África | Analistas apontam fim da política chinesa de não-intervenção

[dropcap]A[/dropcap] China tem recorrido a formas “subtis” de interferir nos assuntos domésticos dos países africanos, desrespeitando o princípio de não-intervenção, através do crescente peso económico e papel em organismos multilaterais, consideram analistas ouvidos pela agência Lusa.

Obert Hodzi, autor do livro “The End of China’s Non-Intervention Policy in Africa”, aponta como Pequim tem “protegido infraestruturas importantes de petrolíferas chinesa” e “treinado as suas tropas para combater no terreno”, através da participação em missões de manutenção da paz da ONU no Sudão do Sul ou no Mali.

Pequim, que outrora considerava aquelas missões como uma forma de interferência, e enviava apenas médicos ou engenheiros, passou nos últimos anos a destacar também soldados para combate – 2.506, no ano passado, o maior número entre os membros do Conselho de Segurança.

Em 2017, o país asiático abriu ainda a sua primeira base militar no estrangeiro, em Djibuti, no Corno de África e, desde 2013, as exportações chinesas de armamento para África aumentaram 55 por cento, face aos cinco anos anteriores, segundo o Instituto Internacional de Investigação sobre a Paz.

O princípio de não-intervenção nos assuntos domésticos de outros países é frequente na retórica da China e foi inicialmente cultivado pela primeira geração de líderes da República Popular, fundada em 1949, em parte porque Pequim não admite, igualmente, interferências na sua política doméstica.

No entanto, a então pobre e isolada China, líder do Movimento dos Países Não Alinhados, converteu-se na segunda maior economia mundial, com fortes necessidades energéticas e de acesso a matérias-primas que alimentem o seu explosivo desenvolvimento.

Novo enquadramento

Eric Olander, jornalista especializado nas relações entre China e África, comenta como o país asiático, que é o maior parceiro comercial de África e o principal credor de vários países do continente, se serve do seu crescente peso económico para cimentar relações tributárias com os Estados africanos, num sistema que remonta à China Antiga, então o Império dominante no Extremo Oriente.

“Para os países que alinham com a agenda da China, tudo corre bem: há acesso ao mercado, apoio, visitas de alto nível. Com sorte até conhecem o Imperador (ou o Presidente, neste caso)”, considera Olander.

“Já em caso de divergência com os chineses, a vida tornar-se-á muito difícil”, acrescenta.

O fundador do portal The China Africa Project lembra que este “relacionamento tributário é muito diferente de um relacionamento colonial”, e deve ser “ancorado na tradição histórica chinesa, ao invés de enquadrado numa lente ocidental”.

Na segunda maior economia do mundo, o papel dirigente do Partido Comunista é um “princípio cardial”, abarcando os sectores chave da economia, judiciário ou imprensa, o que permite às autoridades retaliar de várias formas em caso de fricções diplomáticas.

Uma visita oficial do líder espiritual dos tibetanos, Dalai Lama, que Pequim acusa de ser um separatista, por exemplo, pode ter como consequência que as empresas do país visitado tenham dificuldades em desalfandegar produtos nos portos chineses ou em manterem operações na China.

“É esse o poder que Pequim exerce: grandes oportunidades de negócio – ou os países se comportam como deseja ou não há linhas de financiamento”, descreve Obert Hodzi.

O académico lembra, no entanto, que este tipo de intervenção, “menos coerciva”, tem mais aceitação no continente africano do que o tradicional intervencionismo militar das potências ocidentais.

“A China intervém de uma forma mais humana”, nota, “protege os seus interesses e tenta equilibrá-los de forma a que os países se sintam respeitados”.

19 Mar 2019

Dez frases sobre a China 随时翻翻《红楼梦(第一部分)

[dropcap style≠’circle’]S[/dropcap]onho da Câmara Vermelha foi sempre ao longo de todas as épocas um dos livros que mais vendeu. Escrito no séc. XVIII, é considerado uma obra-prima e um dos pontos mais altos da ficção chinesa. A “Vermelhologia” é um campo de estudo dedicado exclusivamente a esta obra. Para dar um exemplo, o Presidente Mao, tinha consigo um vermelhologista de renome. No entanto, eu não sou uma vermelhologista, vou apenas desfolhando este clássico só para preservar no meu ADN a marca da língua chinesa, eu que me tornei uma escritora de língua inglesa. Recentemente, coleccionei dez frases para partilhar com os meus leitores. Trata-se de literatura, mas também de política (chinesa). Pode servir igualmente como uma Bíblia dos negócios.

Sê um louco no meio dos loucos 入乡随俗

A história: Quando a nossa jovem heroína Daiyu chega ao palácio dinástico da família Jia, é recebida pela matriarca que lhe pergunta se sabe ler. Daiyu responde-lhe que aprendeu a ler com os Quatro Clássicos de Confúcio. Quis saber se as raparigas da família Jia também tinham aprendido. A matriarca respondeu que as suas raparigas poderiam não ser tão avançadas na leitura, mas que sabiam o suficiente para não serem cegas! Na cena seguinte, o nosso jovem herói Baoyu entra e quer saber quais foram os clássicos que Daiyu leu. Daiyu aceita o desafio e responde prontamente: “Eu não sei ler. Só sei reconhecer algumas palavras.”

O Poder é algo que não deve (não queres) mudar. Por isso esconde os teus talentos.

Que sejas um excelente situacionista 伺机而动

Um situacionista é basicamente um oportunista, embora no contexto chinês tenha uma conotação menos negativa.

A história: A poderosa Dama Wang Xifeng acena do alto da colina a uma serviçal, de seu nome Hongyu. Hongyu abandona prontamente a multidão e corre ao encontro de Wang Xifeng. Toda ela é obediência e sorrisos.  A Dama diz: “Hoje a minha criada não me acompanhou. Preciso de alguém que me faça um serviço. Mas como posso saber se estás à altura da missão?” Hongyu responde: “Senhora, estou completamente à sua disposição. Se a desiludir, castigue-me como bem entender!”

As oportunidades são raras. Agarra todas as hipóteses que se te apresentam com prontidão E, com toda a tua alma e as tuas garras.

Quando mentir é uma qualidade desejável避实就虚

A história: A concubina Zhao está a fazer os preparativos para o funeral do irmão e apercebe-se que uma das criadas não tem as roupas apropriadas. Além disso, a rua onde ela queria ir comprar o fato está toda suja. Então pede a Xueyan, uma serviçal com um cargo elevado, que lhe empreste os trajes adequados. Xueyan recusa-se com estas palavras: “Claro que era óptimo que as suas criadas usassem as minhas roupas, Tia Zhao! Mas as minhas roupas são guardadas por Zijuan (o meu superior), que também precisa da autorização da minha patroa. Não é que eu receie vir a ter problemas. É que a minha patroa está de cama, doente, e não é altura para a preocupar com esse tipo de coisas. Além disso, tenho medo que, se for andar para a frente e para trás para pedir autorização, a vá atrasar quando tem tanta pressa.”    

Aprender a recusar é uma via sinuosa. Aparentemente, os chineses apreciam quem sabe contar uma boa mentira.

Fica para sempre junto à cerca (e evita as colisões) 不偏不倚

A poderosa Dama Wang Xifeng está doente. Uma jovem senhora ficou a dirigir a morada dinástica em seu lugar e quer fazer algumas mudanças. Ping Er, a criada de Wang, ficou numa posição desagradável, porque não quer ofender a jovem senhora, mas também não quer ser desleal à sua poderosa patroa.   

A estratégia que adoptou foi a de louvar a jovem senhora pelas suas iniciativas. No entanto, ao mesmo tempo foi-lhe dizendo que a sua patroa também já em tempos as queria ter realizado, mas que ficou com dúvidas por razões de muito peso. Desta forma, elogiava a jovem senhora e louvava a sua dama. Voilá, já está bem lançada para a próxima promoção. Quando um dia chegar a chefe, ninguém espere dela uma opinião, porque ela conseguiu lá chegar precisamente por nunca expressou nenhuma.

(continua)

10 Mai 2017