China / ÁsiaÁfrica | Analistas apontam fim da política chinesa de não-intervenção Hoje Macau - 19 Mar 2019 [dropcap]A[/dropcap] China tem recorrido a formas “subtis” de interferir nos assuntos domésticos dos países africanos, desrespeitando o princípio de não-intervenção, através do crescente peso económico e papel em organismos multilaterais, consideram analistas ouvidos pela agência Lusa. Obert Hodzi, autor do livro “The End of China’s Non-Intervention Policy in Africa”, aponta como Pequim tem “protegido infraestruturas importantes de petrolíferas chinesa” e “treinado as suas tropas para combater no terreno”, através da participação em missões de manutenção da paz da ONU no Sudão do Sul ou no Mali. Pequim, que outrora considerava aquelas missões como uma forma de interferência, e enviava apenas médicos ou engenheiros, passou nos últimos anos a destacar também soldados para combate – 2.506, no ano passado, o maior número entre os membros do Conselho de Segurança. Em 2017, o país asiático abriu ainda a sua primeira base militar no estrangeiro, em Djibuti, no Corno de África e, desde 2013, as exportações chinesas de armamento para África aumentaram 55 por cento, face aos cinco anos anteriores, segundo o Instituto Internacional de Investigação sobre a Paz. O princípio de não-intervenção nos assuntos domésticos de outros países é frequente na retórica da China e foi inicialmente cultivado pela primeira geração de líderes da República Popular, fundada em 1949, em parte porque Pequim não admite, igualmente, interferências na sua política doméstica. No entanto, a então pobre e isolada China, líder do Movimento dos Países Não Alinhados, converteu-se na segunda maior economia mundial, com fortes necessidades energéticas e de acesso a matérias-primas que alimentem o seu explosivo desenvolvimento. Novo enquadramento Eric Olander, jornalista especializado nas relações entre China e África, comenta como o país asiático, que é o maior parceiro comercial de África e o principal credor de vários países do continente, se serve do seu crescente peso económico para cimentar relações tributárias com os Estados africanos, num sistema que remonta à China Antiga, então o Império dominante no Extremo Oriente. “Para os países que alinham com a agenda da China, tudo corre bem: há acesso ao mercado, apoio, visitas de alto nível. Com sorte até conhecem o Imperador (ou o Presidente, neste caso)”, considera Olander. “Já em caso de divergência com os chineses, a vida tornar-se-á muito difícil”, acrescenta. O fundador do portal The China Africa Project lembra que este “relacionamento tributário é muito diferente de um relacionamento colonial”, e deve ser “ancorado na tradição histórica chinesa, ao invés de enquadrado numa lente ocidental”. Na segunda maior economia do mundo, o papel dirigente do Partido Comunista é um “princípio cardial”, abarcando os sectores chave da economia, judiciário ou imprensa, o que permite às autoridades retaliar de várias formas em caso de fricções diplomáticas. Uma visita oficial do líder espiritual dos tibetanos, Dalai Lama, que Pequim acusa de ser um separatista, por exemplo, pode ter como consequência que as empresas do país visitado tenham dificuldades em desalfandegar produtos nos portos chineses ou em manterem operações na China. “É esse o poder que Pequim exerce: grandes oportunidades de negócio – ou os países se comportam como deseja ou não há linhas de financiamento”, descreve Obert Hodzi. O académico lembra, no entanto, que este tipo de intervenção, “menos coerciva”, tem mais aceitação no continente africano do que o tradicional intervencionismo militar das potências ocidentais. “A China intervém de uma forma mais humana”, nota, “protege os seus interesses e tenta equilibrá-los de forma a que os países se sintam respeitados”.