A questão do desenvolvimento sustentável

“It’s widely recognized that there is no peace without development and no development without peace; it is also true that there is no peace and sustainable development without respect for human rights.”
António Guterres

 

[dropcap]A[/dropcap] “Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável” e os dezassete “Objectivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS)” são ambiciosos e definem prioridades e aspirações globais para 2030. Os ODS procuram “acabar com a pobreza extrema em todas as suas formas e criar os alicerces de uma prosperidade sustentável para todos. O seu sucesso depende fortemente da acção e colaboração de todos os actores, incluindo governos a nível nacional e sub-nacional, além da sociedade civil e do sector privado. O caminho para alcançar a Agenda 2030 é obstruído por desafios assustadores e obstáculos, incluindo mudanças climáticas, fragilidade e conflitos, pandemias e muitos outros.

O espírito ambicioso dos ODS requer uma mobilização sem precedentes de recursos financeiros, conhecimento e parcerias nos níveis global, nacional e sub-nacional. A mobilização dos recursos financeiros necessários é uma componente essencial para alcançar os ODS, e há muitos desenvolvimentos inovadores que contribuirão para os esforços globais. Em Julho de 2015, o “Financiamento para o Desenvolvimento” entrou em uma nova era, quando a comunidade global concordou com a “Agenda de Acção de Adis Abeba”. A comunidade de desenvolvimento global está empenhada em procurar novas abordagens para movimentar a discussão de milhares de milhões de dólares em “Ajuda Oficial ao Desenvolvimento” para triliões em recursos financeiros de todos os tipos como públicos e privados, nacionais e globais.

O mundo precisa de financiamento inteligente para o desenvolvimento que vá muito além do preenchimento de lacunas de financiamento e que possa ser usado estrategicamente para desbloquear, alavancar e catalisar fluxos privados e recursos domésticos. Não obstante o papel fundamental que o financiamento desempenha no apoio aos países na implementação da “Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável”, é necessário complementar esses esforços com novas abordagens e ferramentas, para criar uma dinâmica e acelerar o progresso. É preciso apoiar os países no aproveitamento da tecnologia que está a perturbar os mercados económicos tradicionais.

É possível atingir esse fim abraçando o poder da tecnologia em áreas como a “FinTech” (refere-se à integração de tecnologia em ofertas de empresas de serviços financeiros, a fim de melhorar o seu uso e entrega aos consumidores. Funciona principalmente ao separar as ofertas dessas empresas e criar novos mercados para as mesmas), para melhorar o acesso ao financiamento, bem como aproveitar melhor o poder dos grandes volumes de dados para apoiar as decisões políticas ligadas aos ODS. O “Relatório de Desenvolvimento Mundial do Grupo do Banco Mundial”, intitulado “Dividendos Digitais”, documenta muitos exemplos em que as tecnologias digitais promoveram a inclusão, eficiência e a inovação. Ao mesmo tempo, os avanços tecnológicos podem deixar milhões de pessoas excluídas. As informações mostram que a adopção digital por empresas em países em desenvolvimento tem sido lenta.

A automatização está a perturbar os mercados de trabalho e irá deslocar um número significativo de postos de trabalho nas próximas décadas e não se deve esquecer que três mil milhões e seiscentos milhões de pessoas ainda não têm acesso à internet. É de entender que alavancar a tecnologia para o bem público requer cooperação e parcerias globais para ampliar os seus benefícios, identificar os riscos e mitigá-los. Aprendemos dez anos após a crise financeira, que prevenir e lidar com os riscos numa fase precoce é menos dispendioso em termos financeiros e humanos do que abordar essas questões demasiado tarde. A tecnologia oferece novas oportunidades, mas também introduz novos riscos, incluindo o aumento da desigualdade dentro e entre países.

São necessárias medidas urgentes para maximizar os potenciais benefícios e atenuar os riscos pelo que é necessário ajudar os países a investir mais, e de forma mais eficaz através dos seus cidadãos para se prepararem para o que será certamente um futuro mais exigente em termos digitais.

É chegado o momento de criar parcerias fortes para construir economias sustentáveis e orientadas para a tecnologia e para expandir a capacidade das pessoas e das instituições para prosperar nesse ambiente em rápida evolução. A Agenda 2030 e os ODS são ousados e transformadores na sua procura por um mundo inclusivo e sustentável. Alcançá-los exige aceitar e agir com base nos princípios em que se baseiam, fazer grandes investimentos e implantar inovações e tecnologias a preços acessíveis para os países mais pobres. Além disso, um estado de paz é vital para o desenvolvimento sustentado, mas infelizmente, os cidadãos de países mergulhados em conflitos, incluindo refugiados e deslocados internos, ficam afastados enquanto o conflito continua. Até à data, o nível de compromisso necessário para que os ODS sejam alcançados não se concretizou e muito mudou geopoliticamente desde que os “Objectivos” foram acordados em 2015.

O clima político para avançar tanto os ODS como o relacionado “Acordo de Paris” sobre as alterações climáticas é menos propício a dar prioridade a estas agendas globais do que era antes. A principal mensagem do “Índice dos ODS” de 2018 e do “SDG Index and Dashboards Report 2018”, que foi realizado com o apoio da “Rede das Soluções para o Desenvolvimento Sustentável” e da “Fundação Bertelsmann Stiftung” foi que nenhum país está no caminho certo para atingir todos os ODS até 2030. Tal é sóbrio e surge a questão de quais são as principais barreiras ao progresso? A sabedoria convencional apontaria para a persistência de níveis significativos de desigualdade, degradação ambiental incluindo as alterações climáticas, conflitos em curso e falta de financiamento como barreiras. Mas o mesmo acontece com a vontade política e o apoio público muitas vezes insuficientes nos países ricos e pobres para tomar as medidas necessárias para promover o desenvolvimento sustentável. Um princípio fundamental da “Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável” e dos ODS é não excluir ninguém. No entanto, muitos estão a ser excluídos, na medida em que há pouca esperança na actual taxa de progresso ou falta dela de erradicar a pobreza extrema ou a fome até 2030, como os ODS aspiram fazer.

Assim, de acordo com as tendências actuais, aqueles que vivem em extrema pobreza com menos de 1,90 dólares por dia ainda serão cerca de 6 por cento da população mundial em 2030, ou seja, cerca de quatrocentos a quatrocentos e setenta e cinco milhões de pessoas. A fome no mundo tem aumentando nos últimos três anos, afectando oitocentos e vinte e um milhões de pessoas em 2017, ou seja, uma em cada nove pessoas no mundo.

O mundo não está perto de cumprir a ambição do “Acordo de Paris” de limitar o aumento da temperatura global a menos de dois graus Célsius, e de preferência não mais de 1,5 graus que é a maior questão da “Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP 25)” que se realiza em Madrid de 2 a 13 de Dezembro de 2019 sob a Presidência do Governo do Chile e realizada com o apoio logístico do Governo da Espanha.

A maior concentração de desafios ao desenvolvimento sustentável está nos contextos frágeis do mundo e de acordo com a definição da OCDE, as pessoas que vivem nesses contextos representam quase um quarto da população mundial ou seja mil milhões e oitocentos milhões de pessoas. Prevê-se que esse número aumente para dois mil milhões e trezentos milhões de pessoas até 2030. Será que este panorama algo sombrio pode ser invertido? É tempo da ONU e instituições financeiras internacionais e regionais explicitarem claramente a escala do défice em curso até à data, e de intensificarem a defesa de um maior empenho e acção em toda a agenda dos ODS.

Seria inconcebível que a comunidade internacional fosse à deriva, sabendo que em 2030, a apenas onze anos de distância, centenas de milhões de pessoas ainda estarão profundamente empobrecidas, famintas, sem acesso a serviços básicos e expostas a um mundo em direcção a um aumento de temperatura de mais de 3 graus se não forem feitos esforços muito maiores. Há actualmente um mérito considerável tanto em aumentar a cooperação internacional para o desenvolvimento como em concentrá-la naqueles que estão a ser afastados. É este o sentido da mensagem do relatório “Fragilidade, crise e não deixar ninguém excluído” emitido pelo “Overseas Development Institute (ODI)” do Reino Unido e pelo “Comité Internacional de Resgate (IRC na sigla inglesa)” em 2018. Defendem, nomeadamente, que se dê prioridade às políticas, acções e financiamento das pessoas em contextos frágeis, bem como ao preenchimento de lacunas de dados e aqueles que são apanhados em crises, incluindo refugiados e deslocados internos, ou aqueles que são marginalizados de outra forma e excluídos da recolha de dados, disfarçando assim o nível de necessidades que têm.

O ODI e o IRC têm sido contundentes ao afirmar que não agir agora significa que os ODS não serão atingidos, comprometendo a credibilidade da comunidade internacional e deixando milhões de pessoas a morrer desnecessariamente. No grande esforço necessário para fazer avançar os ODS, todos têm um papel a desempenhar. A cooperação para o desenvolvimento Norte-Sul continuará a ser importante, em especial para os países mais pobres pois com efeito, será essencial para retirar os últimos quatrocentos a quatrocentos e setenta e cinco milhões de pessoas da pobreza extrema, uma vez que o crescimento global previsto, por si só, não o fará.

O apoio deve ser canalizado directamente para a saúde, educação e protecção social em um número estimado de quarenta e oito países caracterizados por baixos rendimentos, em desenvolvimento e frágeis. O “empoderamento” e a plena inclusão das mulheres serão também vitais para a promoção do desenvolvimento humano em geral. No que diz respeito à adaptação às alterações climáticas, os países mais vulneráveis necessitam de apoio urgente. O “Fundo Verde para o Clima” está fortemente subcapitalizado e o “Fundo Mundial para o Ambiente” são parceiros de confiança dos países em desenvolvimento e podem fazer o bem com recursos adequados. Quanto à mitigação, é necessário dar prioridade a duas áreas principais de acção, pois o mundo tem de ultrapassar a sua dependência do carvão e de outros combustíveis fósseis.

A produção e o consumo globais de carvão aumentaram em 2017, após dois anos de declínio. Novas centrais de energia movidas a carvão continuam a ser construídas e financiadas por alguns parceiros de desenvolvimento. Tal contraria as advertências do “Painel Intergovernamental sobre as Alterações Climáticas (IPCC na sigla inglesa)” de que só restam onze anos para agir no sentido de evitar a catástrofe climática e que o carvão deve ser totalmente eliminado até 2050. Essa transição tem de começar imediatamente. É necessário parar a desflorestação tropical, que contribui actualmente com 15 por cento de todas as emissões globais de gases com efeito de estufa e que é equivalente às emissões de todos os automóveis, camiões e comboios.

A mudança para os biocombustíveis nos Estados Unidos terá impulsionado o desmatamento para a produção de óleo de palma na Indonésia. O ano de 2018 foi o pior de uma década para a perda de florestas na Amazónia pese os tresloucados ataques do presidente do Brasil às ONGs e a Leonardo DiCaprio. A cooperação entre governos, sector privado, comunidades e consumidores será necessária para deter o desmatamento e a degradação florestal. O sector privado tem um papel muito importante a desempenhar. A lacuna no financiamento para os ODS em sectores-chave nos países em desenvolvimento foi estimada em 2,5 triliões de dólares por ano. A lacuna não pode ser preenchida pelas finanças públicas internacionais. A “Assistência Oficial ao Desenvolvimento (ODA na sigla inglesa)” dos países da OCDE em 2017 foi de apenas de cento e quarenta e seis mil milhões e seiscentos milhões de dólares, e dezoito dos vinte e nove países membros do “Comité de Ajuda ao Desenvolvimento” da OCDE realmente reduziram sua ODA naquele ano.

Assim, um sector privado global que seja inclusivo e sustentável, e que esteja preparado para investir em países com défices de infra-estruturas e meios de subsistência, poderia ter um impacto muito positivo. Se, por exemplo, todas as empresas se comprometessem com o desmatamento zero nas suas cadeias de fornecimento de matérias-primas como o óleo de palma, soja e carne bovina, faria uma enorme diferença para a mitigação da mudança climática e para a protecção de espécies e habitats ameaçados. O envolvimento da sociedade civil também é extremamente importante na concepção dos ODS. A Agenda 2030 abriu novos caminhos no ODS 16 ao advogar por sociedades pacíficas e inclusivas que proporcionem acesso à justiça para todos e que tenham capacidade de resposta, inclusão, participação e tomada de decisão representativa a todos os níveis.

Os cidadãos devem ser capazes de contribuir para as decisões que afectam as suas vidas, e as suas organizações devem ser capazes de defendê-los e responsabilizar os governos. Todos os governos devem estar comprometidos com os ODS. A sociedade civil pode ajudar a garantir que os governos actuem para além das palavras com vista à implementação. Ainda que o progresso geral sobre os ODS esteja longe de ser adequado, há algumas áreas que estão a ganhar força como por exemplo, o “momentum” está a crescer para a cobertura universal da saúde como um direito básico para todos e uma meta chave no ODS 3 sobre a saúde. Deve, no entanto, incorporar uma forte acção sobre as determinantes sociais e comerciais da saúde, ou os enormes desafios da saúde actuais nas doenças não transmissíveis. O impulso para o ODS 5 sobre igualdade de género, pois o mundo precisa urgentemente de mais mulheres na tomada de decisões, em cargos eleitos, na administração pública e nas organizações multilaterais.

O apoio à iniciativa “Global Health 50/50”, que defende a paridade de género nas organizações globais de saúde é de extrema importância. Muitas vezes, uma foto dos líderes dessas organizações revela que apenas uma mulher está incluída e escusado será dizer que, se as mulheres são excluídas, os ODS também não podem ser alcançados. Há potencial para uma transformação energética que relegue os combustíveis fósseis para o proverbial caixote do lixo da história. Se os países se comprometerem com esse fim rapidamente, estar-se-á no bom caminho para alcançar tanto o ODS 7 sobre energia, como as metas do “Acordo Climático de Paris”. Todavia existe preocupação, com o estado de fragilidade que afecta uma parte significativa dos povos do mundo que é motivo de reflexão para todos os responsáveis como por exemplo, aqueles que são partes em conflitos e os que os armam.

É de pensar nas imagens horríveis de crianças famintas no Iémen que se vê diariamente nos ecrãs dos meios de comunicação social. As crianças que são excluídas até à morte em um dos países mais pobres do mundo. Assim, não é possível alcançar os ODS se forem alcançados apenas em zonas de paz e prosperidade e o fracasso em estender o desenvolvimento inclusivo e sustentável a todos continuará a ter repercussões sobre a paz, o bem-estar e a segurança de todos. Por todas essas razões, é tempo de agir sobre os ODS como se as nossas vidas dependessem deles, porque fazem se quisermos um futuro inclusivo e sustentável para todos.

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