Parque Mayer

[dropcap]É[/dropcap] o título do mais recente filme do António Pedro Vasconcelos, um drama de costumes, em que através das peripécias do arranque de uma nova “revista” na “Broadway” lisboeta quis retratar a opressão do Estado Novo.

Estamos em 1935, o filme, com um casting com excelentes desempenhos dos actores, não caminha no sentido da construção do grande filme musical e do “glamour”, decide-se por outra abordagem em que o fantasma da policia política é personagem tutelar da narrativa.

É um Parque Mayer com pouco brilho e uma cidade sem chama que o filme nos dá a ver, com poucos e tímidos exteriores, centrado no foco da repressão da criatividade e da vida pela presença da censura e da polícia.

O filme é assim descrito na sinopse: “Lisboa, 1933. Deolinda, uma jovem da província que tem o sonho de ser artista no Parque Mayer, apresenta-se num casting para coristas para a nova revista no teatro Maria Vitória. Durante os ensaios, apaixona-se por Mário, o encenador, mas este está fascinado por Eduardo, a estrela da revista que, por sua vez, tenta seduzir Deolinda… Ao mesmo tempo o Estado Novo começa a apertar o cerco e a liberdade está cada vez mais limitada… Uma homenagem divertida e emocionante ao teatro de revista e a todos os que no Parque Mayer lutaram pela Liberdade”

António Pedro Vasconcelos é um nome de referência no cinema narrativo em Portugal, conhecido do grande público pelos debates sobre futebol onde veste a camisola vermelha do Benfica, e lidera a ARCA – Associação Portuguesa de Realizadores de Cinema e Audiovisual. “Parque Mayer” teve forte comunicação na televisão, imprensa e rádio e, neste primeiro fim de semana e após com 4 dias de exibição, 698 sessões em 58 salas fez 12 078 espectadores, e receita bruta de € 60.628,48.

São raros os filmes de produção nacional que tem acesso ao mesmo número de ecrãs e sessões, como exemplo, neste mesmo fim de semana o filme português mais próximo, Raiva, do Sérgio Tréfaut, apenas pode ser visto num único ecrã numa das 15 sessões.

Rodado nos Estúdios da Plural na Quinta dos Melos em Bucelas onde com a direcção da Clara Vinhais e a equipa da EPC – empresa especialista na construção de cenários para o audiovisual, e em coordenação com Rafael Galdó, responsável pelos efeitos visuais, foram construídos os cenários que permitem o filme viver o Parque Mayer edificado em 1922 com o teatro Maria Vitória, seguido do Teatro Variedades em 1926 e em 1931 o Teatro Capitólio, no espaço até jardins do Palácio Mayer ( prémio Valmor 1902).

As cenas da sala do teatro foram gravadas em Cascais no Teatro Gil Vicente, e de Lisboa exteriores temos a escadaria que leva ao bar Procópio perto Rato e uma rua no cimo do elevador do Lavra.

O mais notável no filme é o desempenho dos actores, e como se reconhece, sem isso nenhum filme funciona na sua relação com o público. Actores seguros na forma e na lógica motivacional das suas acções, dão corpo e vida ao argumento construído com o rigor da construção narrativa clássica dos 3 atos, cenas plantadas, e arco narrativo de personagem, vilões e heróis por força das circunstâncias e as sombras do acaso.

O filme arranca com a detenção de um contestatário ao novo regime que é um dos dois dramaturgos da nova revista em ensaios. A actriz protagonista acaba de chegar de Fátima e vive na sua estreia na revista o primeiro grande milagre da sua vida, o da afirmação da sua individualidade e afirmação do seu talento artístico, vítima de violência por parte do namorado/amante/proxeneta, é salva desse ciclo de inferno por um alto quadro da polícia Política. É este personagem, representado pelo actual director artístico do Teatro Nacional D. Maria II, o Tiago Rodrigues, um fascista bissexual, que coloca o filme acima uma construção panfletária. Notável a todos os títulos é a interpretação do Miguel Guilherme, no papel de produtor, patrão do teatro, pela contenção, sobriedade, tensão e comicidade e humanidade como que vive os acontecimentos com maior ou menor gravidade que surgem ao longo da narrativa. Como já referido, todo casting, está de parabéns serve com grau de excelência o filme, ainda assim é necessário um particular aplauso para a composição histriónica e cliché do protagonista fadista, boémio, marialva, construído pelo talentoso Diogo Morgado. Importa referir a direção segura e focada no desenrolar da narrativa por parte mestre diretor António Pedro Vasconcelos, sem a qual o filme dificilmente sobreviveria.

O Parque Mayer era um lugar excêntrico na cidade de Lisboa, cinema, teatro, boxe, casas de fado, carrosséis, esplanadas, restaurantes. Um lugar de liberdade por natureza, liberdade de costumes e território de artistas. Este filme é no dizer do próprio realizador e do produtor, um gesto de agradecimento a esse espaço de liberdade.

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