Reportagem | Educação Sexual ainda é tabu. Governo deve fazer mais, dizem escolas

Com timidez e sorrisos envergonhados. É assim que as crianças reagem quando se fala em Educação Sexual. De um lado a cultura chinesa, tradicional e mais contida, do outro a ocidental, mais científica e aberta. Por aqui, o Governo tenta, mas as escolas não se mostram satisfeitas. É preciso fazer mais

[dropcap style=’circle’]S[/dropcap]exo, pénis, vagina, pílula e tantos outros conceitos: assim que ditos provocaram uma risada geral na turma do 8º ano da Escola Choi Nong Chi Tai, uma da quais o HM visitou. Batiam as 15h00 quando a assistente social Dora Tam perguntou a uma plateia de 30 alunos, com idades compreendidas entre os 12 e 14 anos, “o que é o amor?”. Fez-se silêncio.
“Os alunos têm muita vergonha em falar sobre este tipo de assunto, amor, sentimentos, educação sexual”, começa por nos explicar. Dora Tam estava acompanhada por outro assistente social. Foram à escola, numa cooperação entre a direcção da mesma e a Federação das Associações dos Operários de Macau (FAOM), para dar uma palestra sobre o namoro.
A timidez dos alunos era clara. Com risinhos e cabeças a olhar para o lado, a turma não se mostrava activa na participação. “É natural”, justificou.
Para contrariar o problema de inércia que tinha em mãos, Dora Tam propôs um jogo. “Cada um de vocês tem à vossa frente um papel. Nesse papel vão escrever a primeira ideia que vos surge quando pensam na palavra ‘Amor’. Não precisam de colocar o nome. É em anónimo”, tranquilizou.
Foi esta a forma que a assistente social arranjou para que os alunos se conseguissem expressar. “Não é que eles não tenham dúvidas, não é isso. Antes pelo contrário. Eles são muito curiosos, querem saber as coisas, mas têm muita vergonha de perguntar”, acrescentou.

Beija-me, meu amor

Depois dos papéis recolhidos, surgiram conceitos como “honestidade”, “partilha”, “cuidado”, “felicidade”. Houve até quem dissesse que “não tem opinião”. Ainda assim o grande vencedor foi: “beijos”.
“É nestas idades que eles começam a questionarem-se sobre determinados assuntos”, explicou Dora Tam, tentando justificar os resultados.
Depois do jogo chegou a vez das perguntas mais práticas. “Vamos falar sobre sexo. O que é que vocês acham de terem Educação Sexual?”, os risos foram inevitáveis e, com alguma vergonha, ouviu-se lá do fundo “acho bem, devemos saber essas coisas”.
Na outra ponta da sala surge uma aluna a afirmar que as escolas deviam falar mais sobre sexo, mas quando questionada sobre os conhecimentos passados aos meninos e meninas, a aluna não teve dúvidas: “isso deve ser separado, os meninos não têm que saber as coisas das meninas”.
De braço no ar houve quem não concordasse. “É uma coisa normal, acho que devíamos saber todos”, contra argumentou um estudante. Mas o choque aconteceu quando o HM perguntou: “vocês sabiam que há escolas que ensinam todo o processo do ciclo menstrual da mulher, quais os contraceptivos que existem, as doenças sexualmente transmissíveis e até ensinam como colocar um preservativo?” Choque. Bocas abertas de surpresas, mãos na cabeça, risos entre carteiras.
“Acham que todas as escolas deviam ensinar isso?”, perguntámos. A resposta foi maioritariamente “não”.

Fazer melhor

Vong Kuoc Ieng é o actual director da Escola Choi Nong Chi Tai. Trabalha há 35 anos naquele estabelecimento e antes de assumir as actuais funções era professor. A educação sexual não é uma disciplina, começa logo por frisar. “Mas não quer dizer que os alunos não tenham aulas sobre essa matéria.”
O director explica que há uma abordagem ao mundo sexual e sistemas reprodutores em vários anos escolares, começando no ciclo e terminando nos anos de ensino secundário.
Quando questionado sobre o plano lançado pela Direcção para os Serviços de Educação e Juventude (DSEJ), Vong Kuoc Ieng não tem dúvidas “não chega”. Na lista de exigências das competências académicas básicas que o Governo tornou públicas para orientação das escolas, explica, devia estar contemplada a Educação Sexual.
“Esta é uma escola que se preocupa e quer levar o conhecimento aos alunos. Por isso é que temos esta cooperação com os assistentes sociais. Os professores podem não estar a par e preparados para dar este tipo de formação, então juntamos o conhecimento que têm dos seus alunos ao conhecimento dos assistentes sociais do mundo lá fora, das maiores preocupações da sociedade e dos seus conceitos e fazemos estas actividades”, indicou.
Dora Tam explica-nos que estas crianças, devido aos seus traços culturais, não recebem, numa forma geral, este tipo de ensinamentos dentro do seio familiar. “Por isso não têm um à vontade grande para falar”, registou.

Queremos mais

A concordar com o director está Hamanda Cheong, responsável pelo departamento dos Assuntos Académicos da Escola São José de Brito. “Os materiais cedidos pela DSEJ sobre Educação Sexual não são suficientes. Achamos que deveria haver uma actualização dos materiais. Eles não acompanham os tempos”, explicou.
A disciplina de Educação Sexual não existe, mas as matérias estão incluídas no plano curricular da instituição de ensino, através da disciplina de Educação Moral e Religiosa. A cada final do ano, cada turma teve seis aulas sobre o tema. A escola organiza “palestras e outras actividades” e, tal como acontecia na escola anterior, também esta instituição conta com o apoio de assistentes sociais.
“[Eles] fazem um trabalho complementar muito bom. É que percebem o mundo lá fora e sabem o que as crianças nesta idade querem saber, ou o que elas passam. Sabem quando são as idades em que eles começam a ter relações sexuais. Os assistentes estão melhor preparados para este tipo de situação”, explicou a responsável. ensino escolas centros explicações
Sendo uma escola católica, a base que define as matérias tem conotação e respeita os valores da religião, ainda assim, tal não quer dizer que os docentes, e a própria administração da escola, não esteja cientes do “mundo lá fora”. “Somos católicos e o nosso ensino é com base nos conceitos da religião, mas sabemos, até por causa da internet e não só, que os alunos têm acesso a muita informação. Claro que, apesar de não sermos a favor, explicamos que se deve usar o preservativo por causa das doenças. Explicamos quando é certo a mulher ser mãe e outras coisas. Estamos atentos ao mundo”, indicou.
Relativamente ao interesse dos alunos nas matérias, Hamanda Cheong não esconde a realidade. “Não têm. Não perguntam, não mostram qualquer vontade de fazer perguntas. Mas, como disse, há muitas fontes de informação fora da escola – a televisão, a internet, entre outras coisas. Se calhar o que nós ensinamos [sistema reprodutivo] são coisas que eles não querem saber”, apontou.
Quando se questiona se aquela escola separava meninos de meninas para abordar temas como o ciclo menstrual, a responsável indicou que isso só acontece com uma turma. “Nessa turma nota-se que as meninas têm mais conhecimento do que os meninos e por isso separámo-los”, justificou.

Lados opostos

Parecendo não ter conhecimento do programa de orientação da DSEJ, Laurinda Coimbra, docente e coordenadora do núcleo das Ciências Naturais da Escola Portuguesa de Macau (EPM), conta ao HM que tudo está relacionado com a “simplicidade”.
“O sistema reprodutor é leccionado como qualquer outro sistema, por exemplo, o respiratório. [Os alunos] aprendem e são avaliados como em qualquer outra matéria”, indica.
Com os manuais escolares do 6º e 9º anos, a docente exemplifica alguma da matéria dada: estão lá todas. Os mais pequenos começam com as “alterações ao corpo” dos rapazes e raparigas. “Pêlos púbicos, o aumento dos seios, a alteração da voz, está aqui tudo”, explica enquanto folheia o livro. Tanto o sistema reprodutor masculino, como o feminino são estudados pelos alunos, passando depois para a parte da gravidez e parto.
No 9º ano as matérias para além de mais aprofundadas, são mais abrangentes. “Neste ano voltamos ao sistema de reprodução e estudamos muito ao pormenor. Nomes de determinadas coisas e partes do corpo que não demos no 6ºano, todo o ciclo menstrual da mulher e quais as alterações que acontecem no corpo, qual a composição do espermatozóide, por exemplo. É tudo estudado e avaliado”, conta.
Há ainda uma parte sobre alterações hormonais, gravidez, fases de gestação e amamentação – assunto este que não é mencionado nas escolas chinesas. Depois, explica, há uma atenção especial às Infecções Sexualmente Transmissíveis (IST) – antigas Doenças Sexualmente Transmissíveis (DST) –, à vacinação contra o cancro do colo do útero e, por fim, aos métodos contraceptivos. “Falamos de todos, como se usam e quais as suas taxas de sucesso”, explica Laurinda Coimbra, indicando que esta parte não é avaliada, mas é sempre mencionada nas aulas.
Questionada sobre o material, e respeitando governos diferentes, a docente indica que “o que não falta é material com informações”. Sobre a timidez dos próprios alunos Laurinda Coimbra afasta a questão.
“Não sinto que os alunos tenham vergonha de fazer perguntas ou de querer saber. Eles fazem perguntas, ainda hoje (esta semana) falámos sobre o vírus do HIV. Eles perguntam e querem saber como é que se apanha, como se manifesta, quantos anos pode demorar até se manifestar. Tudo”, sublinhou.
As diferenças culturais são determinantes no que toca a assuntos que ainda “podem ser vistos como tabu”, indica.

Logo desde pequenino

Mas e os mais novos? Aqueles que nem sequer sabem ler? Numa visita ao Jardim de Infância D. José da Costa Nunes, o HM confirmou que as “crianças mais velhas já fazem perguntas”.
As palavras são da educadora de infância Carmo Pires, que defende aquela que diz ser a melhor técnica: “a simplicidade na abordagem do tema”.
“Não contemplo este tema no meu planeamento para os meninos, mas a verdade é que às vezes surgem questões, de uma forma muito natural, e eu da mesma forma respondo”, explica, sublinhado a importância de não criar mitos e temas tabus nas crianças. “É desde aqui [jardim-de-infância] que se vai preparando as crianças e eu tento sempre usar os termos mais científicos. Há uma tendência para ensinar as crianças a dizer ‘pilinha’ e ‘pipi’, eu dou-lhe os nomes que têm – ‘pénis’ e ‘vagina’. Eles riem, outros não, mas compreendem. Aqui o ensino é diferente, mas os conceitos de como é que nascem os bebés, por exemplo, são explicados correspondendo à realidade. Não existe a cegonha. Não”, indica.
A diferença cultural não se pode negar. Da sua experiência os alunos com educação chinesa são mais tímidos quando ao assunto. Riem-se e não fazem muitas perguntas, mas se lhes for mostrada a simplicidade do tema, diz, desmistifica-se o “tabu”. Carmo Pires acredita que esse é o caminho e que Macau está a começar a dar os primeiros passos nesse percurso. Tal como um bebé.

Manual de ensino publicado pela DSEJ
 Escola primária:
– Aceitar e respeitar as alterações físicas
– Sistema Reprodutivo: conceitos
– Processos de fecundação
– Filhos são a cristalização do amor dos pais
– Prevenir abuso do corpo
Até ao sexto ano
– Sistema reprodutivo: conceitos e funções
– Puberdade
– Informações na internet
– Prevenção do abuso e assédio sexual
– Consequências do sexo inseguro
– SIDA
Sétimo e oitavo ano
– Conflitos familiares
– Vantagens das relações com pessoas de outro género
– Comportamentos para rejeitar relações sexuais antes do matrimónio
– Doenças sexualmente transmissíveis
Ensino Secundário
– Técnicas de auto-defesa para prevenir violação sexual
– Respeitar a homossexualidade
– Contraceptivos
– Responsabilidade dos comportamentos sexuais antes do matrimónio

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