Via do MeioO Mestre que está na origem das Três Perfeições Paulo Maia e Carmo - 31 Out 2025 Du Fu (712-770), o poeta sábio da dinastia Tang, cultivou a amizade com a firmeza do seu inabalável carácter capaz de reconhecer nos outros a abundância da sua própria vida. Em poemas que deixou pode ler-se essa consciência. Celebrando encontros à volta da mesa, cunhando em versos a expressão literária Yinzhong baxian, dos «Oito imortais da taça de vinho» que aí atribui ao insígne poeta Li Bai. E, como escreveu para o seu amigo Wei Ba, nem o tempo nem a distância eram obstáculos para celebrar a amizade: «Sendo quase tão dificíl os amigos encontrarem-se como a reunião das constelações Shen e Shang que nunca partilham o mesmo espaço no céu, / Esta noite é uma ocasião rara./ Reunidos à luz de velas,/ Dois homens que foram jovens/ E agora, já nas têmporas o cabelo a ficar cinzento.» Noutro poema evocou um amigo que, como ele e tantas outras personalidades literárias do tempo, foram lesadas pela revolta do general An Lushan (703-57), que entre 755-63 abalou a dinastia. Para o seu amigo mais velho Zheng Qian (691-759) escreveu o incómodo que sentia por uma injustiça que lhe fizeram, no poema que começa: «De ti que, como de uma augusta árvore, se soltam da barba finos fios de seda,/ E depois de beber uma taça de vinho dizes ser apenas um velho mestre da pintura./ De muito longe oiço que o teu espírito é incomodado e todos os dias severamente admoestado.» Porque o velho mestre, tendo sido obrigado a servir na capital dos rebeldes, foi acusado de colaboracionismo no regresso do imperador e foi exilado paraTaizhou (Zhejiang) com funções menores. O facto de não ter sido executado poderá revelar uma memória do respeito como fora tratado pelo imperador Xuanzong (r.712-756), o que reinou mais tempo na dinastia Tang. De acordo com o historiador da pintura Zhang Yanyuan (815-907), ao receber um rolo pintado por Zheng Qian, mas também com um poema da sua autoria e escrito na sua distinta caligrafia, o imperador escreveu na obra quatro caracteres que perdurariam para descrever o apreço de obras de arte – zheng qian san jue, as «três perfeições de Zheng Qian». Zheng Qian foi descrito por Zhang Yanyuan (815-907) como alguém que «sofrendo privações, gostava do som do qin, do vinho e de recitar os seus poemas». E se bem não restem hoje exemplos da sua arte, outro historiador ainda no século VIII, Zhu Jingxuan, colocando-o na classe dos pintores yipin, «sem constrangimentos», refere o seu talento na pintura de peixes. Os seus interesses, porém, iam longe, desde a geografia à medicina tendo compilado uma obra nesta área com conhecimentos de árabes e persas. Mas entre aqueles que o recordaram com emoção, avultam os versos de Du Fu que no fim do poema de despedida escreveu: «E talvez que quando um dia nos separarmos,/ De novo, no outro mundo, continuaremos a percorrer a estrada da amizade, além do tempo.»