Óbito | Nuno Teotónio Pereira: Da habitação social ao combate ao regime

[dropcap style=’circle’]O[/dropcap]arquitecto Nuno Teotónio Pereira, que faleceu ontem, em Lisboa, aos 93 anos, foi um dos pioneiros da habitação social, contestou a arquitectura do regime de Salazar e defendeu a importância da beleza e do bem-estar nos edifícios.
Com mais de 60 anos de carreira, o arquitecto nascido em Lisboa, em 1922, foi homenageado pelos pares na Ordem dos Arquitectos, em 2010, e recebeu no ano passado o Prémio Universidade de Lisboa.
Na altura, a Universidade destacou o exercício “brilhante” na área da arquitectura e apontou-o como uma “figura ética”.
Nuno Teotónio Pereira, que faria 94 anos a 30 de Janeiro, foi galardoado por três vezes com o Prémio Valmor para edifícios como a Torre de Habitação Social, nos Olivais Norte, o chamado Edifício “Franjinhas” e a Igreja do Sagrado Coração de Jesus, todos em Lisboa.
Pioneiro na área da habitação social, foi também um activista dos direitos cívicos e políticos, integrando o movimento dos chamados “católicos progressistas”, que o levou por várias vezes à prisão no regime ditatorial do Estado Novo.
Participou no 1.º Congresso Nacional de Arquitectura, em 1948, afirmando-se como um dos opositores à estética do regime de Salazar, nomeadamente contra a ideia de uma “arquitectura portuguesa” típica.
Assinou, ao longo da vida, dezenas de projectos em nome próprio ou em co-autoria com arquitectos como Bartolomeu da Costa Cabral, Nuno Portas, João Braula Reis e Gonçalo Byrne, entre outros.

Amor alfacinha

O histórico arquitecto, continuava a declarar “um grande amor por Lisboa”, uma cidade onde procurou sempre “contribuir para a beleza do espaço e o bem-estar das pessoas”.
“A construção está quase parada em Portugal. Há pouco dinheiro, mas um projecto feito por um arquitecto competente sai mais económico do que se for feito por um arquitecto incompetente”, comentou, em 2010, numa entrevista à agência Lusa.
Formado na Escola de Belas Artes de Lisboa, recordou que, “antigamente, havia um conceito errado ao recorrer aos arquitectos apenas para criar obras sumptuosas”. “Hoje, os arquitectos devem fazer desde as obras mais modestas às mais grandiosas”.
Com uma experiência de vinte anos na área da habitação social, defendeu que este conceito “continua a fazer sentido, enquanto houver pessoas ou famílias sem casa digna”.
“Estou esperançado que acabem com os bairros de lata no país”, comentou o co-autor do projecto de Habitação Social para Olivais Norte, que viria a receber o Prémio Valmor em 1968.
Defendia, contudo, que a habitação social devia ter certas características, como não se diferenciar da restante paisagem urbana para evitar ser de imediato classificada como “casa dos pobres”, e fugir à criação de “ilhas” sociais.

Boas influências

Nuno Teotónio Pereira decidiu seguir arquitectura contagiado pelo entusiasmo de um colega, Carlos Manuel Ramos (filho do arquitecto Carlos Ramos), numa altura em que se sentia mais inclinado pela Geografia.
A paixão pela arquitectura manteve-se ao longo da carreira, mas “houve momentos difíceis”, sobretudo durante o regime salazarista, quando foi preso várias vezes pela PIDE, a polícia política da ditadura.
Teotónio Pereira repudiava as pressões para alterar projectos conforme o gosto do regime: “Sempre defendi que os edifícios devem ser construídos de acordo com o seu próprio tempo. Eles queriam que se construísse tudo no estilo antigo”.

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