Contratempos da Vacina (II)

A semana passada, analisámos cinco vacinas contra a covid-19 e algumas reacções alérgicas que eventualmente podem provocar, como paralisia facial e outras reacções adversas. Como é impossível provar cientificamente que estas reacções estejam directamente relacionadas com a toma da vacina, não se pode afirmar com cem por cento de certeza que exista uma relação causa efeito. No entanto, é necesssário ter muito cuidado antes de tomar a vacina. Os pacientes devem ter conhecimento da sua história clínica, e os médicos devem estar preparados para a eventualidade de uma reacção alérgica. Após a vacinação, é preciso haver um certo resguardo e esperar algum tempo para garantir que não sobrevêm quaisquer sintomas negativos.

Em média, são necessários mais de dez anos para desenvolver uma vacina, mas estas levaram apenas dez meses a ser criadas, produzidas e administradas. Se estas vacinas garantirem protecção num período entre 3 a 5 anos, só no final deste intervalo de tempo se poderá ter um conhecimento mais aprofundado do seu funcionamento. Até lá, não podemos saber ao certo a sua eficácia, nem quais serão os efeitos secundários. Uma vacina desenvolvida em tão pouco tempo vai deixar uma série de questões em aberto.

A responsabilização legal dos produtores das vacinas é outro assunto que merece a nossa atenção. O tempo recorde em que estas vacinas foram produzidas deu margem para os laboratórios poderem estudar as reacções adversas que podem eventualmente desencadear? Até que ponto é que estas reacções adversas podem prejudicar a saúde a médio e longo prazo? Os laboratórios farmacêuticos não têm respostas para estas perguntas. Onde reside a sua responsabilidade legal?

O fabricante tem a responsabilidade de garantir que o seu produto não provoca reacções adversas. Se a vacina provoca uma reacção negativa e quem a recebe precisa de tratamento médico, estão criadas as condições para um processo legal. A pessoa prejudicada pode pedir uma indemnização ao laboratório. A responsabilização legal dos fabricantes varia de país para país. Em situações de emergência, os Governos desobrigam os fabricantes da responsabilidade legal. O Reino Unido é disso exemplo.

O Reino Unido garantiu protecção legal aos laboratórios farmacêuticos, para evitar que possam ser alvo de processos na sequência da administração das vacinas. Esta protecção é alargada ao pessoal de saúde e aos fabricantes de medicamentos. Ruud Dobber, administrador sénior do AstraZeneca, um laboratório farmacêutico britânico, deixou bem claro que é impossível os laboratórios responsabilizarem-se pelos efeitos secundários das vacinas muitos anos após a sua administração. Desta forma, em todo o lado, os laboratórios devem estar a debater esta questão e a solicitar a protecção dos respectivos Governos.

O Governo de Hong Kong declarou que pode desobrigar os laboratórios das suas responsabilidades legais no que respeita a esta vacina.  Carrie Lam, a Chefe do Executivo da Região Administrativa Especial de Hong Kong, afirmou também que se o Governo não aceitar as condições colocadas pela indústria farmacêutica, vai ser muito difícil adquirir vacinas. A União Europeia também declarou que a responsabilidade do produto tem estado no centro das negociações com a indústria farmacêutica.

O Public Readliness and Emergency Preparedness Act 2005 dos Estados Unidos estipula que um produto que seja usado para controlar uma crise de saúde pública, pode ficar isento de processos legais. O National Childhood Vaccine Injury Act 1986 dos EUA também estipula que se alguém se sentir lesionado após ter recebido uma vacina, pode apresentar queixa contra o Secretário do Departamento de Saúde e de Serviços Humanos no Tribunal Federal e pedir para ser indemnizado através dos capitais do Fundo para a Vacinação. Este Fundo é financiado pelo Governo e por uma taxa de 75 cêntimos que os laboratórios pagam por cada dose de vacina que produzem.

As diversas leis regulam a responsabilidade dos produtores de vacinas em diferentes graus e também acarretam consequências diferentes. O primeiro caso é o de Hong Kong. Até ao momento em que escrevia este artigo, não havia notícia de que Hong Kong tivesse isentado os produtores de vacinas da responsabilidade legal. Assim, se alguém tiver uma reacção adversa após ter sido vacinado em Hong Kong, pode processar o laboratório. A população não foi privada dos seus direitos legais nesta matéria.  A segunda situação ocorre nos Estados Unidos. O Public Readliness and Emergency Preparedness Act 2005 estipula que o fabricante tem de assumir responsabilidade criminal, mas está isento da responsabilidade civil. A terceira está relacionada com o National Child Vaccine Injury Act 1986 (Estados Unidos). Este conjunto de leis permite que as vítimas reclamem uma indemnização, mas essa indemnização é paga pelo Fundo para a Vacinação, sem que os laboratórios tenham de arcar com a despesa. Esta disposição protege as vítimas e as farmacêuticas.

É difícil determinar qual destes três modelos é o melhor. É inegável que as afirmações de Ruud Dobber exprimem claramente que as farmacêuticas não podem correr o risco de se vir a responsabilizar por todas as reacções adversas que as vacinas possam causar ao longo dos anos, e é justificável que peçam protecção legal. Mas também é razoável que uma pessoa que tenha sofrido uma reacção adversa após ter sido vacinada, peça uma indemnização. Com os dois lados nos pratos da balança, o Governo britânico aprovou uma legislação que priva o público da possibilidade de processar as farmacêuticas. Não estará a inclinar-se para o lado dos fabricantes? Será uma postura razoável?

Como a comunicação social não avançou qualquer informação sobre os conteúdos da legislação, não nos podemos pronunciar em profundidade. No entanto, esta legislação que priva as pessoas que recebem as vacinas dos seus direitos é uma séria violação do direito de ser ressarcido em caso de danos. O US Public Readliness and Emergency Preparedness Act 2005 isenta os laboratórios de responsabilidade civil e o Fundo para a Vacinação do National Child Vaccine Injury Act 1986 parece ter criado um equilíbrio entre os interesses da indústria farmacêutica e os interesses do público. Embora muitas pessoas venham a ser vacinadas e o Fundo não possua verbas muito avultadas de início, devemos ter em conta que são muito poucos os casos que apresentam reacções graves após a vacinação.

Desde que este Fundo seja devidamente administrado, acredito que o problema pode ser resolvido.
Continua na próxima semana.

 

Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau
Professor Associado da Escola Superior de Ciências de Gestão/ Instituto Politécnico de Macau
Blog:http://blog.xuite.net/legalpublications/hkblog
Email: legalpublicationsreaders@yahoo.com.hk

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