Calçada de Macau é única no mundo

A calçada portuguesa chegou a Macau tardiamente, mas já marcou a diferença para a original assumindo características muito locais. As académicas Vanessa Amaro e Sheyla Zandonai debruçaram-se sobre o tópico e publicaram um artigo científico que destaca a singularidade da calçada de Macau

[dropcap]M[/dropcap]acau tem uma identidade única em várias dimensões. Uma delas é a calçada, de acordo com um trabalho desenvolvido pelas investigadoras Vanessa Amaro e Sheyla Zandonai num artigo publicado no conceituado Journal Current Athropology, com a chancela da University of Chicago Press.

Para sustentar a premissa, as académicas lançaram-se na exploração do pavimento que cobre várias zonas da cidade e na forma como se diferencia da calçada que se vê em Lisboa, no Rio de Janeiro ou noutras cidades em que os portugueses deixaram a sua marca.

As diferenças começam na altura em que esta técnica de “cobrir o chão de preto e branco” começou a ser utilizada enquanto projecto urbano em Macau. Apenas nos anos 90, foi concretizado o primeiro projecto público com a pavimentação da Praça do Leal Senado, pelas mãos do arquitecto Francisco Caldeira Cabral. Antes, a calçada portuguesa apenas tinha sido utilizada no Hotel Bela Vista, enquanto projecto privado, para adornar o terraço do edifício que é hoje a residência consular, apontaram ontem numa de apresentação dos resultados da investigação, na Universidade de Macau (UM).

O projecto para o Senado materializava a intenção dos portugueses, que em “vésperas de partida, deixaram a sua marca no território”, disseram citando testemunhos que recolheram durante a pesquisa.

Motivos auspiciosos

A ideia era fazer uma obra neutra em termos culturais e por isso o padrão escolhido foi o das ondas, explicaram, sendo que era necessário ter em conta as referências da cultura chinesa.

Mas, com a pavimentação de mais áreas públicas, e tendo em conta a cultura chinesa, os espaços preenchidos com calçada começaram a seguir as normas do Feng Shui, referiram. “Os padrões começaram a ter formas mais arredondadas, as figuras integraram aquilo que seria admitido dentro da cultura chinesa, os mestres calceteiros foram sendo substituídos por mestres de Feng Shui.”

É esta associação a elementos “auspiciosos” que confere ao chão de muitas zonas de Macau a característica única e que só por cá se encontra, apontaram as investigadoras. “Peixes, caranguejos ou estrelas, que são considerados elementos auspiciosos na cultura popular local, foram incorporados nos padrões das calçadas, assim como o uso de pedra vermelha e sem dúvida a necessidade de aprovação do mestre de Feng Shui”, explica Vanessa Amaro.

Transformação cultural

Se os portugueses quiseram deixar a sua marca antes da transferência de administração, os chineses com as alterações que introduziram estão a diluir isso mesmo. Prova disso são as várias denominações que dão à calçada que cobre o território. “Pavimento de influência mediterrânea, europeia ou mesmo ibérica” são algumas das caracterizações que se encontram nos panfletos turísticos distribuídos pelo território, sendo que a denominação de calçada portuguesa já só se encontra nos materiais turísticos em língua portuguesa, referem com preocupação.

Mas esta alteração cultural não é nova. “Passou-se pelo processo de localização, em que há uma dissociação de uma herança ou de uma carga cultural que é transformada num produto de uma cultura local”, explicou Sheyla Zandonai. “Vemos isso na calçada que é agora uma expressão artística ou um projecto urbano, que é exclusivamente local, e que não se repete de outra maneira em mais lado nenhum do mundo”, rematou.

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Fábio D. A. Dias
Fábio D. A. Dias
30 Out 2018 05:52

Mas havia duvidas? Macau podia ser um polo para as relações luso-asiaticas…. Portugal nunca cuidou das heranças que deixou.. alguém ainda sabe que pais é Ceilão? Estão todos ocupados a passar Visas Gold.