Gordofobia Persistente

[dropcap]O[/dropcap] recente confinamento trouxe os mais variados discursos sobre o corpo e o aumento de peso. Desejos de dietas pós-covid estão ao rubro. O tempo de confinamento trouxe ansiedades, muitos desejos de comida e movimento de menos. O sedentarismo não é dos estados mais aconselháveis ao corpo, de facto. Mas é sempre intensa a forma como se teme ser-se gordo, ou engordar. E aqui surge a gordofobia.

A construção da gordura como má pode alterar-se com os tempos. Houve épocas em que a gordura era boa de forma mais hegemónica. Agora é que fomos induzidos a pensar que a magreza é um estado último, e que todos estão em algum caminho para alcançá-la. Basta folhear as páginas das revistas e dos jornais para perceber que há pouco espaço para os corpos que não se encaixam nesta visão limitada de beleza. Quantas vezes é que os filmes utilizaram a narrativa da rapariga ‘cheiinha’ que sofre uma transformação e a sua vida muda por completo, e para melhor?

Repreender o corpo com gordura, seja das mais variadas formas, só gera mais ansiedade, desconforto e sofrimento. E claro, a tendência de responsabilizar as pessoas pelas suas gorduras torna a conversa demasiado simples. Assumir que a gordura é um produto da vontade desresponsabiliza as dinâmicas socio-culturais que contribuem para o problema também. A gordofobia é uma delas. Já se documentou todo o tipo de discurso de ódio. Desde comentários nas redes sociais até um episódio, no mínimo, caricato, onde cartões foram distribuídos pelo metro de Londres por um grupo que odiava gordura, gordos e tudo o que isso representa.

A gordofobia nem sempre é assim tão declarada. A discriminação mais silenciosa está na forma como os espaços foram criados para um tipo de corpo. As cadeiras dos espaços públicos são desenhadas para certas pessoas e as lojas de roupas não servem a todos. Não ajuda, também, que a OMS tenha definido a obesidade como uma epidemia – apesar da intenção ser boa. Esta nomenclatura perpetua a narrativa de que é necessário travar uma guerra química e médica contra tudo o que é gordura. A investigação mostra como esta classificação não incentiva atitudes e/ou comportamentos que ajudem a mitigá-la. Pelo contrário. Ler noticias sobre a epidemia da obesidade faz com que a discriminação contra a gordura aumente.

Estas dinâmicas não se ficam pelos meios de comunicação social, ou no simples dia-a-dia. As comunidades profissionais e médicas têm sido acusadas de um viés anti-gordura, sob diagnosticando problemas sérios à conta disso. Os depoimentos são terroríficos. Cancros que não foram diagnosticados atempadamente porque os profissionais assumiram que a queixa apresentada seria resolvida se o paciente emagrecesse.

Mesmo sabendo que o índice de massa corporal possa não ser um bom indicador de saúde, persiste a ideia de que as gorduras se associam à preguiça, gula e doença, e as magrezas à energia e saúde.

Começou a ser necessário contestar estes estereótipos, e é o que vários activismos estão a tentar fazer; criando novas linguagens e formas de estar. Ainda assim, neste posicionamento onde a gordura é orgulhosamente apresentada, sem desculpas e justificações, percebemos a forma ainda deficiente que a sociedade tem em lidar com a diferença de corpos. É preciso contrair a surpresa e resistência sociais. A aceitação do corpo é importante a vários níveis, seja o corpo grande, pequeno, às bolinhas e nas gradações da diferença. Só com aceitação é que se pode atingir um estado necessário para o bem-estar individual e colectivo. O medo generalizado de que a aceitação da gordura cria mais gordura é despropositado. O mais importante neste momento é lutar contra a tentativa de invisibilizar os corpos – e não cometer a violência de fazer desaparecer as pessoas que neles habitam.

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