Fotografia | “As Prisões do Norte da Birmânia”, de Lu Nan, expostas em Lisboa

A Ochre Space, galeria fundada pelo advogado e residente de Macau João Miguel Barros, em Lisboa, acolhe, desde ontem, uma nova exposição de fotografia, e desta vez com um dos maiores fotógrafos chineses. Lu Nan fez “As Prisões do Norte da Birmânia” onde retrata a vida difícil de quem lá esteve. O público pode ainda ver o filme “Trilogia”, sobre diversos projectos do fotógrafo

São rostos do sofrimento, da ausência de algo, da dureza da vida. É deste conteúdo que se fazem as imagens do projecto “As Prisões do Norte da Birmânia” [Prisons of North Burma”, da autoria de Lu Nan, um dos maiores fotógrafos chineses que vê agora o seu trabalho apresentado ao público português na galeria Ochre Space, fundada pelo advogado e residente de Macau João Miguel Barros.

Até ao dia 29 de Novembro, é possível ver um total de 63 fotografias analógicas que fazem parte do projecto que Lu Nan desenvolveu na Birmânia entre os meses de Junho a Setembro de 2006. Esse trabalho foi realizado na Prisão de Yanglongzhai e no Reformatório da Zona de Kokang, ambos localizados na Zona Especial n.º 1 (também chamada Kokang) do Estado de Shan, na Birmânia.

Segundo o catálogo da exposição, que contém uma mensagem do próprio Lu Nan, de 2009, tanto a prisão como o reformatório albergavam, à data da captura das imagens, “95 por cento dos reclusos detidos e encarcerados por concentração, transporte e tráfico de droga”, tendo em conta o anterior cultivo de papoila, entretanto banido.

Segundo Lu Nan, “após a proibição, os habitantes das montanhas tentaram plantar outras culturas comerciais, como borracha, fruta, café, etc., mas nenhuma destas tentativas foi bem-sucedida”, sendo que “apenas o cultivo da cana-de-açúcar obteve algum sucesso”.

“Embora a papoila do ópio já não seja vista em Kokang, grandes áreas nos distritos vizinhos ainda são cultivadas com papoila. Além disso, as consequências do cultivo da papoila, juntamente com o influxo de novas drogas sintéticas, continuam a causar graves problemas de abuso, contrabando e tráfico de drogas”, descreveu.

Os consumidores que andavam na prisão ou no reformatório eram de heroína ou de drogas sintéticas, sendo que o seu dia-a-dia era tudo menos fácil, segundo a descrição de Lu Nan. “Independentemente de terem consumido heroína ou drogas sintéticas, após a detenção, os reclusos não recebem qualquer alimento. Os consumidores de heroína passam por uma provação difícil, especialmente durante a primeira metade do mês: têm de suportar duas semanas de vómitos e diarreias frequentes antes de se sentirem quase normais. Após a libertação, todos os reclusos que consumiam estupefacientes regressam ao vício, sem excepção.”

Trilogia humanitária

Além destas imagens, há a possibilidade de visualizar um vídeo, de 28 minutos, com diversos projectos fotográficos de Lu Nan, e que fazem parte de uma série a que o próprio chamou de “Trilogia”. O vídeo é composto por 225 fotografias, em que a primeira parte contém o projecto “The Forgotten People” (1989-1990), sobre a doença mental na China, com 56 fotografias. Segue-se “On the Road” (1992-1996), sobre a Igreja Católica na China, que contém 60 imagens, e ainda “Four Seasons (1996-2004), sobre a vida diária dos camponeses Tibetanos, com 109 fotografias.

Neste vídeo espelha-se a “Trilogia”, realizada entre os anos de 1989 e 2004, que “mais do que um conjunto de séries fotográficas, é uma meditação visual sobre a condição humana”, tratando-se de “três capítulos, três mundos, três formas de resistência”, descreveu João Miguel Barros, também ele fotógrafo e curador.

Para Barros, Lu Nan, nascido em 1962, é “hoje uma figura incontornável da fotografia chinesa”, com uma obra que se distingue “não pela quantidade, mas pela densidade”. A primeira série, “The Forgotten People”, explora a realidade dos hospitais psiquiátricos na China, sendo também “uma viagem pela doença mental no interior da China”, verificando-se “abandono, mas também dignidade”.

Segue-se “On The Road”, em que o fotógrafo chinês acompanhou comunidades católicas no país. “O terceiro e último capítulo, ‘Four Seasons’ (1996-2004), é uma ode à vida dos camponeses tibetanos. Durante oito anos, Lu Nan acompanhou o ciclo das estações, os rituais budistas, o trabalho agrícola, a intimidade das famílias. Aqui, a espiritualidade não é clandestina, é integrada. A vida é dura, mas vivida de forma plena”, descreve João Miguel Barros no catálogo da exposição.

As imagens das prisões da Birmânia também pertencem a esta trilogia. “No conjunto das 63 fotografias que constituem o projecto, vimos homens acorrentados, corpos marcados pela dependência, olhares vazios. Mas também momentos de cuidado, de partilha, de humanidade. Mais uma vez Lu Nan não julga: observa, escuta, revela. Este projecto é um epílogo sombrio da Trilogia – um retorno do paraíso ao inferno, agora marcado pela violência estrutural do narcotráfico e do encarceramento”, descreve João Miguel Barros.

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