O governo inactivo

O governo de Hong Kong resolveu diminuir os dias de quarentena obrigatória para quem entra na cidade de 21 dias para 14. Imediatamente, o governo de Macau veio a terreiro sublinhar que por aqui tudo continuaria na mesma, ou seja, três semanas num hotel definido pelas autoridades, sem possibilidade de escolha para quem regressa da Europa.

Não debaterei aqui a cientificidade destas diferentes escolhas e posturas exactamente porque não sou cientista. Aliás, o combate ao covid-19 em Macau tem-se saldado por um grande sucesso. Aparentemente. E aparentemente porque a doença não se combate apenas através de uma política de zero casos mas, sobretudo, criando condições para que a doença não encontre modo de se propagar com resultados mortais ou graves para os seres humanos.

E que condições são estas? Parece ser já corrente na comunidade científica e na maior parte dos países que a condição fundamental para sair deste pesadelo é a vacinação. De facto, as vacinas têm transformado, na maior parte dos casos, aquilo que era uma doença mortal ou grave, numa gripe que não obriga a internamentos e que desaparece ao fim de alguns dias. É por isso que países como a França, a Alemanha ou a Áustria tomaram medidas que, praticamente, tornam a vacina obrigatória, quando não mesmo compulsiva. Quem não estiver vacinado não deveria entrar em restaurantes, em supermercados, em transportes públicos, em concertos, em edifícios públicos, etc..

E, neste ponto, a acção (ou melhor, a não-acção) do governo de Macau surge aos olhos de muitos como incompreensível e mesmo difícil de aceitar tendo em conta as dificuldades que a maior parte das gentes deste território atravessa devido à actual situação. O covid-19 só será derrotado, como o foi a poliomielite por exemplo, através da vacinação. Qualquer outra esperança não terá quaisquer resultados pois o vírus continuará sempre a espalhar-se até não encontrar lugar onde se estabelecer, ou seja, no corpo dos não-vacinados.

A inacção do governo de Macau em relação às vacinas vai fazer com que o problema por aqui nunca acabe. Ho Iat Seng deu o exemplo e foi dos primeiros a ser vacinado, mas o seu exemplo não foi seguido, o que também pode significar que a população não confia inteiramente nem nas vacinas nem no Chefe do Executivo. Não houve uma campanha decente, nem indecente. Não houve o cuidado de pôr as associações a contribuir para a vacinação. Não se criou uma onda de responsabilização cívica que levasse as pessoas a vacinarem-se. E, sobretudo, não se dificulta a vida aos não vacinados com medidas efectivas.

Não me venham com discursos sobre a liberdade de cada um. Esta acaba onde começa a liberdade dos outros, que têm o direito de não serem contagiados e de quererem retomar a sua vida normal. Como todos sabem, felizmente existem vacinas obrigatórias para frequentar as escolas e ninguém se abespinha. Graças a elas, muitas doenças foram erradicadas e muitos dos que não se querem vacinar estão hoje vivos.

No dia em que Macau abrir as suas portas ao mundo, o covid-19 aqui entrará alegremente. E essa alegria decorre do facto de encontrar imensos corpos não vacinados. Enquanto o governo da RAEM não tomar medidas mais severas, muita gente entende que não se deve vacinar. Por quê? Na maior parte dos casos, por mero provincianismo, noutros por egoísmo, mas a maior parte porque não vê vantagens nisso. E dizem: “Eu não penso sair de Macau, porque me hei-de vacinar?” Como se a questão fosse individual e não colectiva. E o governo, que tanto defende que os direitos colectivos se devem sobrepor aos individuais, neste caso fica de braços cruzados à espera que passe. Assim, não passará.

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