Médio Oriente | Irão não quer “escalada da guerra”. EUA avaliam retaliações iranianas

O mundo acordou ontem com a confirmação de que o Irão atacou duas bases militares norte-americanas no Iraque. Teerão disse que não deseja uma “escalada de guerra”, mas que irá defender-se “de qualquer agressão”. A comissária europeia Ursula von der Leyen expressou preocupação e afirmou a importância de manter o acordo nuclear

 
Com agências
[dropcap]M[/dropcap]orto e enterrado o general Qassem Soleimani, o Irão deixou ontem bem claro que não pretende ficar de braços cruzados depois da morte ordenada pelo Presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, apesar de não desejar uma “escalada de guerra”, como disse o ministro dos Negócios Estrangeiros. O Pentágono confirmou ontem o ataque a duas bases militares norte-americanas no Iraque, noticiaram agências.
“O Irão disparou mais de uma dúzia de mísseis balísticos contra as forças militares dos Estados Unidos da América e da coligação em Ain Assad e Arbil”, afirmou, em comunicado, um porta-voz do Departamento da Defesa norte-americano, Jonathan Hoffman, citado pela agência France-Presse, acrescentando que “está claro que os mísseis foram disparados” a partir de território iraniano.
A televisão estatal do Irão anunciou depois que dezenas de mísseis iranianos foram lançados contra a base aérea iraquiana de Ain Assad, que alberga tropas norte-americanas. A estação descreveu esta acção, com mísseis terra-terra e desencadeada na madrugada desta quarta-feira, como uma operação de vingança na sequência do ataque de que resultou a morte do general iraniano Qassem Soleimani. Esta operação militar foi designada “Mártir Soleimani” e foi desencadeada pela divisão aeroespacial dos Guardas da Revolução, que controla o programa de mísseis iranianos.
A base aérea de Ain al-Assad foi a primeira utilizada pelos forças militares norte-americanas após a invasão do Iraque em 2003, destinada a derrubar Saddam Hussein. As forças dos EUA permaneceram estacionadas no local quando foi desencadeado o combate no Iraque e na Síria contra o grupo ‘jihadista’ Estado Islâmico. O Irão ameaçou ainda atacar “no interior dos EUA”, “Israel” e “aliados dos EUA”, segundo os Guardas da Revolução, na eventualidade de haver uma retaliação norte-americana.

EUA avaliam respostas ao Irão

As forças militares dos Estados Unidos não comentaram no imediato esta informação, mas Donald Trump não deixou de tweetar sobre este assunto, tendo feito uma declaração pública ontem.
“Está tudo bem! Mísseis lançados do Irão para duas bases militares localizadas no Iraque. Avaliação das vítimas e danos materiais está em curso. Até agora, está tudo bem”, escreveu o Presidente às 21h45, hora de Washington. Trump frisou ainda que os EUA têm “as mais poderosas e mais bem equipadas forças armadas em todo o mundo, de longe”.
Trump disse posteriormente que Washington ainda está a estudar retaliações pelo ataque iraniano desta madrugada contra instalações norte-americanas no Iraque, mas que quer a paz.
Donald Trump diz que ainda estão em aberto as opções de resposta ao Irão, mas que, para já, os EUA vão intensificar sanções económicas contra o Irão, como retaliação contra os ataques iranianos com mísseis que esta madrugada atingiram duas bases militares que albergam soldados norte-americanos no Iraque.
Durante uma comunicação ao país, ao lado de chefes militares e altos funcionários do seu Governo, Trump disse que os ataques iranianos desta madrugada não provocaram vítimas e fizeram “danos materiais mínimos” e considera que o Irão está a recuar no conflito. “Eles parecem estar a retirar. E isso é bom”, afirmou o Presidente norte-americano.

Palavras de Pompeo

Esta terça-feira, Mike Pompeo, secretário de Estado norte-americano, disse aos jornalistas que Soleimani não se encontrava em missão diplomática no Iraque na altura em que foi morto. “Mas alguém aqui acredita nisto? Há algo na História que indica, mesmo sendo uma possibilidade remota, que este senhor estaria numa missão pacífica? Sabemos que isso não é verdade. Trata-se de propaganda iraniana, mas isso não é novidade, uma vez que no passado afirmaram estar em causa missões diplomáticas. Posso garantir que ele [Soleimani] não estava lá [em Bagdade] a representar algum tipo de acordo”, disse, de acordo com o canal Euronews.
Donald Trump admitiu que a morte de Soleimani foi orquestrada para prevenir “ataques iminentes contra diplomatas americanos e pessoal militar”. À luz de uma Resolução de 1973, o Congresso norte-americano deveria ter sido informado de que estava em causa um ataque iminente, mas a informação providenciada pelo Governo de Trump apenas continha documentação confidencial no que diz respeito às provas.
Nancy Pelosi, democrata presidente da Câmara dos Representantes, disse mesmo que a notificação “apresenta mais dúvidas do que respostas”, incluindo “questões sérias e urgentes sobre o tempo, forma e justificação para a decisão da Administração de levar a cabo hostilidades contra o Irão”, escreveu o New York Times.
O senador republicano Lindsey Graham, próximo do Presidente, considerou “um acto de guerra” os disparos de mísseis contra duas bases iraquianas com militares dos EUA e admitiu ataques de represália às instalações petrolíferas iranianas. “Deixem-me dizer isto hoje: se estão a ver televisão no Irão, acabei de falar com o Presidente (Trump) e têm o vosso destino nas vossas mãos, em termos de viabilidade económica do regime. Se (vocês, iranianos) continuarem com isto vão acordar um dia fora do negócio do petróleo”.
Antes, dissera que Trump poderia escolher atacar alvos militares ou petrolíferos. Pompeo admitiu terça-feira que seriam analisados todos os potenciais alvos à luz das leis internacionais.

UE atenta

Na primeira reunião do ano da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, presidente, expressou “as mais profundas condolências” para os familiares das vítimas, tendo lembrado a investigação em curso.
O encontro teve como ponto principal de discussão a crise que se vive entre o Irão e os Estados Unidos. “Esta crise afecta não apenas a região, mas todos nós. E o uso de armas deve parar agora para dar espaço ao diálogo. A União Europeia (UE), de uma maneira muito própria, tem muito a oferecer. Temos vindo a estabelecer relações duradouras com muitos dos actores da região”, disse.
“Vamos fazer tudo para garantir a manutenção do acordo nuclear”, assegurou a presidente da Comissão Europeia. “A comissão também analisou potenciais consequências de uma crise nuclear para a UE. Por exemplo, em áreas como transportes, energias, fronteiras e migração, mas também no que diz respeito ao desenvolvimento económico, estabilização e reconstrução que a UE está a fazer nestas áreas. A UE está dedicada a estas áreas, com as nossas vozes a serem ouvidas. Queremos actuar da forma mais activa possível.”
Josep Borrell, Alto Representante da UE para a Política Externa e vice-presidente da Comissão) sublinhou que “os recentes desenvolvimentos são extremamente preocupantes” e apontou que “os últimos ataques [da passada madrugada] contra bases no Iraque usados pelos Estados Unidos e por forças da coligação [contra o autodenominado Estado Islâmico], entre as quais forças europeias, é mais um exemplo da escalada e confrontação crescente”. “Não é do interesse de ninguém levar esta espiral de violência ainda mais longe”, frisou.
Entretanto, o primeiro-ministro israelita, Benjamin Netanyahu, alertou ontem o Irão de que Israel responderá de “forma retumbante” caso o país seja atacado. “Quem nos atacar receberá uma resposta retumbante”, garantiu Netanyahu.
 

Transportes | Companhias aéreas evitam Médio Oriente

Algumas companhias aéreas comerciais redirecionaram ontem os voos que cruzam o Médio Oriente para evitar eventuais perigos no meio da crescente tensão entre os Estados Unidos e o Irão. A transportadora australiana Qantas disse que estava a alterar as suas rotas de Londres para Perth, na Austrália, para evitar o espaço aéreo do Irão e do Iraque até novo aviso. As companhias aéreas Emirates e Flydubai, dos Emirados Árabes Unidos, cancelaram os seus voos para Bagdade nos seus sites na internet.
Fonte da Flightradar, que monitoriza o tráfego aéreo, disse que dois voos da Emirates fizeram uma rota diferente para evitar a passagem pelo Iraque, enquanto um voo da Air Canada para o Dubai foi forçado a redirecionar o trajeto pelo Egipto e Arábia Saudita.
A companhia aérea Malaysia Airlines confirmou que “devido aos recentes acontecimentos”’, os seus aviões evitariam o espaço aéreo iraniano. A Singapore Airlines também disse que os seus voos para a Europa seriam redireccionados para evitar o espaço aéreo do Irão.
A Administração Federal de Aviação (FAA) dos EUA disse que estava a proibir pilotos e transportadoras americanas de voar nalgumas áreas do Iraque, Irão e nalgum espaço aéreo do Golfo Pérsico. A entidade alertou ainda para o “potencial de erro de cálculo ou identificação errónea” de aeronaves civis mo meio da escalada da tensão entre os EUA e o Irão. A FAA disse ainda que as restrições estão a ser emitidas devido a “actividades militares mais activas e aumento das tensões políticas no Médio Oriente, que apresentam um risco para as operações de aviação civil dos EUA”.

Queda de avião de companhia ucraniana e sismo à margem da clima tenso

A tensão internacional que se vive desde a morte de Soleimani agravou-se com a queda de um avião ucraniano em Teerão que provocou a morte de 176 pessoas, a maioria nacionais do Canadá e do Irão. Estas seguiam a bordo do Boeing 737, que se despenhou pouco depois de descolar do aeroporto internacional Imam Khomeini, em Teerão.
De acordo com o jornal The Guardian, citado pela Lusa, o ministro dos Negócios Estrangeiros da Ucrânia, Vadym Prystaiko, afirmou em comunicado que a bordo do avião estavam 82 iranianos, 63 canadianos, 11 ucranianos, 10 suecos, quatro afegãos, três alemães e três britânicos. “Expressamos as nossas condolências. As autoridades ucranianas continuam a investigar”, disse Prystaiko.
Apenas dois passageiros e os nove elementos da tripulação da Ukraine International Airlines eram de nacionalidade ucraniana, indicou. O Presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, já apelou para que se evitem especulações sobre a queda do avião ucraniano no Irão.
“Peço a todos que se abstenham de especulações e versões não verificadas do desastre”, escreveu Zelensky na rede social Facebook. Uma informação divulgada anteriormente pela televisão estatal iraniana dava conta de que 180 pessoas seguiam a bordo da aeronave.
Segundo agências internacionais, o avião da Ukraine International Airlines caiu num terreno agrícola a sudoeste de Teerão, para onde já foi mobilizada uma equipa de investigação.
As primeiras indicações disponibilizadas pelas autoridades iranianas apontaram para a existência de problemas mecânicos.
O acidente ocorreu horas depois do lançamento de dezenas de mísseis iranianos contra duas bases em Ain Assad e Arbil, no Iraque, utilizadas pelo exército norte-americano, numa operação de vingança pela morte do general iraniano Qassem Soleimani.

Sismo nuclear

Entretanto, um terramoto de magnitude 4,5 atingiu ontem a região sudoeste do Irão, onde a está situada a central nuclear de Bushehr, segundo o Serviço Geológico dos Estados Unidos (USGS, na sigla em inglês). O sismo foi registado a 10 quilómetros de profundidade, numa área que se situa a 17 quilómetros a sudeste da cidade de Borazjan às 06h49 (hora local), segundo o USGS. O terramoto foi sentido em Bushehr, onde está localizada a única central nuclear iraniana. Não existem informações de vítimas ou danos.

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