O retrato de Li Xiangjun com leque redondo na mão

Hou Fangyu (1618-1655) passou a sua juventude em Pequim, mas em 1639 foi fazer os exames imperiais a Nanquim e, tendo falhado devido ao modo crítico como se expressou no ensaio da prova, retornou ao Norte num desatinado vaivém entre o Sul e o Norte que acompanhou o acelerado crepúsculo da dinastia Ming, envolta em corrupção e laxismo.

Frequentando o sofisticado mundo literário da época, Hou Fangyu encontrou um dia em Nanquim, na margem do rio Qinhuai, numa casa chamada Meixiang Lou, onde se encontravam literatos com as chamadas geji, cantoras, dançarinas dedicadas à música, uma fascinante rapariga ainda com dezasseis anos e de múltiplos talentos, conhecida como Li Xiangjun, que no futuro seria associada às Qinhuai bayan, as «Oito belezas de Qinhuai» e entre eles nasceria uma relação que, tal como a dinastia, estava destinada ao fracasso.

Ela vinha de uma família de letrados em decadência vítima, como tantos outros, do despótico eunuco Wei Zhongxian (1588-1627). Logo no início do casamento Hou Fangyu ofereceu à sua noiva um objecto que, como um dispositivo independente da vontade, seria capaz de desencadear a memória nostálgica de momentos perdidos e felizes do passado. Nesse objecto, um tuanshan, um leque redondo rígido emoldurando um círculo de seda com um cabo de marfim, ligado à noção de união, Hou escreveu um poema para ela.

No meio da turbulência dos dias, Hou Fangyu foi forçado a ausentar-se e a noiva obrigada a viver com outro homem. Algo a que ela se negou, tentando o suicídio e no processo manchando de sangue o seu querido leque.

O pintor Yang Yuncong (1597-1645), em vista do sucedido, contornou com um pincel as manchas de sangue, delas fazendo flores de pessegueiro. O leque e essas flores cor-de-rosa e avermelhadas que desabrocham antes das folhas, e por um período breve, estão no título da peça musical Taohua shan, escrita por Kong Shangren (1646-1718), que eternizaria o intranquilo tempo da transição no fim dos Ming, figurado na fragilidade de uma relação de emoções exacerbadas.

Cui He (1800-1850), um pintor dos fins da dinastia Qing, recordaria a inspiradora Li Xiangjun num retrato imaginado, debruçada sobre uma janela circular com as cortinas levantadas (rolo vertical, tinta e cor sobre papel, 52,4 x 124,5 cm, no Metmuseum). Atrás dela é possível observar no seu gineceu; um espelho também redondo, um livro sobre a mesa, roupas sobre uma cadeira.

Em redor da janela, por cima, um salgueiro, alusão à saudade em baixo, ramos de flores brancas possivelmente meihua, traduzidas habitualmente como flores de ameixieira, que também podem ser designadas como li, o seu nome de família.

Só ultrapassa o círculo da janela, uma parte da manga do vestido e uma parte do leque redondo na sua mão, despontando das suas vestes pintado com o ramo de pessegueiro que fora manchas de sangue.

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