Macau Visto de Hong Kong VozesA polémica do Museu David Chan - 10 Jan 2017 [dropcap style≠’circle’]N[/dropcap]a sexta-feira, o South China Morning Post de Hong Kong fez saber que a segunda figura do Governo da cidade, a Secretária Carrie Lam Cheng Yuet-ngor, tinha aprovado a construção de um museu no West Kowloon Cultural District. Em reunião extraordinária do Conselho Legislativo, realizada no dia anterior, alguns deputados expressaram a sua insatisfação por não terem sido consultados antes da tomada de decisão, que resultou do acordo entre o Governo de Hong Kong e o Director do Museu do Palácio de Pequim, Shan Jixiang. Perante este protesto a Secretária afirmou: “Tive uma conversa informal com o Director Shan e ele louvou a qualidade dos curadores dos Museus de Hong Kong. A seguir perguntou-me se o West Kowloon Cultural District teria espaço para construir um edifício onde se pudesse expor peças do Museu do Palácio de Pequim.” O acordo secreto só mais tarde foi efectuado. O investimento, no valor de 3,5 biliões de HK dólares, será da inteira responsabilidade do Jockey Club de Hong Kong. O Museu será construído no West Kowloon Cultural District, na zona ribeirinha do cais. Durante a reunião extraordinária do Conselho Legislativo, a Secretária Carrie avançou ainda, “Hoje em dia se os representantes do Governo não tomarem decisões, Hong Kong não se pode desenvolver.” A deputada Claudia Mo man-ching comentou: “Os habitantes de Hong Kong foram privados desta informação, ela pura e simplesmente ignorou-os.” Kwok Ka-Ki, membro do Partido Cívico, pronunciou-se desta forma: “Esta atitude demonstra na perfeição a distorção dos valores fundamentais. Os representantes do Governo não podem fazer tudo o que querem só para capitalizarem politicamente.” A resposta de Carrie foi simples: “Penso que não violei nenhum procedimento legal.” Não há dúvida que a construção de um museu em Hong Kong para exposição de relíquias culturais é, não só o melhor para a China, mas também para Hong Kong. De acordo com a informação disponibilizada pela Wikipédia, existem cerca de 1,8 milhões de relíquias culturais no Museu do Palácio de Pequim. Como tal, é impossível expô-las a todas no Palácio. Segundo notícia do jornal de Hong Kong, Wen Wei Po, publicada no passado dia 4, 900 peças pertencentes a este espólio serão deslocadas para Hong Kong, por um período de tempo muito alargado. Como é sabido, o período para estas valiosas peças estarem fora da China é limitado. Em geral esse prazo tem o limite de três meses. Neste caso o período alargado quer dizer que irá ultrapassar os três meses. A exposição destas peças em Hong Kong pode ajudar os seus cidadãos a compreender melhor a China, a sua História e a sua cultura. Também pode incentivá-los a emigrar para a China. Aparentemente não há razões para que esta acção não seja apoiada pela população. Se Macau tiver as instalações adequadas, será bom vir a ter mais um Museu. Pode ajudar o “Centro Mundial de Turismo e Lazer” a atrair mais turistas. Mas se esta iniciativa é tão positiva para Hong Kong, porque é que alguns deputados se lhe opuseram? A resposta é provavelmente bastante simples. O artigo 73(2) da Lei de Bases de Hong Kong estipula que o Conselho Legislativo está investido do poder de aprovar o orçamento do Governo. No entanto, como a construção do Museu vai ser custeada na totalidade pelo Jockey Club de Hong Kong, a aprovação do Conselho Legislativo é desnecessária. Mesmo que alguns deputados discordem, nestas circunstâncias, não haverá consequências. O Museu de Hong Kong pode ser construído. Contudo, o artigo 73 (5) da Lei de Bases de Hong Kong investe os deputados do poder de questionar as acções do Governo, e o artigo 73(6) garante-lhes a possibilidade de debater qualquer assunto de interesse público. Mas, como no presente caso, não existem verbas públicas envolvidas, os deputados apenas se podem ater a estes dois sub-artigos para questionarem a acção do Governo. Para além disso, a reconstrução da zona do West Kowloon Cultural District está actualmente sob consulta pública. No entender de alguns deputados essa consulta peca por ser posterior à assinatura do acordo, o que implica que já não há oposição possível. Compreende-se o mal-estar destes deputados, visto que se sentiram ignorados pelo Governo. Nesta perspectiva, a afirmação “Penso que não violei nenhum procedimento legal” é questionável. Hong Kong é uma cidade desenvolvida. Os seus cidadãos são sensíveis a questões que envolvam conflitos de interesse e procedimentos legais. A construção deste Museu é um bom exemplo de como uma acção positiva pode, mesmo assim, gerar bastante polémica. O facto de se ter ignorado os deputados gerou confusão e não cooperação. De hoje em diante, se todas as questões foram tratadas desta maneira em Hong Kong, as acções positivas podem vir a ser uma fonte de polémica. Se a Secretária Carrie pudesse ter compreendido de antemão a sensibilidade destes deputados, e estes pudessem compreender que rejeitar a construção do Museu seria prejudicial para Hong Kong e uma ofensa ao Governo chinês, nada disto teria acontecido. E Hong Kong teria ficado em paz. Professor Associado do Instituto Politécnico de Macau Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau