Chen Huai Lin, professor de Comunicação da UM:  “Os média têm tendência a desenvolver-se como fast-food”

Foi jornalista e é agora professor, tendo dado aulas em Hong Kong e Macau. Considera que jornalismo tradicional mudou muito, especialmente com o impacto da internet e sente que há cada vez mais pressão na profissão. Ainda assim, concorda com a existência de um Código Deontológico para Macau e diz que há sempre a necessidade de o Governo fazer inquéritos públicos

[dropcap style=’circle’]F[/dropcap]oi um dos autores do livro publicado em 2004 intitulado “Jornalistas da China, Hong Kong e Taiwan estão a mudar”. Considera que a mudança aconteceu realmente?
O livro já foi escrito há mais de dez anos. Desde essa altura até agora, aconteceram grandes mudanças no ambiente jornalístico, principalmente por causa da internet. De um pequeno poder, a internet tornou-se esmagadora dos média tradicionais. Portanto, os jornalistas enfrentam mais competição, pressão e dificuldades. Os média tradicionais estão a cair, tanto na sua força de influência, como nos rendimentos que têm. Ao mesmo tempo, os seus leitores estão a envelhecer, a maioria das novas gerações não procura muito os média tradicionais, sobretudo os que têm menos de 40 anos. O grupo que maior consume socialmente já não é cliente dos média tradicionais. Quando escrevi este livro, foram tidos em conta jornalistas de jornais, televisão e rádio e a pressão destes média era maior. Com a competição dos novos média, vários jornais conhecidos internacionalmente já fecharam, cortaram a mão-de-obra ou “traíram” o público, mudando para empresas que se desenvolveram mais na internet.

Os trabalhos dos jornalistas também se alteraram?
Sim, a disciplina e os trabalhos dos jornalistas também foram afectados. A ideia de que os “jornalistas têm responsabilidades pelo mundo” e que são considerados “o quarto poder” – além da separação dos três poderes (legislativo, executivo e judiciário) que supervisionam a sociedade – [foi mudando] porque os proprietários dos meios de comunicação social têm de enfrentar pressões diariamente. Não podemos esquecer que, para os detentores dos média privados, isto é um negócio e eles podem não ter vontade em suportar um negócio que perde dinheiro. Depois, mais uma vez, por causa do desenvolvimento da internet, o investimento na publicidade é maior nos média novos.

Mas Macau enfrenta esta situação mesmo com o Governo a atribuir subsídios?  

Macau está numa situação diferente, acho que os média cá estão entre a forma de funcionamento dos de Hong Kong e da China continental. Muitos [média] de Hong Kong são bem comerciais, sendo que apenas uma parte se mantém tradicional. Em Macau, a TDM é 100% gerida com capital do Governo, mas isso não significa que é o meio para passar mensagens do Governo. Por cá, os salários não são altos, nunca se consegue comparar com as empresas grandes. Por isso, há jornalistas – velhos – que trabalham para o jornalismo de coração. Mas é tudo diferente: se virmos o canal português da TDM, este tem de se preocupar menos com o impacto comercial porque não existe para ganhar dinheiro. Quem trabalhar lá, tem mais responsabilidade de fazer jornalismo. Outro caso é o Jornal Ou Mun, que tem relações mais próximas com o Governo, sendo que o seu director tem um cargo político no Governo Central. Mesmo que não seja um jornal comercial como os de Hong Kong, a maioria dos anúncios do Governo ou de empresas privadas são publicados lá. Parece-me que Macau tem mais tolerância e a cultura dos média é diferente da Hong Kong, aqui não existe “uma luta de vida ou morte” entre os jornalistas e as empresas.
 
Mas, Macau actualmente não tem um código deontológico nem um cartão de jornalista. Como avalia esta situação?
Ouvi agora essa situação pela primeira vez. Mas entendo, porque os jornalistas são mais livres cá e não gostam de ser restringidos ou, de certa forma, punidos. Ao mesmo tempo, a remuneração para jornalistas em Macau não é muito alta, nem o seu estatuto social, sendo que uma boa parte dos jornalistas não é formado em Jornalismo. Daí, que eles possam preocupar-se com exames ou que venham a sofrer limites, sobretudo, os jornais pequenos e os que expressam opiniões políticas podem não ter tanta vontade em ter um Código Deontológico. Em Hong Kong existe este Código mas não é tão exigente. Na minha opinião, espero que Macau avance com isso, dê esse passo e depois discutimos o seu nível de exigência. Pela minha experiência – fui jornalista na televisão de Xangai – na China continental também existe este código, ainda que o sistema seja diferente.  

Antes de chegar a Macau, deu aulas na Universidade Chinesa de Hong Kong. Porque é que decidiu desenvolver a carreira em Macau? Como olha para o sector da Comunicação nas duas regiões?

Macau é uma cidade que tem mais sentimentos humanos, os políticos não são tão opostos uns dos outros e tenho a mesma liberdade para fazer estudos. Assim tomei esta decisão em 2000, portanto estou em Macau há 15 anos. Depois da transferência de soberania, tanto Hong Kong como Macau sofreram influências dos novos média, como já disse, e estamos a enfrentar a questão de que as novas gerações não lêem notícias através dos média tradicionais. Em Hong Kong, a imprensa ainda é dinâmica e animada e mais competitiva, mas também tem agora mais mercantilização. Os média têm tendência a desenvolver-se como “fast food”. Os artigos compridos e profundos diminuíram. É uma pena mas não há alternativa. Em Macau, os jornais não mudaram muito, porque desde o passado até agora, por exemplo, o Jornal Ou Mun ainda ocupa grande parte do mercado, mesmo que tenha sofrido um impacto com os jornais “ultramarinos”, tais como Apple Daily e o Oriental Daily.

Como avalia o hábito de leitura dos jovens de Macau?
Os jovens não lêem os jornais. É um resultado de um inquérito feito recentemente a estudantes da UM. Quando escolhem duas fontes principais para obter notícias, menos de 5% dos estudantes locais escolheu o Jornal Ou Mun. Os jovens estão muito longe dos jornais, uns apenas lêem os títulos mas não conhecem profundamente a notícia, outros apenas lêem revistas de lazer. Mas o hábito de leitura desenvolve-se desde a infância. Se agora eles não lêem jornais, voltarão a ler com 50 anos? É impossível. No que toca aos livros, apenas os estudantes considerados “de elite” ou os que são influenciados por família têm o hábito da leitura, a maioria nunca leu livros famosos tanto da China como do estrangeiro. Mas observo isso como uma mudança de gerações, porque quando eu era jovem os meus pais consideravam “péssimo” o facto de eu não ler livros. Agora sou quem que mostro insatisfação para com os jovens que não lêem o que eu considero importante. Mas é verdade que, comparado com outros países, como os Estados Unidos, onde a leitura é muito comum e as pessoas lêem no metro e na praia, Macau é diferente.
 
É especialista na área da sondagem pública. As instituições académicas de Macau fazem muitos inquéritos a pedido do Governo, incluindo a UM. Mas o recente relatório do Comissário de Auditoria aponta o dedo aos problemas de adjudicação destes serviços. Como avalia a necessidade de se fazer sondagens públicas? 
Sou especialista nesta área, sim. Já fiz muitos inquéritos públicos do Governo e sou responsável em partes importantes desses questionários. Primeiro, porque é que o Governo precisa de fazer isso? Uma das razões é que o resultado pode corresponder à previsão do público, para que não só o Governo diga o que pensa, mas mostre dados e justificações para promover uma política. Assim, precisa de uma sondagem pública feita por uma instituição de confiança e que se dedique. E o Governo também espera que as opiniões sejam dadas por uma instituição, em vez de serem feitas por ele próprio. Quanto à qualidade das sondagens públicas, não estou a exagerar, mas é verdade que os inquéritos feitos pela UM têm melhor qualidade do que os outros, porque primeiro analisamos se o assunto precisa de ser alvo de sondagem e, depois, as amostras abrangem uma grande dimensão de pessoas, devendo ser representativas – o número é sempre entre 600 a mil inquiridos, o que para Macau é mais adequado. Mas a desvantagem da sondagem pública é que é difícil fazer questões mais profundas ou sensíveis e as pessoas só podem responder dentro de escolhas limitadas, ou seja apenas se pode saber se concordam ou discordam. Embora se faça cada vez mais sondagens públicas em Macau, está cada vez mais difícil,  porque o modelo dos inquéritos deve ser exigente e profissional. Considero viável que o Governo tenha um grupo especializado em avaliar as instituições que fazem sondagens públicas.

Portanto, no futuro, a necessidade das sondagens públicas ainda vai ser grande? E cumprirá os seus objectivos?

Sim, por exemplo, prevejo que quando chegar 2049 vai ser preciso fazer uma sondagem pública, para podermos compreender as opiniões da população sobre a governação de Macau e as relações com a China continental.

Subscrever
Notifique-me de
guest
0 Comentários
Inline Feedbacks
Ver todos os comentários