Contrabando de bilhetes da lotaria

Sofia Margarida Mota

A 21 de Setembro, os jornais de Hong Kong noticiaram que os Serviços Alfandegários tinham levado a cabo uma operação marítima anti-contrabando e interceptado uma embarcação, onde foram encontrados bilhetes do Jogo de Lotaria Mark Six, referentes à extracção que seria realizada no dia seguinte, 22 de Setembro.

Na embarcação, estavam cerca de 16.000 bilhetes, que continham apostas no valor de 330.000 dólares de Hong Kong. Os Serviços Alfandegários acreditam que estes bilhetes se destinavam a ser revendidos fora da cidade.

Depois de verificadas as imagens das câmaras de vigilância, percebeu-se que os bilhetes tinham sido comprados por uma mulher no Hong Kong Jockey Club.

Um bilhete de lotaria é só um pedaço de papel e não tem valor por si só. As pessoas que compram bilhetes de lotaria esperam ter a oportunidade de vir a ganhar, ou seja, compram esperança com dinheiro. Jogo é jogo, podemos ganhar ou perder. Se ganharmos, ficamos felizes. Se perdermos, acabámos por contribuir para o valor do prémio do vencedor. Se vale ou não a pena jogar é uma questão pessoal e não pode ser generalizada. O princípio “varia de pessoa para pessoa, e saber quando parar” rege a forma responsável de lidar com o jogo.

As notícias também afirmavam que os Serviços Alfandegários, em colaboração com o Hong Kong Jockey Club, verificaram o lote de bilhetes apreendidos. Do total, 600 tinham sido premiados, num montante de cerca de 70.000 dólares de Hong Kong. Depois da notícia ter sido publicada, os internautas publicaram diversos comentários:

“apostaram tanto, mas mesmo assim perderam”;

“Se comprarmos 500 bilhetes, podemos ganhar apenas 40 dólares.”

“O grande vencedor é o Hong Kong Jockey Club”.

A notícia salientava também que o contrabando terá sido feito devido ao valor muito elevado do prémio da Lotaria Mark Six dessa semana. O primeiro prémio da extracção de 22 de Setembro foi de 24 milhões. Se estes bilhetes fossem levados para ser vendidos noutro local, acredita-se que cada um podia render 4 a 13 dólares de Hong Kong. Em 16.000 bilhetes, o grupo podia vir a obter um lucro de 200.000 dólares.

Os bilhetes não puderam ser vendidos devido à intervenção dos Serviços Alfandegários, mas esta questão acabou por ser levantada. Os bilhetes da lotaria são provas e têm de ser entregues ao tribunal para corroborar a actividade contrabandista. No entanto, como alguns dos bilhetes foram premiados, deverão os Serviços Alfandegários reclamar os prémios?

Na notícia, podia ler-se que os Serviços Alfandegários vão pedir conselho jurídico ao Departamento de Justiça de Hong Kong para ver se podem ou não reclamar os prémios. No momento em que escrevia este artigo, ainda não tinha sido adiantada mais nenhuma informação. Ainda não se sabe se os Serviços Alfandegários vão reclamar os prémios e se isso será ou não legal, pois depende de vários factores.

Em primeiro lugar, em Hong Kong é legal comprar bilhetes de lotaria. Quando a embarcação foi interceptada, os bilhetes estavam a bordo para serem transportados para fora de Hong Kong. É legal expedir bilhetes de lotaria para fora de Hong Kong? Este acto tem de ser ilegal, e daí os Serviços Alfandegários terem apreendidos os bilhetes para serem entregues como prova perante o tribunal.

Em segundo lugar, se é ilegal expedir bilhetes de lotaria para fora de Hong Kong, então, a mulher que os comprou não terá direito a levantar os prémios? Ou perderá os seus direitos por estar envolvida em actividades contrabandistas? Quando é que os seus direitos de propriedade deixaram de existir? Terá sido no momento em que os bilhetes foram colocados no barco?

Em terceiro lugar, os Serviços Alfandegários passaram a ser proprietários dos bilhetes no momento em que a mulher o deixou de ser? Só depois de ter sido decidido quem detém os direitos de propriedade sobre os bilhetes, se pode saber que tem direito a reclamar os prémios, se o Governo de Hong Kong ou a mulher que os comprou.

Idealmente, as respostas a estas três perguntas seriam encontradas na legislação de Hong Kong. Se não houver resposta adequada na lei, a resposta só pode ser encontrada através dos tribunais.

O Departamento de Justiça de Hong Kong é o conselheiro jurídico do Governo de Hong Kong. Vai certamente lidar com o caso correctamente e considerar todas as questões cuidadosamente. Uma coisa é certa, se o grupo de contrabandistas queria trazer os bilhetes para Macau para aqui os vender, estava a cometer uma acto decididamente ilegal. Nos termos do artigo 10 da Lei No. 8/96/M – Lei sobre o Jogo Ilegal, vender bilhetes de lotaria não licenciados é uma transgressão e o transgressor deve ser punido com uma pena até dois anos de prisão ou com uma multa.

Este caso faz-nos pensar sobre os direitos de propriedades e de reclamação de prémios de bilhetes contrabandeados, mas também serve para nos lembrar que bilhetes de lotaria não licenciados não podem ser vendidos em Macau.

 

Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau
Professor Associado da Escola Superior de Ciências de Gestão/ Instituto Politécnico de Macau
Blog: http://blog.xuite.net/legalpublications/hkblog
Email: legalpublicationsreaders@yahoo.com.hk

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