Um requiem “de embalar”

[dropcap]Q[/dropcap]uando Gabriel Fauré se sentou para escrever a obra a que chamou Petit Requiem em 1887, não pôde deixar de considerar os requiens de três dos mais ilustres compositores do século XIX: Hector Berlioz (1837), Giuseppe Verdi (1874) e Johannes Brahms (1868). Dois deles – os de Berlioz e Verdi – são de enorme escala e possuem um ímpeto dramático esmagador. O mais suave dos três, o Deutsches Requiem de Brahms, composto na sequência da morte da sua mãe, é um pária, evitando completamente os textos litúrgicos latinos com as suas imagens do inferno e de condenação eterna, concentrando-se mais nas noções de libertação do sofrimento e da vida eterna.

A abordagem de Fauré é algo híbrida, extraindo livremente textos da Missa de Requiem e de outras liturgias, de acordo com a sua própria estética. Numa entrevista em 1902, o compositor disse que o seu objectivo era “desviar-se do caminho estabelecido depois de passar anos a acompanhar funerais! Estava farto deles.

Queria fazer algo diferente.” Referiu ainda o seguinte: “Diz-se que o meu Requiem não expressa o medo da morte e há quem lhe tenha chamado ‘uma canção de embalar’ da morte. Pois bem, é assim que eu vejo a morte: como uma feliz libertação, uma aspiração a uma felicidade superior, em vez de uma penosa experiência.”

Determinados desgostos pessoais influíram na composição da obra; Fauré iniciou-a após a morte do seu pai e, antes de a terminar, a sua mãe também faleceu. Assim, o Requiem pode ser visto como uma expressão da tragédia pessoal de Fauré escrita na sequência da morte dos seus pais.

A versão original de Fauré, de 1888, foi orquestrada para um coro de cerca de 40 cantores, acompanhado por uma pequena orquestra e órgão. O uso de cordas graves e a ausência de metais visou claramente enfatizar a natureza suave e reconfortante da obra. Ao preparar a partitura para publicação em 1893, o compositor fez várias revisões, acrescentando parte do Offertoire litúrgico, e o Libera me, que tinha iniciado vários anos antes como uma obra separada para barítono solo. Acrescentou também partes para dois fagotes, quatro trompas e dois trompetes. No final do século, o editor de Fauré convenceu-o a expandir a orquestração ainda mais para incluir uma orquestra completa. O compositor concordou e, assim, produziu uma terceira versão, publicada em 1901, que foi popular durante grande parte do séc. XX. Contudo, nos anos 70 e 80 desse século, vários estudiosos de Fauré, em conjunto com o compositor e maestro inglês John Rutter, trabalharam para reconstruir a versão original da orquestração de Fauré de 1893, versão considerada por muitos a mais próxima da intenção original do compositor, embora nunca tivesse renunciado à versão maior para orquestra completa, que dizia ser apropriada para certas ocasiões de concerto.

Uma das missas de requiem mais populares, o Requiem em Ré menor, Op. 48 de Gabriel Faureé foi escrito entre 1886 e 1888 e executado pela primeira vez, ainda que apenas em parte, no funeral do arquitecto Joseph Lesoufaché na Église de la Madeleine, no início de 1888 e, em Maio desse ano, já em concerto. Ao escrever esta obra notavelmente inovadora, Fauré ajustou a tradicional ordem litúrgica omitindo a Sequence (que representa o Dies irae e o Rex tremendae) e acrescentando In Paradisum; desaparece, pois, o apocalíptico horror da ira de Deus, e há ao contrário uma serena e definitiva visão confortável do céu. Das sete secções que a compõem ( Introit et Kyrie/ Offertoire/ Sanctus/ Pie Jesu/ Agnus Dei et Lux Aeterna/ Libera Me/ e In Paradisum), o pristino solo de soprano Pie Jesu, o Agnus Dei e In Paradisum emergem como as mais gloriosas, plenas de melodias ricas e emotivas, para além do Introit et Kyrie, da poderosa ária de barítono do Offertoire “Hostias et preces tibi”, e do Sanctus.

Para muitos conhecedores da música, Fauré identifica-se quase exclusivamente com esta obra, que se converteu para muitos na quintessência do género romántico. Este Requiem, elogiado por muitos outros compositores, em especial por Camille Saint-Saëns, que o considerava divino, e também reconhecido como uma fonte de inspiração para o Requiem de Maurice Duruflé, foi executado no funeral do próprio Fauré em 1924.

Sugestão de audição:
Gabriel Fauré: Requiem in D minor, Op. 48
Sylvia McNair (soprano), Thomas Allen (baritone), Academy of St. Martin in the Fields, Sir Neville Marriner – Decca, 2012

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