Scott Chiang | Bloqueio em Hong Kong não traz consequências maiores

O presidente da Associação Novo Macau, Scott Chiang, não teme repercussões políticas e pessoais depois de ter sido impedido de entrar em Hong Kong. Em causa, para o activista, está uma resposta na mesma moeda ao que Macau fez aos activistas vizinhos

[dropcap style≠’circle’]“H[/dropcap]ong Kong está a seguir o exemplo de Macau da pior maneira”, diz Scott Chiang ao HM em reacção ao bloqueio da sua entrada na região vizinha, na passada segunda-feira.

Para o activista pró-democrata local, o facto de não lhe ter sido autorizada a entrada em Hong Kong tem que ver com uma resposta de reciprocidade. Em causa estão os acontecimentos do início de Maio em que dois activistas pró-democracia da RAEHK foram expulsos de Macau, horas depois de terem entrado na cidade. Na altura decorria no território a visita do presidente da Assembleia Popular Nacional.

Por outro lado, afirma Scott Chiang, “Hong Kong e Macau são parte da China mas não devem ser tão submissos a Pequim”, sendo que “é muito triste que isto esteja a acontecer”.

No entanto, e no que respeita a consequências futuras, o activista de Macau diz não ter receios e garante que vai continuar com as actividades políticas em que está envolvido, como a luta por uma maior democracia no território. “Fazemos as coisas porque achamos que valem a pena ser feitas, porque não há mais quem as faça e penso que não mudará muito a minha vida”, refere o também presidente da Novo Macau.

Scott Chiang considera ainda que as acções que toma e as estratégias políticas que adopta “não podem assentar no ser ou não ser bem-vindo em Hong Kong”.

O maior impacto pode mesmo ser junto da opinião pública. “Pode ter um impacto maior na perspectiva dos outros e as pessoas podem pensar que Macau negou a presença a activistas de lá e que agora, em Hong Kong, estão a fazer o mesmo com os activistas de cá”, apontou.

Ossos do ofício

Apesar de achar que a interdição que lhe foi feita no início da semana não terá consequências pessoais, Scott Chiang salvaguarda que, para o público em geral, pode ser alvo de diferentes interpretações. “As pessoas podem pensar que eu seja problemático e, por isso, podem vir a não me achar adequado em determinadas situações”, sublinha. “Estas são as consequências com que temos de lidar” enquanto activista, acrescenta.

Chiang considera que poderá eventualmente ter inconvenientes menores que têm que ver mais com a opinião alheia do que com consequências políticas directas. “Para o observador ocasional, esta pode ser uma situação que o leve a pensar que, por exemplo, eu e o Sulu Sou somos como os independentistas de Hong Kong”.

28 Jun 2017

Negócios | Herdeiros de magnatas com poder acrescido

São os descendentes dos grandes magnatas da região. Já têm poder e preparam-se para ter ainda mais. Herdam muita fortuna e património, que não são necessariamente sinónimos de sucesso garantido. O jeito para os negócios não está nos genes

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] aviso é feito pela Bloomberg aos investidores: não se deve assumir que os filhos dos grandes magnatas são iguais aos pais. O alerta surge a propósito da anunciada saída de cena de três dos principais magnatas da Ásia. Um deles é Stanley Ho, o homem que fez fortuna em Macau no tempo em que o jogo era um monopólio.

Além de Stanley Ho – que deixou de ser, esta semana, o presidente da Shun Tak Holdings – também o milionário Shin Kyuk-ho abandonou a liderança da Lotte, a fábrica de pastilhas elásticas que transformou num dos principais grupos económicos da Coreia do Sul. Aqui ao lado, em Hong Kong, o Wall Street Journal diz que Li Ka-shing, o homem mais rico do território, deverá largar a presidência da CK Hutchison Holdings no próximo ano.

Nos três casos, são os filhos dos magnatas que vão tomar conta dos negócios de família. Já tem sido assim nos últimos anos no caso de Stanley Ho. Apesar de continuar a ser o presidente da SJM Holdings, o magnata está doente há vários anos. São publicamente conhecidos os problemas entre os seus vários filhos, fruto de quatro casamentos. Até 2015, a SJM foi o principal operador de casinos da Ásia. Foi entretanto ultrapassada pela Las Vegas Sands e pelo Galaxy Entertainment Group.

Como manter a lealdade?

A Bloomberg sublinha que a história recente da Ásia não pode ser escrita sem se falar de homens como Ho, Li e Shin, que construíram edifícios, portos e fábricas, muitas vezes partindo do nada. O facto de terem sido pioneiros nas suas áreas de negócio e as ligações políticas que cultivaram ajudaram na consolidação do poder e na construção das fortunas. Muitos investidores, incluindo de carácter institucional, têm sido leais a estas empresas.

No entanto, as gerações que se seguem têm, por norma, dificuldade em manter os negócios dos progenitores. A afirmação da agência é sustentada por um estudo que analisou mais de 200 empresas familiares em Hong Kong, Singapura e Taiwan. Esta análise descobriu que, em média, um accionista que investiu 100 dólares numa destas empresas, cinco anos antes da partida do fundador, ficou com apenas 44 dólares após a sucessão. Segundo os autores do relatório, levado a cabo pela Universidade Chinesa de Hong Kong, é muito raro o valor perdido chegar a ser recuperado.

Outros tempos

A Bloomberg admite, no entanto, que o maior factor para a erosão do valor destas empresas não consta dos relatórios anuais destas empresas. Os bens intangíveis, como as ligações políticas e as redes em que os fundadores se moveram, tendem a desaparecer à medida que os negócios vão passando para as mãos de gerações educadas em moldes mais ocidentais, menos habituadas aos modelos tradicionais de gestão.

Depois, surgem ainda os desafios relacionados com um ambiente global cada vez mais competitivo. O caso de Stanley Ho é disso representativo: desde 1962 que detinha o monopólio do jogo de Macau, uma situação alterada em 2002 por decisão governamental. A liberalização do sector fez com que a sua sucessora, a filha Pansy Ho, não pudesse usufruir das mesmas vantagens.

Há também segmentos destes negócios que faziam todo o sentido quando foram lançados, mas que correm o risco de serem ultrapassados: os transportes por via marítima e as telecomunicações são dois exemplos apontados. Os investidores estão cada vez mais interessados em apostar na chamada nova economia: tecnologia, biotecnologia e energias renováveis.

O espírito empreendedor não é hereditário, vinca a agência. Resta aos herdeiros mostrarem que também eles são capazes de inovar, agora numa nova era.

28 Jun 2017

Turismo | Mais viagens à boleia das eleições

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap]s viagens de residentes de Macau durante este Verão deverão subir entre 20 a 30 por cento, em comparação com os números registados no ano passado. A previsão é do presidente da Associação da Indústria Turística de Macau. Citado pelo Jornal do Cidadão, Wu Keng Kuong explicou que, na origem do aumento do número de viagens, estarão as eleições legislativas de Setembro próximo, uma vez que várias entidades organizam deslocações, sobretudo para Guangdong.

Já as viagens para a Europa deverão diminuir este ano. O responsável conta que os vários casos de terrorismo levam os residentes locais a evitar destinos europeus. Assim sendo, o Japão e a Coreia do Sul vão estar na lista de preferências das pessoas que passam férias fora do território. Há vários países do Sudeste Asiático que também são procurados e os casos recentes de violência na Tailândia não têm impacto junto da procura local, acredita Wu Keng Kuong.

O presidente da Associação da Indústria Turística de Macau fez ainda referência ao facto de serem cada vez mais os residentes locais que optam por viajar sem estarem integrados em excursões.

Quanto aos turistas que visitam Macau, o responsável não tem em perspectiva uma alteração significativa do tipo de visitantes. Wu destaca, porém, que os hotéis locais têm cada vez maior capacidade para atrair turistas, dada a diversidade de entretenimento existente no Cotai, bem como os preços praticados.

Wu Keong Kuong comentou ainda o recente caso de uma criança que morreu vítima de afogamento numa piscina de uma unidade hoteleira no Cotai. O responsável não acredita que o caso tenha qualquer impacto junto dos turistas que procuram Macau.

28 Jun 2017

Fundação Macau comprou palácio em Lisboa a Liu Chak Wan, um dos seus curadores

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] Fundação Macau (FM) comprou o Palácio Sommer, em Lisboa, a Liu Chak Wan, membro do conselho de curadores da instituição. A notícia foi avançada ontem pela Rádio Macau. De acordo com a emissora, o negócio, no valor de 70 milhões de patacas, foi proposto pelo próprio Liu Chak Wan à FM e terá sido concretizado no início de 2016. Porém, nunca foi anunciado.

O Palácio Sommer, que ocupa uma área de 2634 metros quadrados no centro de Lisboa, no Campo Mártires da Pátria, foi adquirido pelo empresário de Macau com a intenção de converter o edifício do início do século XX num hotel de charme. Depois de desistir do projecto, Liu Chak Wan propôs a venda à FM. “Uma venda sem obter mais-valias”, disseram à rádio fontes conhecedoras do negócio, que teve de receber o aval dos curadores da FM.

O conselho de curadores é presidido pelo Chefe do Executivo, Chui Sai On, e tem entre outras competências aprovar a concessão de apoios financeiros de valor superior a 500 mil patacas.

O preço pago a Liu Chak Wan, 70 milhões de patacas, está dentro dos valores que uma agência imobiliária, a Engel & Völkers, pedia pelo Palácio Sommer em 2013. Fonte da empresa do ramo imobiliário confirmou à emissora que o imóvel foi vendido por essa altura.

Nova casa da delegação?

O Palácio Sommer, com 18 divisões, foi projectado por um arquitecto italiano para residência da família Sommer, tendo servido de cenário ao filme “A Casa dos Espíritos”, realizado por Bille August, em 1993, com Meryl Streep e Jeremy Irons.

A Rádio Macau explica que existe um plano de reabilitação, uma vez que o imóvel precisa de obras de restauro. A FM ainda não aprovou esse plano, o que poderá acontecer nos próximos meses.

Um dos cenários prováveis é que o Governo decida transferir para o Palácio Sommer a Delegação Económica e Comercial de Macau, em Lisboa, actualmente a funcionar na Avenida 5 de Outubro, em instalações consideradas reduzidas para a actividade da representação do território na capital portuguesa, nomeadamente ao nível cultural.

A Rádio Macau procurou esclarecimentos junto da FM, mas não obteve resposta.

28 Jun 2017

Ng Lap Seng | Julgamento deve demorar entre quatro a seis semanas

Já começou o julgamento do empresário de Macau Ng Lap Seng. O arguido está a ser julgado no tribunal federal de Manhattan. Acusado de corrupção, insiste na inocência e recusou duas transacções de culpa

[dropcap style≠’circle’]F[/dropcap]oram feitas duas tentativas, ambas sem sucesso. Ng Lap Seng não aceitou qualquer das transacções de culpa que lhe foram propostas no âmbito do processo pelo qual responde nos Estados Unidos. Esta informação, transmitida pela acusação, marcou a audiência desta segunda-feira do tribunal federal de Manhattan, onde o empresário de Macau começou a ser julgado.

A primeira sessão serviu ainda para o processo de selecção de jurados, um momento que, no sistema legal norte-americano, pode ser de extrema relevância para a decisão final.

Ng Lap Seng, de 69 anos, é acusado de ter corrompido embaixadores e funcionários das Nações Unidas com subornos de mais de 500 mil dólares norte-americanos, na esperança de conseguir apoios para criar um centro de conferências da ONU em Macau.

A procuradora Janis Echenberg explicou ao juiz Vernon Broderick que foi proposta uma transacção de culpa em Maio, tendo sido rejeitada. Foi renovada este mês, igualmente sem sucesso. Este mecanismo da justiça norte-americana tem tido resultados no âmbito deste mega-processo.

Ng Lap Seng foi detido em Setembro de 2015 depois de ter feito várias viagens para os Estados Unidos. Levou com ele somas elevadas de dinheiro, tendo dito que os montantes se destinavam ao jogo, à aquisição de obras de arte e a obras de renovação de uma casa em Old Brookville, detida por um homem que as autoridades norte-americanas acreditam ser de um agente dos serviços secretos chineses.

O magnata de Macau acabou por ser acusado de ter subornado John Ashe – um embaixador de Antígua que chegou a ser presidente da Assembleia Geral das Nações Unidas –, e Francis Lorenzo, um diplomata dominicano. John Ashe morreu sem chegar a ir a julgamento. Quanto a Lorenzo, será uma das testemunhas-chave da acusação: numa fase anterior deste mega-processo, aceitou admitir a culpa.

As primeiras alegações

Sabe-se há já algum tempo que a defesa acusou, por escrito, os Estados Unidos de estarem a utilizar a justiça para limitarem a crescente influência chinesa nos países em vias de desenvolvimento que seriam beneficiados com o centro de conferências a construir em Macau.

Por seu turno, a acusação sugere que Ng Lap Seng, à data dos factos membro da Conferência Consultiva Política do Povo Chinês, agiu a mando de Pequim.

Não é a primeira vez que o empresário de Macau tem problemas com as autoridades norte-americanas. Na década de 1990, terá estado ligado ao empresário chinês Charlie Trie, que tentou financiar a campanha de Bill Clinton. O juiz Vernon Broderick decidiu que este caso não cabe no âmbito do julgamento.

O responsável pelo processo explicou aos 138 possíveis jurados que o julgamento deve durar entre seis a oito semanas. As alegações introdutórias deverão decorrer hoje (ainda terça-feira em Nova Iorque).

28 Jun 2017

Liu Xiaobo | Pequim critica “observações irresponsáveis” dos EUA

A China apressou-se a responder aos apelos dos EUA sobre a situação de Liu Xiaobo, aconselhando o país de Trump a meter-se na sua vida. Taiwan também se juntou ao coro.

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] República Popular da China criticou ontem “firmemente” as “observações irresponsáveis” dos Estados Unidos sobre Liu Xiaobo, Prémio Nobel da Paz 2010, em “liberdade condicional médica” devido a um cancro de fígado. Os Estados Unidos instaram a China a conceder “liberdade de movimentos” a Liu Xiaobo, 61 anos, hospitalizado devido a um cancro em fase terminal.

Condenado em 2009 a uma pena de 11 anos de cadeia por subversão, Liu Xiaobo, foi libertado após lhe ter sido diagnosticado, no mês passado, um cancro no fígado em fase terminal, anunciou, na segunda-feira, o advogado Mo Shaoping.

Liu Xiaobo estava na prisão de Jinzhou, em Liaoning, no norte do país e, segundo o Departamento da Administração das Prisões encontra-se sob regime de “liberdade condicional médica” no Hospital Número 1 da Universidade de Medicina da República Popular da China.

“Nenhum país tem o direito de se ingerir ou de fazer observações irresponsáveis sobre os assuntos internos chineses”, disse o porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros de Pequim, Lu Kuang, durante uma conferência de imprensa em Pequim. “A China é um país que se rege pelo Estado de Direito, onde todos são iguais perante a lei. Todos os países devem respeitar a soberania judicial da China e não devem utilizar casos individuais para atitudes de ingerência”, disse Lu Kuang questionado sobre a posição manifestada pelos Estados Unidos sobre Liu Xiaobo.

Apelo americano

Uma porta-voz da embaixada norte-americana em Pequim disse à agência noticiosa France Presse que os Estados Unidos estão a tentar recolher mais informações sobre a situação de Liu Xiaobo, particularmente sobre o estado de saúde. “Apelamos às autoridades chinesas para que libertem Liu, mas também a mulher, Liu Xia, da prisão domiciliária de que é alvo”, sem nunca ter sido formalmente acusada de qualquer crime, afirmou.

Liu Xia permanece em prisão domiciliária, em Pequim, desde 2010, privada de praticamente qualquer contacto com o exterior. Mesmo assim, a mulher de Liu Xiaobo deu a entender que o cancro no fígado de que padece o Nobel da Paz chinês é “inoperável”, num vídeo difundido na Internet, segunda-feira à noite.

Ye Du, um amigo da família, confirmou a autenticidade da gravação, em declarações publicadas pelo jornal South China Morning Post, da Região Administrativa Especial de Hong Kong, acrescentando que o vídeo foi gravado nos últimos dois dias.

Devido à situação de Liu Xiaobo, Taiwan pediu a Pequim para mostrar tolerância para com os activistas e a defender os direitos humanos. A República Popular da China deve garantir a “protecção dos direitos humanos básicos daqueles que pedem de forma pacífica reformas políticas e desenvolvimento democrático”, disse um porta-voz do presidente de Taiwan numa conferência de imprensa em Taipé.

 

O dao de Liu

Símbolo da luta pela democracia na China, Liu Xiaobo foi condenado depois de ter sido um dos promotores da chamada “Carta 08”, um manifesto a favor da introdução de reformas políticas democráticas e do respeito pelos direitos humanos no país, subscrito inicialmente por mais de 300 intelectuais, inspirado na “Carta 77” lançada por Vaclav Havel na antiga Checoslováquia socialista. Professor de Literatura na Universidade de Pequim, escreveu sobre a sociedade e a cultura chinesas, centrando-se na democracia e nos direitos humanos e era influente no meio intelectual. Liu foi um dos animadores do movimento estudantil pró-democracia da Praça Tiananmen, em 1989, tendo estado preso durante 21 meses após a violenta repressão dos protestos. Em 1996, foi condenado a três anos de “reeducação através do trabalho”, em resultado de mais acções de luta pelos direitos fundamentais. Foi novamente detido a 8 de Dezembro de 2008, dois dias antes da publicação, por ocasião do 60.º aniversário da Declaração Universal dos Direitos Humanos, da “Carta 08”, embora a data formal da detenção tenha sido 23 de Junho de 2009, por suspeita de “alegadas acções de agitação destinadas a subverter o Governo e derrubar o sistema socialista”. Em 9 de Dezembro de 2009 foi oficialmente acusado de “incitar à subversão do poder do Estado” e no dia 25 do mesmo mês, após um julgamento que não cumpriu os padrões processuais internacionais mínimos, foi condenado a uma pena de 11 anos de cadeia. A Academia Nobel atribuiu-lhe em 8 de Outubro de 2010 o galardão da Paz, em reconhecimento da “longa e não-violenta luta pelos direitos humanos fundamentais na China”.

28 Jun 2017

Li Keqiang | Meta de crescimento de 2017 vai ser realizada

Na abertura do Fórum Davos de Verão, em Dalian, o primeiro-ministro fez o balanço da situação económica chinesa e propôs as metas do país para o mundo. Li Keqiang garante que o crescimento não abrandará e mostrou-se um partidário indefectível da globalização

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] primeiro-ministro chinês Li Keqiang disse nesta terça-feira que a China é totalmente capaz de completar os principais objectivos de crescimento deste ano, graças à transição económica estável. “A economia chinesa tornou-se mais estável e sustentável devido a melhorias na estrutura e eficiência”, disse Li ao discursar na abertura da Reunião Anual dos Novos Campeões 2017, também conhecida como Fórum Davos de Verão, em Dalian.

O governo estabeleceu a meta de crescimento do PIB em cerca de 6,5% para o ano inteiro, mas no primeiro trimestre a segunda maior economia do mundo registou uma taxa de crescimento anual do PIB de 6,9%, o mais rápido em 18 meses, superando a previsão. Além disso, a China manterá a taxa de inflação em aproximadamente 3% e a de desemprego urbano dentro de 4,5%.

O primeiro-ministro acredita que uma forte China criará mais oportunidades para o resto do mundo. O país importou US$ 1,6 biliões de produtos no ano passado, enquanto o número de viagens ao exterior chegou a 130 milhões.

Ao mostrar a confiança, Li não receia admitir desafios. “Flutuações pequenas e de curto prazo de indicadores económicos são inevitáveis, mas a tendência estável de longo prazo não vai mudar”, declarou, descartando a possibilidade de um abrandamento forçado da economia.

“A China continuará impulsionando sua reforma estrutural no lado da oferta, melhorando a administração, garantindo o acesso mais fácil ao mercado, promovendo o empreendedorismo e inovação, controlando sectores saturados e estimulando o consumo”, prometeu Li.

Riscos controlados

Li Keqiang reiterou ainda que foram tomadas medidas para dissolver os pontos de risco. “Defenderemos um resultado sem riscos sistemáticos”, disse, apesar de admitir os riscos ocultos em algumas indústrias, mas enfatizou que a situação é geralmente controlável, citando a baixa dívida do governo, alta poupança, suficiente capital bancário e cobertura das provisões.

“Nós somos capazes de desviar todos os tipos de riscos e garantir que o crescimento económico fique numa faixa razoável”, disse Li, classificando a estagnação como o maior risco para a China.

O governo formulou uma série de medidas para refrear os riscos no sector financeiro, especialmente uma campanha de redução da crédito com escrutínio rigoroso contra financiamento arriscado e o sector bancário paralelo.

Globalização já

Os países devem defender com firmeza a globalização económica para obter crescimento inclusivo, declarou o primeiro-ministro. Para Li, “o livre comércio deve ser a base do comércio justo e impedi-lo não trará comércio justo”, afirmou. “As disputas comerciais devem ser tratadas de acordo com as situações diferentes em países diferentes”, indicou Li.

“Com base no princípio de consulta equitativa, entendimento mútuo e acomodação, assim como tratamento igual sem discriminação, os países devem buscar interesses convergentes e complementar-se uns aos outros, usando as vantagens para obter resultados de benefício mútuo.” “Não devemos impor regras unilaterais em outros, nem politizar o comércio justo.”

 

Inovação garante crescimento

Li Keqiang salientou que a China alcançou resultados acima da expectativa ao impulsionar o empreendedorismo e inovação em massa. “O número de entidades de mercado na China aumentou a um ritmo diário médio de 40 mil nos últimos três anos”, disse Li em um discurso na cerimónia de inauguração do Fórum Davos de Verão.

Durante o período, 14 mil empresas foram registadas diariamente em média, com cerca de 70% delas activas nos negócios, e o número de novas empresas aumentou para 18 mil por dia em Maio este ano, de acordo com Li.

O primeiro-ministro descreveu o empreendedorismo e a inovação em massa como uma maneira efectiva para realizar o crescimento inclusivo, dizendo que “o processo junta e beneficia o povo extensivamente”.

O novo ímpeto de crescimento, incluindo novas indústrias e novos modelos comerciais, contribuiu com cerca de 70% de todos os novos empregos criados nas cidades do país no ano passado, segundo o primeiro-ministro. “A regulação inclusiva e prudente” pelo governo estimulou o desenvolvimento rápido das indústrias e os modelos comerciais emergentes incluindo o comércio electrónico, o pagamento móvel e a partilha de bicicletas, disse Li. Ao mesmo tempo, “o empreendedorismo e a inovação em massa também ajudou a transformar os sectores tradicionais do país e acelerar a actualização da economia”, reforçou.

Li Keqiang atribuiu o desempenho positivo à actual reestruturação económica do país. “A China não tomou medidas estimulantes nem seguiu o antigo caminho velho de depender de investimento e recursos. Pelo contrário, apostou na inovação e reforma a fim de transformar-se para uma economia orientada pelo consumo e serviços”, assinalou Li. O consumo contribuiu com 64,6% do PIB em 2016, enquanto o sector de serviços representou 51,6% do crescimento económico. “A procura nacional tornou-se um pilar significante (para a economia)”, concluiu Li.

 

Fórum Davos de Verão

Realizado de terça a quinta-feira, o Fórum Davos de Verão deste ano, intitulado “Alcançar o crescimento inclusivo na IV Revolução Industrial”, foca-se em como as inovações de tecnologia e política podem acelerar um estilo mais inclusivo do desenvolvimento económico que dá prioridade à criação de empregos significativos e ao desenvolvimento sustentável.

Cerca de 1500 políticos, funcionários, empresários, académicos e representantes dos media de mais de 90 países e regiões discutirão os tópicos, que variam do crescimento inclusivo à nova revolução industrial. Estabelecido pelo Fórum Económico Mundial em 2007, o Davos de Verão é realizado anualmente na China, alternando entre Dalian e Tianjin.

28 Jun 2017

BOK | Artistas locais abordam a sociedade e desafiam os sentidos

São dois espectáculos de artistas locais que marcam a programação de hoje do festival de teatro experimental BOK. O teatro vai tratar alertar para a necessidade de comunicação. A música é um apelo à imaginação

[dropcap style≠’circle’]E[/dropcap]ntrar nestes dias no edifício do antigo tribunal é não saber ao que se vai e, ainda assim, estar curioso para o que quer que possa acontecer. O festival BOK domina o espaço e promete pôr o público a experimentar novidades. Hoje, faz parte do programa teatro e música de artistas locais. Miki To e as “Water Singers” vão estar em palco para dois espectáculos que pretendem não deixar o público indiferente.

“Moderation” é a peça da dramaturga local Miki To. É um espectáculo que usa o tabuleiro de xadrez chinês como metáfora para jogos de forças e de interesse sociais e políticos.

Em palco vão estar, paralelamente, duas situações que se metaforizam mutuamente. Dois jogadores de xadrez de 1933 que se defrontaram antes da guerra com o Japão. Um chinês, outro nipónico, um com 19 anos, outro com 60. O mais velho, na altura, ganhou. Hoje, está na mesa um outro jogo. “O tabuleiro é o espaço onde a geração mais jovem de Macau tenta comunicar com as instituições locais, com um Governo que muitas vezes não a entende”, disse Miki To ao HM.

Dois confrontos que mais do que jogos são, considera a dramaturga, interacções políticas e sociais. “Por vezes, jovens e Governo posicionam-se em lados opostos da sociedade, mas não podemos ver estas posições a preto e branco, não se trata disso. Temos de ver os cinzentos, temos de ver onde comunicam. Neste sentido acontecem os movimentos, tal como no xadrez”, explicou a dramaturga.

A ideia apareceu com a observação da realidade vivida por muitos dos jovens de Macau. “Há pessoas que estão com ideias novas, que imaginam um futuro e que sabem o que querem fazer dele. No entanto, estas ideias não são muitas vezes as esperadas pela própria sociedade”, diz.

É para alertar para a importância de ideias “mais frescas” que “Moderation” existe. “Esta frescura é importante e mostra que os jovens querem tentar algo de novo, mas estamos numa sociedade com demasiadas regras e gostava de, com esta peça, encorajar estes jovens a avançarem, a atreverem-se e não se deixarem sufocar pelo estabelecido”, confessou Miki.

Diferentes, mas com respeito

Por outro lado, de acordo com a criadora de “Moderation”, “tal como num jogo, mesmo com o confronto, tem de existir o respeito e com isso espaço”. Em causa está aquilo que julga existir neste momento na sociedade local: o desrespeito pela diferença, sendo que é necessária “mais comunicação e, ao invés de se situarem em extremos opostos, Governo e sociedade precisam de arranjar uma forma de trabalhar para um lugar em que as diferenças sejam respeitadas”, explicou.

Para a dramaturga, o festival Bok representa já um movimento que dá oportunidade à geração mais jovem de mostrar o seu trabalho no território.

Só sons

Um concerto só de vozes e sons sem qualquer elemento visual é a proposta de “Picturesque”. O espectáculo é a primeira criação do grupo “Water Singers” constituído por quatro alunas do curso de música do Instituto Politécnico de Macau. A proposta é dirigida à imaginação.

As “Water Singers” existem desde 2014 e “Picturesque” é a primeira criação do ensemble feminino. O uso exclusivo do som foi uma escolha. “Pensamos que as pessoas, normalmente, imaginam mais o que olham do que o que ouvem, e o que é ouvido tem menos espaço na imaginação do que o que é visto”, explicou Bobo Loi. “Não é só música, o espectáculo tem vozes, efeitos de som, enfim, elementos que possam transportar as pessoas para dentro de si ou para uma viagem ao deserto, à floresta, à China ou à Europa”, rematou a intérprete.

28 Jun 2017

Plataforma online de museus ibero-americanos inclui 144 portugueses

O Museu Machado de Castro, que inclui a colecção de arte chinesa doada por Camilo Pessanha, é um dos museus presentes nesta nova plataforma

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] Registo de Museus Ibero-americanos (RMI), plataforma online que reunirá mais de nove mil museus de Portugal, Espanha e América Latina, incluindo 144 da Rede Portuguesa de Museus, vai ser lançado na quarta-feira, em Madrid. O subdiretor-geral do Património Cultural David Santos revelou que a criação desta plataforma internacional é um dos projectos mais importantes do Ibermuseus, proposto há uma década, no I Encontro Ibero-Americano de Museus, em Salvador da Baía, no Brasil.

“É um projecto extremamente importante no sector dos museus porque dá acesso a informação ao público em geral sobre mais de nove mil museus e possui uma parte, mais restrita, para uso de investigadores e profissionais desta área”, explicou o responsável.

O projecto RMI vai ser lançado oficialmente hoje, quarta-feira, às 19h, hora de Macau, no Museu da América, em Madrid, com o objectivo de “seguir o caminho da cooperação e do diálogo, com vista ao fortalecimento de políticas públicas para o desenvolvimento do sector, considerando os museus como verdadeiras ferramentas de transformação social”.

Este projecto internacional do Ibermuseus – que reúne 22 países, incluindo Portugal – contou com a colaboração da Direção-Geral do Património Cultural (DGPC), representada no Observatório Ibero-Americano de Museus, onde foi incluída informação de todos os museus da Rede Portuguesa de Museus.

De acordo com David Santos, o portal foi criado com diversos filtros que dão acesso aos países e respectivos museus por tipologias, fornecendo informação variada das suas características, história e colecções. “Esta plataforma também vai ser fundamental para os museus contactarem entre si e estabelecerem parcerias, fortalecendo a colaboração internacional e a criação de projectos”, sublinhou.

David Santos recordou que, ao longo destes dez anos, o Ibermuseus desenvolveu vários projectos mas “o mais importante é, de facto, o RMI, pela sua dimensão, informação disponível e possibilidades de cooperação que facilita”.

A plataforma “possibilitará a investigação e o conhecimento da diversidade de instituições que formam este panorama diverso e fundamental para a preservação da memória”, acrescentou o subdirector-geral do património.

Toda a informação sobre o projecto estará acessível no site do Registo de Museus Ibero-Americano. A par do lançamento oficial do RMI em Madrid, o momento vai ser celebrado no Brasil, no Peru e no México.

28 Jun 2017

Lançado livro sobre diáspora judaica lusófona

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap]s comunidades de matriz judaica portuguesa espalhadas pelo espaço lusófono são o tema do livro “Judeus e Cristãos Novos no Mundo Lusófono”. “São conjuntos de textos que organizei, estando uma parte alinhada pelo tema da pesquisa histórica dos judeus de matriz portuguesa na diáspora. Há ainda alguns textos centrados na literatura produzida por autores que tenham alguma ligação ao judaísmo português”, explicou à Agência Lusa a coordenadora do trabalho, Marina Pignatelli.

De acordo com a investigadora do Centro em Rede de Investigação em Antropologia (CRIA), “há um texto, que está um pouco desgarrado mas que tem interesse e está ligado ao tema do judaísmo, que trata da imagem dos judeus no cinema português”. 

“O livro tem ainda textos mais etnográficos e antropológicos como o meu, centrado em Moçambique, que tratam mais das comunidades judaicas do presente”, sublinhou a coordenadora, doutorada em Ciências Sociais com especialidade em Antropologia Cultural.

Marina Pignatelli adiantou que o livro contém textos de 17 autores, em quatro línguas, nomeadamente português, espanhol, francês e inglês, que retratam as comunidades de matriz judaica portuguesa no Brasil, São Tomé e Príncipe, Moçambique e outros locais, como em Hamburgo ou na costa ocidental de África.

“A diversidade das línguas dos autores dos textos do livro reflecte bem o interesse internacional que existe na área dos estudos judaicos em relação à matriz portuguesa do judaísmo”, referiu a autora.

O investigador Tudor Parfitt, professor de estudos judaicos da Escola de Estudos Orientais e Africanos (SOAS) da Universidade Londres e membro do Centro de Estudos Hebraicos e Judaicos de Oxford, considerado o “Indiana Jones” britânico, pela sua procura por comunidades judaicas em todos os cantos do mundo, é um dos autores presentes na obra.

Macau presente

A coordenadora disse que a ideia do livro surgiu em 2010, quando decidiu pesquisar as comunidades sefarditas portuguesas, tendo descoberto uma pequena sinagoga em Maputo, com uma pequena comunidade e contactou Tudor Parfitt que a orientou a investigar as comunidades sefarditas em Moçambique e sugeriu que após isso, organizasse um congresso e escrevesse um livro sobre o tema.

Marina Pignatelli acabou por realizar o congresso em Novembro de 2015, que contou com a presença de centenas de investigadores. Os textos do livro coordenado por Marina Pignatelli são de investigadores que participaram neste evento, realizado em Lisboa.

“Os investigadores escreveram sobre as suas pesquisas mais recentes em torno do judaísmo de matriz portuguesa, no contexto de antigas colónias portuguesas ou noutros pontos da diáspora sefardita portuguesa”, disse a investigadora.

“Quando se fala no termo sefardita, fala-se muito, em geral, da diáspora judaica espanhola que fugiu da perseguição da Inquisição em Espanha”, acrescentou.

Para Marina Pignatelli, este livro serve para “marcar a presença e a importância da diáspora judaica de matriz portuguesa, os sefarditas portugueses, no mundo, tanto quanto a espanhola”.

Em 1946, o rei Manuel I assinou o decreto de expulsão dos judeus de Portugal, como havia acontecido anos antes com os judeus em Espanha, que foram expulsos daquele país em 1492.

“Esta matriz portuguesa mostra que o mundo sefardita não é só espanhol, está em paralelo 50/50 (português e espanhol), se quiser. Isto é visível no Brasil, Angola, Moçambique, Macau, Japão, Índia, entre outros locais”, afirmou.

Outros investigadores que participam no livro são Florbela Veiga Frade, investigadora na Universidade Nova de Lisboa, Nancy Rozenchan, da Universidade de São Paulo, Asher Salah, da Universidade Hebraica em Jerusalém, o escritor são-tomense Orlando da Glória Silva Piedade, o pesquisador independente Saul Kirschbaum, o investigador da Universidade de Córdoba Marcos Pelayo e o autor francês Gérard Nahon, entre outros.

A obra, de 388 páginas, é publicada pelas Edições Colibri e já está a venda ao público português.

28 Jun 2017

A linguagem do cinema chinês: Idade 29 + 1

Hong Kong. Tempo: Presente.

[dropcap style≠’circle’]C[/dropcap]hristy Lam, interpretada por Chrissie Chau, é o protótipo da rapariga nascida e criada em Hong Kong. Aparentemente tem uma vida feliz. Tem namorado e é admirada no trabalho. No entanto, um mês antes de completar 30 anos, Christy fica a saber que o pai está gravemente doente e acabamos por perceber que afinal a sua vida amorosa não é nenhum mar de rosas. Para rematar, as coisas no trabalho sofrem um volte face muito negativo.

Wong Tin-Lok, interpretada por Joyce Cheng, também está à beira dos 30. Wong tem uma vida completamente diferente. É baixota, gorducha, não tem dinheiro, não tem carreira nem namorado. Os seus seios só foram tocados pelos médicos. Wong tem cancro da mama, mas apesar disso sempre encarou a vida com um espírito optimista. Com os 30 anos na linha do horizonte, toma uma decisão arrojada; pega nas malas e enche-as com os sonhos de infância. Pela primeira vez na sua vida sai de Hong Kong e apanha um voo para Paris.

As duas mulheres não se conhecem e as suas personalidades são diferentes como a noite do dia. Mas o destino intervém e Christy muda-se temporariamente para casa de Wong. Instalada no apartamento, Christy depara-se com o diário de Wong. Descobre que partilham a data de nascimento e começa a desvendar pedaços da vida da dona da casa. À medida que os seus laços virtuais aumentam, Christy dá por si a admirar a forma como Wong aborda a vida, de tal forma que se vai identificando cada vez mais com esta perspectiva.

A realizadora Kearen Pang彭秀慧 adaptou ao cinema com mestria esta peça de teatro, da sua autoria, estreada em 2005. Na versão para teatro as duas protagonistas eram interpretadas pela autora. Pang optou por manter a estrutura pouco convencional da história, o que mostra a sua auto-confiança, embora seguindo o registo mais realista do cinema. Esta transição foi facilitada por duas protagonistas perfeitas: Chau brinda-nos com um dos seus trabalhos mais sofisticados de sempre, embora Cheng acabe por arrebatar as atenções, com uma interpretação absolutamente tocante, cheia de alegria e de calor humano.

Para a maioria das mulheres, os 30 representam a “fronteira para o desconhecido”. A antevisão deste período da vida dá uma sensação de impotência, não só física como psicológica, devido a todo o tipo de pressões sociais.

A realizadora Kearen Peng usa a câmara como se fosse um aparelho de raio-X para explorar as emoções, o trabalho e a vida das protagonistas. A idade perturba as mulheres. E será que alguém tem o direito de limitar as mulheres colocando-lhes um rótulo etário, ou qualquer outro tipo de rótulo?

Kearen Peng abre graciosamente a sua alma a uma audiência mais vasta, com uma comédia repleta de sensibilidade e positivismo. O filme recebeu o Prémio de Melhor Realização no Festival de Cinema de Nice.

Veja o trailer aqui:

28 Jun 2017

Noites todos os dias

Joaquina, Lisboa, 13 Junho

[dropcap style≠’circle’]D[/dropcap]e vez em quando, mergulho em apneia no grande oceano da música brasileira. As redes permitem pescar com fartura e nas profundezas do passado. Se feito ao desafio, como há um ano e muito por culpa da Elza Soares, então as agruras ganham o perfume da dama-da-noite. Incontáveis vozes femininas cantam em veludo os desamores e as pedras da calçada do quotidiano. E ao serviço de letras que constroem sabiamente contos, crónicas, poemas, aforismos. Cresceu-me o introito a propósito de uma daquelas noites que só o Junho alfacinha contém. Na Rua Joaquina, vila sobranceira a uma das minhas colinas preferidas, ainda que sejam muitas as dilectas, costuma acontecer festa rija e fado solto. Desta vez, na ressaca da noite sacrificada ao santo, estamos postos a celebrar a amizade, que o André [Gago] acaba de fazer comovida pelo discurso aniversariante. Eis que o puto Gaspar [Varela Silva], bisneto de Celeste Rodrigues, com primeiro concerto anunciado para Novembro, pega na viola portuguesa, deixa assobiar o vento nos caracóis, e ali mesmo celebra Dolores Duran, pois adora «A Noite do Meu Bem»: «Eu quero toda beleza do mundo/ Para enfeitar a noite do meu bem/ Ah! como este bem demorou a chegar/ Eu já nem sei se terei no olhar/ Toda pureza que eu quero lhe dar». O talento ouve-se a olhos vistos, mas custa a crer na força de vontade que prende o Gaspar às cordas. Pureza enfeitando a noite.

Feira do Livro, Lisboa, 18 Junho

Sob sol inclemente e com o país mergulhado na tragédia, fecha mais uma edição da Feira. Por mais voltas que dê, vejo-lhe os modos e as maneiras a moribundar. Mais do que momento anual de ter ao alcance do entendimento e da bolsa o catálogo completo de cada editora, o armazém tornado montra, o rosto a vislumbrar-se muito para além da marca, aquilo está disforme venda de saldos ao ar livre. Tudo entalado entre isto e aquilo. A maltosa passeia, mas já não disfruta. Vai para comprar o barato, mais do que livro. Praças inteiras de maduros, mais ou menos anónimos, à espera de quem lhes reconheça o autógrafo. Barracas de farturas e fartura de barracadas. Talvez não haja volta a dar, apenas subir e descer. Sem dispensar uns encontrões, que andamos sem ver onde pôr os pés.

Horta Seca, 19 Junho

Acabo a «Marquesa de Alorna» contada aos pequenos, e nem tanto, pela Luísa Paiva Boléo e pelo André [Carrilho], minha vizinha na colecção «Grandes Vidas Portuguesas». O conto espraia-se sem floreados, acreditando bem a Luísa que a personagem se agiganta só com o estender dos factos. «Querida Leonor» foi grande figura, não restam dúvidas, antes páginas. Prometo visitá-las. O mister do André usa o esboço nos cenários de um modo que parece história, sugerindo apenas para que completemos nós. (Confira-se com a ilustração do terramoto de 1755, algures nesta página) Leonor surge de rosto definido em detalhes e de corpo enchendo o tempo e os lugares. Entre cenário e corpo, dá-se a aventura.

Horta Seca, Lisboa, 21 Abril

Sem variação, mas com variantes, cada um que entra na minha oficina se espanta com a aparente desarrumação das mesas e das estantes. Não, o plural não é gralha, que são várias as mesas onde acumulo, sobretudo livros, mas também revistas e jornais e revistas, a repetição não é gralha, e cartazes e documentos, enfim, papel e pó. Esta acumulação resulta de um processo único, próximo do zen, desenvolvido com preguiça e argúcia ao longo dos anos: se não estiver perto, esqueço. Por folha estará ao menos uma ideia, cada monte contém infinita potência de leitura ou de projecto. Preciso sopesar formatos, respirar grafismos, tocar a haste da letra, beber a imagem, mergulhar no pensamento, enfim, achar que posso ler, a qualquer momento. Esta proximidade define horizontes e estruturas, sem as colunas em altura desmorono, sem a visão dos tons infinitos e movediços do papel paraliso. Moro nos antípodas do origami, ess’arte de, com dobras engenhosas, domesticar o espaço. Para que o mundo e as suas formas caibam na mão. E assim encolher o tempo. Aqui o caos parece congelar o tempo, propondo-lhe um labirinto. Não morro menos por isso.

Belém, Lisboa, 22 Junho

O Filipe [Raposo] deixa-me nas mãos uma «Inquiétude» em tons de amarelo. Os dias seguintes caminharão sobre pianos. As composições, quase todas suas, resultam de dois anos de aprendizagens várias em Estocolmo, pelo que nos chegam com as marcas da viagem, pedaços de paisagem nas botas, as malas cheias de elementos, água e vento, fogo e céu. E palavras. Há voz, ligeira, que se toca como instrumento, pois não são canções. Contudo, este jazz das planícies (interiores, ainda que lá fora) tem, no que parece ser uma constante no trabalho do Filipe, fortíssima ligação à poesia. Ténue como corda de funâmbulo. A cada tema corresponde um poema, mesmo que seja só frase, no desdobrável que acompanha o disco, entre os quais o de Louise Bourgeois que forneceu o acertado título, metendo estudo nisto do desassossego. Logo me desperta o jogo de ler o poema e ir tentar descortinar as notas que cosem relações. Surge uma Leonor, acontece Grabato sobre o Cosmos página branca, e «coisas deixadas para trás» a pretexto de um haiku: «Enquanto com a manga/ varro a minha cama/ e me sento nela/ à tua espera/ a lua já se pôs». São degraus, estas teclas.

Hoje Macau, 23 Junho

Saravá, António, que agora trazes novas tonalidades a estas páginas. Nós, os escravos do tempo, te saudamos ó grande intérprete das faldas e sinuosidades. Deixa ainda acrescentar que se fez pedra no charco o teu, tão breve quanto intenso, «É Um Clássico», na RTP2, aos sábados, pelas 21h22, mas a qualquer hora, como se vê agora televisão. Até te perdoo as mãos nos bolsos, se continuares a desfiar melancólica clareza com a perfumada alvura das manhãs que se sucedem às noites alfacinhas de Junho.

Horta Seca, 25 Junho

Vejo desta coluna a semana que passou e são tantos os sítios onde gostaria de ter estado sem o conseguir que me arrisco a perder assunto, a perder o pé: as leituras que a Rita [Taborda Duarte] organizou na Leituria, o lançamento da Patrícia [Portela], a inauguração do Jorge [dos Reis], a festa dos vizinhos na rua Joaquina, a homenagem ao Bernardo Sassetti, que será doravante também uma sala-jardim, o Nuno [Saraiva] a mostrar originais das Festas, a visita guiada do Jorge [Silva] ao Pavia. Verdade fique dita, o social dói-me sempre algures.

28 Jun 2017

Nflorist | O incrível mundo das pétalas

Está de portas abertas há quatro anos e chegou com a promessa de produtos diferentes. A Nflorist rompe com a tradição local das floristas. O investimento foi feito na inovação, em designs mais arrojados e ofertas diversificadas. Sempre com o delicioso perfume das flores

[dropcap style≠’circle’]Q[/dropcap]uando a primeira loja abriu as portas, Macau nunca tinha visto nada assim. O mundo das flores respondia a métodos tradicionais, com ramos e coroas pouco diferenciados. Os mentores da Nflorist tinham visto outras coisas lá fora e decidiram abrir um espaço com “estilos diferentes”.

Quatro anos depois, a ideia provou ser bem-sucedida e o território mostrou que tem um mercado suficiente para este tipo de negócio. Na Nflorist há flores para todos os gostos, mas a aposta no design é visível: procura-se sobriedade para deixar respirar as pétalas. Este lado inovador já permitiu criar uma pequena cadeia de lojas: a Nflorist tem três espaços comerciais em diferentes pontos da cidade.

I Seong Lao é a responsável pelo estabelecimento principal e explica como funciona esta florista diferente. “Os nossos produtos são feitos por designers de Taiwan que se responsabilizam pelas fases de design e produção. Cada obra é produzida à mão pelos floristas”, afirma.

Na Nflorist abre-se espaço também à criatividade dos consumidores, que podem dizer o que pretendem. “Tratamos dos pedidos dos nossos clientes com todo o carinho e tentamos fazer o melhor com o nosso profissionalismo”, garante I Seong Lao.

Os anos de funcionamento das várias lojas permitiram perceber quem é o público-alvo: pessoas entre os 20 e os 45 anos. Para o facto contribuirá o estilo em que apostou a Nflorist, mas também serem estas as gerações “mais activas em termos sociais”, justifica a gerente.

À semelhança do que acontece no Ocidente, também no Oriente as flores ocupam um lugar central em momentos decisivos da vida, do nascimento à morte. Oferecem-se flores às mulheres que acabaram de ter filhos, às namoradas, aos estudantes recém-formados. As flores servem ainda para celebrar datas tradicionais como o Festival da Lua e para assinalar, com pompa e visibilidade, a entrada em funcionamento de novos negócios. Usam-se flores nas cerimónias religiosas, nos casamentos, em festas. Homenageia-se quem parte com pétalas.

I Seong Lao explica que, independentemente da ocasião e do objectivo, as flores frescas são as mais procuradas na Nflorist. “Têm um significado positivo, cheio de energia. É algo directo e natural.” O mundo das flores é riquíssimo, “existem imensas opções e variedades, são muito atractivas”.

Frescas e eternas

Em relação a planos para o futuro, I Seong Lao espera que a o negócio possa continuar a expandir-se pelo território, com a abertura de novos espaços. A gerente não tece comentários sobre a satisfação com o volume de vendas, preferindo abordar o assunto de outro prisma.

“Uma loja de flores é um local onde se transmite felicidade e amor aos outros. Esperamos oferecer o melhor serviço possível aos clientes. Quando regressam à loja com um sorriso ou nos trazem notícias felizes é um grande incentivo ao nosso funcionamento”, declara.

Outro objectivo da Nflorist é garantir que, de vez em quando, há novos produtos para oferecer a quem entra no espaço comercial. Entre ramos convencionais e arranjos gigantes de rosas, há plantas para venda e até jardins portáteis, como o “Bottle Garden”.

“Neste dia-a-dia ocupado, queremos transmitir uma nova energia aos clientes”, diz I Seong Lao. “O Bottle Garden tem um sistema ecológico aperfeiçoado. Os clientes só precisam de pôr água uma vez por semana para terem esta beleza natural perto deles. Esperamos conseguir incutir a beleza e a energia a quem ama plantas como nós.”

As flores à venda na Nflorist chegam de vários países, incluindo destinos distantes como o Quénia e a Colómbia. Mais perto, Taiwan é uma das principais fontes de plantas.

Na loja é ainda possível comprar flores eternas, oriundas do Japão. “Colaboramos com a empresa japonesa Earth Matters, para garantir a melhor qualidade desse tipo de flores”, sublinha a gerente. Submetidas a um processo químico no momento em que são colhidas, as flores eternas podem manter o aspecto durante meses ou anos. “Mas nós não limitamos as fontes dos nossos materiais”, ressalva I Seong Lao. “Esta diversificação é que permite satisfazer as diferentes necessidades dos nossos clientes.”

Nflorist
Alameda Dr. Carlos d’Assumpção, 92
Wan Yu Villas Ground floor & Attic I
Macau
28 Jun 2017

A imoralidade do terrorismo

“The purpose of terrorism is to destroy the morale of a nation or a class, to undercut its solidarity; its method is the random murder of innocent people.”
“Just and Unjust Wars: A Moral Argument with Historical Illustrations” – Michael Walzer

[dropcap style≠’circle’]T[/dropcap]emos assistido aos mais diversos eventos mundiais, desde os atentados de 11 de Setembro de 2001, nos Estados Unidos até ao último ataque terrorista em Londres, a 3 de Junho de 2017. Temos vivido acontecimentos violentos e reais, de guerras a genocídios. No entanto, quando se trata de eventos simbólicos à escala mundial, ou seja, não apenas factos que têm a atenção da comunicação social a nível mundial, mas que representam um fracasso para a globalização, não encontramos nenhum. Durante a inércia da década de 1990, os eventos entraram em greve na expressão do escritor argentino Macedonio Fernández.

A greve terminou e os acontecimentos não estão mais em risco e com os ataques ao World Trade Center, em Nova Iorque, podemos até dizer que temos diante de nós o evento absoluto, a mãe de todos os eventos, o evento puro que unifica em si todos os eventos que nunca aconteceram. Todo o jogo da história e do poder é interrompido por esse evento, mas também são as condições de análise. Temos que aprisionar o nosso tempo. Enquanto os eventos estavam estagnados, tínhamos que os antecipar e movermos mais rapidamente do que eles. Mas quando aceleraram, tivemos de caminhar mais devagar, embora sem permitir enterrá-los sob uma infinidade de palavras, ou reunir nebulosas de guerra, e preservar intacta a incandescência inesquecível das imagens. Tudo o que foi dito e escrito tem sido a evidência de uma aberração gigantesca para o evento em si e do fascínio que exerce.

A condenação moral e a santa aliança contra o terrorismo estão na mesma escala que o prodigioso júbilo de ver essa superpotência global destruída, ou melhor, vê-la, em certo sentido, destruindo-se e suicidando-se em uma chama de glória, pois pelo seu poder infernal, fomentou toda essa violência que é endémica a nível mundial, e, logo, essa imaginação terrorista (involuntariamente) que habita em todos nós. O facto de termos sonhado com esse evento, pois todos, sem excepção, sonharam com o mesmo, porque ninguém pode evitar sonhar com a destruição de qualquer poder que se tornou hegemónico a um nível considerado inaceitável para a consciência moral ocidental. No entanto, é um facto, e que pode ser medido pela violência emotiva de tudo o que foi dito e escrito no esforço para o dissipar.

É possível dizer em simples pincelada que fizeram, o que desejávamos que fosse feito. Se tal não for levado em conta, o evento perderá qualquer dimensão simbólica. Torna-se um puro acidente, um acto puramente arbitrário, a fantasmagórica assassina de alguns fanáticos, e tudo o que restaria seria eliminá-los. Agora, sabemos muito bem que não é assim. O que explica todos os delírios contrafóbicos sobre exorcizar o mal. É porque está lá, em todos os lugares, como um objecto obscuro de desejo. Sem essa cumplicidade profunda, o evento não teria tido a ressonância e, a sua estratégia simbólica. Os terroristas, sem dúvida, sabem que podem contar com essa cumplicidade indescritível. Tal vai muito além do ódio pelo poder mundial dominante entre os deserdados e os explorados, entre aqueles que acabaram no lado errado da ordem global. Mesmo aqueles que compartilham as vantagens dessa ordem têm esse desejo malicioso nos seus corações.

A alergia a qualquer ordem e poder definitivos são felizmente universal, e as duas torres do World Trade Center eram formas de realização perfeitas, nas suas dimensões, dessa ordem definitiva, não sendo necessário, um impulso de morte, um instinto destrutivo, ou mesmo de efeitos perversos e involuntários. Muito logicamente e inexoravelmente, o aumento do poder aumenta a vontade de destruí-lo. E foi parte da sua própria destruição. Quando as duas torres entraram em colapso, teve-se a impressão de que estavam a responder ao suicídio dos suicidas, com os seus próprios suicídios. Sempre foi dito que mesmo Deus não pode declarar guerra a si mesmo.

O Ocidente simbolicamente, na posição de Deus (omnipotência divina e legitimidade moral absoluta), tornou-se suicida e declarou guerra a si mesmo. Os inúmeros filmes de desastres, testemunham essa fantasia, que claramente tentam exorcizar com imagens, afugentando tudo com efeitos especiais. Mas a atracção universal que exercem, que é parecido com a pornografia, mostra que a actuação nunca foi muito longe, bem como o impulso de rejeitar qualquer sistema que se torne mais forte, à medida que se aproxima da perfeição ou da omnipotência. É provável que os terroristas não tenham previsto o colapso das Torres Gémeas, mais do que os especialistas, pois muito mais do que o ataque ao Pentágono, teve um maior impacto simbólico.

O colapso simbólico de todo um sistema surgiu por uma cumplicidade imprevisível, como se as torres, ao sucumbirem, cometessem suicídio, juntando-se para completar o evento. Em certo sentido, todo o sistema, pela sua fragilidade interna, deu uma mão amiga à acção inicial. Quanto mais concentrado o sistema se tornar globalmente, formando uma única rede, mais se torna vulnerável em um único ponto, pois é como o pequeno “hacker” filipino que havia gerido o mal, desde os recessos escuros do seu computador portátil, ao introduzir o vírus “Eu te amo”, que circundou o mundo devastando redes inteiras. Nos Estados Unidos foram dezoito assaltantes suicidas que, graças à arma absoluta da morte, reforçada pela eficiência tecnológica, desencadearam um processo catastrófico global.

Quando o poder global monopoliza a situação desta forma, quando há uma concentração tão assombrosa de todas as funções na máquina tecnocrática, e quando nenhuma forma alternativa de pensamento é permitida, qual é a outra forma existente para além da mudança por via da prática de actos terroristas? Foi o próprio sistema que criou as condições objectivas para essa retaliação brutal. Ao usar todas as cartas do jogo, forçou o outro a mudar as regras. E as novas regras são ferozes, porque as apostas são desumanas e para um sistema que tem excesso de poder, representando um desafio insolúvel, os terroristas respondem com um acto definitivo que também não é susceptível de troca. O terrorismo é o acto que restaura uma singularidade irredutível ao núcleo de um sistema de troca generalizada. Todas as singularidades (espécies, indivíduos e culturas) que pagaram as suas mortes, pela instalação de uma circulação global governada por um único poder, estão a vingar-se através dessa transferência da situação pela via terrorista. É o terror contra o terror e não há mais nenhuma ideologia por detrás. Estamos além da ideologia e da política. Nenhuma ideologia causa e nem mesmo a islâmica pode explicar a energia que alimenta o terror.

O objectivo não é mais transformar o mundo, mas (como as heresias fizeram no seus dias) radicalizar o mundo pelo sacrifício. Enquanto o sistema pretende realizá-lo pela força, o terrorismo, como vírus, está em toda parte. Existe uma perfusão global do terrorismo, que acompanha qualquer sistema de dominação, como se fosse a sua sombra, pronto para se activar em qualquer lugar, como um agente duplo. Não é possível desenhar uma linha de demarcação em torno dessa situação. É no coração desta cultura que a combate, que a fractura visível e o ódio que permeia os explorados e os subdesenvolvidos, globalmente, contra o mundo ocidental, secretamente se conecta com a fractura interna ao sistema dominante. Esse sistema pode enfrentar qualquer antagonismo visível. Mas contra o outro tipo, que é de estrutura viral, como se toda a máquina de dominação segregasse o seu contra-aparelho, o agente do seu desaparecimento, contra essa forma de reversão quase automática do seu poder, o sistema nada pode fazer.

O terrorismo é a onda de choque dessa reversão silenciosa. Este não é, portanto, um choque de civilizações ou religiões, e fere muito além do Islamismo e do Ocidente, sobre os quais estão a ser feitos esforços para concentrar o conflito, criando a ilusão de um confronto visível e uma solução baseada na força. Há, de facto, um antagonismo fundamental, mas que afasta o espectro da América, que é, talvez, o epicentro, mas em nenhum sentido a única incorporação, da globalização e o espectro do Islamismo, que não é a personificação do terrorismo, mas a globalização triunfante batalhando contra si. Nesse sentido, podemos falar de uma guerra mundial, não a Terceira Guerra Mundial, mas a Quarta e a única realmente global, uma vez que o que está em jogo, é a própria globalização. As duas primeiras guerras mundiais corresponderam à imagem clássica da guerra.

A Primeira Guerra Mundial acabou com a supremacia da Europa e da era colonial. A Segunda Guerra Mundial acabou com o nazismo. A Terceira Guerra Mundial, que de facto ocorreu, sob a forma de guerra fria e dissuasão, acabou com o comunismo e a cada guerra sucessiva, avançamos para uma única ordem mundial. Actualmente, essa ordem, que praticamente atingiu o seu ponto culminante, encontra-se a lutar contra forças antagónicas espalhadas por todo o mundo, em todas as convulsões actuais. Uma guerra fractal de todas as células e singularidades, repugnantes sob a forma de anticorpos. Um confronto tão impossível de definir que a ideia de guerra deve ser resgatada de tempos a tempos por situações espectaculares, como a Guerra do Golfo ou a guerra no Afeganistão. Mas a Quarta Guerra Mundial está em outro lugar. É o que assombra toda ordem mundial e dominação hegemónica e se o Islamismo dominasse o mundo, o terrorismo elevaria contra si, pois é o mundo que resiste à globalização. O evento do World Trade Center, esse desafio simbólico, é imoral e é uma resposta a uma globalização que é imoral. Teremos então de ser imorais para compreender esta dinâmica?

Se quisermos ter algum entendimento de tudo o que está a acontecer em termos de terrorismo têm de ir um pouco além do bem e do mal. Quando, tivermos um evento que desafie não apenas a moral, mas qualquer forma de interpretação, devemos tentar abordá-lo com uma compreensão do mal. Este é precisamente onde se encontra o ponto crucial, no total mal-entendido por parte da filosofia ocidental e do Iluminismo da relação entre o bem e o mal. Acreditamos ingenuamente que o progresso do bem, o seu avanço em todos os campos, como nas ciências, tecnologia, democracia, direitos humanos, corresponde a uma derrota do mal.

Apenas poucos parecem ter entendido que o bem e o mal caminham juntos, como parte do mesmo movimento. O triunfo de um não oculta o outro, longe disso. Em termos metafísicos, o mal é considerado um acidente, mas esse axioma, do qual derivam todas as formas maniqueístas da luta do bem contra o mal, é ilusório. O bem não conquista o mal, nem o inverso acontece, pois são ao mesmo tempo irreduzíveis entre si e inextrincavelmente inter-relacionados. Em última análise, o bem poderia frustrar o mal apenas deixando de ser bem, ao apoderar-se de um monopólio global do poder, dando origem, por esse mesmo acto, a uma reviravolta de uma violência proporcionada. O universo tradicional, continha um equilíbrio entre o bem e o mal, de acordo com uma relação dialéctica que mantinha a tensão e o equilíbrio do universo moral, não sendo diferente da forma como o confronto dos dois poderes na Guerra Fria mantiveram o equilíbrio do terror, não havendo nenhuma supremacia de um sobre o outro.

Assim que houve uma extrapolação total do bem (hegemonia do positivo sobre qualquer forma de negatividade, exclusão da morte e de qualquer força adversa potencial – triunfo dos valores do bem), esse equilíbrio ficou perturbado. A partir desse momento, o equilíbrio desapareceu, e foi como se o mal recuperasse uma autonomia invisível, começando a desenvolver-se exponencialmente, tendo em termos relativos acontecido na ordem política com o desaparecimento do comunismo e o triunfo global do poder liberal, pois foi nesse ponto que emergiu um inimigo fantasmagórico, infiltrando-se em todo o planeta, deslizando por toda parte como um vírus que brota de todos os interstícios de poder que e radicado no Islamismo.

Mas o Islamismo era apenas a frente móvel em que o antagonismo cristalizava. O antagonismo está em todos os lugares e em cada um de nós. Então, é o terror contra o terror. É o terror assimétrico. E é essa assimetria que deixa a omnipotência global totalmente desarmada, em desacordo consigo, só pode mergulhar na sua lógica de relações de força, mas não pode operar no terreno do desafio simbólico e da morte, algo da qual já não tem ideia, que a apagou da sua cultura. Até ao presente, este poder integrativo conseguiu em grande parte absorver e resolver qualquer crise e negatividade, criando, assim uma situação de desespero mais profundo (não só para os deserdados, mas para os privilegiados também, no seu conforto radical).

A mudança fundamental agora é de que os terroristas deixaram de se suicidar sem nada em troca, pois produzem as suas mortes de forma eficaz e ofensiva, ao serviço de uma visão estratégica intuitiva que é simplesmente um senso da imensa fragilidade do oponente – uma sensação de que um sistema que chegou à sua quase perfeição pode ser inflamado pela menor faísca. Os terroristas conseguiram transformar as suas mortes em uma arma absoluta contra um sistema que opera com base na exclusão da morte, um sistema cujo ideal é o de nenhuma morte. Todo o sistema de morte zero é um sistema de jogo de soma zero. E todos os meios de dissuasão e destruição não podem fazer nada contra um inimigo que já transformou a sua morte em uma arma de contra-ataque. Os terroristas estão tão ansiosos por morrer como os demais cidadãos por viver, sendo este o espírito do terrorismo.

28 Jun 2017

O amor não escolhe idades

[dropcap style≠’circle’]J[/dropcap]á diz a sabedoria popular que o amor não escolhe idades, seja isso porque o amor pode vir a qualquer fase das nossas vidas ou porque as nossas preferências amorosas não se prendem única e exclusivamente por sujeitos da mesma faixa etária.

Se o amor não escolhe idades, o sexo também não escolhe idades. Não me venham cá com lenga-lengas de que relacionamentos com parceiros mais velhos ou mais novos são reflexo de ‘recalcamentos’, má resolução de processos de vinculação ou que possam ser encarados como problemas psico-emocionais. Aconselho muita calma nesses julgamentos.

Todos já reparam que o mais recente presidente francês tem uma esposa com mais 24 anos do que ele. Por causa disso, o Macron já foi acusado de ter um casamento de fachada porque é um homossexual não assumido – casado com uma mulher só para satisfazer as expectativas heterossexuais. O que é que é problemático nesta discussão? Para mim, nem é a homofobia associada, mas o facto de uma mulher de 60 anos ser automaticamente cunhada como não desejável – porque raio um homem se sente amorosa e sexualmente por uma mulher com rugas? Deve ser homossexual! Pois, a assumpção social não é a regra, felizmente.

Olhemos agora para o mais recente presidente brasileiro, que tem uma esposa 43 anos mais nova do que ele. Alguém acha atípico? Nem pensar. Devem pensar que o dinheiro compra esposas belas, novas e jeitosas, mas ninguém dúvida da virilidade do homem, vulgo, da heterossexualidade do homem. Porque estar com uma mulher mais nova é mais natural do que estar com uma mulher mais velha. E assim o pessoal anda a julgar relacionamentos heterossexuais de acordo com as expectativas de beleza femininas. Porque, infelizmente, as mulheres (mais do que homens) têm um prazo de validade mais precoce. O que faz com que seja normal que homens com mais de 70 anos tenham mulheres jovenzinhas, mas o contrário seja mais criticado e duvidado até (!) – talvez seja altura de pôr essas ideias em causa, para paramos de encontrar homens que digam qualquer coisa como: ‘achei uma mulher de 50 anos sexy, o que é se passa comigo?’

Não se passa nada de errado com ninguém. Acho que ninguém dúvida que o cupido possa enviar umas setinhas românticas a casais com diferenças de idades de mais de 20 anos – e que possa haver paixão, tesão e desejo. Seja ele o mais velho ou ela a mais velha, sejam casais heterossexuais ou homossexuais.

Os desafios, é que são uns quantos, sim. Os julgamentos do sociedade alheia podem não ser muito simpáticos – são mais vezes reprovadores que outra coisa. Os ditos ‘especialistas’ em relacionamentos cunham certas constelações relacionais como trágicas à partida. Mas na minha humilde opinião, o que me parece desafiador num relacionamento entre dois seres com uma grande diferença de idade (quasi-geracional) não se prende tanto com questões de maturidade-imaturidade (que todos sabem que não depende da idade). Por mais que os membros de um casal possam ser feitos um para o outro e encaixem na perfeição na forma de ser e de serem, uma pessoa de 25 anos e uma pessoa de 40 anos podem perspectivar objectivos de vida diferentes – e isso pode ser problemático.

Se antes era dado adquirido que todos trabalhavam para terem uma casa, puderem casar e ter filhos, hoje em dia a imagem não se pinta bem assim, e a panóplia de possibilidades e de estilos de vida multiplicam-se. E as constelações, até as mais perfeitas, podem partir-se, por não estarem em sintonia com o que um e o outro querem fazer. Imaginem lá uma mulher de 35 anos a querer ter filhos com um homem de 25, que se calhar não se sente tão capaz de se aventurar na paternidade?

O amor não escolhe idades, mesmo. E o amor também não escolhe tão acertadamente trajectórias de vida semelhantes e/ou momentos que possam estar em mais sintonia. Para além disso não há mais nada, nem daddy issues, nem complexos de Édipo mal resolvidos. Descompliquem!

28 Jun 2017

Timor-Leste | Casal português reitera inocência

Tiago e Fong Fong Guerra
[dropcap style≠’circle’]U[/dropcap]m casal português acusado de vários crimes financeiros em Timor-Leste defendeu ontem a sua inocência numa intervenção, a única que fizeram, na recta final do julgamento que ficou visto para sentença. Tiago e Fong Fong Guerra foram julgados pelos crimes de peculato, branqueamento de capitais e falsificação documental sendo central ao caso uma transferência de 859 mil dólares, feita em 2011 por um consultor norte-americano, Bobby Boye.

Nas alegações finais, e para os crimes de peculato e branqueamento de capitais, o Ministério Público pediu penas de prisão de 8 anos para cada um dos dois arguidos, além do pagamento de uma indemnização no valor de 859.706 dólares com juros desde 2011. A defesa pediu a absolvição do casal.

Tiago Guerra lamentou o facto de todo o processo se ter prolongado quase três anos, recordando que sempre colaborou com a justiça e que dois anos antes de ser detido colaborou com a Comissão Anti-Corrupção (CAC) para dar informações solicitadas sobre um caso. “Sou uma pessoa formada com princípios éticos dos mais elevados, criado sempre a pensar na dignidade dos outros. Quando decidimos vir para este país viemos para ajudar. Custou-nos imenso, a mim pessoalmente, receber uma acusação tão grave como esta que afecta todos os princípios morais com que fui criado”, afirmou. “Custou-me muito, dada a mágoa e trauma que o caso causou a toda a família, à nossa saúde mental e física. Perdi 14 quilos na prisão, estive internado várias vezes, necessito de operações que não posso fazer aqui”, relatou.

Fong Fong Guerra, por seu lado disse que continua sem entender porque é que a procuradoria mantém que os dois arguidos conspiraram com o consultor americano Bobby Boye que foi condenado nos Estados Unidos por lesar o estado timorense. “A procuradoria insiste que nós conspiramos com o Bobby Boye. Somos honestos e abertos com tudo. Sempre fomos. Bobby Boye nunca nos disse nada sobre o seu trabalho, o que acontecia no seu trabalho no Governo”, disse.

“Não é verdade que tenhamos conspirado nada com ele. Nós até pensamos que ele tinha uma filha a estudar nos Estados Unidos. Só depois é que percebi que era mentira. Sempre pensamos que era sul-africano-americano, e afinal era nigeriano”, considerou.

Na sua declaração, Fong Fong Guerra referiu-se também ao impacto que o caso está a ter nos dois filhos do casal, de quem estão separados há quase três anos. “Se fossemos gananciosos então porque é que não continuámos a branquear dinheiro? Espero que os juízes nos dêem a justiça que merecemos. Já perdemos 3 anos do crescimento dos nossos filhos. Fomos punidos demais já só porque conhecíamos uma pessoa”, considerou.

Esta foi a única declaração que os arguidos proferiram durante todo o julgamento em que a defesa prescindiu de quaisquer testemunhas. Jacinta Correia – que preside ao colectivo de juízes do Tribunal Distrital de Díli que ouviu o caso desde finais de Fevereiro – marcou a data de leitura da sentença para 24 de julho.

28 Jun 2017

João Guedes, jornalista e investigador: “A memória perde-se muito rapidamente”

Quando chegou a Macau, a cidade era feita de segredos, um passado irresistível para João Guedes. Apaixonado por história desde cedo, porque ela apareceu no quintal da casa de infância, o jornalista é o responsável por uma palestra marcada para o próximo sábado, que marca os 12 anos da Associação de Imprensa em Português e Inglês de Macau. O autor do único livro em português sobre as seitas no território promete outras obras para breve. Para que o passado não desapareça no vai e vem de pessoas

[dropcap]S[/dropcap]ão quase 40 anos de Macau. Veio viver para cá em 1980, num contexto bastante diferente. Como é que foi a chegada?
Cheguei num momento muito interessante da história de Macau, o momento em que a imprensa se começava a profissionalizar. Havia, na altura, dois jornais: a Gazeta Macaense, com um senhor que se dedicava muito ao seu jornal, o Leonel Borralho, mas não era um jornalista profissional; o outro era O Clarim, da Igreja Católica, que tinha também belíssimos colaboradores. Por outro lado, tínhamos uma rádio com um profissional, o Alberto Alecrim, mas que vivia sozinho na sua rádio. Era o director e era o resto. Tinha colaboradores que, normalmente, vinham em comissão de serviço para Macau. Gostavam de falar na rádio, de fazer programas, de pôr discos. Era assim. Cheguei no momento em que se estava a pensar fazer a televisão em Macau. A rádio deu um salto qualitativo muito importante e, por arrastamento, os jornais.

“Quando nos interessamos pelos becos e pelos sítios que não conhecemos, começamos a gostar, mesmo que os becos sejam feios e a realidade seja, muitas vezes, pouco agradável”

Foi uma altura em que vieram para Macau vários jornalistas profissionais.
Vim eu, a Judite de Sousa, que hoje está na TVI, o José Alberto de Sousa da RTP, que faleceu há uns anos, o Fernando Maia Cerqueira, da RTP também, o Afonso Rato, que era o chefe da equipa, o Rodrigues Alves, um dos fundadores de O Jornal, que é hoje a revista Visão, e o Gonçalo César de Sá. A Rádio Macau transformou-se, de um momento para o outro, de uma emissora oficial que dava os comunicados do Governo e que punha música numa rádio normal, com noticiários de hora a hora, o que era uma coisa espantosa, nunca se tinha feito isso em Macau. Eu fui o crucificado, porque fui encarregado de ler os intercalares, fui literalmente lançado aos bichos. Tudo isto era para a criação da televisão, mas a rádio ainda ficou bastante tempo a ser dona das ondas hertzianas, porque o projecto da televisão demorou bastante tempo a ser concretizado. Houve percalços políticos, alterações de Governo. Os governadores em Macau costumavam ter um prazo de validade médio de mais ou menos dois anos. Com a mudança de Governador, não era só o ajudante de campo que mudava também – toda a Administração ia embora para Portugal e vinha um novo Governador com os chefes de repartição. Quando o PSD estava no poder, o PS vinha para cá exilado. Quando era o PS no poder, o PSD vinha exilado para cá. Finalmente, em 1984, ficaram reunidas todos as condições para a televisão poder avançar. E avançou com um projecto muito profissional a todos os níveis – técnico, da qualidade dos jornalistas, da qualidade da informação que se fazia. Foi um abanão muito grande no “status quo” de então em Macau.

Foi nessa altura que se verificou uma transformação na imprensa.
A Gazeta Macaense deixou de deter o monopólio das notícias da imprensa e surgiram dois jornais novos: a Tribuna de Macau e o Jornal de Macau. A Tribuna de Macau, sob a batuta de José Rocha Dinis, e o Jornal de Macau com João Fernandes, que acabou por ir embora. Deu-se então a fusão entre os dois. Ambos os jornais trouxeram equipas de redactores também profissionais. Por aqui se pode ver a profundíssima alteração que ocorreu na década de 1980 no jornalismo em Macau.

De lá para cá, houve outros momentos de grandes alterações na comunicação social local. Como é que olha para o jornalismo de língua portuguesa que hoje se faz em Macau? Há muitos profissionais que vieram depois da transferência de administração, para um território que já não pertencia a Portugal e às suas extensões.
Foi outra alteração tão profunda como a que acabei de referir, ou talvez ainda mais profunda. Vivi numa colónia portuguesa. Por muito que se diga que não era colónia, porque o poder económico esteve sempre na mão dos chineses, o espírito era esse. Quem mandava era Portugal. Surgiu 1999 e deu-se uma alteração do panorama que teve que ver principalmente com um factor: antigamente, a comunicação social ignorava o mundo chinês, os mais de 90 por cento da população, tratava das notícias e das análises sobre o que se passava com a comunidade ocidental que aqui vivia, com a comunidade portuguesa, que nunca ultrapassou as 10 mil pessoas. De repente, começou a tornar-se importante ouvir o deputado chinês na Assembleia Legislativa. Antes, quem ouvia os deputados chineses eram os repórteres chineses, não éramos nós que os íamos ouvir, porque quem contava politicamente eram os deputados portugueses. Aqui está uma alteração completamente radical. Hoje, Ng Kuok Cheong, Mak Soi Kun e todos esses nomes estão presentes nos diários. Isto representa a tal alteração estatutária de Macau que, de repente, passou a ser um local de emigração. O que vejo hoje é que as pessoas que vieram depois estão aqui como emigrantes. Às vezes custa-me perceber essa nova forma de estar em Macau, porque não me sinto emigrante e até posso ser considerado passadista. Mas leva-me muitas vezes a considerar a minha função de jornalista e a ter em conta a imagem do meu país. Hoje, o jornalista que está aqui, não precisa de ter isso em conta: tem em conta as regras da profissão e já lhe chega.

O facto de não se sentir emigrante faz com que encare o exercício da cidadania de outra forma?
Sim, talvez, porque gosto de Macau. Gosto de Macau por duas razões: primeiro, porque estou cá há muito tempo; e depois porque gosto muito de história, sempre gostei de saber o que se passava, e quando nos interessamos pelos becos e pelos sítios que não conhecemos, começamos a gostar, mesmo que os becos sejam feios e a realidade seja, muitas vezes, pouco agradável. É uma forma de estar bastante diferente da de um emigrante que está aqui, com toda a honestidade, a fazer o seu trabalho, mas que não tem quaisquer obrigações morais para com o sítio onde está.

Como é que surge o interesse por história?
Vem de longe. Nasce porque sou de uma aldeia do Alto Douro, muito pequenina, que hoje só já tem 22 habitantes. Lá no alto da aldeia há um monte que é um crasto antigo, romano. No meu quintal, encontravam-se muitas coisas que vinham com as enxurradas. Lembro-me que tinha uma colecção de moedas com vários sestércios romanos. Encontrei um anel árabe, várias coisas. E isso despertou-me o interesse. Andavam por ali arqueólogos da Universidade de Coimbra, que era na altura a única universidade que fazia esses estudos.

E como é que esse interesse se materializou em Macau?
Pouco tempo depois de cá ter chegado, apareceu-me uma pessoa que me entregou muito discretamente um documento sobre uns acontecimentos que, dizia, tinham sido terríveis aqui em Macau: os tumultos de 1922. Foi um caso grave na história de Macau porque houve uma greve geral que durou um ano, estiveram aqui os anarquistas em força a agitar as massas, houve tiroteios, os militares saíram para a rua, houve 70 mortos e mais de 200 feridos. Deram-me esse papel por acharem que daria uma boa história. Antes, esses assuntos não eram tratados, eram praticamente segredos. Olhei para aquilo: o documento que me foi entregue não era uma carta privada. Era um Boletim Oficial de 1922 que relatava os acontecimentos. Achei piada porque, na altura, em Macau era tudo secreto. Caí que nem peixe na água, porque aí comecei a investigar tudo o que era secreto. Mais secreto ainda do que 1922 – uma data tão remota que não percebia por que tinha algum grau de secretismo –, era 1966, o chamado “1-2-3”. Esse era ainda pior, ninguém falava e muito menos publicava alguma coisa sobre isso. Tudo isto me despertou para a história de Macau, que verifiquei ser muito interessante. Macau estava cheio de história, cheio de histórias, que se desconheciam, por estes preconceitos agravados pela ditadura e pelo monopólio da inteligência do clero local. O clero constituía a intelectualidade de Macau e exercia uma censura férrea a todos os níveis. Temos um exemplo muito interessante, o do Padre Teixeira. Foi o homem que escreveu sobre tudo quanto havia para escrever, mas havia determinados temas sensíveis em que não hesitava em adulterar por completo o que se passou, para se coadunar com aquilo que ele pensava ser correcto – e ele era um salazarista, um homem da extrema-direita, com todos aqueles preconceitos muito antigos, um reaccionário. Macau, apesar de já estarmos muito para lá do 25 de Abril, continuava envolto neste ambiente de censura, embora já não existisse censura. Tudo isto me impeliu a ir vasculhar, para saber quais eram as outras histórias que não sabia e que tinha obrigação de dar a conhecer.

A partir daí começa também a investigar as seitas, numa altura em que não havia em português nada escrito sobre este tipo de organizações.
Sim, mas pior: continua a não haver. O meu interesse pelas seitas não começa aqui, mas sim quando pertencia à Polícia Judiciária, em Portugal. Por qualquer razão, tudo quanto dizia respeito a Macau acabava por vir parar à minha secretária. Tive de começar a estudar. Ainda me lembro que o primeiro processo que me caiu era de um homem da 14 Kilates, de maneira que tive de ir ver o que era a 14 Kilates. Não encontrei nada em português porque ninguém tinha escrito sobre isso, a não ser um pequeno livro que pouco ficou na história da literatura portuguesa, de um autor de viagens chamado António Maria Bordalo. Fez aquela que, estou convencido, será a primeira novela policial escrita em português. Era sobre as seitas em Macau na sequência da explosão da Fragata D. Maria II, em 1850. Era a única coisa que existia. Depois disso, escrevi o livro “Histórias do Crime e da Política em Macau – As Seitas”, e estava à espera de abrir caminho a outros interessados. Mas não, infelizmente continua a ser o único livro sobre as seitas em Macau. Ao contrário do que previ, Macau tem mais jornalistas do que tinha antes da transição. Pode ser que algum se interesse por esse tema, porque mesmo entre gente da universidade ninguém se interessou até ao momento.

O tema é demasiado sensível?
Se calhar. Ou as pessoas pensam que é demasiado sensível. Eu acho que não é. É um tema cultural, como qualquer outro. Por exemplo, Sun Yat-sen, o primeiro Presidente da República da China, era um homem das seitas e nunca omitiu esse facto na sua biografia política. As seitas oscilam entre mergulharem na criminalidade comum e depois em ciclos políticos de transformação. Por isso é que são importantes. Não é um assunto tão sensível como isso.

“Macau, apesar de já estarmos muito para lá do 25 de Abril, continuava envolto neste ambiente de censura, embora já não existisse censura”

Nos últimos anos, tem feito muito trabalho de levantamento histórico para programas da TDM. Fazem falta mais exercícios de explicação do sítio onde estamos, até pela falta da escrita da história de Macau?
O problema de Macau foi sempre a população mudar muito rapidamente, e não só a portuguesa. Se virmos as estatísticas, temos uma percentagem altíssima de pessoas que têm menos de sete anos de residência em Macau. A memória não fica preservada. Como disse, os governadores mudavam de dois em dois anos, com toda a Administração, pelo que se perdia a memória daqueles dois anos. Lembro-me de ser repórter e de chegar um Governador, anunciar que ia fazer um estudo sobre determinado assunto, e dois anos antes tinha sido feito um estudo sobre o mesmo tema. A memória perde-se muito rapidamente. Se calhar, as pessoas que agora vêm de Portugal ficarão mais de dois anos mas, de qualquer maneira, não permanecem aqui muito tempo. Quanto ao meu trabalho, porquê pequenos programas? Não pretendo fazer um compêndio da história de Macau – isso é a Universidade de Macau que deve fazer. O que pretendo é divulgá-la, da melhor forma, de maneira a que as pessoas se interessem. Quanto à feitura da história de Macau, acho que não existe uma história de Macau, de facto, mas também não sei que história se poderá fazer.

A rádio, a televisão e os jornais são efémeros. Há possibilidade de passar esses apontamentos para livro?
Sim, porque só depende da minha disponibilidade. Como estou na reforma, já tenho bastante mais tempo. Há muitos temas que são tratados de uma forma na rádio ou na televisão mas que, em livro, podem ser abordados de uma maneira mais profunda e elucidativa, e menos efémera.

Podemos então esperar mais livros de João Guedes?
Com certeza que sim.

Quase 40 anos depois de ter chegado, gosta da Macau que temos?
Gosto, gosto disto. Tem muitos problemas. Estou a ver a Ponte Sai Van e a quantidade de trânsito que tem. Depois a poluição. Há uma série de coisas terríveis e é preciso fazer pressão para que isto melhore. Mas, apesar disso, gosto muito de Macau e não sou nada saudosista dos tempos em que havia as casas baixinhas da Praia Grande. Gosto muito de ver essas gravuras, mas Macau não podia parar no tempo. Já teria desaparecido, obliterado por Hong Kong. Eu e quem achar que sim tem a obrigação de fazer os possíveis por corrigir estas coisas caóticas, torná-las melhor e transformar esta cidade para que dê gosto viver nela, sem tantas obras, sem tantos carros e outras coisas que não são boas.

27 Jun 2017

Trabalho | Caso de tradutora lança dúvidas sobre contratação na Função Pública

Em resposta ao caso da tradutora, oriunda do Interior da China, que terá sido contratada por via específica, Sónia Chan recusou a existência de tal mecanismo de recrutamento na Função Pública. Ng Kuok Cheong não parece satisfeito com a explicação e pede ao Governo a divulgação dos dados relativos à contratação de pessoal

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] caso toca em dois assuntos sensíveis no território: a entrada nos serviços do Governo sem concurso público e a contratação de trabalhadores não residentes. Em causa está uma aluna finalista, proveniente do Interior da China, que está a concluir o curso de tradução de línguas chinesas e portuguesa no Instituto Politécnico de Macau (IPM), e que terá sido convidada para um cargo público através de uma recomendação de um professor.

Durante uma entrevista, a aluna afirmou ter entrado na Função Pública através de “via específica” para trabalhar como tradutora. A secretária para a Administração e Justiça, Sónia Chan, respondeu à situação declarando que o Governo da RAEM não dispõe dessa via no recrutamento de pessoal. A dirigente dos serviços acrescentou ainda que não tem qualquer informação sobre o caso concreto.

Sónia Chan disse ainda que os serviços que tradução que tem sob a sua tutela usam, sobretudo, tradutores locais e que só em caso de emergência recorre ao recrutamento de quadros no exterior. A secretária desmentiu a existência de qualquer via específica de contratação e lembrou que o regime em causa existe desde 1989.

Petição entregue

Na sequência desta situação, Ng Kuok Cheong pediu a divulgação dos dados relativos ao recrutamento de pessoal pela Função Pública em 2017, assim como uma resposta oficial do Executivo quanto ao caso em concreto.

O deputado vincou, em comunicado, a necessidade de os serviços públicos assumirem responsabilidades, e serem rigorosos e justos na contratação de pessoal.

Em resposta à polémica, o IPM esclareceu não existir qualquer via específica de recrutamento através de recomendação pessoal. Porém, Ng Kuok Cheong diz ter recebido informações de cidadãos que garantem que as relações pessoais com quadros dos serviços do Governo servem de alavanca para a entrada de novos trabalhadores.

Todos na mesa

Para clarificar toda esta confusão, o deputado pede ao Governo a divulgação do número total de trabalhadores não residentes contratados este ano como técnicos profissionais, assim como a sua categoria de especialidade. O tribuno exige ainda que sejam tornados públicos quantos trabalhadores são contratados através de concursos públicos, quantos são por recomendação pessoal e quantos por via do regime de aquisição de bens e serviços.

No seguimento deste caso, também a Associação Novo Macau pediu esclarecimentos ao Executivo quanto à existência de uma via específica de recrutamento para a Função Pública. O pedido de informações motivou ontem a entrega de uma petição dirigida à secretária para a Administração e Justiça, Sónia Chan, pedindo explicações e transparência na admissão de trabalhadores não residentes.

27 Jun 2017

Eleições | FAOM e Sonho Macau com relações tensas

[dropcap style≠’circle’]E[/dropcap]ra para ser ontem, mas não foi. A entrega das assinaturas que faltavam para o reconhecimento da comissão de candidatura às eleições da Associação Sonho Macau, presidida por Carl Ching, não aconteceu porque os membros chegaram atrasados à sede da Comissão de Assuntos Eleitorais da Assembleia Legislativa.

Mas não se tratou do único percalço. A entrega das assinaturas por parte da associação foi precedida, no domingo, por um incidente que envolve a lista de Carl Ching e, alegadamente, a Federação das Associações de Operários de Macau (FAOM).

Não tendo apresentado o número suficiente de apoiantes para o reconhecimento de comissões de candidatura, Carl Ching deslocou-se à zona das Portas do Cerco para conseguir os apoios em falta.

FAOM ou talvez não

Na actividade de recolha de assinaturas, diz Carl Ching, foi abordado por uma pessoa que alegava pertencer aos Operários. “Identificou-se como sendo apoiante da FAOM e disse que eu estava a perturbar a recolha de assinaturas”, explicou ao HM.

A actividade pré-eleitoral ficou suspensa. Agentes da Polícia de Segurança Pública acabaram por ser chamados ao local, tendo o presidente da Sonho Macau sido levado para a esquadra.

De acordo com Carl Ching, foi nesse momento que se apercebeu de que era suspeito de difamação, numa denúncia feita pela FAOM. Para o presidente da Sonho Macau, o objectivo dos Operários é “ameaçar outros candidatos que estejam na corrida eleitoral”. Em causa está a diminuição dos candidatos, refere.

Não temos nada com isso

Já o director da FAOM, Leong Wai Fong, considera que o incidente ocorrido com a recolha de assinaturas de Carl Ching poderá em nada ter que ver com a associação que lidera. No entanto, não deixou de referir ao HM que “se calhar alguns membros da FAOM não estão satisfeitos com as actividades da Sonho Macau e tentaram comunicar com o responsável”, disse.

No que diz respeito às acusações de difamação, Leong Wai Fong admite que o caso está a ser tratado pelas autoridades, sendo que, refere, ainda não tem qualquer dado acerca do seu desenvolvimento.

Em causa estão os acontecimentos de sábado. “Nesse dia descobrimos que existiam grupos na zona das Portas do Cerco a empunhar cartazes com conteúdos contra os Operários”, refere. Leong Wai Fong fala em ameaças físicas e acusações de que a FAOM estaria a contratar trabalhadores não residentes, bem como a receber subsídios em excesso por parte do Governo.

27 Jun 2017

Scott Chiang barrado à entrada de Hong Kong

Em vésperas da visita de Xi Jinping a Hong Kong, Scott Chiang, presidente da Associação Novo Macau (ANM), foi proibido de entrar no território. Não lhe foram dadas explicações, mas o activista pró-democrata vai exigir respostas das autoridades da região vizinha

[dropcap style≠’circle’]S[/dropcap]cott Chiang deslocava-se à antiga colónia britânica para ir a uma consulta médica de rotina, à qual vai todos os meses, mas acabou detido durante hora e meia numa sala da imigração do Terminal de Ferries em Sheung Wan. A máquina que faz o controlo automático da identificação de quem passa nos serviços de imigração não abriu. Em seguida, o activista foi abordado por um agente das autoridades de imigração que o conduziu a uma sala onde foi entrevistado.

Scott Chiang recusa caracterizar esta conversa como “um interrogatório”. Em primeiro lugar foi-lhe perguntada a razão para a visita a Hong Kong. “Contei-lhes que tinha uma consulta marcada”, recorda. O pró-democrata não tinha qualquer documento que comprovasse o carácter clínico da ida ao território vizinho, apesar de ter o medicamento que provava a sua condição médica. O líder da ANM disse não estar “obrigado a apresentar motivos para a estada em Hong Kong” e que “não era assim que as coisas funcionavam”.

Para líder ver

De acordo com Scott Chiang, o interrogatório a que foi submetido incidiu muito sobre o que iria fazer depois da consulta médica, se iria encontrar-se com alguém, se tinha ligações a associações. Foi-lhe também perguntado quanto dinheiro tinha consigo e quanto tinha em cartão.

Oficialmente, a razão pela qual lhe foi proibido entrar em Hong Kong prende-se com uma falha em preencher os requisitos de entrada. Scott Chiang perguntou que requisitos eram esses, tendo-lhe sido recusada uma resposta concreta. Porém, o activista não tem dúvidas de que foi impedido de entrar em Hong Kong devido à proximidade da visita de Xi Jinping ao território.

Aliás, quando da sua detenção, o presidente da Novo Macau recordou aos agentes que ainda era dia 26, faltando ainda três dias para a chegada do líder chinês a Hong Kong. Em seguida recebeu duas notificações, uma sobre a recusa de entrada e outra sobre a razão pela qual foi detido. O activista não recebeu qualquer cópia destes documentos, tendo-lhe sido também proibido fotografá-los. Passado uma hora e meia era recambiado de volta a Macau.

Esta foi a primeira vez que Scott Chiang passou por algo semelhante, um incidente que o fez sentir-se injustiçado e zangado. O activista explicou ainda que “Macau tem feito isto a pessoas de todo o mundo, há muitos anos, não só a dissidentes políticos, mas também a pessoas que têm o mesmo nome”, numa referência ao embaraçoso caso que envolveu uma criança barrada na fronteira.

O líder da Novo Macau considera que o Governo de Hong Kong foi demasiado sensível e espera que esta não seja uma nova política. Scott Chiang diz ter pena que as autoridades da região vizinha achem que “é assim que podem impressionar o líder chinês”, com actos que classifica, sem rodeios, como “abuso de poder”.

27 Jun 2017

Leong Veng Chai pede pavimentos mais seguros

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] deputado Leong Veng Chai entregou uma interpelação escrita ao Governo onde exige que sejam construídos pavimentos nas ruas mais seguros para que os invisuais não tenham acidentes no seu dia-a-dia.

“Há associações de apoio aos cegos que indicam que os materiais e a concepção das instalações para os invisuais não cumprem os padrões internacionais. Por exemplo, os sulcos não têm profundidade suficiente”, referiu o número dois de José Pereira Coutinho na Assembleia Legislativa.

O problema parece afectar até mesmo as pessoas que não sofrem de deficiência visual, aponta o deputado. “Perante estas queixas, o Instituto para os Assuntos Cívicos e Municipais (IACM) respondeu à imprensa que ia fazer uma revisão e utilizar tijolos com alta capacidade anti-derrapante, com vista a disponibilizar aos cidadãos um ambiente pedonal seguro e sem barreiras.”

Ainda assim, Leong Veng Chai questiona se o IACM “tem padrões uniformizados para as obras de colocação e instalação, bem como para a utilização de materiais”. O deputado pretende ainda saber se são adoptados diferentes padrões para as obras, alertando para o facto de terem sido feitos trabalhos de pavimentação recentes no bairro do Iao Hon.

“O Governo continua a realizar obras de instalação de piso táctil para os invisuais, por exemplo, na zona do Iao Hon, e as referidas obras foram feitas há pouco tempo. Em relação às obras adjudicadas, o Governo deve uniformizar os padrões, no âmbito da técnica e da qualidade dos materiais”, adiantou ainda, alertando para os custos em excesso que poderão ser cobrados pelas empresas de construção.

“Quando as obras não atingem as exigências, necessitam de ser realizadas de novo, e quem paga o respectivo preço são todos os contribuintes de Macau. Para além de gastar o erário público, a realização de novas obras produz barulhos e leva a incómodos para as pessoas que caminham a pé, situação que é desnecessária”, conclui.

27 Jun 2017

EPM | Fundação não nega acção judicial para reaver dívida da Fundação Oriente 

A Fundação da Escola Portuguesa de Macau não descarta uma acção judicial caso a Fundação Oriente não pague a dívida de 21,4 milhões de patacas. O seu presidente, Roberto Carneiro, prevê que no ano lectivo de 2020/2021 as obras da EPM estejam concluídas

[dropcap style≠’circle’]U[/dropcap]m relatório de auditoria encomendado pelo Ministério da Educação em Portugal revelou que a Fundação Oriente (FO) deve 21,4 milhões de patacas à Fundação da Escola Portuguesa de Macau (FEPM), mas a dívida ainda não foi saldada.

Em declarações ao HM, à margem de um evento público, Roberto Carneiro, presidente do conselho de administração da FEPM, garante que, caso a dívida não seja paga, já está a ser preparada uma acção judicial contra a FO, presidida por Carlos Monjardino.

“Está pensada uma acção judicial, mas penso que vão chegar a acordo. Mas a acção judicial está pronta, caso não se chegue a acordo”, apontou Roberto Carneiro, que se mostrou, no entanto, optimista quanto a uma resolução pacífica do assunto. “Essa questão tem sido discutida com Carlos Monjardino e com o ministro da Educação. Não sei quando será, mas penso que será em breve”, disse.

A dívida da FO é relativa a falhas nas transferências de fundos para o funcionamento da escola desde o ano lectivo de 1999/2000, pois nem sempre a FO terá cumprido escrupulosamente a percentagem de contribuições que tinha ficado decidida. O relatório mostra que houve anos em que a FO não deu qualquer financiamento à escola, outros em que deu apenas uma parte, enquanto nalguns anos lectivos houve um financiamento por inteiro.

A auditoria realizada em Portugal faz ainda referência à má gestão por parte da FEPM, ao nível da falta de organização de documentos, da inexistência de actas do Conselho Fiscal ou do não cumprimento da realização de assembleias-gerais. Para Roberto Carneiro, está tudo regularizado. “São questões puramente burocráticas. Não está nada pendente neste momento.”

Escola pronta em 2020

Questionado sobre o projecto de renovação da EPM, o antigo ministro da Educação em Portugal garantiu que o processo está a ser analisado pelos Serviços de Educação e Juventude, bem como pela Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes.

As obras “vão levar o tempo normal que estas coisas burocráticas levam”, frisou. “No ano lectivo de 2020/2021 teremos o novo bloco de aulas pronto. [O edifício] vai crescer em altura, vai haver uma parte do bloco novo, a cantina, um auditório novo e um pavilhão também.”

Roberto Carneiro falou ao HM à margem da apresentação do livro “Português Global 4”, um lançamento do Instituto Politécnico de Macau. O presidente da FEPM está no território para desenvolver o projecto de ensino de línguas europeias na EPM, para que a escola tenha “uma componente europeia”.

“Queremos abrir as suas portas aos alunos chineses que queiram estudar línguas europeias, como o espanhol, francês ou italiano, línguas que não sejam ensinadas aqui. São línguas que são igualmente procuradas na China, mas teremos sempre o português e o inglês.”

Daqui a cinco anos essa iniciativa deverá ser uma realidade. “Tem de ser algo negociado com a União Europeia e as autoridades de Macau, é uma coisa complicada”, concluiu.

27 Jun 2017

TUI rejeita apelo da CESL Ásia/Focus Aqua sobre ETAR de Macau

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] Tribunal de Última Instância (TUI) rejeitou um recurso interposto pelas empresas CESL Ásia e Focus Aqua por erro na forma de processo. De acordo com um comunicado enviado ontem pelo TUI, o caso diz respeito ao concurso público para a prestação de serviços de operação e manutenção da Estação de Tratamento de Águas Residuais da Península de Macau, um processo lançado em Abril do ano passado.

Segundo a mesma nota de imprensa, a proposta da CESL Ásia, em consórcio com Focus Aqua, foi excluída pela comissão de avaliação do concurso por não reunir os requisitos de qualificação exigidos no programa. Em Setembro último, os serviços foram adjudicados a outro concorrente, o consórcio BEWG-Waterleau.

Inconformadas, a CESL Ásia e a Focus Aqua interpuseram recurso contencioso do despacho do secretário para os Transportes e Obras Públicas que aprovou o programa, o caderno de encargos e outras peças procedimentais para o concurso público em questão. O Tribunal de Segunda Instância (TSI) rejeitou o recurso por erro na forma de processo, pelo que as duas empresas decidiram apelar ao TUI, que conheceu do caso.

A decisão da Última Instância manteve o entendimento do TSI. O TUI fez uma distinção entre normas regulamentares e actos administrativos, para concluir que “os textos que regulam o concurso dos autos e o respectivo caderno de encargos (…) aplicam-se a todos os concorrentes ao concurso público em causa, [pelo que] são normas regulamentares e não actos administrativos”.

O tribunal faz ainda uma explicação sobre os meios para impugnar normas regulamentares, para indicar em seguida que houve “uma errada escolha da forma de processo”, dando razão ao TSI. “Por outro lado, esta decisão também não violou o princípio da tutela jurisdicional efectiva, porque este resultado foi causado pelas recorrentes por desconhecerem as regras processuais”, acrescenta o TUI, negando provimento ao recurso.

27 Jun 2017

Finanças | Investimentos externos de residentes somam quase 500 mil milhões

[dropcap style≠’circle’]D[/dropcap]e acordo com a Autoridade Monetária de Macau (AMCM), em 31 de Dezembro de 2016, os residentes locais tinham investimentos em títulos externos no total de 484,7 mil milhões de patacas. Esta soma representou um crescimento de 10,5 por cento em relação ao ano anterior. Em média, cada residente de Macau tinha investido em títulos externos 752 mil patacas no final do ano passado.

Entre os vários componentes da carteira, os títulos representativos de capital chegaram aos 183,9 mil milhões, o que representou 37,9 por cento dos investimentos. As obrigações a longo prazo são os produtos financeiros mais populares entre os residentes de Macau, chegando ao montante de 285,9 mil milhões de patacas, uma parcela equivalente a 59 por cento dos investimentos. Quanto às obrigações a curto prazo, a soma chegou aos 14,9 mil milhões de patacas, ou seja, 3,1 por cento do capital investido.

No que diz respeito à distribuição geográfica onde o dinheiro foi aplicado, a região asiática deteve a maior fatia de investimentos externos dos residentes de Macau, com 56,6 por cento. Em segundo lugar fica a área equivalente ao Atlântico Norte e Caraíbas, para onde foram 15 por centos dos investimentos. A Europa vem em terceiro lugar, representando 12,3 por cento do capital investido, em seguida fica a América do Norte (10,4 por cento) e, finalmente, a Oceânia (5,1 por cento).

27 Jun 2017