Eleições | Maior abstenção desde 1992 é sinal de “desalento” face a desqualificações

A elevada abstenção nas eleições legislativas de domingo, a maior desde 1992, é tida pelos analistas como um sinal de descontentamento dos eleitores face à desqualificação de candidatos do campo democrata. Miguel de Senna Fernandes parabeniza Coutinho e lamenta saída de Agnes Lam

 

Numas eleições para a Assembleia Legislativa (AL) marcada pela desqualificação de candidatos do campo democrata, a grande vitória foi para a lista liderada pelo deputado Si Ka Lon, ligada a Fujian, e para o deputado José Pereira Coutinho, que conseguiu eleger o seu número dois. No entanto, os analistas contactados pelo HM preferem destacar a elevada abstenção, de 57,62 por cento, como um sinal de descontentamento dos eleitores face à reviravolta que retirou da corrida eleitoral nomes como Sulu Sou, Ng Kuok Cheong e Au Kam San, entre outros. Este domingo apenas 42,38 por cento do eleitorado acorreu às urnas, num total de 137.279.

“Era de esperar [a abstenção], porque é talvez uma manifestação de um certo desalento”, disse Miguel de Senna Fernandes. “Havia vozes contra e [o panorama político] já não excita assim tanto. A ala democrata ficou completamente arredada e os eleitores ficaram sem essa alternativa. É de prever que o Coutinho tenha arrecadado alguns votos daí, porque as pessoas também se reviam na sua voz crítica.”

Para Camões Tam, a principal razão para tal abstenção prende-se com “a desqualificação dos candidatos do campo democrata”, porque, em 2017, obtiveram mais de 30 mil votos.

“A maior parte desses eleitores não foram votar desta vez. Depois o tempo não esteve bom, com muito calor e cada pessoa que ia votar era verificada pelas autoridades devido à covid-19, o que causou algum incómodo, sobretudo aos mais velhos. Muitos idosos não foram votar”, justificou.

Tong Hio Fong, presidente da Comissão para os Assuntos Eleitorais da Assembleia Legislativa (CAEAL), atribuiu à pandemia e ao mau tempo as culpas pela elevada abstenção.

Parabéns ao Coutinho

Miguel de Senna Fernandes destacou a vitória de Pereira Coutinho. “Estamos numa época especial, e o facto de ele conseguir eleger dois deputados é uma vitória. Podemos não concordar com todas as suas ideias, mas tem um percurso político que é de admirar. Ele estava com algum receio e tinha razões para isso, mas aproveitou o melhor possível todas as circunstâncias. É um animal político e fez o que tinha de fazer.”

O presidente da Associação dos Macaenses acredita que muitos eleitores da comunidade portuguesa optaram por votar na lista Nova Esperança. “Estamos numa época especial marcada pela pandemia e há um novo contexto sociopolítico em que a comunidade vive. É muito importante ter alguém que intervenha em português na AL. Muitos dos que não votavam no Coutinho podem ter votado nele desta vez.”

O advogado lamenta, contudo, a saída de Agnes Lam, que não chegou sequer aos quatro mil votos. A soma dos votos brancos e nulos [5.223] foi superior ao resultado da lista da académica.

“Não é surpreendente a saída de Agnes Lam. Tenho alguma pena porque ela teria sido uma voz diferente em relação ao campo mais tradicional e dito mais radical. Situava-se no meio e era uma alternativa e uma voz que ganhava simpatias junto dos profissionais livres. Mas o projecto não vingou assim tanto, faltou a projecção [da lista]. A política em Macau faz-se de forma especial e são necessárias muitas alianças e compromissos.”

Camões Tam não faz especiais comentários sobre a saída da académica da Universidade de Macau nem sobre a estreia de Ron Lam U Tou, líder da Poder de Sinergia. “Os resultados das eleições são muito influenciados pelas políticas do Governo Central e por outras circunstâncias. A maior influência para estas eleições foi a nova política de Pequim em relação a Macau.”

A lista Associação dos Cidadãos Unidos por Macau, ligada à comunidade de Fujian, obteve uma vitória esmagadora e elegeu três deputados (Si Ka Lon, Song Pek Kei e Lei Leong Wong), à semelhança dos resultados das eleições de 2013.

“Desde os tempos de Chan Meng Kam [empresário e ex-deputado] que a comunidade se tem consolidado. É um bloco que a política de Macau não pode ignorar. Vemos a consolidação da sua posição política e isso é para continuar, porque é uma força alternativa aos tradicionais moradores e operários”, rematou Miguel de Senna Fernandes.

Para o jurista António Katchi, a desqualificação dos candidatos do campo pró-democrata levou à “redução significativa da participação eleitoral e o aumento da votação, como solução de recurso, na Nova Esperança”. Quanto à desqualificação da lista liderada por Cloee Chao, “terá provavelmente contribuído para o crescimento eleitoral da Nova Esperança” e da União para o Desenvolvimento, que levou à reeleição dos deputados Ella Lei e Leong Sun Iok.

Quanto ao projecto político de Agnes Lam, “terá certamente deixado de parecer útil a uma parte dos eleitores que nele votaram em 2017”.

Entretanto, o Conselho de Estado para os Assuntos de Hong Kong e Macau deu os parabéns à RAEM pela realização de eleições de forma pacífica. Segundo a Xinhua, o porta-voz deste organismo destacou o facto de os residentes terem participado “de forma activa” neste acto eleitoral, tendo exercido o direito de voto “de acordo com a lei”, o que demonstra uma boa implementação da política “Um País, Dois Sistemas” no território.

O Conselho de Estado referiu ainda que as eleições decorreram de acordo com a Lei Básica e a lei eleitoral. Os resultados revelam a concretização do princípio “patriotas a governar Macau”, com uma “ampla participação de eleitores de todos os estratos e sectores da sociedade de Macau”. O processo eleitoral foi “justo, imparcial, aberto, limpo e decorreu de forma ordenada”, acrescentou o porta-voz.

Na mesma nota, o Conselho de Estado diz esperar que os deputados eleitos cumpram o mandato “com a confiança dos residentes” e “apoiem de forma activa o Governo da RAEM na governação baseada na lei”.

Eleições | Votos inválidos com carimbos e palavras escritas

Durante a sessão de reconfirmação dos 2.082 votos nulos que resultaram das eleições de domingo, a Comissão de Assuntos Eleitorais da Assembleia Legislativa (CAEAL) revelou que entre os boletins inválidos estão alguns como selecção de múltiplas listas, rabiscos e a redacção de palavras de protesto ou o nome de candidatos excluídos das eleições por não serem fiéis à Lei Básica e a Macau.

Segundo o canal chinês da TDM-Rádio Macau, após análise, cinco boletins de voto (quatro do sufrágio directo e um do sufrágio indirecto) considerados inicialmente como nulos, foram reclassificados como válidos. Recorde-se que no rescaldo das eleições que teve uma taxa de participação de 42,38 por cento e de abstenção de 57,62 por cento, registaram-se 3.141 votos em branco e 2.082 nulos, que somados representaram 3,8 por cento de todos os votos.

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