Perspectiva | Reunião entre Donald Trump e Xi Jinping à vista

Os avanços e recuos nas relações entre Estados Unidos e China vão conhecer um novo episódio: o encontro, frente-a-frente, entre os dois líderes. Desde as primárias republicanas, Trump tem abalado a estabilidade diplomática entre as duas potências. Os líderes devem encontrar-se em Julho, à margem da cimeira do G20 de Hamburgo

[dropcap style≠’circle’]V[/dropcap]isualize este número: 1,12 biliões de dólares. Damos uma ajuda, são 12 zeros. Esta é a soma no pano de fundo das relações sino-americanas. Trata-se da dúvida soberana norte-americana que Pequim detém, isto depois de vender grande parte desses títulos de dívida para fortalecer o yuan em tempo de desaceleração do crescimento económico. Os dados são da Secretaria do Tesouro, demonstrando que a China já não é a maior detentora de dívida americana, tendo sido ultrapassada pelo Japão.

Esta pedra no sapato de Washington é um dos factores que deve ser tido em conta com a chegada de Donald Trump à Casa Branca. O homem que quer renegociar tudo, para que a América volte a ser grande, não tem parado de falar na China desde as primárias republicanas, quase sempre de forma pouco diplomática e descuidada. Pois bem, avista-se um encontro com Xi Jinping à margem da próxima cimeira do G20, a realizar-se em Hamburgo no próximo mês de Julho, de acordo com fontes citadas pelo South China Morning Post.

Ao longo dos anos, Pequim tem financiado Washington com somas exorbitantes de dinheiro, naquilo que poderá ser o maior elefante na sala do mundo da economia política mundial. Usando outra analogia elefantina, quando Donald Trump entra na loja de porcelana da geopolítica, começa a partir a loiça toda. Nomeadamente, pondo em causa a política “uma só China”, no que diz respeito a Taiwan, mas também acusando Pequim de manipulação de moeda. Aliás, há dias, o magnata nova-iorquino rotulou os chineses de “campeões mundiais de manipulação cambial”, em declarações prestadas à Reuters. Esta alegação surge depois da Administração norte-americana ter tentando apaziguar as relações entre as duas maiores potenciais económicas mundiais. Em mais uma demonstração de incoerência, é de salientar que, escassas horas antes, o novo Secretário do Tesouro, Steven Mnuchin, afirmara que a Casa Branca não tinha planos para rotular a China como um país que manipula moeda.

Frente-a-frente

Também na questão de Taiwan, Trump voltou atrás na aproximação à histórica pedra no sapato da diplomacia chinesa. Depois de colocar em causa a política “uma só China” múltiplas vezes, numa chamada com Xi Jinping, o Presidente norte-americano inverteu marcha e garantiu continuar a política seguida por Washington na questão formosina. Na sequência da chamada, o Presidente chinês terá dito que “os dois países estão totalmente aptos a tornarem-se bons parceiros”, de acordo com a agência Xinhua.

A maior constância de Donald Trump tem sido a inconstância. Nesse aspecto, torna-se urgente uma reunião entre os dois líderes, sem tweets incendiários pelo meio. “Pequim tem mantido contactos com a equipa de Trump sobre a possibilidade de uma reunião bilateral e Washington tem expressado opiniões semelhantes”, revela fonte citada pelo South China Morning Post.

No entanto, a incerteza é um dos traços da administração Trump, que tem revelado grande cepticismo, mesmo algum desdém, em relação a reuniões multinacionais. O isolacionismo tem sido uma imagem de marca da permanente campanha da nova Administração, profundamente marcada pela presença próxima de Steve Bannon.

O vice-presidente do Instituto de Relações Internacionais Chinesas, Yuan Peng, afirmou ao South China Morning Post que um encontro entre os líderes é essencial para mudar o tom e o rumo da relação entre Pequim e Washington. O analista disse mesmo “tratar-se de uma urgência para que os países possam trabalhar no futuro próximo”.

Do outro lado do espectro, James Woolsey, antigo director da CIA e ex-conselheiro de Trump em matérias de segurança nacional, aponta o mesmo caminho, dando a ideia de que quanto mais cedo a reunião acontecer, melhor. “A chave é não deixar a retórica azedar as relações entre os dois países, para se começar a trabalhar de imediato”, comentou ao matutino de Hong Kong. É de salientar que Woolsey se demitiu por discordar das declarações do Presidente acerca dos serviços secretos norte-americanos.

Visita a Washington

Trump tem reiterado a ideia de que nos negócios é importante a relação pessoal, o confronto cara a cara. Tal como no reino animal, quando dois machos alfa se encontram o embate pode resultar em cooperação ou sangue. Nesse sentido, Gal Luft, director do americano Instituto de Análise à Segurança Global, uma organização norte-americana, afirma que é fundamental os líderes “estabelecerem ligações pessoais, conhecerem-se”. O analista acrescenta que a “química pessoal que emergirá, ou não, poderá ditar a relação entre os dois países”.

A coincidir com o 45.º aniversário da histórica visita de Richard Nixon à China, que marcou a normalização das relações diplomáticas entre os dois países, Pequim enviou o seu diplomata n.º 1, Yang Jiechi, a Washington.

O conselheiro de Estado chinês estará hoje em reuniões com as contrapartes norte-americanas, diz um comunicado do Ministério dos Negócios Estrangeiros à Xinhua. De acordo com uma fonte ligada ao Partido Comunista Chinês (PCC), citada pela agência oficial, o assunto no topo da agenda será a discussão da altura para a primeira reunião entre os dois presidentes. Outro dos pontos na ordem de trabalhos será a situação na Coreia do Norte. Neste aspecto, as dúvidas também se mantêm, uma vez que o Presidente norte-americano repetiu, várias vezes, que usaria a questão de Taiwan para renegociar a posição chinesa em relação a Pyongyang.

No caso de Donald Trump seguir a via do isolacionismo e não comparecer em Hamburgo, uma hipótese bem possível para o encontro com Xi Jinping é a próxima reunião da APEC, a cimeira de Cooperação Económica da Ásia-Pacífico, a realizar-se no Vietname. Também é possível que a visita de Yang Jiechi resulte num encontro fora de reuniões multinacionais.

Aperto de mão

Para Xi Jinping, uma reunião com Donald Trump em Julho reveste-se de um significado especial, uma vez que o líder chinês tem razões para sentir alguma ansiedade em estabilizar as relações entre as duas potências antes da reunião do congresso do PCC, em Outono. A normalização das relações com Washington é um trunfo que o actual líder chinês, por certo, gostaria de levar para o encontro em Pequim que definirá a liderança chinesa.

Entretanto, já se especula sobre o que dirá nas entrelinhas o primeiro aperto de mão entre Trump e Xi Jinping. Depois do excesso de análise do cumprimento do magnata nova-iorquino ao primeiro-ministro japonês, Shinzo Abe, e ao primeiro-ministro canadiano, Justin Trudeau, já muito se especula sobre as conclusões a tirar na forma como Xi Jinping saudará Trump.

Apesar dos apertos de mão vigorosos do Presidente norte-americano, no plano geopolítico vingam as questões económicas, militares e diplomáticas. Neste capítulo, Pequim tem tido a tarefa ingrata de tentar chegar à comunicação com uma Administração que responde de forma inconsistente e errática em matérias demasiado sensíveis.

Para o vice-presidente do Instituto de Relações Internacionais Chinesas, Yuan Peng, a pior incerteza é não saber com quem contactar em Washington e como, atendendo a que Donald Trump tem demonstrado pouco interesse em usar os típicos canais diplomáticos. “E se acontece algo, uma urgência, quem contactamos?”, interroga-se Yuan Peng. A questão ganha outra dimensão com o uso descuidado de Donald Trump das redes sociais, onde não se coíbe de improvisar sobre matérias sensíveis sem qualquer apoio de consultores, nomeadamente, enquanto assiste a programas da Fox News.

Até a reunião se realizar, tudo pode acontecer, com o mundo em suspenso, aguardando as cenas dos próximos capítulos.

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