Cinema espiritual: Red Cliff de John Woo

O Cinema é um formato belo e único. É simultaneamente um jogo e um transformador desse mesmo jogo. Nesta série, a autora e pensadora visual, Julie Oyang, apresenta 12 realizadores chineses, as suas obras e as suas invenções estéticas, que acabam por se revelar as invenções estéticas de antigos filósofos.

 

John Woo é um realizador imensamente prolífico, além de escritor e produtor. Realizou 37 filmes desde a sua estreia em 1968. Embora tenha nascido na China continental, Woo estava mais associado à indústria cinematográfica de Hong Kong quando ingressou em Hollywood. O mestre dos filmes de acção é também conhecido pela elaboração e pelo realismo que põe em cada cena. No entanto, a sua segunda carreira nos Estados Unidos frustrou-o e, já há muito tempo, decidiu voltar às películas de temática chinesa. O seu filme Red Cliff  ilustra uma batalha épica travada durante a guerra que teve lugar há 18 séculos.

Red Cliff não é um filme de Hong Kong estilisticamente promíscuo, embora – inevitavelmente – seja um filme de época que retrata um romance célebre. Red Cliff não parece ser suficientemente avassalador e caótico para nos fazer evocar a lama, o sangue e o terror de um cenário de combate. Enquanto escrevo estas palavras, sinto que, de alguma forma, há algo que me escapa. Esta saga com milhares de figurantes, que se concentra apenas em quatro personagens, não pretende alcançar o espectáculo da guerra nem um estilo artístico extravagante, à la Zhang Yimou.

A história baseia-se em acontecimentos reais. Cao Cao, o desagradável primeiro-ministro do Império Han (séc. III DC), tinha ambição de conquistar dois pequenos reinos. Nesse sentido, enviou uma armada através do rio Yangtze para atacar os governantes desses territórios, Liu Bei e Sun Quan, que desempenham papéis secundários no filme. A aliança crucial contra Cao Cao foi estabelecida entre os dois líderes estratégicos, Zhuge Liang e Zhou Yu. A quarta personagem principal é a bela Xiao Qiao, mulher de Zhou Yu. Cao Cao há muito que cobiçava Xiao, e por isso ela é a opção lógica para desviar as atenções do invasor, enquanto Zhuge e Zhou preparam o contra-ataque final.

Entretanto, vamos assistindo ao bramir das espadas em câmara lenta, à recitação de poesia, à caligrafia, à cerimónia do chá, e pombas que representam a paz celestial no meio da carnificina terrena. Assistimos ainda ao surgimento de uma intensa e espirituosa amizade masculina durante um dueto de cítara. Depois de terem chegado a um entendimento, os dois estrategas começam a planear as duas grandes linhas de acção do filme. Na primeira, usam “a formação tartaruga” para repelir e finalmente cercar os soldados de Cao Cao, em número superior. A segunda linha de acção envolve barcos, fogos e uma mudança oportuna da direcção dos ventos. Zhuge revela-se um metereologista com um conhecimento de primeira sobre o comportamento e a natureza dos ventos.

Considerado o filme chinês mais caro de sempre, Red Cliff impressiona pela amplitude, escala e precisão. Todo o aparato do filme lembra-me um jogo Go no mundo real.

O Go é mais simples que o xadrez e no entanto mais complexo. Mais simples porque todas as peças são iguais, embora existam peças brancas e peças pretas. Neste jogo as peças não se movem através do tabuleiro. Aqui, o Go, como um sistema bem equilibrado que tivesse uma falha, permite que um jogador mais forte (Cao Cao) jogue em pé de igualdade com um jogador mais fraco (Aliança Zhuge & Sun Quan) e que seja vencido.

Red Cliff é suficientemente grandioso para entreter, mas emocionalmente distante e pouco profundo para chegar a ser emocionante. A narrativa também parece estar mais focada na táctica militar do que na dinâmica do desenvolvimento das personagens, nas batalhas psicológicas ou na dimensão moral. Woo tenta ser um pioneiro do espiritualismo – mostrar o “coração” oriental ou o “coração” chinês, por assim dizer – o que pode acabar por ser uma forma entediante, mas bastante aventureira de fazer cinema.

  • A não perder: The Killer (1989), Face/Off (1997), Red Cliff: Parte 1 (2008), Red Cliff: Parte 2 (2009)
    Citações famosas de John Woo para reter
  • Posso usar o cinema como uma linguagem. Não só posso enviar uma mensagem positiva, como posso transmitir às pessoas o que penso, como vejo o mundo, como vejo a cor, como vejo a música, como vejo todas as coisas.
  • Os filmes que gosto de fazer são muito ricos e repletos de paixão. Algumas pessoas vêem-me como um realizador de filmes de acção, mas a acção não é o único elemento dos meus filmes. Gosto sempre de mostrar a natureza humana – qualquer coisa de profundo dentro do coração.
  • Também quero que as pessoas saibam que na verdade o futebol começou na China há cerca de 3.000 anos.
  • Penso que fui rotulado em Hollywood como realizador de filmes de acção, por isso só me davam argumentos desse género.
  • Os meus filmes têm sempre a ver com a família, a amizade, a honra e o patriotismo.

 

Julie Oyang é uma autora de naturalidade chinesa, artista e argumentista. É ainda colunista multilingue e formadora em criatividade. As suas curtas metragens foram selecciondas para o Festival de Vídeo de Artistas Femininas e também para a Chinese Fans United Nations Budapest Culture Week. Actualmente, é professora convidada da Saint Joseph University, em Macau. Gosta especialmente de partilhar histórias inesperadas, contadas a partir de perspectivas particularmente distintas. Divide a sua vida entre Amsterdão, na Holanda, e Copenhaga, na Dinamarca.

Writer | Artist | Namer of clouds
www.julieoyang.com | Instagram: _o_writes

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