Europa mais verde

[dropcap]A[/dropcap] agenda ecológica vai fazendo o seu lento mas aparentemente imparável caminho na discussão política: a cada vez mais visível emergência dos problemas ambientais e a eminência de uma catástrofe global sensibilizam um número evidentemente crescente de pessoas e mobilizam-nas para ações políticas diversas: com muito pouco tempo de diferença, tivemos adolescentes nas ruas de todo o mundo numa sem precedentes reivindicação do seu direito ao futuro e assistimos à duplicação da representatividade dos partidos ecologistas no Parlamento Europeu. Em vários países da Europa, os países ecologistas foram o segundo mais votado. Portugal também contribuiu para este crescimento com a estreia de um deputado eleito pelo PAN – contrariando, de resto, a generalidade das projeções publicadas na imprensa – mas foi da Alemanha (mais 8), França (mais 6) e Reino Unido (mais 5 deputados) que chegaram os maiores contributos.

Já em relação à participação eleitoral, foi modesto o contributo nacional e a abstenção manteve-se muito próxima dos níveis habituais neste tipo de sufrágio, ao contrário do que aconteceu na generalidade do território europeu – na realidade um sinal de que as questões transnacionais da governação da União Europeia se vão tornando mais interessantes e mobilizadoras para a população do continente. Talvez essa preocupação chegue também a Portugal, um destes dias.

Por enquanto pareceu percorrer grande parte do continente e contribuir – aparentemente de forma decisiva, como no caso da Holanda – para neutralizar a emergência da extrema-direita xenófoba em vários países.

O aumento da participação foi acompanhado por um manifesto aumento da diversidade. A tendência que se vem assinalando em quase todos os países para a perda de hegemonia dos alegados “blocos centrais” – essa mesa onde animadamente repastam as chamadas esquerda e direita “moderadas” – atingiu um patamar sem precedentes no Parlamento Europeu: pela primeira vez desde que se realiza este tipo de eleição, as duas grandes “famílias” políticas não têm, em conjunto, mais de 50% de deputados. “Geringonças” governativas cada vez mais complexas há hoje muitas, por esse mundo fora. Também no Parlamento Europeu novas e criativas aritméticas serão certamente convocadas para definir maiorias num contexto de relativa pulverização do eleitorado e diversificação programática dos seus excelsos representantes.

Nesta diversificação não coube o primeiro movimento que reivindica um original caráter europeu, liderado pelo conhecido ex-ministro das finanças da Grécia, no triste período histórico em que o país tentou enfrentar – sem sucesso – as regras da austeridade definidas pelas instituições europeias e pelo FMI. Apesar do mediatismo de algumas intervenções, nenhuma das candidaturas nacionais associadas a esse movimento transeuropeu – o Diem25 – conseguiu eleger representantes. Aliás, também a “esquerda da esquerda” sofreu significativa derrota e perda de representatividade à escala europeia, ainda que o número de representantes portugueses se tenha mantido, com uma significativa troca de posições entre os dois partidos (BE e CDU) aí representados. Pelo contrário, além dos ecologistas, também os liberais (onde se inclui o partido do Presidente francês, mas também uma forte representação – provavelmente temporária – do Reino Unido) conseguiram um crescimento significativo, juntando-se aos mais tradicionais grupos da social democracia, da democracia cristã e dos conservadores enquanto forças hegemónicas no Parlamento Europeu. Uma hegemonia mais partilhada e complexa, em todo o caso.

Ao contrário do que foi anunciando na imprensa da especialidade nas semanas anteriores à eleição, nem os movimentos mais assumidamente xenófobos (ou fascistas, numa designação também muito utilizada – até pelos próprios – e eventualmente mais precisa), nem os partidos mais abertamente anti-EU assumiram posições determinantes nos luxuosos hemiciclos de Bruxelas e Estrasburgo. Essa extrema direita liderada pelo movimentos anti-imigração da Itália, França e Alemanha não foi acompanhada por uma significativa emergência de movimentos semelhantes noutros sítios – na realidade, em países como a Holanda, até desapareceram do espectro. Tal como noutros momentos históricos, a emergência da extrema-direita só parece ser possível em momentos de crise económica profunda, o que não parece ser (já? ainda?) o caso. De maneira semelhante, também os movimentos claramente anti-EU acabaram por conseguir limitada representação parlamentar – e que se tornará ainda mais pequena se e quando se concretizar o Brexit e saírem do Parlamento os deputados eleitos pelo Reino Unido. Dessa saída resultarão uma nova reconfiguração de forças e novas geografias e aritméticas parlamentares. São tempos interessantes mas com respostas lentas às urgências fundamentais.

1 Jun 2019

Para o Diogo Calado

[dropcap]É[/dropcap] do fundo dos tempos que vem a relação do ser humano com a luta. A palavra “agonia” dizia o lugar onde as pessoas se reuniam para assistir às competições entre atletas pela disputa de um prémio. Hoje, a palavra está reservada para o derradeiro combate que se trava contra a morte. As competições desportivas entre os gregos eram uma disputa mortalmente séria. Lutava-se pelo título, mas, sobretudo, pelo prestígio, porque os atletas, os competidores, representavam uma casa, uma família, um estado. Competir era ter a possibilidade de inscrever o seu nome no livro dos vivos. É sobreviver, de alguma maneira, à lei da morte. A morte em combate é o ideal orientador da disputa e o gatilho da violência máxima. Embora haja apenas relatos de quatro mortes em combate desde o ano 550 até 110 a.C., a própria lei ateniense reconhecia morte em combate como não intencional e, portanto, involuntária. Não admitia abertura de processo nem, por isso, condenação e castigo. Dito isto, ninguém se apresentava para disputar uma competição sem estar absolutamente bem preparado.

Todos os rapazes nascidos livres tinham algum tipo de treinador: um pai, um irmão ou um estranho, seja contratado por um dos pais ou compartilhado com os outros no ginásio. Além disso, nenhum rapaz, por mais aristocrata que fosse, poderia disputar a competição pan-helénica em boxe, luta, ou o pancrácio, sem uma preparação competente. E longa. Não eram poupados gastos para se poder ter o melhor treino possível.

Mas é como laboratório da vida que importa tentar perceber o que estava em disputa num combate. Demos a palavra a Platão:

“Se fôssemos boxeurs, deveríamos ter estado a aprender a combater, muitos dias antes do combate e a trabalhar no duro, praticando em mimetismo todos aqueles métodos que pretendemos empregar no dia em que estaremos a lutar pela vitória, e imitando a coisa a sério da melhor maneira possível: assim, deveríamos usar luvas acolchoadas em vez de luvas usadas no ringue, para obter a melhor prática possível a dar golpes e a evitá-los; e se por acaso não tivermos companheiros de treino, […] se alguma vez estivéssemos num deserto, e sem companheiros de treino, não poderíamos recorrer à luta de sombra do tipo mais literal, contra nós mesmos? Ou o que mais adequadamente se deveria chamar à prática da postura do pugilista?” (Platão. Leges 830a).

Píndaro, o grande poeta lírico grego, entretece com cada descrição do que objectivamente se passa num combate um saber sentencial. A “moral da história” pode ser folclore nacional ou a forma mais ou menos popular com que sobrevem um pensamento. É da profundidade abissal da vida que se projecta a própria compreensão de um sentido para o combate. Não é um sentido óbvio, mas faz vibrar quem se encontra no ringue, quem assiste ao combate, quem lê sobre ele.

Nada, nunca, é apenas o que acontece no momento em que a prova tem lugar. O dia do combate é a cabeça de um cometa que traz atrás de si a cauda de dias e dias, meses e anos, até décadas de preparação. E joga-se a vitória ou a derrota. Joga-se um modo de vida, aquilo com o qual alguém se relacionará para sempre depois de ter acontecido. Pode ter repercussões para a vida inteira, podemos ficar presos de derrotas e de vitórias. Também podemos não fazer nada de vitórias passadas e as derrotas poderão estar à nossa espera na hora da nossa morte.

Tal como na vida, a preparação é ao mesmo tempo que a disputa. Na citação conhecida de Samuel Butler: “a vida é como executar um solo de violino em público, aprendendo a tocar o instrumento ao mesmo tempo que se toca”. Tal como o passo de Platão, a preparação é feita com vista à antecipação de todos os cenários possíveis, da esquiva ao contra-ataque, de todos os golpes que se possam desferir, trabalhados isoladamente e em encadeamento. Procura-se antecipar as acções possíveis do combatente do outro canto. Todo o treino, dieta, descanso tem em vista a disputa. A disputa tem em vista a vitória. Um combate não é um acto isolado. Quantos combates pode um combatente disputar na sua carreira? Quantos terá perdido. Ali, um dos grandes, para alguns o maior boxeur do século XX, perdeu cinco dos seus 61 combates. Parece impensável que os grandes combatentes não tenham permanecido invictos. Mas, na verdade, se o ringue for como a vida, é provável que coisas improváveis aconteçam e que numa saraivada de golpes ou num só, inesperado, as luzes se apaguem, e acordemos sem ter acompanhado a nossa própria queda. Aprende-se com a possibilidade da derrota, como se aprende com a derrota. Uma derrota é um desfecho de um combate, como a vitória, se excluirmos o empate. A derrota não existe para qualquer um. Só quem disputa a vitória pode perder. Só quem disputa a vida pode viver. Os gregos não achavam que tínhamos um lugar garantido na vida. Só alguns o poderão encontrar.

“Só um homem que sabe o que é ser derrotado pode atingir o fundo da sua alma e erguer-se com um grama extra de poder capaz de o fazer vencer quando o combate está empatado.” (Ali)

1 Jun 2019

A Grande Dama do Chá

Por Fernando Sobral

 

[dropcap]O[/dropcap] escritório de Marina Kaplan no “Bambu Vermelho” era pequeno e despojado, mas acolhedor. Por detrás da cadeira onde ela se sentava, estava, em cima de um móvel de madeira maciça, uma estatueta de jade verde de um guerreiro chinês. A seu lado, uma fotografia de uma família que, devido à forma como estava vestida, deveria ser russa. Memória do passado que ela não queria esquecer. Ao lado de Marina, também sentado, estava Ezequiel de Campos. O seu sorriso era o de um sedutor. Os seus olhos azulados combinavam com o cabelo branco penteado para trás. Garantia segurança e, num advogado, isso era tudo. Entre a orelha esquerda e o pescoço via-se uma cicatriz. E ele parecia ter o prazer raro de a acariciar, de vez em quando, como uma velha ferida que nunca sarara. Talvez a acariciasse só para marcar distâncias.

Ou para mostrar a sua inacessibilidade. Quando Cândido chegou ao “Bambu Vermelho”, Ezequiel fez-lhe um sinal e disse-lhe:

– Bebes um vodka connosco?

Cândido sorriu e seguiu-o até à pequena sala onde Marina tinha o seu escritório. Cândido conhecera-o numa das noites que passara ali, há uns meses. Já então andava com Marina Kaplan.

– Continuas a tocar, Cândido?
– É a minha vida. Não sei fazer muito mais coisas.
– Sabes, não queres é sair do teu conforto. Temos de saber o que queremos. Eu sei que não gosto de jazz. É uma música que nos faz sentir quem ninguém ama ninguém.
– Pelo contrário, aproxima as pessoas, faz com que dancem perto uns dos outros.
– É exactamente por isso. As pessoas tocam-se, têm desejos. Concretizam-se. Mas evitam amar-se.

Dá muito trabalho.

Marina olhou para os dois. Não sabia se Ezequiel falava a sério. Nunca se sabia, porque era indecifrável a sua voz pausada. Dizia-se que Ezequiel era o homem melhor informado de Macau.

Ou, pelo menos, ele fazia com que todos acreditassem nisso. Cândido disse:

– És um homem muito informado sobre o que se passa em Macau.
– Enganas-te. Aqui ninguém sabe nada sobre ninguém. Apesar de todos acharem que sim.

O que Ezequiel queria dizer é que só ele sabia quase tudo sobre todos. Cândido bebeu um trago de vodka, que era de excelente qualidade.

– Como consegues arranjar este vodka, Marina?
– A Rússia não desapareceu. E há quem continue a saber fazer vodka. Os bolcheviques também o bebem. Às vezes, demais. Por isso não é proibido.

Dizendo isto, Marina agarrou no seu copo, elevou-o e levou-o aos lábios, bebendo tudo de um golo. E, depois, atirou o copo contra a parede, estilhaçando-o.

– O vodka é fogo. Faz com que ardam as nossas veias.

Cândido sorriu. Ezequiel ficou a olhar para a quantidade de vodka que ainda tinha no copo, mas não fez tenção de bebê-lo. Disse apenas:

– O fogo enerva-me. Há demasiado à nossa volta. Prefiro a prudência. Também deverias aprender isso, Cândido. Para que a nossa vida seja longa, e agradável, é conveniente sermos prudentes, não achas?

Ezequiel falava sobretudo para Marina. Cândido encolheu os ombros. Uma vidente dissera-lhe, um dia, que a sua linha da vida era longa. Morreria velho. Por isso poderia cometer todos os riscos.

Ezequiel pareceu adivinhar os pensamentos do músico, mas não deu muita importância a isso.

– Sabes o que é a prudência, Cândido?

Cândido assentiu. Respondeu:

– Acho que sim. Vivemos tempos perigosos. A guerra cerca-nos. Mas podemos evitá-la, não te parece? Mesmo que ela exista, podemos fingir que ela não existe.

– Diz-me, o que é que é que achas que conduz um homem para a guerra?
– Sei lá. A ignorância? A estupidez?
– Tudo isso e outra coisa, a imprudência. Porque é que os portugueses sobrevivem há quase 500 anos em Macau? Porque são prudentes. Sabem as suas forças e as suas fraquezas. Moldam-se.

Estão bem com todos. Que interessa agora estar ao lado dos japoneses ou dos ingleses? Um ganhará, outro perderá no fim. E esse não se adivinha. Ainda é mais difícil saber quem dos senhores da guerra chineses vencerá. Por isso há que ser pragmático. Macau é um porto de abrigo para todos. Sempre fomos comerciantes. Temos de colaborar com todos. Sabemos que isso é bom para nós e para os nossos interesses.

Cândido ouvia-o, mas olhava sobretudo para Marina. Continuava bela e insinuante. Ezequiel não era o seu único amante em Macau, pressentia. Ezequiel, indiferente ao olhar que Cândido e Marina trocavam, voltou a falar:

– Mantém os olhos sempre atentos, desconfia de tudo e, de preferência, evita morrer. O grande general Sun Tzu dizia que a mais preciosa faculdade dos reis era a manipulação divina dos cordéis, que consistia em pôr em funcionamento um serviço secreto. É preciso antever as jogadas dos outros. Porque a mesma mão que faz, também desfaz. Não podemos pensar que Macau está imune ao que se passa à volta. O paraíso tem sido, muitas vezes, destruído. Sempre pela mesma coisa, a guerra.

– O mundo é o nosso grande inimigo. Em tudo.

Ezequiel riu.

– Será. Mas se todos dominassem as leis da sedução como faz a Marina, este seria um mundo melhor.

Marina sorriu e beijou a face de Ezequiel. Este passou-lhe a mão pelo braço e depois voltou a fitar Cândido. Nesse momento bateram na porta do escritório. Jin Shixin entrou e aproximou-se devagar. Conhecia Ezequiel, através de Marina. Usava um clássico vestido chinês, o Cheongsam, justo, que lhe alongava a silhueta. Vestia-o sem calças por baixo, o que lhe dava um ar ainda mais sensual. Jin sabia usá-lo, porque era um vestido que obrigava a gestos bem cuidadosos. Rodeou a mesa e foi colocar-se, de pé, por detrás da cadeira onde estava sentada Marina. Sorriu para Cândido.

– Voltamos a encontrarmo-nos.
– Em melhores circunstâncias.
– É verdade.

Nem a face de Ezequiel nem a de Marina revelaram surpresa. Sabiam, claramente, o que se passara.

– De que falavam?

Cândido disse:

– Da guerra e de Macau.
– Então falavam da sobrevivência.

Marina sussurrou:

– Disso mesmo. Para sobreviver, às vezes, é preciso saborear as cinzas deixadas pelo fogo.
Jin Shixin não disse nada. Fixou o olhar em Cândido. Ela era uma mulher que sabia ler os homens sem deixar que a lessem. Sabia seduzir e só era seduzida quando isso lhe interessava. Mas a forma como olhava para Cândido revelava que ainda tinha dúvidas sobre ele. Ela disse então:

– Macau é a cidade dos amores impossíveis. Durante séculos atraiu comerciantes e padres em busca de ópio e de almas. Não se pode contentar todos para sempre.

– Tal como agora é impossível contentar japoneses e chineses, não é verdade?

Jin retorquiu:

– Não coloque os ocidentais fora da guerra.

Quando elevava a voz, Jin ficava com um ar elegante e altivo. Demasiado tentador. Ezequiel disse, apaziguador:

– Se tivermos um jardim e só lá estiverem plantadas rosas não será tão bonito como se lá tivermos flores diferentes. Em Macau e na Ásia se só tivermos uma cultura ou uma religião perde-se a diversidade. E a beleza.

Jin suspirou e respondeu:

– Isso é no mundo ideal. Não num tempo de guerra, onde todas as flores são destruídas.

1 Jun 2019

Eliete e o Facebook

[dropcap]O[/dropcap] Facebook é cada vez mais – a par do Google – um dos motores do Zeitgeist em que vivemos. Podemos ser contra – por diversas razões – ou a favor – por outras tantas e, às vezes, até por razões coincidentes com as que outros são contra –, mas não lhe podemos ser indiferentes. Escrevo isto a propósito do último romance da Dulce Maria Cardoso, o fantástico Eliete, um entretecido de múltiplas camadas de sentido que vão, com enorme subtileza e um ritmo magistralmente gerido, compondo aquilo que Virginia Woolf não desdenharia chamar “o grande rosto da vida”, declinação central do conceito de “moments of being” que funciona como ponto arquimédico de toda a sua obra.

Muito do romance vai ao osso da dicotomia fundamental da nossa época: a identidade real e a identidade digital. E Dulce insiste, e bem, na radical mudança que as redes sociais em sentido lato – nomeadamente o Facebook e o Tinder – têm vindo a operar na nossa vida. Mas não é um romance-diagnóstico. Está demasiado perto da realidade que procura dirimir e está sobretudo na charneira de uma mudança muito mais vasta do que a que lhe é possível abraçar. Eliete vê bocados da criatura movendo-se, percebe-lhe as pegadas, os efeitos nos sítios por onde passa, aquilo que arrasta consigo e aquilo que deixa para trás. E não se lhe pode pedir mais: a criatura está longe de ter chegado ao destino. Mas estas mudanças na organização da identidade e das suas hierarquias Eliete expõe-nas magistralmente, sobretudo quando incide sobre a decisiva inversão da hierarquia de importância das identidades reais e virtuais. O que doravante importa (apresentar aos outros) é uma cuidada construção da identidade virtual, sendo essa construção muito mais simples de fazer e de manter porque a estrutura própria do virtual é a do enquadramento fotográfico: ao contrário da realidade, cuja estrutura de fluxo impede obviamente a captação fragmentária, o virtual funciona – pelo menos por ora – mediante instantes meticulosamente escolhidos pelo portador dessa identidade. Às múltiplas perspectivas alheias incidindo impiedosamente sobre o sujeito, próprias do real, contrapõe-se uma generosa curadoria mono-ocular: é o sujeito que dita a sequência de perspectivas pela qual os outros acedem à sua vida. Enquadra, filtra, contextualiza, reconfigura.

E Eliete é o retrato deste processo em curso, preocupada com os likes ou os comentários de desconhecidas às fotos do marido, Jorge, zangada com os laços inautênticos que marido e filha exibem numa fotografia de conjunto, inquieta com a quantidade de likes e outros emojis recebidos numa foto na qual tem o cuidado de aprimorar digitalmente as pernas. E ao Facebook segue-se o Tinder e a neutralização progressiva da angústia a que corresponde a dissociação cada vez maior entre a identidade real e a identidade virtual.

Vistas as coisas de uma perspectiva aérea, parece não estarmos a falar de muito: uma mulher na meia-idade, a consciência clara desse processo, o desinteresse sexual do marido, o desinteresse total das filhas, a demência da avó, as múltiplas formas de perda e as poucas redenções possíveis.

Mas Eliete tem a rara virtude de transformar o quotidiano áspero e o sonho comezinho, passíveis em mãos menos seguras de provocar unicamente um longo e monótono bocejo, numa cartografia precisa de um modo de vida cuja disposição naturalmente caótica era refractária à sua compreensão – como todos os modos de vida. E às vezes é só isso que os grandes romancistas fazem: aclaram, organizam, mapeiam.

1 Jun 2019

“Junho, Mês de Portugal” com teatro infantil e marionetas

[dropcap]O[/dropcap]s mais pequenos estão todos convidados para celebrar amanhã, 1 de Junho, o Dia Mundial das Crianças. Há espectáculos de marionetas e teatro, no âmbito do programa das festividades de “Junho, Mês de Portugal”, organizadas pela Casa de Portugal e pelo IPOR.

“A Magia do Circo” é uma história de marionetas, com doze personagens principais, e mais alguns amigos, que vão ganhar vida nas mãos da artista Elisa Vilaça. São figuras que habitam o mágico mundo circense, com palhaços, malabaristas, e outros convidados, que podem ser vistos por crianças a partir dos 6 meses em diante.

O espectáculo tem duas sessões no Conservatório de Macau, às 11h30 e às 15h00, e os bilhetes gratuitos podem ser levantados na Casa de Portugal.

Pelas 17h30, é a vez da peça “O Nabo Gigante” subir ao palco do Auditório da Casa Garden, um espectáculo de teatro oara a infância adaptado do conto tradicional russo, com o mesmo nome, recolhido por Alexis Tolstoi no séc. XIX. A história relata as inquietações de um casal idoso, que encontra na sua quinta um nabo que não pára de crescer. O conto popular tem ingredientes divertidos e é adequado a crianças a partir dos 5 anos de idade.

Trazido pela companhia ATE – Associação de Teatro Educação, a peça será contada pelos artistas Alexandre Sá e Rita Burmester, com organização do Instituto Português do Oriente.

1 Jun 2019

Música | Matiné no LMA traz três bandas de indie-rock até Macau

Qual a melhor hora para se começar um concerto? O LMA quer fazer a experiência e vai abrir as portas amanhã às cinco da tarde, com um programa de bandas alternativas indie-rock, vindas do Japão, Hong Kong e Guangzhou

 

[dropcap]H[/dropcap]oje é dia de matiné no LMA – Live Music Association – com um trio de bandas indie-rock de referência para a juventude local, que prometem festa de arromba até ao início da noite. É uma oportunidade única para ver estes grupos musicais num só dia: Buddhistson, do Japão, The Lovesong, de Hong Kong, e Smellyhoover, de Guangzhou.

O director da associação, Vincent Chi Tat, tem grandes expectativas para este encontro de bandas que quis reunir num só espectáculo, de tributo aos 11 anos de concertos ao vivo que o LMA tem conseguido trazer até Macau. “Queríamos organizar uma grande festa para mostrar às pessoas que temos já mais de uma década de actividade na organização de eventos de música alternativa ao vivo”.

O destaque vai para a banda Buddhistson, que faz as honras da festa e está no território pela quarta vez. A primeira actuação foi em 2006, numa edição do Festival Hush!, onde Vincent os conheceu. “Foi há mais de uma década e foi a primeira vez que os vi ao vivo. A banda era muito boa, muito impressionante, e adorei a música. Então, anos mais tarde o LMA voltou a convidá-los para tocarem em Macau por duas vezes, como artistas principais para celebrar o 2º aniversário do LMA (em 2010), e uma terceira vez, com uma performance acústica.

Os Buddhistson são uma banda indie-rock criada em 1999, que vem de Kashiwa, no Japão. Com um som etéreo e cru, vozes roucas e melodias emocionalmente carregadas, o grupo conta já com quatro álbuns originais editados e um de compilações. Shima é o vocalista, compositor e guitarrista, que deu o nome à banda por ser, quem diria, um fã de Buddha. São reconhecidos pelo charme e qualidade dos seus espectáculos ao vivo, recorrendo muitas vezes ao grafismo animado nos cenários dos shows.

Os The Lovesong, de Hong Kong, também se juntam ao evento, outra banda iniciada em 1999, definida como pós-hardcore e emocore – género com influências punk-rock da década de 1980, caracterizado por melodias expressivas e letras confessionais –, que acrescenta elementos soul e noise, com ritmos sincopados e algum reggae.

Saltaram para a ribalta com o seu primeiro grande show em Hong Kong, em 2005, foram depois convidados como banda honorária para representar o território vizinho no maior festival de rock ao ar livre da China, o Midi Festival, e, ainda em 2007, fizeram a abertura do concerto da banda de rock industrial norte-americana, os Nine Inch Nails, em Hong Kong.

A terceira banda, Smelly Hoover, é “uma orquestra de um homem só”, Shi Miaoli, que vem de Guangzhou. “Ele era o vocalista de uma outra banda conhecida de Guangzhou, chamada Golden Cage, que agora tem este projecto a solo”, desde 2012. Canta em cantonês, misturando rock, folk, electrónica e shoegaze – um estilo de rock em que os diversos instrumentos e vozes se esbatem num som indistinto – para partilhar sentimentos de alegria e tristeza, louvor e sátira, elogios e críticas, adicionando e gravando os diversos instrumentos e estilos ao vivo, até conseguir músicas completas.

E não só

Entre os três concertos haverá música seleccionada por artistas convidados: o DJ Lobo, produtor de música local, o DJ Ryoma, japonês baseado em Macau, e um dos músicos japoneses da banda Buddhistson, que também vai dar ritmo ao público. A festa começa às 17h da tarde e termina por volta das 22h30, uma proposta diferente para jovens num dia de sábado, em que se espera mais tempo de chuva no território.

“Temos sempre muitas reclamações por causa do barulho, já que os eventos são geralmente pela noite fora. Desta vez quisemos experimentar fazer uma coisa diferente, num outro horário em que os fãs podem vir ouvir música e dançar, sem chegar tarde a casa. Quem sabe qual é a melhor hora para se começar um concerto? Pode ser ao início da tarde. Vamos testar…”, comentou Vincent Chi Tat. Os bilhetes custam 220 patacas e estão à venda na Livraria Portuguesa (250 à porta do LMA).

1 Jun 2019

Acidentes | FGAM pagou 5,13 milhões a vítimas

[dropcap]D[/dropcap]esde a criação da RAEM, o Fundo de Garantia de Automóvel e Marítimo (FGAM) pagou 5,13 milhões de patacas para satisfazer pedidos de indemnizações por morte ou lesões corporais resultantes de acidentes com este tipo de veículos.

Os dados foram revelados por Benjamin Chan, presidente da Autoridade Monetária de Macau (AMCM), em resposta a uma interpelação do deputado Sulu Sou. Segundo o responsável a prioridade nos pagamentos vai para as pessoas que sofreram lesões corporais e das 49 notificações judiciais recebidas, 39 tiveram de ser resolvidas em tribunal.

Entre estes casos, 17 obrigaram o FGAM ao pagamento das indemnizações, sendo os restantes 22 pedidos de indemnização recusados. O deputado Sulu Sou tinha questionado o FGAM se haveria hipótese de disponibilizar adiantamentos ou empréstimos às vítimas, enquanto aguardam pelo andamento dos processos nos tribunais para fazerem face às despesas com os hospitais, mas o FGAM recusou a hipótese colocada. Benjamin Chan reconhece as “pressões financeiras” para as vítimas, mas explica que há outros métodos de auxílio, nomeadamente por parte do Instituto de Acção Social.

1 Jun 2019

Bancos | Países de Língua Portuguesa e Macau de acordo

[dropcap]O[/dropcap]s Bancos de Países de Língua Portuguesa e os congéneres de Macau assinaram ontem um acordo para aprofundar a ligação existente o que poderá levar a um maior investimento no continente africano.

Segundo o presidente do Fundo de Cooperação e Desenvolvimento China-África, Shi Jyiang, já foram feitos investimentos de 2 triliões de dólares norte-americanos em África e a instituição ainda tem disponíveis 800 milhões de dólares americanos.

“Estou sempre a pensar e a procurar projectos para investir”, afirmou o responsável durante o seu discurso. Shi explicou também que estes 800 milhões podem passar pelo bancos de Macau, como plataforma, uma vez que o Fundo de Cooperação e Desenvolvimento China-África não dispõe de um rede de bancos a retalho.

1 Jun 2019

Português estava de visita a Macau e fez graffiti no edifício do IAM

Cerca de 37 mil patacas é o preço que o homem de 35 anos vai ter de pagar devido à “declaração de amor” feita em forma de graffiti na parede do IAM. O português foi identificado pela videovigilância e confessou ter sido o autor do acto de vandalismo, depois de ter ingerido álcool

 

 

[dropcap]U[/dropcap]m cidadão português de 35 anos foi detido e confessou ter feito o graffiti que surgiu na parede do Edifício do Instituto para os Assuntos Municipais (IAM), na noite de 22 de Maio. A detenção do turista que se encontrava no território a visitar a namorada foi feita na quinta-feira e anunciada no dia seguinte.

Segundo a informação divulgada pelo jornal Ou Mun, o homem estava em Macau a visitar a namorada, quando no dia 22 à noite foram jantar a um restaurante. Além da comida consumiram álcool até que decidiram abandonar o restaurante. Segundo a explicação dada, a namorada estaria a sentir-se mal. Quando já se encontrava sozinho e passou pela Rua do Dr. Soares o indivíduo decidiu fazer uma dedicatória à sua amada. Na inscrição podia ler-se o nome da namorada, constava um coração, e depois um nome que aparenta ser do suspeito.

Foi só no dia seguinte que os responsáveis do Instituto para os Assuntos Municipais se aperceberam da situação e pediram à polícia que investigasse o sucedido. Além disso, a operação para remover o graffiti terá custado 37 mil patacas aos cofres da RAEM.

Após as autoridades terem começado a investigar o caso, conseguiram identificar o suspeito com recurso ao sistema “Olhos no Céu”, ou seja as câmaras de videovigilância. Através do sistema conseguiram saber que o homem estava acomodado num apartamento na Calçada de Santo Agostinho, tendo depois procedido à detenção.

Pena até 10 anos

Quando foi detido, o português, que é programador informático, confessou a prática do crime e explicou os contornos em que o mesmo aconteceu. Além disso, mostrou-se disponível para pagar pelos danos causados e assumir a responsabilidade pelo ocorrido.

Segundo as autoridades, o caso foi reencaminhado para o Ministério Público e o homem terá de responder pelo crime de dano qualificado, que é punido com uma pena de prisão que vai até aos 5 anos. No caso de haver condições agravantes, a moldura penal é de 2 a 10 anos de prisão.

O HM contactou o Consulado de Portugal em Macau e Hong Kong mas sem sucesso.

31 Mai 2019

Mais de um milhão de pessoas no aperfeiçoamento contínuo

[dropcap]M[/dropcap]ais de um milhão de pessoas participou desde 2011 até ao final de Março deste ano no Programa de Desenvolvimento e Aperfeiçoamento Contínuo. Os números da iniciativa do programa foram revelados pelo director da Direcção dos Serviços de Educação e Juventude (DSEJ), Lou Pak Seng, em resposta a uma interpelação de Song Pek Kei.

“Até 31 de Março de 2019, o número total de participantes nas três fases ultrapassou um milhão. O programa foi bem acolhido pela população e obteve bons resultados”, considerou Lou.

Ao nível das preferências dos participantes os cursos técnico-profissionais são a principal escolha ao acolherem 61 dos participantes. Entre estes, as aulas de tradução linguística, comércio e gestão são as mais populares. Segundo a DSEJ, as preferências mostram que há um aumento nas competências e qualificações profissionais dos residentes, o que contribui para “o desenvolvimento diversificado da economia” local.

Fiscalização in loco

Um dos assuntos quem tem assombrado este programa são os eventuais casos de fraudes. No entanto, a DSEJ garante que tem feito inspecções in loco, além de ter implementado outras medidas de controlo.

De acordo com a informação enviada a Song Pek Kei, até 31 de Março deste ano, houve cerca de 2.800 inspecções nos locais das instituições que ministram estes cursos. Deslocações que resultaram em mais de 2.800 documentos analisados, em entrevistas a 1.000 pessoas e mais de 22.000 casos analisados de forma aleatória.

Durante as inspecções, os representantes da DSEJ passam entre 5 e 10 minutos nos locais, de forma a evitarem que as aulas sejam afectadas. A mesma informação revela também que desde Janeiro de 2019 as presenças dos alunos são inseridas num sistema electrónico, a que a DSEJ tem acesso, para certificar-se que as aulas decorrem dentro da normalidade.

Na mesma interpelação, o Governo deixa ainda a certeza que “caso sejam detectadas infracções ou ilegalidades são instaurados processos de averiguação administrativa ou são encaminhados para os órgãos de polícia criminal e órgãos judiciais”.

31 Mai 2019

Turismo | Apoios a projectos podem chegar aos 15 milhões de patacas

O Fundo das Indústrias Culturais vai apoiar um total de 12 projectos que utilizem a imagem do Mak Mak. A iniciativa é feita em parceria com os Serviços de Turismo e vai envolver um investimento que pode atingir os 15 milhões de patacas

 

[dropcap]O[/dropcap] Fundo das Indústrias Culturais (FIC) vai disponibilizar apoios até 15 milhões de patacas para projectos que envolvam a utilização da marca de turismo local, o Mak Mak.

A informação foi deixada ontem em conferência de imprensa e a medida pretende “aumentar a diversidade de produtos e de serviços que envolvam experiências turisticas”, de modo a contribuir para a “transformação de Macau num centro mundial de turismo e de lazer”, apontou a presidente da Direcção dos Serviços de Turismo (DST), Maria Helena de Senna Fernandes.

Para o efeito, e de modo a encorajar as empresas a explorar os elementos culturais do território e a desenvolverem novos produtos, o FIC em conjunto com a DST lançaram o programa de apoio financeiro para os projectos que promovam a formação da marca de turismo Mak Mak, a mascote local desde Abril do ano passado.

A iniciativa vai apoiar 10 projectos de criação de produtos e dois projectos de experiências turísticas, que utilizem a imagem da mascote. O Mak Mak será cedido para exploração por um período de cinco anos, após a concessão da ajuda financeira. Este período pode vir a ser alargado caso a relevância da implementação do projecto o justifique, acrescentou Senna Fernandes.

Milhões distribuídos

O apoio contempla até 50 por cento do valor total do investimento, sendo que para a criação de produtos o limite máximo será de 500 000 patacas. Já quanto às experiências turísticas, por exigirem “normalmente um investimento maior e poderem integrar, por exemplo, a criação de ambientes de realidade virtual” o apoio pode chegar aos cinco milhões de patacas por projecto, apontou Davina Chu, membro do conselho de administração do FIC.

Os interessados devem apresentar as suas candidaturas de 3 de Junho a 30 de Agosto. São aceites os projectos que se apresentam em nome de empresas com titulares residentes de Macau.

31 Mai 2019

IPM nega ter barrado entrada a jornalista

[dropcap]O[/dropcap] jornal Cheng Pou publicou ontem um artigo em que um repórter dizia ter sido barrado, quando tentava fazer a cobertura da cerimónia de formatura do Instituto Politécnico de Macau (IPM). Segundo um relato, o jornalista teria sido interceptado por um segurança que lhe teria pedido para se identificar.

Como outros jornalistas foram autorizados a passar e ele não, terá abandonado o local. Em resposta a esta exposição, o IPM explicou que foi um mal-entendido por parte de um guarda inexperiente e já pediu desculpas ao repórter: “O IPM não bloqueou ou impediu a entrada de qualquer jornalista na cerimónia de graduação. O que aconteceu foi que um jornalista se dirigiu a um dos guardas da segurança, perguntando se podia entrar. Este guarda nunca tinha sido confrontado com uma situação deste género e não soube como reagir de imediato”, começou por explicar a instituição, numa resposta ao HM.

“Dada a dimensão da cerimónia, [o guarda] teve receio de cometer algum erro e pediu ao jornalista para esperar. Talvez por a resposta ter demorado, o jornalista foi-se embora.

Só hoje [ontem], ao ler a notícia no jornal, o IPM soube do sucedido e tratou de apurar de imediato a verdade”, foi acrescentado.

O IPM garantiu também que foram dadas instruções aos seguranças para que situações deste género não se repitam no futuro e garantiu respeitar todas as leis do território, como as leis de imprensa.

31 Mai 2019

Fórum Macau | Contratação de intérpretes do continente justificada com características das funções

[dropcap]A[/dropcap] contratação de tradutores-intérpretes da China continental pelo Fórum Macau foi ontem justificada pela secretário geral adjunto do Fórum, Ding Tian, com o facto do organismo precisar de talentos com um forte conhecimento da realidade do continente e terem como língua materna o mandarim.

“As línguas de trabalho nas actividades do Fórum Macau são o Mandarim e o Português, exigindo um complexo nível de proficiência em ambas as línguas e, como tal, afigura-se necessário contratar intérpretes-tradutores experientes e aptos em ambas as línguas”, apontou.

Desta forma, Ding Tian responde às acusações feitas pelo deputado Pereira Coutinho que sublinhavam a prioridade dada à contratação de profissionais do continente em detrimento dos locais, bem como a isenção destes tradutores de passarem pelo regime de recrutamento de gestão uniformizada.

Por outro lado, e dada a necessidade de familiarização com documentos emitidos pelo Governo Central, “é necessário que os tradutores se familiarizem com matérias directamente ligadas ao Interior da China”, acrescentou Ding Tian, ontem à margem da cerimónia de encerramento de um colóquio do organismo.

Trazer para o território profissionais especializados do interior da China traz também vantagens para os tradutores locais, sendo que “este processo irá beneficiar os residentes a aperfeiçoar as suas capacidades e ainda permitir uma melhor gestão dos trabalhos preparativos da próxima Conferência Ministerial”, disse Ding Tian.

Tudo legal

Já em nota de imprensa o Fórum Macau acrescentou que dada a especificidade desse recrutamento, a contratação destes intérpretes-tradutores não-residentes foi feita de acordo com os procedimentos legais do Regime de Contrato Individual de Trabalho “com o maior rigor e prudência”.

Para o futuro fica a promessa de recrutar mais intérpretes-tradutores locais através do regime de gestão uniformizada.

De acordo com o responsável, de momento o Fórum conta com os serviços de três intérpretes-tradutores locais. No processo de recrutamento do interior da China foram admitidos cinco candidatos , três dos quais exercem actualmente funções. Os restantes dois aguardam pela conclusão das formalidades necessárias.

31 Mai 2019

Fórum Macau | Fundo de cooperação não está a ser bem explorado

Lançado em 2010 e activado em 2013, o Fundo de Cooperação entre a China e os Países de Língua Portuguesa, no valor de mil milhões de dólares, apenas apoiou três projectos, num total de 35 milhões. De acordo com representantes dos Países de Língua Portuguesa, este apoio não está a ser devidamente explorado e a causa pode estar associada à alta taxa de retorno exigida

 

[dropcap]P[/dropcap]arece-me que o Fundo não terá sido ainda explorado da forma que poderia ser e não só por Portugal, mas por todos os países”, afirmou ontem Carla Silva, coordenadora na Agência de Gestão de Tesouraria e de Dívida Pública portuguesa, referindo-se à aplicação do Fundo de Cooperação entre a China e os Países de Língua Portuguesa, à margem da cerimónia de encerramento do colóquio do Fórum Macau.

Segundo a responsável, a razão da pouca exploração do Fundo pode ter que ver com a elevada taxa de retorno exigida aos seus beneficiários. “Daquilo que percebemos, das conferências anteriores, o fundo não está a ser ainda devidamente explorado porque tem um preço muito elevado de retorno”, apontou.

Para resolver a situação, Carla Silva admite mesmo que o retorno exigido possa vir a ser alvo de revisão de modo a tornar este apoio financeiro mais acessível e mais útil. “Daquilo que percebi, até é possível que esta situação esteja revista em termos do fundo que o Fórum tem disponível para os países de língua portuguesa”, acrescentou.

Abrir aos pequenos

A necessidade de alterações ao modo de funcionamento deste Fundo de apoio aos países lusófonos é partilhada por alguns representantes que também marcaram presença ontem na mesma cerimónia.

Arlindo Dabata, de Moçambique mencionou no seu discurso que seria positivo abrir este apoio às pequenas e médias empresas. “Seria conveniente descentralizar o Fundo do Fórum de modo a que esteja acessível às empresas mais pequenas”, apontou.

A opinião é partilhada por Mussa Sambi, Secretário de Estado da Economia e Finanças da Guiné Bissau que sublinhou, em declarações aos jornalistas, que “as regras actuais são demasiado exigentes para as pequenas e médias empresas”. O responsável apela à flexibilização deste sistema.

Activado em Junho de 2013, o Fundo de Cooperação para o Desenvolvimento entre a China e os Países de Língua Portuguesa – de mil milhões de dólares americanos – anunciado em 2010 pelo então primeiro-ministro chinês, Wen Jiabao, aprovou, até ao momento, o financiamento de apenas três projectos, localizados em Moçambique, Angola e Brasil, concedendo um montante total de cerca de 35 milhões de dólares. Trata-se de um projecto agrícola em Moçambique da empresa chinesa Wanbao, um outro relacionado com o fornecimento de equipamentos para transmissão e distribuição de electricidade em Angola e um projecto de energia solar no Brasil.

31 Mai 2019

Pereira Coutinho pede medidas para acabar com burocracia e papéis nos tribunais

[dropcap]O[/dropcap] deputado José Pereira Coutinho quer saber que medidas o Executivo está a tomar para tornar os tribunais mais electrónicos e aumentar a competitividade face a outras regiões como Hong Kong, Singapura ou Taiwan. O conteúdo faz parte de uma interpelação escrita, ontem divulgada.

“Após quase vinte anos do estabelecimento da RAEM que medidas estão a ser planeadas e gradualmente implementadas pelo Governo no sentido de eliminar a burocracia nos tribunais com a digitalização dos processos e aumentando a sua competitividade regional e eficiência?”, questiona Coutinho.

Um dos pontos sublinhados é a necessidade de reduzir a utilização do papel, o que, segundo o legislador, vai gerar vários ganhos. “Em todo mundo e principalmente em países e regiões com elevado desenvolvimento económico se tem adoptado uma política de ‘cultura de papel zero’, incluindo os tribunais onde quase todos os documentos e outros papéis são convertidos em formato digital”, conta.

“Esta importante conversão permite economizar gastos administrativos e financeiros, aumentar a produtividade e eficiência dos serviços prestados à população, economizar espaços, facilitar a utilização simultânea e instantânea de documentos e proteger o meio ambiente com menos utilização de papéis”, sustenta.

Consultas online

Ao mesmo tempo, o legislador ligado à Associação dos Trabalhadores da Função Pública de Macau (ATFPM) quer saber se vão ser implementadas medidas que facilitem ainda mais o acesso aos processos transitados em julgado através da Internet. Actualmente, o portal dos tribunais já permite aceder a algumas decisões. Mas Coutinho quer ainda mais. O também jurista defende que todos as decisões constantes no arquivo devem ser digitalizadas e colocadas online. “Quando vai o Governo proceder à digitalização integral de todos os processos judiciais existentes nos arquivos e considerados documentos históricos de Macau?”, questiona.

Ainda de acordo com o deputado este são exemplos que estão implementados tanto em Singapura como em Portugal.

31 Mai 2019

Guerra Comercial | Lionel Leong confiante na economia do país

O secretário para a Economia e Finanças admite que houve uma quebra económica durante o primeiro trimestre, mas recusa, para já, que esta se deva ao impacto da guerra comercial que opõe a China aos EUA. Leong mostrou-se ainda confiante na economia chinesa, mas não nega que o consumo dos turistas possa ser afectado

 

[dropcap]A[/dropcap]pesar de admitir ter havido uma quebra no Produto Interno Bruto (PIB) durante o primeiro trimestre do ano em Macau, Lionel Leong recusa a ideia de que se trate de um efeito da guerra comercial entre os Estados Unidos e a China. Segundo o secretário para a Economia e Finanças a quebra aconteceu, mas ficou principalmente a dever-se ao facto dos grandes investimentos do Governo, como a Ponte Hong Kong-Zhuhai-Macau, ou ao facto de os grandes casinos, no sector privado, estarem concluídos.

“Em termos do Produto Interno Bruto (PIB) no primeiro trimestre, e em comparação com o período homólogo, houve uma redução. Em 2018 houve mais factores a contribuir para o crescimento do que os existentes neste ano. Já tinha previsto esta situação na Assembleia Legislativa que poderia haver uma alteração na economia”, afirmou Lieonel Leong. “Este ano houve alterações no investimento, não tivemos nenhum grande projecto público como no ano passado com a Ponte Hong Kong-Zhuhai-Macau. Também a nível do sector privado há menos investimento porque as infraestruturas ficaram quase todos concluídas em 2018”, explicou.

O secretário admite que a guerra comercial possa ter um impacto no poder de compra dos turistas, porém, mostra-se confiante no desempenho económico da China e de Macau. “Em termos do turismo sabemos que pode haver um impacto no poder de compra dos visitantes. Sabemos que esse é um facto importante. Mas vamos estar atentos”, clarificou Leong.

Já em relação a um possível um efeito negativo para as exportações chinesas para os Estados Unidos, que passam por Macau, Lionel Leong considerou que o impacto deve ser muito reduzido: “Também estamos atentos aos produtos da China que são exportados através de Macau para os Estados Unidos. Mas a quota de mercado é muito baixa e não é relevante para o PIB”, apontou.

O secretário mostrou ainda confiança inabalável na economia chinesa: “Em termos da guerra comercial estamos confiantes no desenvolvimento económico do País e de Macau”, sublinhou.

Em termos económicos, o Governo da RAEM garante que a prioridade passa por manter a economia estável. “Estamos todos a trabalhar para que a economia de Macau se possa desenvolver de forma estável. Fazemos os possíveis para também crescer, mas o objectivo é ter uma situação estável”, apontou.

31 Mai 2019

Emissão de dívida portuguesa em moeda chinesa “foi um sucesso”, diz ex-presidente do IGCP

[dropcap]O[/dropcap] ex-presidente do IGCP – Agência de Gestão da Tesouraria e da Dívida Pública João Moreira Rato sublinha que “Portugal foi precursor em termos de emissões soberanas em ‘panda bonds’” e considera que “a operação foi um sucesso”.

“É uma iniciativa positiva ir procurar novas bases de investidores da forma o mais segura possível e com os menores riscos possíveis”, afirmou João Moreira Rato, em declarações à agência Lusa.

“Acho que esta operação, principalmente, representa para Portugal uma opção de entrar num mercado que no futuro pode ser muito representativo, mas que nesta fase ainda está numa fase de desenvolvimento insipiente”, acrescenta o ex-presidente do IGCP.

Para João Moreira Rato, “o que se espera é que, tendo sido um dos primeiros a entrar e acumulando alguma experiência neste mercado, Portugal fique bem colocado no futuro para ter acesso a uma outra base de investidores, que é uma base de investidores com um potencial enorme”.

Embora apontando a componente “política” da operação, que deve ser inserida no “contexto das relações bilaterais entre Portugal e a China”, João Moreira Rato considera que esta aposta numa “base de investidores novas pode ser importante no futuro” e constituiu uma “justificação técnica” para a opção pelas ‘Panda Bonds’.

Quanto ao risco associado à operação, o ex-presidente do IGCP admite que “a cobertura pode ser difícil”, mas não a considera “arriscada demais”: “Penso que o IGCP há de ter acautelado os riscos e esse, provavelmente, foi um dos factores que levou a que a operação fosse mais pequena”, referiu.

“[A operação] pode fazer sentido do ponto de vista financeiro, em termos de explorar novas bases de clientes. Agora o que se pode é questionar se não haveria outras bases de clientes que também deveriam ser pensadas e que poderiam ser mais baratas, mas isso são escolhas que depois têm de se fazer”, disse à Lusa.

“Tenho a certeza que a escolha está bem fundamentada tecnicamente pelo IGCP, a partir daí é uma escolha mais política do Ministério das Finanças entre a opção A, B ou C”, acrescentou.

Portugal colocou ontem dois mil milhões de renmimbi (260 milhões de euros) em ‘Panda Bonds’ a três anos com juros anuais de 4,09%, anunciou em comunicado o tesouro português.

Segundo um comunicado divulgado na página da Internet do IGCP, a procura dos investidores pelos títulos “foi forte”, 3,165 vezes o montante colocado, tendo permitido rever em baixa a taxa de juro para 4,09%.

Em 27 de maio, o IGCP tinha anunciado que iria colocar dois mil milhões de renmimbi (260 milhões de euros) em ‘Panda Bonds’ a três anos com a taxa de juro a variar entre 3,90% e 4,5%.

Esta operação de ‘Panda Bonds’ foi a primeira emissão em moeda chinesa de um país da zona euro e a terceira de um país europeu. Com esta operação Portugal acedeu ao terceiro maior mercado de obrigações do mundo, refere ainda o IGCP.

A emissão realizada pelo IGCP só avançou depois de Portugal ter tido ‘luz verde’ das autoridades chinesas para emitir títulos de dívida em moeda chinesa – as chamadas ‘Panda Bonds’.

“Um sinal económico”

A emissão de dívida feita por Portugal em moeda chinesa é um sinal “mais económico do que político”, disse à agência Lusa Carla Fernandes, do Instituto Português de Relações Internacionais da Nova.

A investigadora do IPRI-Nova disse que a aproximação entre Portugal e China é algo que já está a acontecer “há muito tempo” e tem-se estreitado depois da visita do presidente chinês, Xi Jinping, a Portugal, no ano passado.

Carla Fernandes recordou que, durante esta visita, foram assinados vários protocolos, incluindo um para a emissão das ‘Panda Bonds’, que hoje foi concretizada.

Mais recentemente, foi o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, que visitou a China, recordou a investigadora, salientando que as boas relações entre os dois países tiveram a sua prova principal na transferência “muito pacífica” da soberania de Macau para a China.

Carla Fernandes deu ainda conta de que entre os países europeus “Portugal está no grupo” dos que contam com melhores relações com a China, tendo também a conta as ligações históricas entre os dois países ao longo de vários séculos.

31 Mai 2019

China acusa Estados Unidos de “terrorismo económico”

[dropcap]A[/dropcap] China declarou hoje que a guerra comercial bilateral iniciada pelo Presidente norte-americano, Donald Trump, com taxas alfandegárias punitivas e sanções contra empresas chinesas, é “terrorismo económico”.

“Somos contra a guerra comercial, mas não temos medo dela”, declarou o vice-ministro dos Negócios Estrangeiros chinês, Zhang Hanhui, em conferência de imprensa.

“Opomo-nos firmemente a este recurso sistemático às sanções comerciais, às taxas alfandegárias e ao proteccionismo. Esta instigação premeditada de um conflito comercial é terrorismo económico, chauvinismo económico e assédio económico em estado puro”, advertiu.

A declaração do responsável chinês surgiu no momento em que a China se mostra progressivamente mais ofensiva perante aquilo que considerou serem pressões intoleráveis de Washington.

A guerra comercial entre as duas potências intensificou-se desde que Washington aumentou, no início deste mês, as taxas alfandegárias punitivas sobre produtos chineses.

Donald Trump reforçou também a pressão sobre o gigante das telecomunicações chinês Huawei, “número dois” mundial dos ‘smartphones’ e líder planetário das redes móveis de quinta geração (5G).

Em nome da segurança dos Estados Unidos, uma lei proíbe desde o ano passado as administrações federais de comprarem equipamentos e serviços do grupo, ou de trabalharem com empresas terceiras que sejam clientes da Huawei.

A administração de Trump proibiu também as empresas norte-americanas de venderem tecnologia à Huawei, colocando em risco o aprovisionamento crucial para o gigante chinês de componentes electrónicos produzidos nos Estados Unidos.

“O unilateralisno e o assédio crescem e afectam gravemente as relações internacionais e os princípios fundamentais”, sublinhou Zhang Hanhui.

“Este conflito comercial terá igualmente um impacto negativo importante sobre o desenvolvimento e o relançamento da economia mundial”, advertiu o responsável chinês.

Perante o ataque de Trump, meios de comunicação social e responsáveis políticos chineses lançaram a ameaça de reduções nas exportações de terras raras para os Estados Unidos, o que poderá vir a privar as empresas norte-americanas de um recurso essencial para as tecnologias de ponta.

A China assegura mais de 90% da produção mundial deste conjunto de 17 metais, indispensáveis no fabrico de ‘smartphones’, ecrãs plasma, veículos eléctricos, mas também de armamento.

30 Mai 2019

Portugal realizou primeira emissão de dívida em moeda chinesa

Portugal começou ontem a emitir dívida no valor de dois mil milhões de renmimbis. A operação, intitulada “Obrigações Panda”, deverá implicar nova venda de dívida, com o mesmo montante, em 2020. Economistas falam numa tentativa da China de internacionalização da sua moeda

 

[dropcap]A[/dropcap] operação tem o nome do mais famoso animal chinês e é inédita para um país europeu. Portugal fez ontem uma emissão de dívida em moeda chinesa no valor de dois mil milhões de renmimbi (260 milhões de euros), com uma maturidade a três anos.

As “Obrigações Panda” (Panda Bonds) prevêem, de acordo com o jornal Expresso, que em 2020 se fará nova emissão de dívida com o mesmo valor. Ainda assim, esta operação representa um pequeno montante, tendo em conta que a Agência de Gestão da Tesouraria e da Dívida Pública (IGCP) vai emitir, este ano, obrigações no valor de quase 16 mil milhões de euros, a maioria na moeda europeia.

Com esta colocação, Portugal será o primeiro país da zona euro a emitir dívida em renmimbi. Na semana passada, quando confirmou a realização da operação, o secretário de Estado das Finanças afirmou que “o ‘pricing’ só será fechado no dia da operação, mas antecipa-se que seja superior ao equivalente em euros”. Ricardo Mourinho Félix adiantou que “é o custo de entrada num novo mercado”.

Também a presidente da IGCP, Cristina Casalinho, já disse que a emissão de ‘Panda Bonds’ surgiu como “uma oportunidade” para Portugal continuar a alargar a base de investidores.

“Hoje em dia dependemos crucialmente da base de investidores que temos e o que sabemos é que investidores que compram por exemplo em dívida alemã não investem em dívidas com níveis de risco mais elevado. Se a China pode surgir como uma alternativa de continuar no esforço de alargamento da base de investidores, é importante”, afirmou ainda a presidente do IGCP quando, na semana passada foi questionada sobre a operação.

Na ocasião, a presidente do IGCP disse que a operação demorou dois anos a ser negociada e que acredita que, apesar de ter uma taxa de juro associada “significativamente” mais elevada, compensará no longo prazo.

Entretanto, Mário Centeno, ministro português das Finanças, declarou ao canal de televisão CNBC que a colocação das “Obrigações Panda” a três anos em renminbis é “um passo positivo na gestão da dívida externa portuguesa no médio prazo”, disse.

Segundo a Global Capital, esta operação no mercado obrigacionista interbancário chinês dirige-se a investidores institucionais tanto a nível onshore como offshore, incluindo o uso da plataforma Bond Connect, lançada em 2017, que permite a investidores adquirirem obrigações tanto no mercado da China como de Hong Kong.

Por cá, Lionel Leung congratulou-se com a iniciativa lusa incentivando o reforço do papel de Macau enquanto plataforma entre a China e os países de língua portuguesa seja reforçado.

“Fui, ainda, informado que Portugal será o primeiro país da zona Euro a concretizar a emissão de obrigações Panda denominadas em RMB no Interior da China. Esta circunstância, além de nos encorajar a continuar a envidar os maiores esforços nos nossos trabalhos, fomentando o papel de Macau enquanto plataforma de prestação de serviços entre a China e os países de língua portuguesa é também, bastante significativa”, disse o secretário para a Economia e Finanças durante a conferência sobre a promoção da cooperação entre instituições bancárias de Macau e dos países de língua portuguesa, que decorreu ontem na RAEM.

Em prol da internacionalização

Para o economista Albano Martins, ao permitir que Portugal faça emissão de dívida na sua moeda é mais um passo para a internacionalização do renmimbi.

“À China interessa que isto aconteça porque faz circular moeda chinesa e fá-la tornar-se mais global. O renmimbi é uma moeda que está em constante depreciação”, defendeu ao HM.

Esta quarta-feira foi divulgado um relatório por parte do Departamento do Tesouro norte-americano que pede à China que evite a contínua desvalorização da sua moeda, mantendo o gigante asiático na lista de economias que merecem atenção por más práticas de câmbio.

O Tesouro norte-americano apontou que continua a ter “preocupações significativas” sobre as práticas monetárias chinesas, particularmente à luz do “desalinhamento e desvalorização ” do renminbi (nome oficial do yuan, a moeda nacional chinesa) em relação ao dólar.

“A China deve fazer um esforço conjunto para melhorar a transparência das suas operações e taxas de câmbio”, lê-se no documento. A moeda chinesa desvalorizou 8 por cento em relação ao dólar, no ano passado, representando um superavit comercial bilateral “extremamente grande e crescente” que, segundo o documento, cifrou-se 419.000 milhões de dólares em 2018.
José Morgado, economista, falou ao HM precisamente dos riscos cambiais para o Euro com a emissão de dívida em renmimbis. Tais operações “acarretam sempre um risco quando os países não têm resultados na moeda em que se endividam”.

“Quando Portugal tem financiamento numa moeda diferente, a questão que se põe é se, na altura do financiamento, tem receitas nessa moeda ou não. Se não tem, deve fazer a troca na moeda cambial e terá de comprar a moeda que necessita. Aí pode haver um risco, porque se a moeda que está a comprar for mais cara, pode ter um custo superior.”

Ainda assim, Morgado acredita que este é mais um passo dado pelo Governo Central em prol da internacionalização da sua moeda.

“Para que o renmimbi se internacionalize é necessário que haja mais negócios nessa moeda. A China, de modo a não estar dependente das moedas tradicionais e mais internacionais, como o dólar e o Euro, está cada vez mais a tentar fomentar os negócios na moeda chinesa.”

Tal “é importante em termos estratégicos para a economia chinesa, porque lhe dá uma posição geopolítica estratégica relativamente à moeda. Além disso, as empresas chinesas, que possuem negócios em renmimbis, não tem riscos cambiais associados por realizarem negócios noutras moedas”, acrescentou José Morgado.

Zona Euro “frágil”

Apesar de Portugal ser o único país da União Europeia (UE) a emitir dívida na moeda chinesa, cinco Estados-membros, nomeadamente a Alemanha, Bélgica, França, Irlanda e Itália colocaram, na semana passada, um total de 35 mil milhões de euros em títulos de médio e longo prazo através de leilões e operações organizadas por sindicatos bancários. Pagaram juros mais baixos em todas as emissões e registaram uma procura muito elevada nas operações sindicadas que chegou a mais de 70 mil milhões de euros.

O mercado pareceu funcionar apesar dos avisos feitos a semana passada pelo Banco Central Europeu (BCE), que disse que a economia da zona Euro está “frágil”, escreveu o Expresso.

Esta quarta-feira o Euro registou um valor mais baixo face ao dólar americano, numa altura em que se mantém a tensão entre Estados Unidos e China e os investidores procuram divisas consideradas refúgio, como o iene e o franco suíço. O Euro valia, no final da tarde de quarta-feira, 1,1134 dólares, abaixo dos 1,1165 a que negociava na terça-feira quase à mesma hora.

O conflito entre Estados Unidos e China, que começou com a imposição de novas taxas alfandegárias, agravou-se depois da recente decisão do Governo norte-americano de colocar o grupo chinês de telecomunicações Huawei numa ‘lista negra’, invocando argumentos de segurança nacional.

O Presidente norte-americano, Donald Trump, afirmou no Japão que os Estados Unidos “não estão prontos” para concluir um acordo com a China, mas também disse que existem “muito boas hipóteses” de isso acontecer em breve.

30 Mai 2019

Malásia vai continuar a usar equipamentos Huawei, diz Primeiro-ministro

[dropcap]A[/dropcap] Malásia vai continuar a usar os equipamentos do gigante das telecomunicações chinês Huawei “tanto quanto possível”, anunciou hoje o primeiro-ministro malaio, Mahathir Mohamad.

A “Huawei tem um enorme avanço, mesmo sobre a tecnologia norte-americana” e “o Ocidente” deve aceitar o domínio crescente das nações asiáticas, considerou o dirigente de 93 anos, por ocasião de um fórum económico em Tóquio.

A empresa chinesa tem meios de investigação e de desenvolvimento “bem mais importantes que toda a Malásia”, disse.

“Por isso, vamos tentar usar a tecnologia [da Huawei] tanto quanto possível”, acrescentou. Em vez de ameaçar os rivais, “os Estados Unidos devem aceitar a concorrência. Algumas vezes a China sairá vitoriosa, outras vezes serão os Estados Unidos”, disse o governante malaio.

Em plena guerra comercial contra Pequim, a administração do Presidente norte-americano, Donald Trump, proibiu recentemente as empresas dos Estados Unidos de venderem tecnologia à Huawei, “número dois” mundial dos ‘smartphones’, o que coloca em risco o aprovisionamento crucial para o gigante chinês de componentes electrónicos produzidos nos EUA.

Washington suspeita, sem até agora ter apresentado quaisquer provas, que a Huawei permite aos serviços de informações chineses de utilizar o seu material para espiar as comunicações nas redes móveis mundiais.

“Sim, talvez espiem. Mas o que há exactamente para espiar na Malásia? Somos um livro aberto”, afirmou Mahathir Mohamad. “Todos sabem que, se um país nos quiser invadir (…), nós não resistiremos, seria uma perda de tempo”, concluiu.

Em Abril passado, o Governo da Malásia anunciou que vai retomar um projecto de ligação ferroviária, de 668 quilómetros de comprimento, que liga a costa ocidental da Malásia aos estados rurais orientais, numa ligação essencial à iniciativa chinesa de construção de infraestruturas “Uma Faixa, Uma Rota”.

O acordo foi alcançado depois de o construtor chinês ter baixado os custos, sendo agora de 44 mil milhões de ringgits, uma descida de um terço em relação ao custo inicial de 65,5 mil milhões de ringgits.

Em Agosto de 2018, Mahathir Mohamad cancelou também a construção de dois oleodutos, financiados pela China e avaliados em milhares de milhões de dólares, no final de uma visita oficial a Pequim, onde esperava renegociar os termos dos contratos, apoiados por bancos estatais chineses.

30 Mai 2019

Crime | Macau, Hong Kong e Guangdong reforçam combate

[dropcap]A[/dropcap]s forças policiais de Macau, de Hong Kong e da província chinesa de Guangdong reuniram-se terça-feira para reforçarem a cooperação no combate à associação criminosa, imigração ilegal e exploração de prostituição, informaram ontem as autoridades.

O encontro decorreu na cidade de Foshan e juntou responsáveis das polícias de investigação criminal das três regiões que integram o projecto da Grande Baía.

As forças policiais partilharam estudos sobre as novas formas de cooperação no combate à criminalidade transfronteiriça, bem como as estratégias face a fenómenos como o tráfico de droga, crimes de burla e branqueamento de capitais.

30 Mai 2019

Emigrantes dizem que nada foi feito para que fossem votar

[dropcap]V[/dropcap]ários representantes da emigração defenderam ontem, em Lisboa, que nada foi feito para que os emigrantes fossem votar nas eleições europeias, reclamando mais acção dos partidos e do Governo portugueses na mobilização dos eleitores.

A análise aos resultados das eleições europeias de 26 de Maio na emigração, onde a abstenção se situou nos 99%, marcou ontem a reunião dos membros do Conselho Permanente das Comunidades Portuguesas (CCP) com os deputados da Comissão Parlamentar de Negócios Estrangeiros e Comunidades Portuguesas.

Nestas eleições, o universo eleitoral no estrangeiro subiu de menos de 300 mil para 1.431.825 eleitores, em resultado de alterações introduzidas no processo de recenseamento dos emigrantes, que passou a ser automático, com o número de votantes a situar-se nos 13.816.

“Estamos todos recenseados, mas nada foi feito para irmos votar. Nenhum partido fez campanha, não houve informação”, disse António Cunha, que representa os portugueses residentes no Reino Unido.

Nelson Ponta Garça, dos Estados Unidos, classificou o recenseamento automático como “a maior vitória” das comunidades nos últimos anos, mas apontou falhas aos partidos e à administração eleitoral na forma de comunicar com as comunidades, defendendo uma maior aposta nas redes sociais.

“Já não estamos no tempo dos dinossauros”, disse, considerando que as mensagens de sensibilização para o voto através das emissões internacionais da televisão pública não chegam à maior parte das comunidades.

“A rede consular está rebentada, estoirada, miserável. É a preocupação número um das comunidades e é essencial resolver esta questão”, disse.

Conselheiros e deputados apontaram falhas na votação em países como a França, Bélgica ou Luxemburgo, onde os portugueses com dupla nacionalidade não conseguiram votar para a eleição de eurodeputados portugueses, defendendo a necessidade de analisar estas questões com vista a fazer os ajustamentos possíveis.

É já a seguir

Com as legislativas de 6 de Outubro no horizonte, todos os partidos políticos se comprometeram a reforçar o trabalho de divulgação e sensibilização para o voto junto da emigração.

“Temos de trabalhar no sentido de garantir maior proximidade das mesas de voto aos eleitores”, disse Paula Santos, do PCP.

O Conselho Permanente, órgão de cúpula do Conselho das Comunidades Portuguesas, está reunido até sexta-feira em Portugal na sua habitual reunião anual.

Com um mandato de quatro anos, os conselheiros estão organizados num conselho permanente, conselhos regionais, comissões temáticas, secções e subsecções, e reúnem-se em plenário, em Portugal, uma vez por mandato.

30 Mai 2019

Da identidade dos Macaenses e de outros portugueses do Oriente (continuação)

[dropcap]E[/dropcap]m Portugal, a referência a pessoas de determinada localidade expressa-se, pelo adjectivo derivado do nome da mesma localidade. Por exemplo: lisboeta é o natural de Lisboa, ou gente de Lisboa. Na China, a forma para designar a naturalidade é semelhante. Por exemplo: Beijing ren, Xangai ren (gente de Pequim, gente de Xangai).

No caso de Macau, único em todo o território da China, Ao Men ren (gente de Macau, em mandarim) Ou Mun yan (em cantonense) é uma designação que não inclui toda a população de Macau. Na minuciosa especificação que os chineses fazem da população de Macau, Ao Men ren ou Ou Mun yan não significa toda a população de Macau. Significa, apenas, a população chinesa de Macau.

Os macaenses são designados, pelos chineses de Macau, por “t’ou-san” (filhos e filhas da terra, habitantes locais).

A população chinesa de Macau distingue os portugueses em: macaenses e reinóis, ou metropolitanos. Aos euro-asiáticos ou macaenses chamam “t’ou-san”, como já se disse. Aos “portugueses de Portugal” chamam “Kuai-lôu” (gíria: diabo, ele ou ela). E especificam ainda o género: “ngau-sôk” (lit.: tio boi) e “ngaû-pó”(lit.: mulher vaca).

Por seu lado, os macaenses distinguem-se dos chineses. Tradicionalmente autodenominavam-se “macaístas” ou “maquistas” e designavam os chineses por “chinas”.

Os chineses de Macau que recebiam o baptismo e adquiriam um nome cristão/português eram conhecidos por “chong cao” (convertido ao cristianismo, novo cristão).

O peso social dos macaenses em Macau outorgou-lhes a distinção social “t’ou-san” que, ao mesmo tempo, impede “Ao Men Ren” ou “Ou Mun yan” de significar “todos os naturais de Macau”, como acontece em todas as localidades do Continente. Isto significa que, do ponto de vista dos chineses de Macau, a sua terra é uma singularíssima excepção na China. É deles. Mas é, também, dos macaenses.

O fenómeno da miscegenação não é vulgar no interior da China. Quando existe alguém, meio chinês e meio estrangeiro, a designação é “Hun Xue Er”, literalmente: misturado; mestiço.

8. A Mulher na Família Macaense

“1600 – Macau conta na sua população com 600 famílias indo-portuguesas” (B.B. Silva : ob. cit.)
“1635 – António Bocarro diz na sua Descrição de Macau:

Os cazados que tem esta cidade são oitocentos sincoenta portugueses e seus filhos que são muito mais bem dispostos, e robustos, que nenhum que haja neste oriente, os quaes todos tem huns e outros seis escravos darmas de que os mais e milhores são cafres e outras naçoens(…).

Além deste número de cazados Portuguezes tem mais esta cidade outros tantos cazados entre naturais da terra, Chinas Christãos que chamam jurubassas de q’ são os mais, e outras nações xtãos (…).

Tem alem disto esta cidade muitos marinheiros pilotos e mestres solteiros Portuguezes os mais delles cazados no Reino, outros solteiros que andão, nas viagens de Japão, Manila, Solor, Macassar, Cochinchina, destes mais de cento e sincoenta, e alguns são de grossos cabedais de mais de sincoenta mil xerafins que por nenhũ modo querem passar a Goa por não lançarē mão delles ou as justiças de Sua Magde. e assy tambem muitos mercadores solteiros muito ricos em que melitão as mesmas razões”. (idem).

Ao longo do século XVII, apenas uma mulher portuguesa (europeia) existiu em Macau (MONTEIRO: 2007). Peter Mundi afirmou também que, em 1632 – quase um século depois do estabelecimento dos portugueses em Macau – não existia na cidade mais do que uma mulher europeia, sendo as outras mestiças, euro-asiáticas.

Sobre a participação da mulher chinesa na construção da sociedade macaense, a historiografia divide-se. Bento da França (1897), Álvaro de Melo Machado (1913), Francisco de Carvalho e Rego (1950) e Carlos Estorninho (1952), entre outros, argumentam que a entrada das mulheres chinesas na sociedade de Macau foi tardia: “Por três séculos /…/ os portugueses não casaram com mulheres chinesas “. Posição contrária é tomada por Charles Boxer (1942) e pelo Padre Manuel Teixeira (1965), entre outros, que sustentam a participação da mulher chinesa na sociedade macaense, desde o início: “Os portugueses casaram com mulheres chinesas e, assim, (Macau) gradualmente foi povoada. (D’Avalo: 1638, citado por BOXER: 1942).

Eu defendo a participação tardia da mulher chinesa na sociedade macaense pelas seguintes razões:

– Os padrões de controlo social, tradicionalmente xenófobos entre os chineses, desqualificavam socialmente as mulheres chinesas que se relacionassem com estrangeiros. Esta situação parece ter começado a sentir algum alívio somente após a proclamação da República na China (1911).

– Era costume antigo em Macau, a afixação e circulação de “pasquins” contendo crítica social: ao governador, a pessoas com destaque social e a factos e eventos que pisassem os limites da “normalidade macaense”. Produzidos no séc. XIX, existem “pasquins” ridicularizando, em patuá, casamentos anunciados, de homem macaense ou reinol com mulher chinesa. Isso não aconteceria se tais casamentos fossem uma prática habitual;

– Construído em 1860, o Teatro D. Pedro V é propriedade da Associação dos Proprietários do Teatro D. Pedro V cujos Estatutos não permitiam a entrada a chineses. Esta discriminação étnica não aconteceria se fosse comum a mulher chinesa deter o estatuto de cônjuge nas famílias macaenses;

– os chineses convertidos à religião católica, nascidos em Macau, recebiam a designação de “tchong cao” (inscrito na religião, novo cristão) mas não o de “tou san” (filho da terra), embora beneficiassem de um estatuto mais próximo do dos macaenses.

– O crioulo de Macau (Patuá ou Maquista) é gémeo do crioulo de Malaca [Kristang] e o seu léxico contém escassa influência do cantonês (BATALHA: 1988). Como língua falada predominantemente na relação familiar – linguagem que se aprende no berço -, parece que a influência decisiva na construção da Família Macaense, entre os sécs. XVI e XIX , não terá sido da mulher portuguesa, nem da mulher cantonense. Esse papel terá sido desempenhado principalmente pela mulher euro-asiática não chinesa, (indo-portuguesa, de Malaca e de Timor-Flores, principalmente). À medida em que a influência da mulher euro-asiática não chinesa se foi distanciando, o Patuá foi perdendo terreno para o português padrão, acolhendo escasso número de léxico inglês – e de muito cantonense – que o conduziu ao processo de extinção, a par da entrada da mulher cantonense na sociedade macaense que alcança o seu auge entre 1945 e 1974, e marca o fim do papel da mulher asiática não chinesa na sociedade macaense e a sua substituição pela mulher cantonense.

– A sociedade macaense tradicional, marcada pela mulher asiática não chinesa, tinha uma identidade própria que se empenhava na sua diferenciação activa do sul da China. Sempre resistiu à sua diluição no ambiente chinês, em retribuição, aliás, à atitude relutante dos chineses em relação à intrusão dos portugueses em território da China.

9. A ambivalência Cultural Macaense

A comunidade macaense euro-asiática de origem chinesa, bem como os precedentes macaenses euro-asiáticos de origem não-chinesa, atribuíam um peso desigual aos elementos constitutivos da sua herança cultural ambivalente.

Historicamente, a componente portuguesa era maximizada e a componente asiática secundarizada.

Para um observador menos atento, certos comportamentos, com maior visibilidade no relacionamento de netos luso-chineses com avós maternos chineses, poderiam parecer incompreensíveis. Não resultando de conflito inter-geracional, a sua origem situava-se em “zona de diferença étnica”, aprofundada por eventual incompatibilidade cultural (escarro ou arroto ruidoso, uso dos pausinhos que vão à boca para retirar comida da travessa, etc.).

A primeira geração de um casamento luso-chinês (homem português com mulher chinesa é o “casamento regra” entre 1945/74) é detentora de uma herança biológica mestiça paritária (50% chinesa-han/50% portuguesa-europeia). Mas este equilíbrio genético – que se mantém pela vida fora – não é observado no desenvolvimento comportamental dos indivíduos.

Segundo Albert Bandura, psicólogo contemporâneo que elaborou a teoria da aprendizagem social, uma das mais importantes fontes de influência na aprendizagem humana é o comportamento dos outros. Diariamente somos expostos a uma enorme multiplicidade de modelos que, em diferentes contextos, exibem, desde os comportamentos mais simples, aos mais complexos. A observação desses comportamentos e das suas consequências será, em grande parte, determinante na aprendizagem.

Mas a aprendizagem humana é selectiva. Os indivíduos tendem a imitar as figuras que lhe são significativas.

Em regra, na primeira etapa da vida, o horizonte de observação e aprendizagem do indivíduo é o seu ambiente familiar, nomeadamente a estrutura interna da família.

Quer na China, quer em Portugal, a autoridade parental, o papel de liderança da família, é atribuído ao marido / pai. Daí decorre a assumpção da herança cultural paterna como património familiar principal, mesmo quando ele opta pela educação dos seus filhos no exterior ou em escolas estrangeiras.

Os casamentos inter-étnicos luso-chineses são principalmente entre homens portugueses e mulheres chinesas.

Em tais casamentos, as referências culturais portuguesas são transmitidas de uma geração para a seguinte como as principais referências.

10. A educação dos macaenses

Uma das decisões mais importantes nos casamentos luso-chineses diz respeito à educação das crianças. A educação nas escolas portuguesas era a escolha óbvia. Tão óbvia quanto a autoridade do pai dentro da família.

A opção pela educação em português era a centrifugação definitiva que separava as duas componentes culturais das crianças macaenses, moldando a sua matriz cultural portuguesa e relegando os elementos da sua herança cultural chinesa para a periferia dessa matriz básica.

É, portanto, compreensível que os macaenses falem, leiam e escrevam português, mas, em regra, não podem ler nem escrever chinês, embora falem cantonense.

A capacidade de ler e escrever uma língua é a chave para o acesso à respectiva cultura.

No caso dos macaenses, o domínio do português falado e escrito tem sido o factor decisivo da sua ligação à cultura portuguesa. Da mesma forma, a incapacidade de ler e escrever chinês tem sido o factor determinante do seu distanciamento da cultura chinesa, de cujas formas mais eruditas são absolutamente estranhos.

Depois de concluírem os estudos secundários, alguns jovens macaenses, em regra, iam para as Universidades portuguesas e os restantes permaneciam em Macau. Para estes, a sua entrada na vida profissional, principalmente no Funcionalismo Público, coroavam os esforços iniciados com a decisão tomada pelo pai quando eram crianças e recompensava-os com o prestígio social de fazer parte da máquina administrativa que regulava a vida de Macau.

Era impossível e impensável que um jovem macaense completasse o ensino secundário e fosse continuar os estudos numa universidade chinesa, no Continente ou em Taiwan.

(continua)

30 Mai 2019

A rosa selvagem

«Con cua nằm yên trên thớt
Không biết khi nào con dao sẽ rơi.»*

“[dropcap]V[/dropcap]iemos ver se estavas intacto”, foi o que disseram, enquanto um deles colocava as mãos nos meus ombros, como se quisesse cravar-me no chão. “Saber como evoluíste. Quem és”. No limiar do milésimo avaliavam a minha robustez, mas também a minha cognição. Quase que não tive tempo para falar, nem sabia o que dizer, o resultado da minha existência não tinha sido para além do satisfatório. Mas eles tomavam-me apenas como um exemplar, não me queriam apontar valor menos comensurável. A ideia nunca terá sido fazer de mim um líder, nem a espinha dorsal de um povo. Deixaram-me estar. Hoje, sei que em situações de apuro, não foram muitas, me deram a mão. Mas ao longo dos anos, não se intrometeram na minha vida e deixaram-me ao deus dará.

Se não fosse comigo, se estivesse a falar de outra pessoa, seria fácil colocar este assunto no papel sem indignar o próximo. Sempre que o faço, ouço logo uma série de palavrões para que pare de inventar, porque o que digo não corresponde à verdade. “Lá estás tu!”, é a expressão que usam. Ninguém tem de acreditar. Cada um vive na sua psicosfera, maios ou menos amedrontados pelos seus temores. E daí não se sai. Cada um com o seu mambo. Apesar do limite difuso, considero que é melhor pôr a cabeça fora da toca e ficar sujeito aos temporais, aventurando-nos pela brecha que encontrarmos, ou na graça de uma linha invisível, do que ficar quietinho receosos do desconhecido. Por isso, vou continuar a contá-lo. Saltou o fim primeiro. Não faltarão mais intermissões.

Preciso de me socorrer da Internet para reportar o dia certo em que ocorreu. A relevância em saber o dia, a hora ou o mês é menor. A importância de determinada ocorrência tem sempre uma condição redutora quando amarrada à memória. Vale o que vale. Tivesse ocorrido uma catástrofe natural ou um jogo de futebol, teria sido mais notado. Seja como for, não sou capaz de contá-lo de maneira a que faça sentido. Nunca soube.

Tinha 18 anos e saía do Cinema Condes, em Lisboa, onde acabara de ver o filme ‘Platoon’ com o meu avô. O último filme que vi com ele. Enaltecido pelos Óscares, tinha estreado há pouco em todo o país. Ele queria ver a História a acontecer, crua e imbecil, o comportamento humano, a voracidade dos americanos, perdidos e sem freio, a reacção vietcongue, a crueldade do campo, das famílias indefesas e de como, no meio de toda aquela iguaria, era retratado o comunismo. Eu quis ir porque gostava do realizador no seu fato de argumentista e porque era o filme mais badalado da altura, um filme duro. Oliver Stone realizava o seu primeiro grande projecto cinematográfico. Duas horas cheias de carnificina e explosões no escuro, era o que nos esperava.

Qualquer filme sobre a Guerra do Vietname tinha como termo de comparação ‘The Deer Hunter’ – não sei se ainda tem – que tinha visto anos antes no prolongamento de uma noite de passagem de ano. Em Portugal intitulou-se ‘O Caçador’. Um filme interminável, que nunca termina na nossa cabeça, com as suas frentes, a guerra e a paz, e nada pelo meio. O sangue-frio que preludia a luta desumana com uma caçada ao veado; concluída na paz podre do regresso à vida mundana, deixando o espírito em fervura para sempre. Só há uma vida quando alguém se vê acolhido numa guerra. Esgotam-se, uma coisa na outra. Não há espaço para mais. Quem sobra, fica apenas com o corpo como contento. Um dos caçadores era John Savage, ídolo de miúdo. Entrava também no enredo sobre a guerra civil em El Salvador, filmado por Stone no ano anterior. Savage interpretava aí um fotojornalista destemido que acaba por morrer sob fogo cruzado, agarrado à sua câmara. “You got to get close to get the truth. You got too close you die.”

Embora tentassem, no Platoon os actores não eram tão carismáticos como no Caçador; ali era mais a acção, a câmara em cima das personagens, a correr a seu lado, sem complacência, como mais um companheiro de batalha, ou a face do inimigo. A virtude de estar vivo perante o sacrifício de uma luta que não era a deles, em nome de um ideal de pátria, que se escondia debaixo das unhas, sem significado aparente. “We didn’t fight the enemy, we fought ourselves… and the enemy was in us!”, confessava o protagonista destroçado. Não eram os bravos do pelotão, epíteto que se colou ao rótulo da versão portuguesa, eles tentavam apenas safar a pele, levando o corpo como salvação ao regressar a casa. Ou o que restasse dele. A morte crua em todo o alcance da razão. A câmara a transportar os corpos trucidados para dentro dos choppers Huey, que se avantajavam para permanecer incólumes no ar. Tudo isso às escuras no Cinema Condes, que já tinha sido cave para sociedades secretas onde, entre meninas e conspirações contra a pátria, se cozinharam outros vietnames. Sob o olhar vesgo das hordas de cinéfilos locais, o Condes seria tomado pelos americanos mais tarde. Não há nota de que algum helicóptero o tivesse acudido.

Se no Caçador, a hipertrofia mental era simbolizada por Robert De Niro como alicerce para uma exacerbada tragédia fílmica; no hiper-realismo caricatural de Oliver Stone, originalmente escrito a pensar em Jim Morrison como o herói, o apogeu e queda revelam-se com a morte de Willem Dafoe, o messias do Vietname, que não teve tempo para ser pregado à cruz. Em ambos, a linha para a realidade é delicada e a tensão é glorificante. Actores que se transformam em máquinas de guerra sem discórdia. O sargento De Niro, o mais bravo da matilha, a usar balas reais na rodagem na famosa cena da roleta russa. Não esquecer a banda sonora, que nos ficou também a circundar as sinetas da emoção. Avô e neto. Cada um para seu lado, em tempos de vida diferentes, em conhecimento díspar. O bíblico Dafoe de braços no ar, num ressalvar dos céus para a Quinta Sinfonia de Mahler, que não o era, mas que tanto fazia, porque a conhecíamos melhor, num pequeno adágio que já tinha surgido no ‘Homem Elefante’, erigido no início dessa mesma década por David Lynch e em mais uns quantos filmes. Eu sei, o Valério Romão, colega de carteira e de apelido, diz sempre que me perco. É verdade. Aqui, os pregos da memória colam-se com cuspo.

Samuel Barber, um génio que aos dois anos já dedilhava as teclas de um piano e aos seis era a coqueluche dos saraus familiares, escreveu, aos 26 anos, o adágio mais triste que as cordas podem fustigar. Um tormento. Em Lynch, picotado ao definhar de Joseph Merrick; em Stone, à firmeza de Charlie Sheen de nunca voltar para casa. A obra expressa a coragem do compositor para sair do seu covil, ostentando na arte o verdadeiro sentir. Misantrópico. “No doubt many wonderful souls have shrunk and refused to put their real emotions into art for others to know”. A transcendência confessional do seu talento traduzida em absoluta tristeza por não ousar análoga veracidade no batalhão familiar. Perde-se o corpo fica a alma.

Mas não foi o filme que importou nesse dia. Nem o facto de conversar com o meu avô sobre ele. que não sobreviveu à sua traiçoeira guerra, “the smell of napalm in the morning”, meses depois. Foi, sim, o chamamento que se lhe seguiu. A verificação do estatuto. O último check-out, que se prolongou num longa metragem, até ao dia em que escrevo.

Já os tinha notado quando fui à casa-de-banho no Condes. Fizeram-me sinal, era inconfundível. Não eram seres com antenas ou luzinhas a brilhar no olhar, nem vinham vestidos de negro, era gente comum. Pessoas banais: arrumadores de carros, vendedores de fruta, rapariguinhas perfumadas de lanterna no escuro do cinema. Passavam despercebidos, mas existiam para recolocar as linhas do espaço; para que o desenho que tinham elaborado, em recorrentes abduções infantis, não sofresse quebras. Seguindo o argumento de que todos fazíamos parte.

Viver é sofrer, dizem os veteranos do Vietname. Somos como o caranguejo que aguarda o cair da faca. Sobrevive-se encontrando sentido no sofrimento, uma luta de mentiras e propaganda levada pelos tecnocratas e fazedores de armas. Todos os homens são criados iguais. Acreditamos no mesmo. Vida, liberdade e busca da felicidade. Espírito aberto. Tudo se passou enquanto o meu avô fumava o seu último cigarro. Ficara tudo como estava. “Quem eram aqueles?”, terá pensado sem perguntar, antes de entrarmos num “carro de praça”, como ele chamava aos táxis. Achou que não seria importante. Não lhe disse que os bravos do seu pelotão tinham perdido a guerra. Quem haveria de supor que o desfecho seria esse? A luta é sempre desigual. Não faz sentido. Não é preciso ser maior de idade para chegar a essa conclusão.


* «O caranguejo fica quieto na tábua de cortar. Sem saber quando a faca vai cair.»

Escrito por um soldado vietcongue desmoralizado, após a sangrenta batalha de Ia Drang, em 1965; lugar onde o Vietname não é Norte nem Sul, mas apenas terreno perdido em mata densa e traiçoeira.

30 Mai 2019