O Passeio de Zhan Ziqian na Primavera

Paulo Maia e Carmo

Yang Jian (541-604) que inicialmente tinha o título de «duque de Sui», durante a dinastia Zhou do Norte (557-581) formaria uma nova dinastia e para a nomear fez uma mudança na morfologia do caracter «sui» que significa «seguir», retirando-lhe uma partícula que implica o «caminhar», inaugurando um período breve no tempo mas influente na História. Foi o primeiro sinal dado por aquele que ficaria conhecido como Wendi, «o imperador culto» (r. 582-604) da sua vontade de projectar o espírito fazendo-o agir sobre a matéria, modificando-a. Se no plano da cultura data dessa dinastia Sui (581-618) um renascimento do ideal de unificação sob a égide dos Han, como sucedera com Qin Shihuang (r. 221-210 a. C.) a que agora se juntava a conversão imperial ao Budismo, a sua acção no espaço geográfico ficaria marcada por grandes obras, como o início da construção em 589 do Grande Canal, a ligar a capital Changan ao rio Amarelo, a continuação da construção da Grande Muralha e depois uma nova capital em Kaifeng. Da sua actividade militar expansionista, um episódio, a conquista de Jiankang (Nanquim) aos Chen e a deslocação dos seus nobres para Norte resultou num profícuo despertar da curiosidade dos aristocratas da Corte pelas singularidades intelectuais do Sul. Este é também o tempo em que se revela uma nova forma de perceber a pintura em que, dado que na sua essência está o dinamismo dos seus componentes, tem o nome de pintura «shanshui». A mais antiga dessas pinturas registada pelos historiadores é nomeada com dois caracteres: you, chun, «Passeio de Primavera». Do seu autor pouco mais se sabe que um nome.
Zhan Ziqian terá nascido em Yangxin, actualmente em Shandong, as suas datas de nascimento e morte desconhecidas, sabe-se que foi um funcionário do Estado, activo nessa segunda metade do século VI. É referida a sua habilidade para pintar pavilhões, pessoas e cavalos porém esta é a única pintura dele que hoje podemos observar e mesmo ela é seguramente uma cópia, feita algures durante a dinastia Song. A pintura em rolo horizontal (tinta e cor sobre seda, 43 x 80,5 cm) que se encontra no Museu do Palácio, em Pequim, executada com as características habituais das pinturas que usam os pigmentos minerais naturais verde, a partir da malaquite e azul, da azurite, conhecidas como qinglu, seriam populares durante a seguinte dinastia Tang, o que se percebe no comentário que Zhang Yanyuan (c.815-c.877) fez sobre ele: «As pinturas do período medianamente antigo eram feitas de maneira concisa e cheia de detalhes; são extremamente graciosas.» Mais do que tornar visível a dicotomia mística original própria do Daoísmo entre as águas (yin) e as montanhas (yang) será de notar como, na aurora de um novo género de pintura, estão representadas pessoas num acordo explícito com a natureza, integradas mas ao acaso, caminhando.

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Lopo Albuquerque
Lopo Albuquerque
13 Jul 2024 23:41

São um delícia, estes textos do Paulo Maia e Carmo sobre pintura e pintores chineses, com toda a carga filosófica que carregam. Procuro há muito o livro “O pintor no seu labirinto”, mas sempre em vão. Cumprimentos para todos.