina, é melhor que Macau continue a colaborar com Portugal do que com Hong Kong, que está ali ao lado?

É bom Macau aproveitar as duas sinergias, dos portugueses e de Hong Kong, pois o território pode dar coisas boas também. Macau está a contratar a Portugal médicos de topo. Os médicos que foram para lá tinham aqui lugares importantíssimos, são excelentes profissionais. Macau está a fazer uma aposta na qualidade e é bom que haja diversidade.

Fala-se muito da Medicina Tradicional Chinesa (MTC), e há vários protocolos assinados entre a China e Portugal…

Mas não entra a OM. Temos algumas reservas face a políticas que possam ser implementadas sem que haja evidências científicas. A MTC é constituída por uma série de técnicas que engloba desde terapêuticas como a acupuntura até à fitoterapia, que é aquela que mais problemas levanta. Sei o que estavam a fazer na China há uns tempos atrás, pois visitei durante um mês algumas das cidades mais importantes do país e acho que os próprios chineses estão preocupados com isto. Quando visitei o hospital principal de Pequim eles tinham a medicina convencional, que é a predominante, nesse hospital era 95 por cento, e depois tinham um espaço para MTC, onde estavam a testar a eficácia de alguns produtos e técnicas. Os chineses quando têm problemas vão a hospitais como nós vamos, porque sabem a importância do tratamento em doenças como o cancro, que não se trata com plantas ou agulhas. Isto foi a evolução que a China teve. Há milhares de anos estes produtos podiam ter efeitos positivos, mas hoje vivemos uma era em que a evidência científica é fundamental. Cerca de 95 por cento dos produtos testados da MTC caem por terra.

Assusta-o que haja cada vez mais protocolos nesta área em Portugal?

Não sei que parcerias existem, mas acho que a China, mesmo mantendo algumas das suas tradições que são milenares em algumas matérias, deve seguir aquele caminho que o resto do mundo tem seguido, que é o da valorização da ciência. É ela que permite que a esperança média de vida em Portugal seja superior aos 80 anos, e que o HIV possa ter cura daqui a uns anos, dentro de pouco tempo.

Ao nível da OM, quer estabelecer mais parcerias com a China?

A OM, através do seu departamento internacional, tem uma estratégia importante, seja a nível europeu seja mundial, em várias áreas específicas. Não temos uma relação muito estreita com a China a esse nível, mas é uma área que também é importante para nós. É importante perceber o que se está a fazer em termos de medicina convencional na China e também em Macau. Os chineses têm uma grande potencialidade em termos de investigação, e há milhares de trabalhos a saírem para o desenvolvimento de novas moléculas, por exemplo.

A comunidade médica internacional olha para o sistema de saúde na China com mais confiança?

Neste momento, temos a ideia de que a China está a fazer o caminho da medicina convencional.

E não o da MTC.

Não, porque repare: os chineses são como nós, inteligentes e tudo mais, e as pessoas vão-se apercebendo que a MTC é um património dos chineses, e foi um património que teve um valor durante muitos anos e hoje já perceberam que quando têm um problema de saúde devem fazer o que está provado que faz bem. Há plantas que até podem diminuir a dor. O grande problema da fitoterapia é que tem imensos princípios activos, que podem ter efeitos positivos, mas também muito negativos. Há que separar o trigo do joio e ver aquilo que a medicina convencional pode incorporar e aquilo que, dada a evolução da medicina, já não dá para utilizar.

4 Jul 2019

Isabela Figueiredo, escritora: Chineses “são sábios e estrategas”

A escritora portuguesa Isabela Figueiredo foi uma das convidadas a participar no Fórum Literário Portugal-China, que aconteceu no passado dia 12 de Junho. A autora notou a presença da censura no evento, impressão que não a impediu de se sentir próxima dos seus congéneres chineses. Quanto às letras, “Café-Colina”, título ainda provisório, é o romance que se segue

 

Comecemos pela sua presença no fórum literário na China. Como foi a experiência?

[dropcap]T[/dropcap]enho curiosidade sobre tudo o que desconheço e me parece bom. Não sabia nada sobre a China e conheço muito pouco da sua literatura, tirando alguns clássicos. O que sabia da China era muito estereotipado, muito relacionado com o que aprendemos na escola, sobre Macau, no tempo em que ainda tínhamos colónias. Tinha uma ideia da China relacionada com Macau e também relacionada com um certo caos, barulho, que nos é transmitido pelos filmes. Cheguei a Pequim e a realidade é outra, parecia que estava em Estocolmo. É a cidade mais organizada e limpa do mundo, pelo menos daquilo que vi. Seguríssima, muito desenvolvida, com pessoas muito bem-educadas, sem haver assédio às mulheres, que é uma coisa que eu sofro imenso em todos os países. Também gostei do contacto com os escritores chineses, embora tenha havido um contacto bastante formal e um bocadinho protocolar. Mas para mim foi estúpido, e digo isso porque tem mesmo a ver com a minha falta de conhecimento, descobrir que há pessoas exactamente como eu, com os mesmos gostos, na China. Nunca na minha vida pensei em ir à China. Espero que no futuro esta ida traga frutos, e tenho interesse em conhecer mais. Aliás, já fui comprar um livro de um escritor chinês que também participou neste intercâmbio.

Qual?

Do Su Tong, que tem a minha idade. Não o conheci pessoalmente, mas falaram-me bem dele e ele está traduzido para português. Tenho muita vontade de saber mais sobre a China e também que os chineses me conheçam a mim.

Gostaria que a sua editora traduzisse os seus livros para mandarim?

Sim, o que quero é que a minha editora, ou uma instituição chinesa ou tradutor chinês, tenha interesse em fazer uma proposta. Esta minha ida à China inaugurou um ramo de interesse pela China, porque neste momento já andei a ver quanto custam as viagens para diversos sítios lá. Fiquei interessada na cultura, era uma questão de ignorância pura. Há ali uma discreta elegância ordenada que é bonita, um sentido estético minucioso.

Foi numa comitiva onde estava a ministra da cultura e outros escritores portugueses. Como foi essa partilha?

Com os outros escritores correu muito bem, porque eu e o (José Luís) Peixoto e o Bruno Vieira Amaral queremos é brincar, além de falarmos de literatura. Também correu muito bem com a ministra da cultura (Graça Fonseca), mas na verdade encontrámo-nos poucas vezes porque ela tinha a sua agenda e reuniões.

Com que percepção ficou do olhar que a China tem face à língua portuguesa e aos escritores?

Perante os escritores portugueses, a China tem muita curiosidade, sabem muito sobre o Saramago, Fernando Pessoa, são muito sábios. Eles sabem mais sobre nós do que nós sobre eles, e isso deixou-me envergonhada. As pessoas do público estavam bem preparadas nas perguntas que fizeram.

Que temas foram abordados no fórum?

O tema era “visão e imaginação na literatura”. Claro que os escritores portugueses todos falaram, sobretudo, da visão, e de como ela é depois importante para podermos imaginar, e sobre como a visão do mundo estimula a imaginação. Penso que os chineses fugiram à questão da visão e foram mais para a imaginação, de forma mais direccionada. Tiveram algum receio de falar sobre a visão.

Porque pensou isso?

As comunicações deles eram muito orientadas para a forma como a imaginação já era imaginação, e de como esta vem do nada, como se fosse um contacto com outro mundo, e não como nós a vemos. Nós, os três escritores, achamos que a imaginação é fruto de um estímulo da realidade. Para mim foi surpreendente ver como esse assunto não foi, sequer, abordado pelos chineses. Para eles a imaginação cria-se do nada. Eles têm receio de falar da realidade, ou da palavra realidade. Não sei se isto é real ou não, porque também não tive oportunidade de falar com eles abertamente sobre isto.

Ficou com a impressão de que não estão habituados a poder falar sobre a realidade que os rodeia?

Provavelmente, sim. Mas reparei que as pessoas que estavam na audiência faziam muitas perguntas direccionadas para isso.

Para o facto de não poderem falar sobre a realidade?

Sim. Pelo facto das observações da realidade não serem bem vistas, bem aceites. Notei mais pelas perguntas do público do que pelas intervenções dos escritores, pois estes salvaguardaram-se muito nas suas comunicações oficiais.

O facto de existir censura na China mudou o posicionamento dos escritores chineses no fórum literário?

Acho que sim. Isso esteve sempre presente na minha cabeça quando os estava a ouvir. E a questão da censura também esteve presente na minha comunicação, que era implicitamente um discurso contra a censura e a falta de liberdade de pensamento. Foi muito curioso porque depois de ter falado apenas foi dito, pela pessoa que estava a moderar a conversa, que eu dava muita atenção à autobiografia. Disse, de facto, que aquilo que escrevo se baseia muito na minha autobiografia, mas isso foi um décimo do que falei. Falei de como a liberdade de pensamento e de expressão são fundamentais na arte, e que a arte é um veículo de transformação da sociedade, ao nível da formação da mente. Penso que foi escolhido o pedaço da minha intervenção menos incómodo. Não fui a pessoa que normalmente sou, muita expressiva. Fui muito controlada e tudo o que tinha a dizer disse-o implicitamente, mas, mesmo assim…

Incomoda-a a aproximação do Governo português à China, no campo das artes, tendo em conta a censura?

Os boicotes não servem nada nem ninguém. Só conseguimos mudar uma pessoa se nos dermos com ela. O Ocidente só pode ser lido na China se não boicotar a China. Temos de criar um equilíbrio e dizer quais são as regras. Temos de dizer o que são direitos humanos, o que é digno, e temos de ser muito fortes com isso porque eles são mais fortes do que nós. Temos de ser muito inteligentes para trabalhar com eles e temos de ser humildes para admitir isso. Nós temos a percepção contrária e temos, de facto, uma auto-estima muito elevada. Eu achei que aquela gente é muito mais sábia do que eu.

O próprio Presidente da República portuguesa puxa muito para isso, tem esse discurso da grandiosidade de ser português.

Esse discurso até pode resultar na China porque os chineses também têm esse discurso da grandiosidade. Nós precisamos de ser muito cautelosos com os chineses, porque eles são sábios e estrategas. Somos mais inteligentes se os aceitarmos e dialogarmos com eles.

Foi a estrela do festival literário do Paraty. Acha que a forte presença no Brasil lhe abriu portas para a China?

A minha forte presença no Brasil fez com que, neste momento, eu seja uma das escritoras portuguesas mais lidas lá. No resto do mundo não sei. Hoje tive a notícia de que os meus livros foram, de novo, reimpressos, o que é muito bom num país que está a sofrer uma crise tão grande como o Brasil está a sofrer neste momento. Fui convidada para esta comitiva pela visibilidade que começo a ter em Portugal, e pelo facto de começar a ser muito traduzida. De repente, a máquina começou a funcionar, e também ajuda o facto dos leitores estarem à espera do meu próximo romance, claro.

Está também a trabalhar num livro de contos…

Esse livro de contos começou a ser escrito no contexto de uma residência literária que fiz em Berlim, o ano passado, e o meu objectivo era escrever apenas um conto. Escrevi-o, mas fará parte de uma colectânea de contos que deverá ter como nome “Berlim-Almada”. Esse livro não está ainda escrito porque tenho escrito outras coisas, outros projectos, como um documentário. Além disso, tenho de acabar o meu próximo romance, para sair no Outono.

Fale-me sobre o próximo livro.

O nome provisório é “Café-Colina”. É um romance sobre a forma como tudo aquilo que nós somos é construído e nós poderíamos ser completamente diferentes, e viver de forma completamente diferente e sermos felizes com isso. Isso quer dizer que poderíamos aprender a viver sem depender de um salário, sem comer batatas.

Sermos autossuficientes?

Sim. É um livro muito do novo milénio. Não é sobre colonialismo ou questões do corpo, mas sim sobre questões da ética e do Eu, e da forma como estamos no mundo. É um livro que corresponde, como tudo o que escrevo, aos meus ímpetos de comunicar coisas às pessoas.

Escreveu muito sobre colonialismo e o seu passado. Como foi parar a um novo tema?

Agora porque há urgências. Escrever sobre a minha experiência colonial era uma urgência, era uma coisa que andava a rolar dentro de mim. Em “A Gorda”, há a questão do corpo, da perda, foi a seguinte urgência. E este livro é a terceira urgência. São coisas que andam dentro de mim há muitas décadas, desde pequena, todos os dias olho para o mundo e vejo a forma como vivemos, como pensamos e trabalhamos, e quero questionar tudo isso, mostrar às pessoas.

Porquê agora?

As coisas vão amadurecendo e há uma altura certa. Esta questão que vou trabalhar no próximo livro não consigo esgotá-la num só romance. Não sei se vou ter uma trilogia, mas é um assunto que para o trabalhar sem ter uma forma didáctica, porque o livro é um romance e tem de ser lido como tal, aquilo que quero dizer não pode ser lá metido como uma imposição ao leitor. Preciso de mais de um livro para falar sobre isso. Arrumei outros assuntos e este impôs-se.

Vai voltar a escrever sobre colonialismo?

Sim, não me posso libertar disso. É aquilo que eu sou. Há tanto colonialismo em mim que, para mim, Macau é o sítio mais lindo da China, mas nunca lá fui. E faz parte de mim, do que aprendi na escola primária. Em Moçambique as coisas mais bonitas vinham de Macau, os objectos. Pertencia aquele imaginário. Portugal tem muito pouca memória de Macau, já não se fala de Macau. Quando me falam de Macau eu tenho um imaginário, que é o frontispício das Ruínas de São Paulo e daquelas ruas com as lanternas. Tenho ideia das mercadorias que vinham de Macau e que ambicionávamos ter em Moçambique. Em Lourenço Marques havia muitos macaenses com lojas.

3 Jul 2019