China-Europa | José Sales Marques defende que estratégia de segurança económica da UE é “exagerada”

O economista José Sales Marques defende que a actual estratégia de segurança económica levada a cabo pela União Europeia tem como principal alvo a China e que contém laivos de “exagero”, além de que o posicionamento da Comissão Europeia estará muito além das responsabilidades que cabem aos Estados-membros nesta matéria. Sales Marques defende um maior debate público sobre como deve ser a relação entre Bruxelas e Pequim

 

“A Política Económica e de Segurança da União Europeia (UE) e suas consequências no relacionamento com a República Popular da China (RPC)” foi o tema que o economista José Sales Marques levou recentemente às Conferências da Primavera do Centro Científico e Cultural de Macau (CCCM), em Lisboa.

Ao HM, o ex-presidente do Instituto de Estudos Europeus de Macau (IEEM) diz ser fundamental pensar melhor a relação da UE com a China e debater publicamente o impacto da nova Política Económica e de Segurança da UE, apresentada em Junho de 2023, com a agregação, em Janeiro deste ano, de um conjunto de medidas e propostas neste âmbito.

“Penso que não é segredo para ninguém que esta estratégia tem como alvo principal a China. Não ponho de parte que em alguns aspectos esse alvo seja também a Rússia, mas a UE não tem com Moscovo um comércio regular nem uma cooperação multifacetada do ponto de vista económico como tem com a China. A questão que levanto é se a UE não está a criar riscos a si própria ao encetar uma política dessas”, começou por dizer.

Para Sales Marques, “há a ideia de que a Comissão Europeia está a colocar o pé longe demais e a entrar em áreas que são da competência dos Estados-membros. Trata-se de aspectos de segurança que são da responsabilidade dos Estados-membros e há questões que mereciam maior debate.”

Neste sentido, o responsável não deixou de alertar para a aproximação das eleições europeias, este Verão. “Como as eleições europeias estão próximas, já não será a actual Comissão Europeia a propor esta legislação [sobre a segurança económica], mas sim a próxima. A questão é até que ponto tudo isto é minimamente debatido ao nível da própria opinião pública europeia. Não acho que seja. Nas eleições portuguesas, pelo que vi e li, praticamente não se discutiu política externa. O mesmo irá acontecer nas eleições europeias, porque praticamente não se debatem [em Portugal] políticas da UE, mas sim política nacional”, disse.

Medidas em causa

Sales Marques deu como exemplo de medidas subjacentes a esta nova política de segurança económica de Bruxelas a monitorização dos investimentos estrangeiros na UE.

“Nem todos os países dispõem dessa lei, por se tratar de uma competência nacional, mas propõe-se essa monitorização, que não se destina apenas à China, mas que faz a triagem do investimento feito por outros países. A questão que aqui se coloca é que os investimentos gerados dentro do espaço europeu venham a ser monitorizados apenas porque, segundo a Comissão Europeia, as empresas sejam dominadas por determinados capitais estrangeiros, ou mesmo quando haja investimentos em áreas sensíveis, as chamadas áreas de dupla utilização, seja civil ou militar.”

O ex-presidente do IEEM questiona “a quem compete monitorizar esses investimentos”, tratando-se de algo “que nunca foi feito” e que “deverá ser da competência dos Estados-membros”.

Foi também apontado o exemplo de que, segundo as novas medidas, possam ser levantadas restrições ao nível da cooperação científica ou académica com a China. “Em termos gerais, se por iniciativa ou vontade de alguém se levantarem problemas em projectos de cooperação conjunta com a China, isso poderá acontecer, porque poderão ser encontradas certas vírgulas ou palavras que permitirão criar algumas restrições. Isso levanta-nos um problema de fundo, que é a avaliação do risco que a China representa para a UE. Acho que há um exagero nessa avaliação”, apontou.

O impacto negativo

Sales Marques destaca que “a China não considera a UE como uma ameaça em termos estratégicos” e que Pequim até coloca “certas áreas da sua indústria fechadas a capitais estrangeiros”, tratando-se de “uma medida de cuidado [do país] que tem a ver com a segurança nacional”.

“Também não ponho em causa a legitimidade da UE de repensar estas questões. Temos de compreender que a UE está numa situação de guerra, com a existência de tensão geopolítica, e percebemos que a UE está a tentar recuperar certas indústrias que perdeu.”

Contudo, o economista fala dos impactos negativos que este posicionamento de Bruxelas pode trazer no relacionamento com Pequim. “Pode-se discutir uma certa regressão, e estamos a ver o regresso a um certo proteccionismo, relacionado com a política industrial que a UE está a tentar pôr de pé, nomeadamente a França. Mas tal também se deve ao facto de a UE querer desenvolver a sua indústria de armamento.”

“Que relação quer a UE ter com a China?”, questionou. “Tudo isto me parece acontecer sob pressão da NATO e EUA, e também devido a várias vozes muito fortes dentro da própria UE, alguns Estados e até dentro da própria Comissão. Esta questão também se coloca em relação a Portugal, se o país deve alinhar [nesse posicionamento da Comissão] ou que tipo de crítica deve fazer.”

Para Sales Marques, existe o receio de que “o exacerbar dessas medidas venha a cortar muitas pontes que existem com a China”, criando-se “uma situação geopolítica complicada”, sobretudo tendo em conta o aproximar das eleições presidenciais nos EUA e a escalada ao poder de Donald Trump. De frisar que, durante o seu mandato, o mundo acompanhou a intensificação de uma guerra comercial com a China.

“Estão a chegar as eleições do outro lado do Atlântico, e depois? E se o resultado for desfavorável para a Europa? [Com a vitória de Trump]. A China é sempre um parceiro com quem a UE pode contar”, frisou.

O “estranho processo” da Huawei

Confrontado ainda com o facto de Portugal não integrar a nova lista de países europeus isentos de visto para a entrada na China, Sales Marques diz que não está em causa uma eventual retaliação de Pequim devido à posição portuguesa face à Huawei e o leilão da rede 5G, processo que diz ter sido “estranho e nebuloso”.

“Como português que vive em Macau seria extremamente útil que estivéssemos isentos de visto para a China, nem que fosse apenas por 15 dias. A China terá o seu critério para abrir a lista [dos países isentos de visto], e parece que o está a fazer gradualmente. Portugal não fez parte dos dois primeiros grupos, mas a Grécia também não, e é um país amigo da China. A própria Hungria só surgiu no segundo grupo de isenção de vistos. Acho que há espaço para que Portugal venha a fazer parte da lista de países isentos de visto, e não vejo que haja uma ligação [ao caso da Huawei]. Até porque Portugal “tem tido posições mais flexíveis, amigáveis e simpáticas do que alguns países que tiveram a isenção de visto”, lembrou Sales Marques, falando do caso da Holanda, que chegou a proibir a exportação de equipamentos de produção de chips para a China, e fez parte do primeiro grupo de países isentos de visto.

“É muito cedo para fazer balanços”, diz Sales Marques

José Sales Marques tem sido, nos últimos anos, um dos rostos da comunidade macaense fervorosamente dedicados ao funcionalismo público e a tantas outras actividades do foro cultural e académico. No passado dia 29 de Fevereiro decidiu não se recandidatar a mais um mandato como presidente do Instituto de Estudos Europeus de Macau (IEEM), devido “ao desejo de se aposentar”, conforme descreveu numa carta enviada a uma amiga e colaboradora, e partilhada com o HM.

Nessa carta, Sales Marques descreve os 22 anos de trabalho no IEEM e a oportunidade de ter conhecido “tantos governantes, parceiros, colegas, estudantes e membros do público cujo apoio e amizade significaram muito para mim e contribuíram para transformar a minha carreira numa experiência verdadeiramente agradável e diversificada”.

Ao HM, Sales Marques confessa ser ainda “muito cedo para fazer balanços”, esperando agora poder “contribuir através da vida associativa” para se manter ocupado, tendo em conta os “muitos e diversos interesses em áreas em que trabalhei no passado”.

Causas públicas

Entre o desejo de se dedicar à família e a pensar num doutoramento, algo que faria apenas por “satisfação pessoal”, José Sales Marques pretende dedicar-se, a curto prazo, à organização da edição deste ano do Encontro das Comunidades Macaenses, que se realizará em Macau, pela primeira vez de forma presencial, desde a pandemia.

“Vai ser um grande projecto para organizar e vou precisar de muito tempo e energia para, em conjunto com a minha pequena, mas dedicada equipa, garantir o seu sucesso em termos organizacionais.”

Formado em economia em Portugal, José Sales Marques regressou à sua terra natal para, aí, desenvolver uma longa carreira, que começou em 1983 quando se tornou funcionário público na Direcção dos Serviços de Turismo, onde permaneceu durante dez anos, assumindo funções de sub-director entre os anos de 1993 e 1999. Depois, foi presidente da antiga Câmara Municipal de Macau / Leal Senado entre 1993 e 1999, incluindo da Câmara Municipal Provisória no período após a transição da administração, entre os anos de 2000 e 2001. Além do IEEM, José Sales Marques esteve ligado à Fundação da Escola Portuguesa de Macau, preside ainda ao Conselho das Comunidades Macaenses e pertence à comissão organizadora do Festival Internacional de Curtas-Metragens de Macau. No total, Sales Marques esteve 42 anos dedicado à causa pública.

Subscrever
Notifique-me de
guest
0 Comentários
Inline Feedbacks
Ver todos os comentários